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O_CONTRATO_TERAPÊUTICO-LimaFilho1 (1)

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1
INSTITUTO DE TREINAMENTO E PESQUISA
EM GESTALT TERAPIA DE GOIÂNIA
ITGT
Rua 1. 128 nº 165 St. Marista Goiânia-GO CEP: 74.175-130 Fone: (62) 3941-9798 e-mail: itgt@itgt.com.br
O CONTRATO TERAPÊUTICO Texto retirado do periódico Revista Gestalt, nº 4, 1995, pp. 75-86.
Alberto Pereira lima Filho O autor expressa sua gratidão a Elzi Martinelli, Leda La Lama, Marcas César Ponha, Mouro Hgueroa, Mónica Moraes e Suzana Serino, por sua leitura critica e sugestões, e a Roca Siqncc, pela primorosa revisão.
Sumário
	O	autor descreve o contrato que se estabelece entre o psicoterapeuta e o cliente. Considerando-se o significado do contrato como um todo, a importância e os aspectos psicodinâmicos de cada item contratual. O texto inclui exemplos clínicos que ilustram a relação existente entre fenômenos clínicos e fatores transferenciais promovidos pelo contrato, ou que surgem dentro do contexto assim delimitado.
Summary
The author describes the contract established between the psycho therapist and the client, taking into account not only the meaning of the contract as a whole, but also the importance and the psychodynamic aspects of each one of it’s elements. The text is filled with clinical ex­amples which illustrate to what extent clinical incidents may be related to the transference/countertransference interplay elicited by or emerged within the boundaries of the contract.
INTRODUÇÃO
As questões relativas ao contrato que se estabelece entre o psicoterapeuta e seu(s) cliente(s) certamente ocupam um papel central na dinâmica que pelfmeia o Self terapêutico. A literatura técnica, acentuadamente dedicada ao intrapsíquico, é pobre em orientações concernentes ao tema. Em decorrência disso, quando inicia sua carreira, o psicoterapeuta mergulha num relativo desamparo. O cotidiano de seus atendimentos o leva a se confrontar com uma quantidade e uma qualidade de dificuldades que, a um só tempo, dele requerem um expediente para o qual foi precariamente preparado e o impulsionam a amadurecer e elaborar, uma a uma, artesanalmente, as diversas sutilezas cio contrato e suas implicações.
O processamento dessas dificuldades acaba sendo uma das principais funções da supervisão clínica, onde são assinalados os entraves contratuais e seus significados, tanto cio ponto de vista do caso clínico quanto do ponto de vista das idiossincrasias do psicoterapeuta. Sensibilizado para o tema, o psicoterapeuta pode, a um só tempo, instrumentar-se para o trabalho clínico junto a seu cliente e identificar as lacunas de su aconsciência, que o impedem de compreender a dinâmica da relação terapêutica. Contudo, há como se adquirir uma noção de suficiente prontidão antes do encontro com um cliente concreto. A supervisão clínica pode se dedicar a focalizar apenas as particularidades individuais de cada caso. É lícito entender que, mesmo sem pressupor o ser humano que procurará por seus serviços, fica reservada ao psicoterapeuta a possibilidade de se conscientizar a respeito do significado do contrato e, com isso, preparar-se para o trabalho com um cliente qualquer. Um cozinheiro não sabe se vai trabalhar com uma senhora que tem problemas de colesterol, ou se ocupará a função de chefe em um restaurante francês. Mas, se é essa sua vocação, precisa ter noções básicas de cozinha.
O estudo que se segue não pretende antecipar-se à originalidade de clientes individuais, nem privar o profissional da aprendizagern vivencial, mas apresenlar um roteiro para a reflexão do psicoterapeuta a cerca do assunto.
