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Professor Conteudista Luis Magno Veras Oliveira Revisão de Linguagem Jonas Magno Lopes Amorim Lucirene Ferreira Lopes Designer de Linguagem Clecia Assunção Silva Designer Peagógica Susana Raquel Guterres da Costa Projeto Gráfico e Diagramação Luis Macartney Serejo dos Santos Designer Gráfico Yuri Jorge Almeida da Silva Reitor Gustavo Pereira da Costa Vice-Reitor Walter Canales Sant´ana Pró-Reitora de Graduação Andréa de Araújo Núcleo de Tecnologias para Educação Ilka Márcia Ribeiro S. Serra - Coord. Geral Sistema Universidade Aberta do Brasil Ilka Marcia R. S. Serra - Coord. Geral Lourdes Maria P. Mota - Coord. Adjunta | Coord. de Curso Coordenação Designer Educacional Cristiane Peixoto - Coord. Administrativa Maria das Graças Neri Ferreira - Coord. Pedagógica Os materiais produzidos para os cursos ofertados pelo UEMAnet/UEMA para o Sistema Universidade Aberta do Brasil - UAB são licenciadas nos termos da Licença Creative Commons – Atribuição – Não Comercial – Compartilhada, podendo a obra ser remixada, adaptada e servir para criação de obras derivadas, desde que com fins não comerciais, que seja atribuído crédito ao autor e que as obras derivadas sejam licenciadas sob a mesma licença. UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO Oliveira, Luis Magno Veras Filosofia Política Contemporânea [ebook]. / Luis Magno Veras Oliveira. – São Luís: UEMA; UEMAnet, 2018. 54 f. ISBN: 1. Filosofia política. 2. Filosofia moderna. 3. Estado liberal. 4. Marxismo. I. Título. CDU:321.01:1 SUMÁRIO APRESENTAÇÃO UNIDADE 2 2.1 O Estado Liberal em Hegel ........................................................................ 2.2 Sociedade Civil .......................................................................................... 2.3 Estado ........................................................................................................ 2.4 O Liberalismo em Stuart Mill ...................................................................... 2.5 O Estado Liberal em Max Weber ............................................................... UNIDADE 3 3.1 Karl Marx .................................................................................................... 3.2 O Manifesto Comunista .............................................................................. 7 9 12 15 26 29 32 33 38 44 52 Marxismo Os Teóricos do Estado Liberal Filosofia Política ModernaUNIDADE 1 1.1 Maquiavel .................................................................................................. 1.2 Hobbes ...................................................................................................... 1.3 Locke ......................................................................................................... 1.4 Kant ............................................................................................................ APRESENTAÇÃO Prezado (a) aluno (a), O mundo contemporâneo mergulha na manifestação de elementos mais que complexos no seu movimento histórico. Diante da necessidade de compreender o movimento histórico desta realidade, apresentaremos brevemente algumas teorias políticas dos principais filósofos modernos e contemporâneos. Na primeira Unidade, serão apresentadas as teorias políticas desenvolvidas por Maquiavel, Hobbes, Locke e Kant, filósofos que fizeram o esforço de propor uma melhor forma da compreensão do Estado e sua formação no período moderno. Na segunda Unidade, delinearemos a compreensão do Estado liberal a partir do pensamento filosófico de Hegel, Stuart Mill e Max Weber, cujas reflexões são tidas como pensamentos que melhor esclareceram e propuseram a organização do Estado liberal segundo o princípio de liberdade garantido no Estado. Por fim, a última Unidade tratará da concepção do marxismo a partir da teoria política de Karl Marx, que é um crítico severo das filosofias modernas elaboradas para fortalecer o Estado liberal, pelo qual constituiu-se o Estado burguês, que se mantém pela exploração do proletariado e por meio de uma economia política. O cenário de uma Filosofia Política Contemporânea exige da atualidade uma profunda compreensão de teorias fundamentais que se desenvolveram no período moderno, mas que ainda hoje têm sua influência na complexidade do mundo da vida atual. Esta compreensão profunda da realidade de hoje só será possível se levarmos a sério as bases fundamentais de tal contexto do mundo atual, pois tais fundamentos devem ser analisados necessariamente a partir do olhar crítico da mesma Filosofia Política Contemporânea. Bons estudos! Caro (a) estudante, Além do texto com as informações do conteúdo da disciplina, estamos lhe apresentando os ícones, elementos gráficos que ampliam as formas de linguagem e simplificam a organização e a leitura hipertextual. Você deve clicá-los para ter acesso às informações que cada um representa. Observe os significados: ABC ou Glossário define uma palavra, termo ou expressão utilizada no texto; Saiba mais traz informações, curiosidades ou notícias acrescentadas ao texto e relacionadas ao tema estudado; ATENÇÃO! destaca informações imprescindíveis no texto, indica pontos de maior relevância no texto; SUGESTÃO DE FILMES OU VÍDEOS filmes com temas relacionados ao conteúdo do texto; REFERÊNCIAS estão relacionadas no final de cada aula/unidade, de acordo com as normas da ABNT. ÍCONES C ur so : Objetivos • Apresentar as concepções filosóficas fundadoras da política moderna; • Refletir as principais teorias da Filosofia Política Moderna; • Analisar a contribuição de filósofos (Maquiavel, Hobbes, Locke e Kant) para a desenvoltura da política no período moderno. O mundo contemporâneo é um mundo de desafios no que se refere à compreensão de tal realidade como se apresenta no cotidiano. O fracasso dos pilares da modernidade, liberdade, igualdade e fraternidade, como delineada pelos filósofos do período moderno, pode nos levar ao mero engano de que nada restou. Pelo contrário, ao se lançar os olhos na direção da política atual, facilmente se percebe que os pilares ainda estão lá assegurando direitos e fórmulas que comandam ainda a política do mundo contemporâneo. Porém, faz-se necessário entender o reflexo das mudanças promovidas pelas exigências do mundo contemporâneo, que claramente a Filosofia Moderna não consegue responder mais com a mesma força do período moderno. Neste sentido, este material pretende abordar de forma introdutória, os principais filósofos da modernidade que compreenderam a Filosofia Política Moderna, filósofos como: Maquiavel, Hobbes, John Locke e Kant. Para bem entender a Filosofia Política Contemporânea, é necessário compreender bem a Filosofia Política Moderna, na medida que, como dito acima, a filosofia possui ainda muitos elementos da modernidade. 6 1 UNIDADE Flo sofi a P olít ica Mo der na 7 1.1 Maquiavel Nicolau Maquiavel pode ser o primeiro filósofo político de grande importância para o período moderno, apesar de ser caracterizado como filósofo renascentista. Ele produziu uma profunda análise sobre a Filosofia Política, de tal modo que seu pensamento político se diferencia da referência especulativa, ética e religiosa, que alicerçavam o pensamento político de sua época. Maquiavel é o filósofo que pensa a política a partir das novas exigências de seu tempo. Nesse sentido, seu pensamento político é uma reflexãode transição para o estabelecimento da política moderna. Por isso, segundo Bobbio (2011), ele pode ser considerado o inaugurador da Filosofia Política Moderna. Maquiavel, primeiramente, marca a sua reflexão política destacando a diferença entre ser e dever-ser como resposta às questões, buscando apontar como realmente as coisas são na realidade política, isto é, ele já trata de certo realismo na política, ou como ele diz no Capítulo XV de O Princípe: “uma verdade efetiva” (MAQUIAVEL, 1998, p. 205). O dever-ser é definido para seu tempo como aplicação dos meios necessários para governar. A sociedade passava naquele momento por profunda decadência dos valores morais, oriundas de fantasias criadas por muitos que idealizaram o ser sem levar em conta o dever-ser. O ser é entendido pela realização da coisa naquilo que ela deve ser, isto é, o dever-ser da coisa é a realização da ação daquilo que deve ser moralmente necessário. Toda a realidade política é analisada a partir desta distinção do ser e o dever-ser. Declara o renascentista: “Daí se infere que o príncipe desejoso de manter-se no poder tem de aprender os meios de não