CONTEXTO
A entrevista inicial - que pode requerer mais de um encontro - terá atingido suas finalidades, quando forem atendidos alguns critérios, dentre os quais destacam-se:
-	possibilitar a tomada de um diagnóstico capaz de levar - com um mínimo de suficiência - a uma compreensão do modo e ser do cliente e do momento existencial em que se encontra, além de uma avaliação dos recursos e limitações da pessoa;
-	permitir identificar a pertinência de um processo psicoterápico para o atendimento às necessidades do cliente, ou definir um encaminhamento adequado;
-	evidenciar a viabilidade do estabelecimento de uma aliança terapêutica capaz de dar sustento ao trabalho conjunto;
-	possibilitar ao psicoterapeuta aferir até que ponto se encontra tecnicamente habilitado, disponível e sensibilizado para o trabalho com o cliente;
-	possibilitar ao cliente decidir se são desejáveis uma psicoterapia e um relacionamento com aquele profissional;
-	favorecer a formulação de um contrato psicoterápico, estabelecendo as bases para o trabalho.
Feitas as necessárias adaptações, o núcleo desses critérios aplica-se às diversas modalidades de atendimento, individuais ou grupais, em consultório particular ou em instituição.
DELIMITAÇÃO DO TEMA
A formulação do contrato ritualiza a passagem dos contatos iniciais ao processo psicoterápico propriamente dito. Envolve um intenção recíproca de estabelecimento de vínculo formal para a prestação e o recebimento de serviços. Projeta-se, assim, um campo delimitado - que mais tarde se perceberá como continente - onde um relacionamento irá se construir.
Um contrato é um trato que se faz com, de onde se deduziria que cliente e psicoterapeuta estariam definindo em comum acordo as regras e responsabilidades recíprocas que irão reger seu trabalho. No entanto, a menos que o psicoterapeuta se disponha a ter um contrato diferente com cada cliente, os elementos fundamentais da formulação contratual são de sua autoria. Ele precisa se sentir confortável dentro das bases contratuais e, para isso, é necessário que elas sejam representativas da ideologia que respauta sua conduta profissional tanto em seus aspectos pessoais, quanto em seus aspectos teóricos e técnicos. Para qu ele tenha condições de oferecer um verdadeiro continente para seu cliente, todos os elementos contextuais e ambientais, dos quais o contrato é um componente, precisa ser estáveis e manter uma coerência com sua concepção de homem e saúde psíquica, com seu modo de ser, com a estrutura da sala de atendimento e com o corpo conceitual teórico que norteia a abordagem que adota em psicoterapia. Guardadas exceções relativas ao psicoterapeuta, tais como mudanças na clínica, mudança de endereço, modificações inevitáveis em algum item contratual e congêneres, o cliente é o único elemento que se alterna. Isso não significa que o contrato seja autoritário, ou que não seja democrático. Significa que é proposto por uma autoridade e está a serviço de definir os limites de um campo que, por sua vez, será o campo da autoridade do cliente. O profissional ocupa o poder para, em seguida, desocupá-lo. Melhor dizendo, passa a compartilhá-lo. O psicoterapeuta fornece as páginas; o cliente traz o texto. O psicoterapeuta define o campo - um campo de fé; o cliente o preenche com seus desejos, angústias, sentimentos, necessidades e esperanças. O cliente é, portanto, amplamente considerado. O processo só terá início quando estiver de acordo com as regras propostas e se disponha a adentrar o campo.
O	contrato é o guardião das liberdades individuais e, portanto, o preservador da potência e do poder relativos de cada um dos envolvidos. Autentica e garante, conseqüentemente, a autonomia de cada parte contratante.
Levando-se essas considerações mais a fundo, ver-se-á que o contrato é uma parcela importante do processo de cura. O processo psicoterápico se inicia com um ato de cura e, paradoxalmente, o adoecer que irá se manifestar e desenvolver ali, poderá ser superado quando se puder compreender e assimilar o sentido do contrato.
O	sujeito se constitui, psicologicamente, graças à intervenção de duas funções psicológicas, sejam quais forem seus veiculadores: o olhar da mãe e a palavra do pai. O olhar da mãe convida o ser a se expressar, proporcionando-lhe acolhida e aceitação. A palavra do pai nomeia o que se expressa, num gesto de reconhecimento, atri­buindo-lhe contorno e identidade. A mãe promove o emergir do conteúdo; o pai provê o continente. A mãe desencacleia fluir doafeto, o plano dos relacionamentos, instalando o princípio de Eros; o pai ordena, dirige e canaliza a libido, presentifica o sentido do coexistir, o plano do pertencer à coletividade e sua cultura e elicia a orientação do princípio de Logos. A duas funções se fazem representar no encontro psicoterápico. A função materna se expressa na escuta e na aceitação; faz-se perceber, entre outras manifestacões pelo convite à sala de atendimento e pelo silêncio do psicoterapeuta no início de cada encontro. O contrato inicialmente formulado, bem como o ato cotidiano de zelar por ele, é uma das formas - a mais relevante, talvez - de como se manifesta a função paterna no encontro psicoterápico.
Destaco como elementos componentes do contrato: as partes contratantes, o local, os honorários, os horários, a periodicidade e as férias. A seguir apresentarei minhas reflexões sobre cada item.
AS PARTES CONTRATANTES
Tratando-se de clientes adultos e considerando-se a ausência de limitações físicas ou psicológicas incapacitadoras, fica evidenciado quem são as partes contratantes pelas características próprias da situação. No entanto, é preciso que se verifique qual a compreensão única que cada cliente tem desse item e como o integra à totalidade de sua vida. Com freqüência, o discurso do cliente indica como se estruturam as relações de contrato no interior de seu mundo emocional, como zela pela parte que lhe compete e quais dificuldades tem a esse respeito.
Egberto, 32 anos, negligenciava o pagamento; diversas vezes o psicoterapeuta precisou lembrá-lo do vencimento. Em sua dinâmica, verificou-se que ele esperava que o psicoterapeuta ocupasse uma posição parental de sustento econômico. Ele “não precisava pagar”, pois estava sob os auspícios de um provedor. De alguma maneira, entendia que “o pai depois pagaria” (em sua infância, no interior, ia ao cinema sem pagar o ingresso e o pai depois acertava com a bilheteria), ou percebia o próprio terapeuta como o pai que o dispensava desses encargos adultos. As partes contratantes, portanto, eram vistas como o psicoterapeuta e o pai, distintos ou condensados em um só objeto. Como se observa, tratou-se de um deslize formal do ponto de vista da colaboração consciente entre psicoterapeuta e cliente, no que dizia respeito ao contrato de trabalho. Mas esse deslize formal não era um equívoco psicodinâmico, pois denunciava a estrutura inconsciente que habitava o mundo emocional de Egberto. Eis um exemplo de como o contrato precisa ser estável para que se destaquem as peculiaridades da pessoa.
Elen, 28 anos, por sua vez, remunerava o psicoterapeuta regularmente. Certa vez, contudo, o cheque que costumeiramente trazia dobrado caiu e ela o leu. “Credo! Tudo isso?”. Embora o contrato tivesse sido formulado com ela, o que levaria a crer que estivesse ciente de quanto pagava pelo tratamento, havia delegado ao marido a responsabilidade pela feitura do pagamento e por toda e qualquer preocupação consciente a ele relacionada. Foi preciso absorver o “novo” dado e incluí-lo na relação psicoterápica como que pela primeira vez. O episódio foi muito útil e guardava um elo interessante com a queixa consciente de Elen por ocasião da entrevista inicial: tinha a sensação de que poderia levitar, pois não se sentia firmemente apoiada sobre o chão; sua vida achava-se esvaziada de sentido e imaginava-se à mercê de forças alheias a sua vontade. Algo fundamental, de fato, estava excluído de sua experiência.
No caso de atendimento a menores de idade, é necessário que o contrato seja formulado junto aos pais ou responsáveis e, mesmo assim, se possível, com o conhecimento e a participação da pessoa para quem a psicoterapia foi solicitada. O adulto responde por ela em alguns aspectos, não em outros. Assim, é importante para a criança e para o adolescente sentirem que seus pais se interessam por sua saúde emocional e que suprem o atendimento a suas necessidades. Que os pais se responsabilizem pelos honorários do profissional é indicador de que estão delegando o filho aos cuidados de alguém em cujo trabalho confiam e cuja competência validam a cada gesto de pagamento. Isso transmite segurança e faz da psicoterapia uma recomendação dos pais; portanto, em algum nível de consciência, é percebida como um cuidado. O que se passa dentro do encontro com o terapeuta, porém, é privativo e sigiloso, abarcando o âmbito de responsabilidade compartilhada unicamente por quem dele participa.