ser bom e a fazer uso ou não deles, conforme as necessidades”. (MAQUIAVEL, 1998, p. 206). O realismo político, para Maquiavel, é a necessidade de se fundamentar principalmente à realidade dos fatos, sem levar em consideração as possibilidades das coisas, isto é, como as coisas poderiam ser. Por isso, o príncipe deve sempre mirar naquilo que é o necessário para a garantia de seu governo. Se ele se fixar na finalidade de apenas ser bom, ele já caiu em ruína. Para conservar-se no governo necessário, ele deve fazer o necessário para se conservar: “cumpre-lhe ser bastante 8 cauteloso para saber furtar-se à vergonha das que lhe ocasionaram a perda do estado”. (MAQUIAVEL, 1998, p. 206). Isto exige do príncipe atuar sem o objetivo de ser bom. De modo que o governante, segundo este pensador, pode ter que utilizar a crueldade e barbaridade para situações extremas, que efetivam aquilo que seja necessário para a saúde do Estado. Maquiavel não é um crente da bondade pura do homem, esta aparência de virtude, por isso, a sua visão realista exige que o político coloque sempre em dúvida as ações humanas de bondade, já que para ele o homem é naturalmente mau, na medida em que este se pauta por interesses de conservação. O soberano precisa estar atento ao lado negativo das ações humanas, de maneira que suas decisões sejam oriundas sempre da autodefesa, como forma de sustentar a sua sobrevivência na saúde do Estado. Por isso, percebe-se que Maquiavel exige que o príncipe seja necessariamente virtuoso. A virtude é a forma eficiente que o soberano governa o Estado, de modo que ele saiba desdobrar as habilidades necessárias para a boa gestão do Estado. Esta virtude de Maquiavel não se apoia nem na virtude cristã, nem na pós-socrática (Sócrates, Platão e Aristóteles), ela está alicerçada mais na areté dos sofistas. De modo que, esta virtude é compreendida “como força, vontade, habilidade, astúcia, capacidade de dominar a situação”. (REALE, 2005, p. 94). A virtude de Maquiável se diferencia da “sorte”. Ele entende que uma parte das coisas são frutos da sorte, porém, a outra parte é oriunda da liberdade e da virtude. A liberdade e sorte produzem uma luta em que, segundo o pensador político, a sorte tem um comportamento de aspecto feminino, e isto faz com que seja necessário ao homem dominá-la, impondo-lhe o respeito hierárquico. O objetivo deste pensamento político de Maquiavel não é fortalecer o príncipe, mas mostrar a necessidade de resgatar os princípios morais como pensado pelos romanos, princípios que estavam fundamentados na liberdade e nos costumes validados pelo Estado. 9 1.2 Hobbes Hobbes desenvolveu a teoria política em que o Absoluto é o Estado: o Leviatã. Ele afirma que na construção do Estado existem dois pressupostos necessários: o Egoísmo, aquilo que garante a conservação da vida como promoção do bem da pessoa, ou seja, o homem tem como maior busca a garantia de sua vida e sua conservação; o convencionalismo, que é a conciliação dos indivíduos pelo qual o consenso se realiza como determinação da justiça no Estado, de modo que a convenção dos indivíduos sociais define realmente o que é justo e injusto na sociedade. Hobbes tem como parâmetro da sua Filosofia Política, as referências da dedução que leva a perfeição, assim como o resgaste da teoria geométrica euclidiana. Devido a estes fundamentos matemáticos, a dedução e a geometria, Hobbes conclui que o Estado não tem fundamentalmente uma determinação natural. A Filosofia Política hobbesiana defende que o Estado é na verdade uma construção antinatural, ou seja, ele se constitui como uma falsa estrutura que é oriunda das convenções sociais humanas e não de algo princípio natural. Por fim, o Estado é fruto de um contrato, o que caracteriza este filósofo especificamente como um contratualista. Nesse sentido, a política de Hobbes não é uma categoria da natureza, como anunciara Aristóteles, que definiu o homem como um animal político. Os homens não vivem em sociedade por uma determinação da natureza, mas sim porque o homem é egoísta, isto é, ele não segue, como os animais, uma conformidade autêntica. Pelo contrário, o homem, motivado pelo amor próprio de si mesmo, apresenta uma série de características que apenas mostram, que diferente dos animais, ele não possui uma determinação natural pronta e acabada como presente no mundo animal. Por isso, Hobbes é contrário aos seguidores de Aristóteles que repetiam os pilares de que o homem é um animal político, assim “Hobbes suprime a autoridade de Aristóteles” (BOBBIO, 1986, p. 51), como ele mostra argumentativamente na obra De Cive (Do Cidadão). A natureza do homem, para Hobbes, é de uma guerra constante entre os homens: a guerra de todos contra todos. A busca pela manutenção da própria vida individual 10 faz com que o indivíduo, na incessante procura de obtenção de adquirir os meios de sua preservação e subsistência, lute por aquilo que é necessário para garantir a vida de cada um. Por consequência, este combate pela vida própria leva o homem a fazer o possível e o impossível para se firmar no mundo como o proprietário por direito daquilo que o apresenta como aquele que se sobrepõe aos outros homens. Este homem egoísta está sempre diante do risco da morte, na medida em que, por ele se mostrar como senhor da vida, estará sempre ameaçado de sofrer a violação das suas posses. Por isso, Hobbes reafirma que o estado de natureza do homem é a guerra: [...] não haverá como negar que o estado natural dos homens, antes de ingressarem na vida social, não passava de guerra, e esta não seria uma guerra qualquer, mas uma guerra de todos. Pois é a guerra, senão aquele tempo em que a vontade de contestar o outro pela força está plenamente declarada, seja por palavras, seja por atos? O tempo restante é denominado paz. (HOBBES, 2002, p. 33). Para Hobbes, a salvação do homem é aplicar das categorias essenciais a sua sobrevivência: a) os instintos, que salvam a vida e mostram a necessidade de fazer o necessário como conservação do indivíduo; b) a razão é a ferramenta indispensável pelo qual os desejos humanos podem ser realizados. Por isso, Hobbes aposta na necessidade do homem superar o estado de natureza, que se realiza na guerra, e avançar para o estado de direito, que se constitui na paz. Hobbes diz: Mas os homens não podem esperar uma conservação duradoura se continuarem no estado de natureza, ou seja, de guerra, e isso devido à igualdade de poder que entre eles há, e a outras faculdades com que estão dotados. Por conseguinte o ditado da reta razão – isto é, a lei de natureza – é que procuremos a paz, quando houver qualquer esperança de obtê-la, e, se não houvernenhuma, que nos preparemos para a guerra. (HOBBES, 2002, p. 35-36). Hobbes, a partir destas estruturas de sobrevivência, apresenta o conceito de “lei da natureza” que é o estabelecimento das leis que fundamentam a objetividade do instinto de preservação do homem, isto é, esta legislação tem por finalidade a atividade de racionalizar o egoísmo. Por isso, a lei da natureza tem o objetivo de utilizar a razão, que, por sua vez, funda a lei universal que impede o homem de realizar alguma ação que seja danosa para sua sobrevivência, assim como o 11 proíbe de utilizar as ferramentas para conservá-la. Hobbes deixa claro que “as leis da natureza não são suficientes para assegurar a paz”. (HOBBES, 2002, p. 91). Por isso, esta legislação exige, no pensamento hobbesiano, a necessidade de um pacto social, pelo qual este pensador elabora a teoria do Estado como representação do Absoluto. O filosofo do absolutismo proclama que somente as normas legislativas não são suficientes para estabelecer uma vida em sociedade, pois, faz-se necessário que estas leis estejam garantidas num poder que faça com que os homens sigam as leis como forma de respeito. Este respeito é imposto a ferro e fogo. Para isso, a harmonia da sociedade só se realizará caso os participantes desta sociedade depositem (em um único senhor, ou em um corpo institucional) todo o poder necessário, figurando o poder em um único corpo. Este poder soberano não é uma negociação entre súdito e governante, mas necessariamente apenas entre os súditos, que definem a sua legislação, restando ao soberano apenas efetivá-la. Por isso, o soberano não participa do pacto social, ele é o último receptáculo racional que garante o abandono do egoísmo no indivíduo para a garantia da realização de tal pacto, de modo que é confiado à figura do soberano todo o poder, que representa todos os direitos dos súditos, para que fique assim assegurada a segurança do Estado como segurança do povo, assim “Todos os deveres dos governantes estão contidos nesta única sentença: a segurança do povo é a lei suprema”. (HOBBES, 2002, p. 198). Assim, todos os cidadãos e instituições estão sujeitos ao poder do soberano, pois ele é quem proporciona a paz para o bem da sociedade. Por isso, este estado é próprio de um governo absolutista, pois ele está acima da justiça, na medida em que o soberano, representante maior do Estado absolutista, é quem garante a sobrevivência saudável do Estado. Hobbes nomeia este Estado do absolutismo como Leviatã. Termo retirado das referências bíblicas. O Leviatã (crocodilo) é denominado como uma figura monstruosa que é imbatível. O Estado seria este monstro que é caracterizado como um deus mortal, que também é entendido em oposição ao Deus imortal. Nesse sentido, o Leviatã é a figura divina que representa o absolutismo do Estado, de 12 modo que ele se constitui uma parte pela figura monstruosa, outra parte, pela figura de um deus mortal. 1.3 Locke John Locke é assumidamente um pensador liberal, toda a sua filosofia política se justifica na concepção epistemológica que ele defendeu. O homem é uma tábula rasa, na medida em que ele tem como fonte a experiência pela qual determina-se o conhecimento. Nesse sentido, as leis sociais, enquanto leis práticas, não nascem prontas nos homens, elas serão constituídas a partir da experiência que cada indivíduo tem na sociedade que faz parte. Para Locke, as ideias não são inatas, isto é, elas não nascem prontas e acabadas. Por isso, o homem tem como fonte do saber a empiria, ou melhor, a experiência da realidade como ela se efetiva no mundo. Para Locke, a felicidade e o bem-estar é o que motivam os homens a realizarem a ação racional que organiza o ser natural. A liberdade se define pelo poder de praticar a ação ou ainda de não realizá-la. Nesse sentido, ela não é fruto do querer humano, mas da escolha de fazer ou não fazer algo. Para este filósofo, o homem racional tem a capacidade de deixar a realização dos desejos pendentes, no intuito de melhor avaliá-la e buscar a melhor forma de objetivá-la. A humanidade geralmente tem como parâmetros a legislação, a partir de três formas de leis: a primeira são as leis divinas, que demonstram a ação do homem como dever, ações guiadas por Deus através das leis divinas (dez mandamentos). A ação é pecadora ou fruto da desobediência a Deus; a segunda são as leis civis, que são entendidas como ações de infração ou em seu contrário, ações ingênuas; por fim, as ações determinadas por leis de opinião pública que são compreendidas por Locke como ações que garantem a virtude ou seu contrário, a corrupção. Para ele, somente na lei revelada é que a moral humana se define como racional. O Estado de John Locke não é fundamentado no direito divino. A teoria política do Estado está alicerçada na concepção de direito natural. Na visão lockeana, o direito 13 natural é racional. Esta teoria do direito natural tem seus pilares na igualdade e na liberdade, o homem racional não prejudica o seu próximo e defende o direito de ser livre para todos. Nesse sentido, o direito natural fundamenta os direitos à: vida, liberdade e propriedade. Assim, o Estado tem como princípio fundamental a razão. Assim, ele inicia a apresentação da sua visão sobre o Estado de natureza: Para compreender corretamente o poder político e traçar o curso de sua primeira instituição, é preciso que examinemos a condição natural dos homens, ou seja, um estado em que eles sejam absolutamente livres para decidir suas ações, dispor dos limites do direito natural, sem pedir a autorização de nenhum outro homem nem depender de sua vontade. (LOCKE, 1994, p. 83). Desta forma, o direito natural é o estado de liberdade consciente, na medida em que é racional. Por isso, este homem de liberdade racional sabe respeitar esta mesma liberdade como direito de si e do outro. Este homem racional sabe respeitar o estado de natureza enquanto experiência do direito natural. Como Locke esclarece na definição do estado de natureza: O ‘estado de natureza’ é regido por um direito natural que se impõe a todos, e com respeito à razão, que é este direito, toda a humanidade aprende que, sendo todos iguais e independentes, ninguém deve lesar o outro em sua vida, sua saúde, sua liberdade ou seus bens; todos os homens são obra de um único Criador todo- poderoso e infinitamente sábio, todos servindo a um único senhor soberano, enviados ao mundo por sua ordem e a seu serviço; são, portanto sua propriedade, daquele que os fez e que os destinou a durar segundo sua vontade e de mais ninguém. (LOCKE, 1994, p. 84). Quando os indivíduos renunciam à defesa dos seus direitos individuais, eles o fazem não para enfraquecer os direitos naturais, mas com o objetivo de fortalecer os outros direitos (da vida, igualdade, propriedade e liberdade). Para Locke, o Estado é constituído pelo poder legislativo, que produz as leis necessárias aos cidadãos, e pelo poder executivo, que faz com que as leis sejam 14 efetivadas no Estado. O Estado é a garantia de todos os direitos do cidadão, sejam eles direitos públicos ou direitos privados, até mesmo os de se contrapor ao poder estatal, pois é o povo mesmo que tem o dever e direito de vigiar o governo estatal para que ele não se desvie de seu sentido maior: o bem-estar do cidadão. Por isso, os soberanos serão sempre julgados pelo povo, que é seu verdadeiro juiz. A concepção de Estado de Locke é especificamente um Estado liberal. Pois este Estado tem por necessidade garantir a liberdade de todos, por exemplo, por meio da propriedade como garantia dos direitos privados, assim como ele tem plena consciência que nem todos tem esta consciência no ambiente social, de modo que alguns põem sempre tais direitos em risco: “Todos são tão reis quanto ele, todos são iguais, mas a maior parte não respeitaestritamente, nem a igualdade nem a justiça, o que torna o gozo da propriedade que possui neste estado muito perigoso e muito inseguro”. (LOCKE, 1994, p.156). Daí que, na concepção do estado liberal, o Estado tem por principal objetivo a segurança da propriedade: “Por isso, o objetivo capital e principal da união dos homens em comunidades sociais e de sua submissão a governos é a preservação de sua propriedade. O estado de natureza é carente de muitas condições”. (Idem). Nesse sentido, o Estado tem que promover os instrumentos necessários na proteção da propriedade enquanto direito garantido do cidadão. Para o bom funcionamento do Estado, os cidadãos renunciam à igualdade, à liberdade e ao poder executivo, determinados no estado de natureza, e apostam na renúncia de tais direitos (igualdade, liberdade e poder) pelo fortalecimento da sociedade: “cada um age dessa forma apenas com o objetivo de melhor proteger sua liberdade e sua propriedade”. (LOCKE, 1994, p. 159). Este poder dado à sociedade, na forma do executivo e legislativo, deve ser movido por um único motivo, o de construir o bem comum de um povo. Neste sentido, a entidade do poder supremo assume a responsabilidade de garantir a propriedade de cada cidadão, de modo que as leis constituídas devem sentenciar a esfera da propriedade aos cidadãos de direito. Segundo Locke, somente esta forma do Estado poderá promover “a paz, a segurança e o bem público do povo” (Idem.). 