Para que cliente e psicoterapeuta desenvolvam um trabalho coerente e profícuo, é necessário que estejam aliados em um mesmo fim. O conceito de aliança terapêutica ocupa-se desse particular: trata-se da cooperação consciente entre ambos para que seus esforços se canalizem numa mesma direção, independentemente das dificuldades e resistências - o que inclui a transferência - que inevitavelmente surgirão em decorrência do processo psicoterápico. Nesse sentido, a finalidade da psicoterapia, tal como concebida pelo profissional, há de ser conhecida pelo cliente; caso contrário, a aliança não se formará, ou não se destinará ao mesmo fim. Muitas vezes, profundamente envolvido pelas dificuldades que justificam o pedido de ajuda, o cliente busca aliviar-se de seu sofrimento e tem uma espécie de pedido - raramente explicitado - para formular ao psicoterapeuta. De alguma maneira, pressupõe que o pedido foi feito, ouvido e que será atendido. Sintonizado com sua necessidade e alheio às proposições que o profissional tem a ofertar, corre o risco de imaginar estar comprando um produto que não está sendo oferecido. É de responsabilidade do psicoterapeuta criar condições, portanto, também no que diz respeito à clareza compartilhada sobre os propósitos de um processo psicoterápico, para que o contrato formulado possa servir de respaldo a uma finalidade estabelecida em comum acordo.
É freqüente a ocorrência de um tipo particular de entrave nas psicoterapias, quando alguma coisa parece emperrar, ou fluir com dificuldade. Uma das hipóteses a ser levantada é a de que a aliança terapêutica talvez não se tenha formado. O relacionamento pode ser bom, envolver confiança e afeto; ainda assim, se cada um trabalhar em uma direção diversa, ambos se sentirão frustrados, impotentes e mesmo sozinhos em suas tentativas. Quando isso é percebido, pode ser trabalhado com amplos benefícios para o cliente, a relação e para o processo.
O LOCAL
Também fica indicado pela própria situação qual será o local dos encontros, salvo situações especiais que requeiram arranjos diferenciados. Mas também aí é importante que se observe como o cliente se relaciona com esse dado particular.
Na sala de espera, o psicoterapeuta formula um convite ao cliente para depois acompanhá-lo - ou sugerir que o acompanhe - até a sala de atendimento. Por razões técnicas, o psicoterapeuta pode compreender que a porta da, sala de atendimento é a fronteira entre o “fora” e o “dentro”, talvez norteado pela concepção de que as comunicações feitas no trajeto seriam um protótipo do “acting-out”, devendo ser desencorajadas. No entanto, há um acordo sobre o fato de que as primeiras comunicações do cliente, verbais ou não, trazem o tema da sessão e, mais que isso, permitem uma compreensão dos motivos latentes de seu discurso. Será, então, de bom senso levá-las em conta como e onde quer que tenham sido expressas. As intervenções do psicoterapeuta podem aguardar até que a intimidade sigilosa da sala de atendimento tenha sido alcançada.
Atendimentos realizados fora do consultório ou da instituição em que foi feito o contrato são possíveis e, muitas vezes, necessários, como nos casos de atendimento em hospital, ou atendimento residencial, quando se tornou inviável a mobilização até o local de atendimento e quando há concordância, por parte do psicoterapeuta, em deslocar-se até onde se encontra o cliente. Ainda assim, cabe ao psicoterapeuta adotar, na nova situação, os mesmos elementos que compõem o “setting’ terapêutico, guardadas as incontornáveis diferenças.
Nas instituições, é corriqueiro o psicoterapeutaser obrigado a alternar as salas de atendimento contrariando o critério da estabilidade espacial. Nesses casos, outros elementos do “setting” preenchem a mesma função e as decorrências emocionais dessa instabilidade podem e devem ser incluídas e levadas em conta no trabalho.
HONORÁRIOS
Outros itens do contrato precisam ser evidenciados e explicitados: honorários, forma e assiduidade de pagamento e modalidade de reajustes.