15 1.4 Kant Immanuel Kant (1724-1804), nascido em Königsberg, é considerado o maior filósofo da modernidade, por seu pensamento ser uma das reflexões mais profundas e completas nesse período, ele construiu uma Filosofia Crítica de restruturação do pensamento moderno. No texto de resposta à questão “o que é Aufklärung?”, Kant apresenta a necessidade do homem moderno ter uma atitude de homem maduro, ou o homem de maioridade. Nesse sentido, o homem moderno é compreendido como um homem que superou a menoridade, caracterizado pela filosofia medieval. A modernidade é a necessidade do homem que se dá conta que este novo momento exige a atitude da formação de uma pessoa esclarecida, por meio da descoberta da categoria da autonomia que fundamenta a liberdade humana. No primeiro parágrafo do texto, O que é o Esclarecimento? Kant diz: Esclarecimento é a saída do homem da menoridade pela qual é o próprio culpado. Menoridade é a incapacidade de servir-se do próprio entendimento sem direção alheia. O homem é o próprio culpado por esta incapacidade, quando sua causa reside na falta, não de entendimento, mas de resolução e coragem de fazer uso dele sem a direção de outra pessoa. Sapere aude! Ousa fazer uso de teu próprio entendimento! Eis o lema do Esclarecimento. (MARÇAL, 2009, p. 407). O tema principal que Kant lança como principal tema da época da Aufklärung é a questão da liberdade. Nesse sentido, Kant, na fundamentação da metafísica dos costumes, se esforça para mostrar como o sujeito pensante, o homem, deve compreender a fundamentação de sua vontade. Pois, para ele o homem é um ser de liberdade. Esta liberdade inicialmente é entendida como vontade livre, depois se caracteriza como autonomia da subjetividade. O filósofo de Königsberg assume as concepções iluministas para toda a sua teoria filosófica. Nesse sentido, ele ao tratar de uma metafísica dos costumes, busca apresentar em sua investigação a necessidade de investigar a fundamentação dos princípios práticos, que em Kant, logram a priori na esfera racional. Desta forma, na filosofia kantiana, o homem é o sujeito de si mesmo. Dessa forma, a liberdade é que garante a não corrupção da ação do indivíduo, de modo que ele não se deixa levar pela inclinação da vontade, que em Kant deve ser uma vontade pura. Esta pureza da ação faz com que ela seja compreendida com o dever, pois ela tem um valor moral definido pela máxima, que é 16 determinado como princípio do dever já que o “Dever é a necessidade de uma ação por respeito à lei”. (KANT, 2007, p. 31). Nesse sentido, a lei é uma determinação de valor moral desenhado como princípio prático da vontade subjetiva. A liberdade kantiana se define pela capacidade de determinação da vontade subjetiva a partir da razão, excluindo de sua ação as motivações materiais que não são reconhecidas como incondicionadas segundo o princípio da lei moral. Somente pela liberdade é possível fundamentar alguma coisa de modo a priori. Assim, faz-se necessário descobrir no mais íntimo da vontade subjetiva a razão, pois somente através dela é que pode-se admitir a determinação da lei moral para uma ação prática. A Filosofia Política de Kant está alicerçada na concepção de que os homens são necessariamente seres de valores morais. Esta racionalidade deve estar presente no corpo institucional que forma o Estado, ela exige que a sociedade civil adote as estruturas republicanas para a existência de um governo racional e para a realização da paz internacional. Todas estas determinações são frutos das orientações a priori, que são racionais, isto é, elas não são firmadas nos interesses utilitaristas, que Kant é tão crítico. Os comandos a priori da razão referenciam o imperativo categórico na forma de uma lei moral da ação subjetiva. A norma moral é um comando categórico em que se realiza a conformidade da ação enquanto necessária, de modo que ela é uma ação independente do seu fim, tenha ela um princípio material ou individual. Por isso, o imperativo categórico, enquanto ação a priori, delimita que a ação é um dever moral que tem validade universal, por isso, é uma norma universal que vale para um e para todos, isto é, para o indivíduo e para a sociedade. A ação moral não se refere apenas à particularidade do indivíduo, ela é necessariamente uma determinação social, por ser formal, na medida em que ela é uma norma universal ao ser um decreto da razão. Nesse sentido, o imperativo se refere sempre necessariamente à ação universal: “Age apenas segundo uma máxima tal que possas ao mesmo tempo querer que ela se torne a lei universal”. 17 (KANT, 2007, p. 59). A lei universal é aquela que é válida para todos. Nesse aspecto, o Eu é universal. Kant, enquanto iluminista, fundamenta a prioridade da subjetividade na determinação das normas que obtém validade universal, na medida em que ela é um comando que tem legitimidade para todos. O indivíduo obedece às leis que ele mesmo fundamenta racionalmente ao se constituir como um ser livre. Logo, a doutrina kantiana é uma filosofia da liberdade. A liberdade é principio fundamental de um Estado republicano. Este precisa ter o liame ao princípio da liberdade, de modo que o Estado é o agente que promove o imperativo moral, pois ele tem o valor moral em si mesmo. O Estado se constitui também como fruto do imperativo categórico representado através da Constituição. A liberdade da vontade não tem a fundamentação a partir das leis da natureza, porque se assim fosse, a vontade não excluiria as inclinações, já que seriam resultados de algo exterior da mesma vontade. Por isso, a liberdade da vontade tem que ser livre de qualquer inclinação exterior a ela mesma. A vontade livre é uma imposição em si mesmo de uma lei universal, que o sujeito reconhece como necessária. Por isso, toda lei racional é uma lei universal, portanto, estas são leis morais. Nesse sentido, existe um liame necessário entre vontade livre e lei moral, assim como política e universalidade. Daí surge o direito na concepção de Kant: “o direito é, portanto, a soma das condições sob as quais a escolha de alguém pode ser unida à escolha de outrem de acordo com uma lei universal de liberdade”. (KANT, 2003, p. 76). Toda lei exige necessariamente o cumprimento dos deveres, que podem ser realizados por uma imposição ou não. Por isso, na doutrina do direito, Kant pensa duas dimensões da liberdade:a liberdade moral e a liberdade jurídica. A primeira é aquela que suprime os desejos e inclinações que impossibilitam a obediência àquilo que determina a razão. A segunda, a liberdade jurídica, é a garantia da ação exterior a partir do livre-arbítrio do indivíduo. 18 A Filosofia Política de Kant não tem interesse em fundamentar o direito positivo. O objetivo da filosofia kantiana, ao refletir sobre a ideia do direito, é determinar o conceito do direito. Nesse sentido, a preocupação do filósofo de Königsberg é de analisar o fundamento das relações entre os indivíduos na realização de uma sociedade. Ele pretende mostrar na reflexão sobre as relações dos indivíduos, que a doutrina do direito deve apresentar o princípio da legislação segundo o meio pelo qual se realizam as organizações das relações intersubjetivas como constituição da justiça. Esta doutrina do direito então busca definir o princípio da lei universal: [...] age externamente de modo que o livre uso de teu arbítrio possa coexistir com a liberdade de todos de acordo com uma lei universal, é verdadeiramente uma lei que me impõe uma obrigação, mas não guarda de modo algum a expectativa – e muito menos impõe a exigência – de que eu próprio devesse restringir minha liberdade a essas condições simplesmente em função dessa obrigação. (KANT, 2003, p. 77). O objetivo da justiça está estritamente direcionado ao estabelecimento das relações interpessoais exteriores, compreendidas de modo racional. A justiça garante a jurisdição da motivação e da ação de cada um, sendo exteriorizada na sociedade. No entanto, é obrigação da justiça coordenar a relação jurídica das relações exteriores entre os indivíduos. A justiça, como ato jurídico, não tem interesse pelas intenções dos indivíduos em sua particularidade, sua relevância está na forma do ato jurídico que fundamenta a conformidade de uma lei moral que se atribui a todos, de maneira que assegura-se assim o livre-arbítrio dos agentes nas relações interpessoais. Pode-se afirmar que a maior consequência da reflexão política sobre a doutrina do direito kantiano, é que este pensamento caracteriza Kant como um autêntico teórico do liberalismo, pois, o filósofo alemão afirma que a organização da sociedade civil se dá pela justiça. Dito isto, o importante é o indivíduo ter assegurado o seu arbítrio, do qual ele pode fazer o que pretender, desde que ele respeite e reconheça a mesma liberdade das outras pessoas. Por isso, a doutrina do direito, que fundamenta a justiça na sociedade através da atividade política, que deve ser necessariamente racional, possibilita a realização humana, por meio das relações interpessoais, como constituída pela liberdade. 19 Esta liberdade só poderá estar garantida na forma do Estado. No entanto, anterior ao Estado, existe a sociedade civil, que é a aglomeração de pessoas que estão conveniadas segundo as mesmas leis públicas. Porém, o estágio maduro da sociedade civil é quando ela se constitui como Estado, porque eles possuem o mesmo objeto. A sociedade civil é a estação em que toda relação interpessoal deve alcançar, pois esta sociedade é um dever universal, na medida em que ela é oriunda do conceito a priori da razão. A sociedade civil representa objetivamente o imperativo moral, pois ela é constituição efetiva da ideia de liberdade. Por isso, o ponto culminante da sociedade civil será quando ela alcançar a situação de Estado: Um Estado (civitas) é a união de uma multidão de seres humanos submetida a leis de direito. Na medida em que estas são necessárias a priori como leis, isto é, na medida em que procedem espontaneamente de conceitos de direito externo em geral (não são estatutórias), a forma do Estado é aquela de um Estado em geral, ou seja, do Estado em idéia (sic.), como deve ser de acordo com puros princípios de direitos. Essa idéia (sic.) serve como uma norma (norma) para qualquer associação real numa república (e, por conseguinte, serve como uma norma para sua constituição interna). (KANT, 2003, p. 155). Para Kant, o Estado tem por objetivo a promoção do bem público, que é a garantia jurídica das relações dos indivíduos na sociedade civil. Para Kant, o maior bem público do Estado é a garantia da liberdade dos indivíduos, pela qual cada um deve alcançar, através desta liberdade, a felicidade individual. Exatamente neste asseguramento da liberdade dos indivíduos, é que este Estado, pensado por Kant, possui características fundamentalmente liberais. Nesse sentido, o filósofo alemão pensa a partir de um Estado liberal. No entanto, Bobbio observa que a liberdade que Kant trata aqui é a liberdade individual, a liberdade particular garantida pelo Estado, ou seja, o filósofo alemão não está abordando a liberdade no Estado. Sobre isto, Bobbio nos diz que “Aqui ‘liberdade’ é utilizada no sentido tradicional dos direitos de liberdade, que são precisamente os direitos de não sermos obstaculizados, neste ou naquele campo da própria atividade, pela constituição estatal”. (BOBBIO, 2000, p. 111). Nesse sentido que Bobbio define Kant como um filósofo liberal. Por isso, é correto afirmar que a teoria do Estado de Kant é uma concepção liberal do Estado. Surgem então duas questões: porque Kant pode ser caracterizado como um pensador do liberalismo? O que é o Estado segundo os fundamentos do conceito liberal? Respondendo inicialmente a segunda questão, pode-se afirmar que o fim 20 último do Estado liberal é: assegurar a liberdade individual. Este tipo de Estado tem como princípio fundamental a liberdade do indivíduo, busca sempre garantir e confirmar a possibilidade de todos individualmente realizarem a vontade de seu livre-arbítrio. O sentido de existir do Estado liberal abarca a validade das vontades múltiplas dos indivíduos que dele fazem parte. Neste aspecto, o Estado não busca determinar o que os seus indivíduos devem fazer, mas deve efetivar juridicamente para que cada cidadão tenha a sua liberdade efetivada, de modo que ele apenas procura condicionar os cidadãos a poderem realizar suas metas, tenha o aspecto religioso, ético, político ou ideológico. Todo cidadão tem o direito de buscar as formas necessárias de realizar a sua própria felicidade. O Estado não tem por objetivo o bem-estar de todos os cidadãos, mas o de derrubar os obstáculos que possam de alguma maneira impossibilitar o indivíduo de realizar o bem-estar individual, isto é, que impeçam ao sujeito de buscar meios de alcançar a felicidade de si mesmo. Por esse motivo, o Estado assume o papel de coordenador, de modo a mover todo tipo de barreiras que queiram atrapalhar a liberdade dos cidadãos, assim como ele também deve intermediar os possíveis conflitos nas relações interpessoais. Por tudo que foi respondido na segunda questão, pode-se afirmar que Kant se enquadra nas características de pensador do liberalismo. Pois, o princípio fundamental da liberdade, segundo os princípios da razão, é a autonomia do sujeito, isto é, a vontade livre do homem. O conceito de autonomia é o princípio pelo qual o homem pensa livremente, sem inclinações, a máxima do dever enquanto a lei necessária para si. Ora, o Estado kantiano tem a funcionalidade exatamente de garantir a liberdade dos indivíduos na relação interpessoal que constitui a sociedade. Pretende-se tratar aqui, de forma breve, duas últimas questões. Primeiro, a forma de governo pensada por Kant, segundo, a história como progresso do direito. Kant afirma que a melhor forma de governo é a república. Ele se esforça em mostrar que sua conclusão no modo de governar não é algo definido por uma questão de gosto, mas uma ideia necessária, na medida em que ele apresenta uma comprovação universal para a ideia de que a república é o melhor modo de governar um Estado. O 21 Estado republicano como um valor universal está alicerçado em princípios,por isso, este argumento de Kant tem fundamento racional. O filósofo alemão afirma que a república representa o contrato originário, cujos governantes buscam avizinhar-se da legitimidade da Constituição. O princípio da Constituição republicana, em Kant, é inegavelmente a liberdade, porque nela estão ligados da vontade do povo, a soberania popular e a vontade individual ou grupal, em que cada indivíduo determina decisivamente a sua própria vontade. A sociedade civil tem a melhor determinação através da Constituição republicana, porque esta forma de governo é a que melhor coordena as esferas que a constitui, por exemplo, a política republicana só não suporta o despotismo, haja vista que este só vislumbra a vontade do soberano como lei para todos, por isso, é um regime de governo irracional. O Estado republicano é a que melhor preserva a liberdade política. Pois, os três poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) possuem uma melhor harmonia entre si, de forma que a estrutura política do Estado republicano possibilita a cooperação entre os poderes, impossibilitando que um poder tente impor sua vontade sobre o outro. O Estado republicano é necessariamente o imperativo categórico no âmbito da vida em sociedade. Para Kant, o homem racional, aquele que segue as determinações, reconhece necessária a paz. Assim, como os indivíduos da sociedade vislumbram a harmonia nas relações interpessoais, também no Estado é necessário que este tenha como dever o pacto de paz, para que se efetive a comunidade jurídica internacional, que se construa a paz perpétua como a superação da guerra. Este progresso da guerra para a paz é compreendido como uma determinação necessária, por isso oriundo da razão, porque a paz é uma necessidade do Estado. O Estado tem a obrigação de administrar as hostilidades entre as pessoas, de modo que ele proporcione o pacto da paz como fim dos atos hostis nas relações interpessoais. Deste modo, também o Estado, na figura do governo deve necessariamente progredir na participação da comunidade jurídica internacional, que tem como principal objetivo, a manutenção da paz como superação do estado de guerra, anunciado por Hobbes como estado de natureza do homem. Kant defende que a racionalidade humana, no púlpito do imperativo categórico, segundo a determinação, deve realizar um Estado internacional da paz perpétua. 22 A paz perpétua exige que cada país, assim como cada pessoa, seja consciente da necessidade da organização do povo na forma de sociedade jurídica. Para isso, precisa-se que cada país se constitua juridicamente como república, porque só este regime possibilita a efetivação da organização internacional dos povos. Com esta exigência, dificilmente um povo sobre o comando de um déspota teria como participar desta comunidade internacional, pelo simples fato de que a sociedade que vive sobre o ditame de uma única vontade, não tem os pré-requisitos necessários para compreender as necessidades individuais de cada Estado coligado na associação internacional dos povos. Resumo A Filosofia Política moderna tem seus pilares no pensamento de Nicolau Maquiavel, que mesmo sendo um renascentista, implantou conceitos que foram desenvolvidos no percurso da filosofia moderna. Conceitos como poder, representado pela figura do príncipe, virtude e força, tomam um novo formato, na medida em que, ele propaga uma filosofia política voltada mais para o aspecto real da vida, destacando a necessidade de se estabelecer princípios morais alicerçados na liberdade e nos costumes reconhecidos pelo Estado. O Estado de Hobbes é denominado de Leviatã (Crocodilo), termo bíblico que apresenta o Estado como um grande monstro. Segundo o filósofo, o Estado se constitui por dois elementos: o Egoísmo, presente no indivíduo que luta pela sua sobrevivência, vivenciando sempre uma luta de todos contra todos, isto é, um estado de guerra; o outro é o convencionalismo que é a conciliação dos cidadãos na tentativa de superar o estado de guerra e produzir pelo Estado a justiça. Neste sentido, o Estado de Hobbes se caracteriza