Bastaria que os honorários fossem anunciados, pois, por uma questão de confiança e adequação social, seria de se esperar que os reajustes fossem os mais economicamente corretos possíveis. No entanto, dado que vivemos em uma sociedade cujas regras econômicas são regularmente instáveis, é lícito e desejável que se estabeleçam bases contratuais coerentes com a realidade e os índices econômicos do país, pois, assim, o cliente pode levá-las em consideração por ocasião de sua decisão em aceitar o contrato do modo como foi proposto.
É importante que se estipule ou defina a assiduidade do pagamento (por sessão, semanal, quinzenal, mensal, mês vencido, mês a vencer, etc.) em comum acordo entre cliente e psicoterapeuta, para que ambos se sintam confortáveis com o arranjo. Qualquer favorecimento privilegiando uma das partes poderá ser um viés perturbador da relaçao terapêutica. Ainda assim, não há uma recomendação de que se proceda de uma forma ou de outra. Qualquer modalidade terá um significado e, não menos importante, sentimentos e fantasias de toda ordem poderão surgir - transferencial e contratransferencialmente - como fenômenos relacionais a serem considerados como material para a compreensão clínica.
Não é pela qualidade do trabalho, estritamente, que o psicoterapeuta cobra, mas pelo tempo da sessão. O trabalho pode ser primoroso ou sofrível, mobilizador ou mantenedor, brilhante ou opaco, bem ou precariamente conduzido e, ainda assim, o preço permanecerá o mesmo. Cabe ao profissional identificar o valor que quer receber por sua hora de trabalho, onde o quesito “experiência” pode ser um dos critérios. É importante levar em conta que, em média, o profissional trabalha onze meses por ano. Não há um décimo segundo, nem um décimo terceiro “salário”. O preço estipulado deve levar em conta esse detalhe. Dois outros critérios podem ser ponderados: a realidade do mercado, avaliada com base nos preços cobrados por profissionais com experiência similar, e a realidade pessoal do psicoterapeuta, suas necessidades e orçamento. Quanto mais criterioso e consciente for o processo de estipulação do valor, melhor para o psicoterapeuta e melhor ainda para o cliente, pois ele precisa ser protegido de contratransferências negativas. Há uma justa medida a ser identificada. Por um lado, valores acima dos aceitáveis para o próprio psicoterapeuta suscitarão nele sentimentos de culpa que o impedirão de dosar suas intervenções junto ao cliente. Tenderá a ser benevolente, por exemplo, na tentativa de compensar com um “bônus” a parcela extraordinária do preço solicitado. Com isso, estará demandando um movimento transferencial compulsoriamente positivo - talvez idealizado - por parte do cliente, contrariando a manifestação espontânea de suas reais apreciações. Por outro lado, valores inferiores aos desejados poderão suscitar no cliente um sentimento de dívida, levando-o a compensar a defasagem sendo um cliente “exemplar”, por exemplo. Ou, então, despertarão no terapeuta um sentimento contratransferencial de raiva frente ao fato de estar sendo privado de uma gratificação à qual, bem sabe, faz jus. Qualquer que seja o desvio em relação à justa medida, o trabalho estará sendo, logo de partida, comprometido pela presença de um viés.
Lembro-me de ter supervisionado uma psicoterapeuta que cobrava muito pouco. Perguntei por que seu preço era tão baixo. Ela não soube responder. Depois de muita reflexão, concluiu que cobrava pouco, porque não se considerava competente. Ponderei que, na verdade, o preço era o justo, mas ela se dispunha a “rachar a conta” com o cliente, deixando de receber (pagando, portanto) uma parte, porque, assim, acreditava isentar-se de criticas por “maus serviços”. Pretendia controlar o cliente, impedindo-o de ter críticas contra ela. Com isso, a transferência ficava obviamente comprometida. Por um lado, o cliente certamente poderia ter queixas e críticas; por outro, como ele poderia manifestá-las a uma profissional tão barateira? Estava aí configurado um campo duplo­mensageiro, aprisionador por definição.