por um monstro, o Leviatã, que é o Absoluto. Por isso, a concepção de Estado hobbesiano apresenta a figura monstruosa como uma representação do absolutismo do Estado. Já Locke, defende que o homem é uma tábula rasa, de modo que ele aprende o saber na medida em que ele vai desenvolvendo as experiências na realidade. Nesse 23 sentido, as leis sociais são frutos das experiências dos indivíduos que exigem a transformação de suas necessidades em leis práticas que são harmonizadas pela sociedade para a realização da felicidade e do bem-estar de todos os homens e mulheres que participam desta sociedade. O bom funcionamento do Estado exige que os cidadãos abdiquem de seus direitos (igualdade, liberdade e poder) para que a sociedade seja fortalecida na forma de um Estado como constituição do bem comum de um povo, pelo qual o Estado garante a devida harmonia civil aos seus cidadãos. Por fim, Immanuel Kant é o principal filósofo que fortalece a Aufklärung como meio pelo qual o antropocentrismo cria cada vez mais força como forma de superação do teocentrismo. Kant promoveu assim, a grande revolução copernicana através de seu pensamento que estabelece o criticismo como a forma em que o homem assume o papel de sujeito da sua história. Neste sentido, Kant mostra a preocupação que a sociedade moral só se efetivará caso, o homem primeiramente se assuma como um sujeito moral. Para isso, este ser pensante necessita aplicar o imperativo categórico enquanto o modo pelo qual ele determina a pureza da sua ação, que deve servir de orientação para si e para qualquer outro, na medida em que a ação moral, determinada pela razão, é uma lei universal que se determina universalmente para todos os seres pensantes. Assim, a sociedade civil necessita se orientar pelo imperativo categórico, de modo que a ação do Estado seja uma determinação racional. Para Kant, só através de uma aplicação da razão no Estado, poderia realmente determinar ações como racionais, além da possibilidade de aplicar a paz perpétua. Referências BOBBIO, Norberto. Direito e Estado no Pensamento de Emanuel Kant. São Paulo: Mandarim, 2000. HOBBES, T. Do Cidadão. São Paulo: Martins Fontes, 2002. KANT, Immanuel. Resposta à questão: o que é o Esclarecimento? IN: MARÇAL, Jairo (Org.). Antologia de Textos Filosóficos. Curitiba: SEED-PR, 2009. 24 ________. Fundamentação da metafísica dos costumes. Lisboa: Edições 70, 2007. ________. A Metafísica dos costumes. Bauru: EDIPRO, 2003. LOCKE, John. Segundo tratado sobre o governo civil e outros escritos. Petrópolis, Editora Vozes, 1994. REALE, G. História da filosofia: do humanismo a Descartes. Vol. 3. São Paulo: Paulus, 2004. 25 Objetivos • Apresentar as concepções de Estado liberal segundo os pensamentos de Stuart Mill, Hegel e Max Weber; • Mostrar as consequências das teorias de liberdade desenvolvidas a partir da filosofia moderna; • Destacar a concepção de Estado liberal segundo a visão do Estado capitalista em Max Weber. Nesta Unidade, serão apresentadas as concepções de filósofos que apresentam uma fundamentação teórico-filosófica para a constituição do Estado. Hegel expõe a necessidade da racionalização do Estado, de modo que, na esfera interior e exterior do Estado, esteja garantido o exercício da liberdade como elemento fundamental da constituição do Estado. Neste sentido, a liberdade do indivíduo humano se constitui dialeticamente nas esferas da família e da sociedade civil, que tem por objetivo final o seu reconhecimento no Estado, enquanto esfera da liberdade absoluta. Já John Stuart Mill mostra que a liberdade do homem busca a sua satisfação, por isso, é necessariamente uma liberdade utilitária. A teoria liberal em Mill exige a garantia do direitode qualquer cidadão, de forma que o Estado é o espaço em que a democracia é justificável como direito essencial para o alcance do seu fim último: a realização da felicidade de cada cidadão. Por fim, a análise de Max Weber explicará como o Estado moderno funda o Estado capitalista e o funcionamento sistemático que está fundamentado na estrutura do sistema capitalista e da cadeia burocrática que proporciona a dominação do Estado liberal. 2 UNIDADE Os Teó rico s d o E sta do Lib era l 26 2.1 O Estado Liberal em Hegel Hegel é apresentado por muitos intérpretes como o grande apogeu do pensamento da cultura da Civilização Ocidental. Contemporâneo de Schelling, que no início da carreira foi seu tutor e a quem procurou superar o pensamento conservador, Hegel assumiu o caminho de construção de uma filosofia realmente desafiadora, não só pela sua linguagem complexa, mas também pela grande montanha que seu pensamento se tornou. Como afirmava um pensador brasileiro, Pe. Lima Vaz, a filosofia hegeliana podia ser considerada uma grande montanha, que exige do escalador muita perícia e capacidade de chegar ao cume. A filosofia política da modernidade, especificamente de Hobbes até Hegel, destaca-se por um movimento presente nos pensamentos políticos, que definem o Estado como uma esfera soberana, não mais no sentido de divino, mas que é fundamentalmente caracterizado pela racionalidade, de modo que ele constitui a vida comum e a vida da comunidade do homem moderno. Nesse período, o Estado é a representação da racionalização da dimensão política que busca aplicar a razão humana como a fôrma que molda este novo momento, pelo qual o império dos instintos e paixões é elevado para a esfera da descoberta da liberdade como principal referência na regulação da vida humana. Por isso, o espírito do homem moderno é iluminista, época da Aufklärung, ou seja, a grande descoberta da modernidade é que a política será instrumento fundamental para a realização efetiva da liberdade humana, esta compreendida a partir dos aspectos da liberdade individual e a liberdade social. É por meio destes dois aspectos que a liberdade se constituirá na forma do Estado moderno. Para estes pensadores, a razão é o estado de natureza do homem. De modo que, estes filósofos modernos (Hobbes e Hegel) serão nomeados de jusnaturalistas, porque eles elaboram teorias que serão referências para a racionalização do Estado, propondo o caminho racional para o Estado descobrir e realizar o seu verdadeiro sentido. 27 Bobbio descreve assim, o que é a filosofia de Hegel neste processo de racionalização do Estado: Em Hegel, que representa a dissolução e, ao mesmo tempo, a realização dessa história, os dois processos confundem-se: na Filosofia do direito, a racionalização do Estado celebra o seu próprio triunfo e, simultaneamente, é representada não mais como proposta de um modelo ideal, porém como compreensão do movimento histórico real; a racionalidade do Estado não é mais uma exigência, porém uma realidade; não mais apenas um ideal, mas um evento da história. (BOBBIO, 1994, p. 20). Para Hegel, a racionalização do Estado dá um passo além da mera utilização da razão como ferramenta, isto é, não busca apresentar apenas uma teoria ou doutrina do Estado, pelo contrário, ela procura fazer com que o espírito racional se aprofunde cada vez mais, para assim, a concepção de sociedade civil sair do aspecto simplesmente formal, que é uma abstração, uma ideia que não se realiza nunca, para levar esta sociedade ao abandono da mera teoria, espírito sem vida, para se realizar objetivamente na história como uma realidade orgânica do Estado vivo. Por isso, ele é coerente com seu pensamento quando afirma no Prefácio da obra Princípios da Filosofia do Direito: “o que é racional é real e o que é real é racional”. (HEGEL, 2000, p. XXXVI). O pensamento político de Hegel pode ser realmente caracterizado como moderno por aprofundar a racionalidade na concepção de Estado. Mas vale ressaltar que ele tem como referência três momentos distintos da história da humanidade, especialmente a história do Ocidente. Primeiro, a beleza grega figurada pela ideia de totalidade de um mundo ético, representado pelo povo grego; segundo, ele assumidamente apresenta a atualização cristã, em que o conceito de subjetividade ainda é abstrato, o que faz a representação histórica do cristianismo ainda ser insuficiente, mas entendido como momento necessário para o alcance do Absoluto; por fim, Hegel apresenta a ideia de Absoluto, representada na forma do Estado Absoluto como proposta da nova política em concordância ao espírito de seu tempo. A filosofia política da concepção hegeliana tem por objetivo tratar a possibilidade de uma política real. Hegel critica profundamente as teorias que tratam da política sendo apolíticas, ou seja, sendo apenas teoria sem levar em conta as condicionalidades 28 que possam levar a uma política racional, portanto, real. Daí, a preocupação dele de pensar o Estado como real e não mais como ideal: Bourgeois observa que “o Estado racional não existe à positividade de realidades que não são Estados propriamente falando, pois não realizam o Estado”. (BOURGEOIS, 2000, p. 90). Nesse sentido, fica claro que Hegel reconhece a contribuição dos jusnaturalistas, mas também se distancia desta concepção política, porque eles permaneceram prisioneiros da filosofia seduzida unicamente pela ideia de apresentar a teoria do Estado, a partir de concepções que ainda objetivam definir a essência do Estado como ele deveria ser e não através da necessidade do que ele precisa para ser real. Para Hegel, esta cegueira que acompanhou os seus contemporâneos em suas concepções filosóficas, os levaram, por exemplo, a confundirem a sociedade civil com o Estado. Hegel mostra que a sociedade civil é apenas um momento do espírito que condiciona a constituição do Estado, mas ela não é de forma nenhuma o Estado naquilo que ele deve se realizar. Podemos entender isso quando o próprio Hegel, na obra Princípios da Filosofia do Direito, esclarece o prejuízo da confusão da sociedade civil com o Estado: Quando se confunde o Estado com a sociedade civil, destinando-o à segurança e proteção da propriedade e das liberdades pessoais, o interesse dos indivíduos enquanto tais é o fim pequeno para que se reúnem, do que resulta ser facultativo ser membro de um Estado. Ora, é muito diferente a sua relação com o indivíduo. Se o Estado é o espírito objetivo, então só como membro é que o indivíduo tem objetividade, verdade e moralidade. (HEGEL, 2000, p. 217). Esta é uma distinção necessária para compreender a profundidade da filosofia política de Hegel. Sociedade civil não é a mesma coisa e nem tem a mesma função do Estado. Estes ocupam no sistema hegeliano momentos distintos. No entanto, este dois conceitos fazem parte de momentos dialéticos da Eticidade. Logo, antes de qualquer coisa compreender o conceito de Eticidade (Sittlichkeit) como foi apresentado no texto de maturidade Princípios da Filosofia do Direito, ele define tendo como referência a estrutura do seu pensamento lógico-especulativa, enquanto leitura que se refere aos principais eventos e exigências do mundo moderno. Tais eventos históricos transformam profundamente a estrutura das 29 perspectivas funcionais da sociedade de seu tempo, como: o espaço do trabalho, a esfera jurídica e a política social. O ponto principal destas transformações sociais é pautado pelo problema da subjetividade, caracterizado como pessoa de interesses particulares, como ele pode ser elevado à forma do reconhecimento na sociedade segundo o ser de liberdade. Por isso, a modernidade se distingue da concepção de Estado do período grego (a totalidade de um povo, onde o indivíduo não consegue impor nenhuma vontade diante doEstado grego) e do período medieval (em que a subjetividade surge, mas ainda está no estágio da abstração). Hegel apresenta o momento da vida ética como a esfera em que a realização se apresenta por meio da universalidade do espírito, seja ela constituída no primeiro ambiente da família, que se caracteriza por ser fortemente o momento de abstração do direito; seja na segunda esfera da vida na sociedade civil, em que o sujeito livre busca a satisfação das suas necessidades no seio da sociedade, que faz deste local nada mais que um aglomerado de carências subjetivas que buscam a sua realização na existência, ainda que permaneça uma herança característica da abstração, esta é a subjetividade abstrata; por fim, a vida ética no momento do Estado é o meio pelo qual, segundo Hegel, a sociedade civil e seus membros universais, as instituições como família e religiões são reconhecidas como efetividade real do direito em que as liberdades subjetivas estão devidamente reconhecidas na forma do direito objetivo. 2.2 Sociedade Civil Hegel (2000) propõe uma dialética da liberdade, a qual se constitui na forma do direito, por isso, esta é denominada por liberdade realizada através do qual o mundo do espírito se objetiva como segunda natureza. A dialética da liberdade constituirá a sociedade civil, mas esta não é seu último estágio, mas sim o Estado, onde o direito à liberdade está compreendido como efetivamente objetivo. No entanto, o espírito da liberdade terá que se desdobrar até alcançar a Eticidade (Sittelichkeit), que Hegel definiu seguindo o seguinte itinerário dialético: 1) a família como a vida ética imediata; 2) a sociedade civil é o espaço em que os indivíduos se confrontam entre si pela busca da realização da necessidade; 3) o Estado é o lugar 30 da realização da liberdade, após suprassumir a liberdade particular, caracterizada como liberdade universal e concreta. Por fim, Hegel nomeia a sociedade civil como o “Estado extrínseco, o Estado da carência e do intelecto”. (HEGEL, 2000, p. 168). A supremacia da cultura, através da separação imediata da natureza, caracteriza a sociedade civil, enquanto aquele momento do espírito prático, eleva o momento da liberdade ao momento mais amadurecido, que é o da liberdade universal, realizada como o espírito objetivo da liberdade, presente na existência como prático, porém, ainda apresenta aspectos formais. Ela possibilita a chegada do espírito na forma concreta enquanto a universal por meio da liberdade objetiva universal que tem como problema fundamental desta representação da liberdade, é que a sociedade civil ainda é uma universalidade tipicamente formal. Esta elevação se dará pela realização no mundo da existência de um indivíduo que se sabe como cidadão, por ser parte de uma aliança social, mas que busca a satisfação incessante de suas carências. Por isso, Hegel caracteriza a sociedade civil como a modalidade de carências, pois é neste ambiente que o cidadão buscará o reconhecimento de suas particularidades, o reconhecimento de suas carências por todos os seus outros cidadãos, para que elas possam ser elevadas à universalidade. Assim esclarece Hegel: Como cidadãos deste Estado, os indivíduos são pessoas privadas que têm como fim o seu próprio interesse: como este só é obtido através do universal, que assim aparece como um meio, tal fim só poderá ser atingido quando os indivíduos determinarem o seu saber, a sua vontade e a sua ação de acordo com um modo universal e se transformarem em anéis da cadeia que constitui o conjunto. O interesse da ideia, que não está explicita na consciência dos membros da sociedade civil enquanto tais, é aqui o processo que eleva a sua individualidade natural à liberdade formal e à universalidade formal do saber e da vontade, por exigência natural e também arbitrariedade das carências, o que dá uma cultura à subjetividade particular. (HEGEL, 2000, p. 170). Está claro que esta busca do reconhecimento das carências individuais do cidadão na esfera da sociedade civil, caracteriza a atividade do indivíduo compreendido como liberdade subjetiva, ou seja, a subjetividade, que ao lutar pela realização das vontades individuais nada mais é do que o trabalho, o meio pelo qual o sujeito satisfaz suas carências. Este movimento da satisfação das necessidades, realizado 31 não por um mais por todos, é o processo dialético que media a passagem da liberdade particular para a liberdade universal. Esta subjetividade que constrói a sociedade civil é o sujeito representado que superou o homem natural, a classe de agricultores entendidos como direito abstrato, pelo cidadão esclarecido que é reconhecido pelos seus parceiros da comunidade que participa. O homem esclarecido é o homem do trabalho da classe industrial, que encontra seu ambiente universal através da classe política. O homem esclarecido é o homem de cultura que se constitui como sujeito do direito, que superou a abstração realizada na figura do homem natural e se elevou até a dimensão do homem universal, tudo isto enquanto o ser de reconhecimento universal. Este reconhecimento se dá na forma da lei que a sociedade civil possibilita, segundo o direito que promete a efetivação de algo na existência, porém ele só está dado na formalidade da lei, cujo reconhecimento universal é a forma expressada na forma do código civil: “É conhecido como o que, com justiça, é e vale; é a lei. Tal direito é, segundo esta determinação, o direito positivo em geral”. (HEGEL, 2000, p. 186). Este direito deve respeitar a dimensão da vontade particular do indivíduo presente na interioridade do sistema de carências: [...] mas o direito real da particularidade implica também que sejam suprimidas as contingências que ameacem um ou outro daqueles fins, que seja garantida a segurança sem perturbações da pessoa e da propriedade, numa palavra, que o bem-estar particular seja tratado como um direito e realizado como tal. (HEGEL, 2000, p. 202). O indivíduo é considerado como um produto da sociedade civil. A formação de classe contribui para o sujeito que se sabe e é reconhecido pelo trabalho. Pode-se destacar que a sociedade civil é o momento em que é exposto o surgimento no mundo da vida ética. No entanto, o problema da sociedade civil é que ela não é suficiente para si mesma em sua completude, na medida em que ainda é o lugar dos embates das particularidades desejadas pelas subjetividades, ela não é ainda plenamente universal. Esta universalidade completa só é possível no ambiente do Estado, o lugar da vida ética plenamente realizada. 