Conheci outro profissional que dispensava o cliente de remunerá-lo quando ele - cliente - faltava à sessão, e argumentava: “Mas ele me avisou que faltaria”. A psicoterapia é um processo estável, e não um conjunto de sessões avulsas, como seria o caso de alguns tratamentos médicos e dentários. Para que um psicoterapeuta possa se colocar serenamente disponível para oferecer estabilidade e constância para seu cliente, é necessário que a presença regular do cliente em sua agenda signifique para ele, também, uma estabilidade constante. O que aconteceria se todos os clientes “desmarcassem” as sessões numa mesma semana? Como o psicoterapeuta contornaria o problema do imenso rombo financeiro que isso causaria em sua receita? De que cartola tiraria coelhos para cobrir a lacuna? O verbo “desmarcar” pode, então, ser eliminado do vocabulário psicoterápico. Além disso, a ausência física do objeto não significa inexistência do objeto, e isso vale tanto para o cliente quanto pare o psicoterapeuta. Uma falta sentida como tal é importante e reasseguradora para ambos. O psicoterapeuta “não some” quando o cliente não comparece, quer o avise com antecedência, quer não. É importante que o horário continue à sua disposição para que possa voltar a querer ocupá-lo, ou necessitar dele. Para isso, precisa se sentir livre. Esse sentimento de liberdade é assegurado pela constância do pagamento.
O fato mesmo do pagamento e a forma única como cada cliente o efetua simbolizam e expressam o modo de ser do cliente, em especial no que diz respeito à forma como estrutura suas relações. Uma psicoterapia poderia ser cumprida com eficiência caso se centrasse em torno deste tema, única e exclusivamente.
Pete é pontual. Ele efetua o pagamento sempre no início da sessão, com cheque. Ao entregá-lo, procura encobrir o tema com falas a respeito dos mais variados assuntos. Curiosamente, os assuntos variados costumam sinalizar precisamente como Pete está se relacionando com aquele gesto. Certa vez, enquanto entregava o cheque, disse que iria ao show de um certo artista naquele fim de semana. Naquela noite, sonhou com o artista. Na pesquisa de associações, falou sobre sua perplexidade ao observar o paradoxo que parecia haver entre a vida luxuosa que o artista levava e o limitado sucesso que fazia junto ao público. Não sendo bem remunerado, como ele poderia ter urna vida tão rica? No mesmo sonho, o artista aparecia com uma camisa idêntica à que o terapeuta estivera usando por ocasião do pagamento em questão, evidenciando-se, assim, uma conexão associativa entre o artista e o psicoterapeuta. Bem, Pete freqüentava as sessões - “shows” - de um psicoterapeuta - “artista” - que não fazia sucesso junto a ele - “ao público”. Foi assim que chegamos à inveja que sentia por me perceber “tão bem de vida”, uma vida que ele ajudava a sustentar, com seus cheques, mas da qual não podia usufruir. A crítica ao “terapeuta que não faz sucesso” indicava que ele achava que eu “não era lá grande coisa” e o preço que pagava lhe parecia alto demais para os serviços que recebia. Não encontrava uma via para a expressão dessas restrições críticas. Quando interpretei o sonho e dialogamos sobre ele, Pete percebeu que me poupava das críticas que temia serem dirigidas a ele. Comparado a mim, achava-se medíocre; mas conseguia tolerar melhor seus sentimentos de inferioridade, reduzindo relativamente minha importância e meu sucesso. A cada oportunidade em que me pagava, então, afirmava minha importância em sua vida, o que o fazia sentir-se cada vez mais desqualificado.O trabalho que se seguiu, como se pode imaginar, foi extremamente proveitoso.
Joelson é pontual. Efetua o pagamento no início da sessão, com dinheiro, e faz questão de conferir as notas na presença do terapeuta. Entrega o dinheiro ao profissional e pergunta: “Está certo?”. Honestidade e retidão são questões de honra para ele. O pólo oposto, como não poderia deixar de ser, questões ligadas à desonestidade e à sociopatia são sombrias. Extraímos daí uma interessante polaridade para focalizar em nossos encontros.
Adenildo é pontual. Paga ao final da sessão, com cheque. No dia do pagamento, fica olhando para o relógio o tempo todo; toma a iniciativa de encerrar a sessão, quando faltam cinco minutos para o término, apanha a carteira, o talão, pede a caneta emprestada ao terapeuta e preenche o cheque em voz alta. O tema do controle, como se pode notar, torna-se uma contundente figura para a leitura clínica. O detalhe da caneta emprestada, por sua vez, denuncia o inevitável furo de toda obsessividade, demonstrando que a saúde e o equilíbrio psíquico, felizmente, imperam e encontram uma via para se expressar.
Como se percebe, nenhum “pontual” é igual ao outro e pontualidade não é necessariamente um indicador de funcionamento saudável. Cada uma das descrições acima caracteriza uma pessoa diferente, única, com peculiaridades, dificuldades, recursos e habilidades únicas. Tais nuances falam mais e, muitas vezes, melhor sobre a pessoa do que qualquer assunto de que ela resolva tratar ao longo da sessão.
O dinheiro não é “meramente” o meio utilizado para o pagamento dos honorários do profissional. Há de se observar o que está sendo veiculado pelo dinheiro (afeto, hostilidade, pedidos, queixas, etc.) e como cada pessoa se relaciona com ele (controle, manipulação, sedução, submissão, etc.).
Faz diferença se o pagamento é feito diretamente para o profissional. Caso este opte por recorrer a um intermediário (secretária, carnê, etc.) cabe verificar o que o profissional está querendo excluir da relação com o cliente ao proceder assim, por dificuldades neuróticas suas. Qual o problema? Dinheiro é sujo? A relação entre o terapeuta e o cliente não é profissional? Com que aspectos do cliente o terapeuta não quer se relacionar? Por quê?
No caso do atendimento em instituições, muitas vezes fica estabelecido que o pagamento será feito diretamente para a instituição. Esse procedimento é restritivo, porém não configura um impedimento; tem implicações para a relação terapêutica a serem levadas em conta do ponto de vista do significado. Grosso modo, não é com o psicoterapeuta que o cliente está se relacionando, mas sim com a instituição da qual é um embaixador ou representante. Maior inclusão do psicoterapeuta, afirmando tanto sua condição de embaixador quanto sua condição única e individual, poderia ser favorecida, adotando-se a apresentação do recibo de pagamento ao psicoterapeuta. Desta forma, a questão do pagamento passaria a participar também do encontro terapêutico e as dificuldades ligadas ao tema seriam consideradas como conteúdo a ser trabalhado.
Como se pôde observar, o item honorários inclui uma extensa gama de nuances e significados, pelo fato de o aspecto relacional da psicoterapia se expressar de forma especialmente rica nesse elemento do contrato.
HORÁRIO E PERIODICIDADE
O	horário e a periodicidade deverão ser estáveis. Essa estabilidade, por si só, é responsável por boa parte do sucesso do trabalho. Horário e assiduidade são elementos estruturadores, configurando, por isso mesmo, uma parcela significativa das intervenções silenciosas que a psicoterapia imprime à vida do cliente, pois fazem parte do que se poderia nomear o aspecto ritual - religioso - da psicoterapia. A ausência do sentimento de segurança básica, pilar fundamental da saúde de qualquer pessoa, muitas vezes e o motivo que a impede de ser feliz, justificando a procura de uma psicoterapia. O aspecto religioso da psicoterapia está no favorecimento à re-ligaçào (“re-ligare”) daquilo que se des-ligou; em termos técnicos, a restauração do eixo ego-Self. E nesse sentido que defino o campo psicoterápico como sendo um campo de fé.
		Certamente, variáveis do cliente, e assim devem ser percebidas, compreendidas e trabalhadas para o benefício do crescimento psíquico do próprio cliente. As transgressões ao contrato feitas pelo próprio psicoterapeuta não são incomuns. Ele se atrasa, falta, solicita aumentos acima dos que foram combinados, comete esquecimentos e assim por diante. Será um movimento saudável do cliente se permitir estranhar o ocorrido e checá-lo com o profissional, tanto quanto conta com a recíproca. Psicoterapeutas não são isentos de deslizes, mas também não são dispensados de considerar suas responsabilidades.
De modo geral, pode-se perceber a maturidade de um psicoterapeuta para e no desempenho de sua função, a partir de como ele formula e lida com o contrato e seus significados no trabalho transferencial. Se não por outros motivos, então pelo simples fato de que nada pode ser mais “aqui-agora”, nem mais “relacional” do que os elos vinculares - afetivos e formais - que norteiam e sustentam o par psicoterapeuta/cliente, no desenvolvimento de seu trabalho conjunto.

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