32 2.3 Estado O Estado tem unicamente, por principal objetivo, a aplicabilidade da eticidade (Sittlichkeit) na realidade do mundo objetivo (Wirklichkeit). Seguindo a modalidade lógica da dialética imanente do Espírito em sua objetividade, o Estado é o ambiente da objetividade do universal. Nesse sentido, a concepção do Estado hegeliano segue um processo dialético que se desdobra: primeiro pelo Estado individual presente na forma da existência imediata representada na Constituição do Direito interno; o segundo, o Estado individual, na relação com outros Estados na forma do Direito externo; terceiro, a ideia do Estado universal representada na forma da evolução da história universal. Para Hegel, o Estado é a forma mais racional do Direito, que tem sua efetiva realização na efetividade da ideia de liberdade. O Estado é a constituição do processo dialético em que o direito se desdobra como relação mediadora do conceito, e a figura, assim efetivada na existência mesma do Estado, pelo qual todas as individualidades têm a capacidade de serem reconhecidas enquanto fruto do direito racional, realmente determinadas na história universal da humanidade. Como afirma Hegel: “O Estado é a realidade em ato da ideia moral objetiva, o espírito como vontade substancialrevelada, clara para si mesma, que se conhece e se pensa, e realiza o que sabe e porque sabe”. (HEGEL, 2000, p. 236). A obrigatoriedade que o poder do Estado tem, ao ser a forma da razão na organização do Estado, exige que ela se estruture necessariamente levando em consideração a liberdade individual. Nesse sentido, a fundamentação da subjetividade livre só poderia ser fundamentada diante da reflexão deste conceito na história, pela ideia do Estado moderno. Assim, o Estado se apresenta como fim último na imanência da necessidade exteriorizada pela vida ética do espírito de um povo. Neste aspecto, o Estado é aquela estrutura racional que suprime a realização da violência através de sua Constituição interiorizada na forma do Direito objetivo. O Estado, em Hegel, não basta a si mesmo, de forma a ser um Estado isolado dos outros, mas necessita buscar a história universal como elevação da consciência 33 da liberdade. Por isso, este filósofo alemão defende que a liberdade realizada nos moldes do ditame da razão, é via única que possibilita o processo histórico do homem a superar abstração da necessidade libertando-o da possibilidade da cegueira da vida obscura da humanidade. O Estado é quem efetiva existencialmente a razão na história dos homens, pois somente pelo caminho do Estado é que a história e a razão se relacionam simultaneamente. O Estado é o lugar da realização da liberdade que reconcilia a história e a razão, pois esta liberdade reconciliadora está para além da particularidade do indivíduo, assim como de sua vida privada, de tal forma que através desta reconciliação expressa o necessário na contingência da história. A história depois de Hegel passará a ser compreendida tendo que levar em consideração esta construção montanhosa desta teórica filosófica. O Estado como uma determinação da razão, muitos buscaram efetivar, no entanto, nenhum teórico chegou próximo a esta complexidade da teoria do Estado de Hegel, pois muitos caíram na determinação do Estado recheado de insuficiências na fundamentação teórica da ideia do Estado. Neste sentido, Hegel é posto como aquele que alcançou o suprassumo do conceito do Estado no período da modernidade. 2.4 O Liberalismo em Stuart Mill Stuart Mill (1806-1873) tem como principal referência a percepção do evento histórico de seu tempo, a Revolução Industrial, acontecida na metade do século XVIII. Apesar de não ter experimentado a primeira fase desta revolução, Mill testemunhou as consequências deste movimento no seu país, a Inglaterra, que se expandiu com grande vigor, principalmente com o crescimento de ferrovias e a propagação de indústrias. Mill era um autodidata, ao ponto de seu primeiro artigo ter sido publicado com dezessete anos, de modo que nesta mesma idade conseguira cedo o trabalho necessário para garantir sua estabilidade financeira e sua dedicação à vida intelectual. Ele se dedicou a pensar principalmente a constituição do liberalismo na forma do utilitarismo e o conceito de liberdade, pelo qual dialoga com seus contemporâneos. 34 A filosofia de Mill se destaca fortemente por ser uma teoria que fundamenta o pensamento liberal, a partir de princípios da democracia do século XIX. A nova demanda de seu tempo, segundo Mill, exige que a concepção política seja encarada na ampliação do conceito de cidadania, que não deve ser centrado só em uma classe específica, mas deve ser estendido para todos os participantes desta nova sociedade industrializada. Neste sentido, o Estado liberal necessita produzir estruturas que promovam a participação cidadã de modo que a democracia seja efetivada. A participação popular é um direito necessário a todos os indivíduos, como afirma Mill: Em um governo de alguma forma popular, a pessoa que não tiver direito a voto, nem os meios de consegui-lo, ou estará permanentemente descontente, ou será uma pessoa que acha que os assuntos gerais da sociedade não lhe dizem respeito; um homem para quem esses assuntos devem ser dirigidos por outros; que não tem nada a ver com as leis, a não obedecê-las, nem com o interesse público, a não ser como espectador. Nesta condição, em termos de política, saberá ou se preocupará tanto quanto uma mulher comum da classe média se compara a seu marido ou a seus irmãos. (MILL, 1981, p. 89). Mill acredita na motivação que a sociedade liberal deve promover para que o participante tenha o interesse necessário na construção daquilo que ele deseja para o Estado democrático. Para a teoria liberal de Mill, é uma injustiça suprimir o direito de qualquer cidadão sem um motivo justificável de negação de seus direitos civis para com a sociedade. Os governantes e sua classe de gestores devem sempre levar em consideração, fundamentalmente, os interesses e os desejos de todos aqueles que participam da cidadania por meio do voto. Enquanto democrata, Mill tem a clara necessidade do aperfeiçoamento do sistema democrático de um governo verdadeiramente representativo: A democracia não será jamais a melhor forma de governo, a não ser que este seu lado fraco possa ser fortalecido; a não ser que possa ser organizada de maneira a não permitir nenhuma classe, nem mesmo a mais numerosa, possa reduzir todo o resto à insignificância política, e dirigir o curso da legislação e da administração segundo seus interesses exclusivos de classe. O problema está em achar os meios de impedir este abuso, sem sacrificar as vantagens características do governo popular. (MILL, 1981, p. 87). 35 O governo democrático deve levar em consideração sempre a possibilidade de sanar os desafios de superação da contrariedade das classes que constituem a sociedade. De modo que seja mantida a participação e não a exclusão participativa da maioria em prol da minoria. Mill não assume uma posição radical em seu pensamento para aplicação da democracia. Para ele, o exagero da minoria ao tentar aplicar a tirania é tão reprovável quanto a radicalidade da maioria na tentativa de suprimir a minoria. Nesse sentido, ele afirma que “a vontade do povo significa praticamente a vontade da mais numerosa e ativa parte do povo – a maioria, ou aqueles que logram êxito em se fazerem aceitar como a maioria”. (MILL, 1981, p. 25). Nesse sentido, o povo democrático deve se precaver contra os abusos que dele mesmo podem surgir: “o povo, consequentemente, pode desejar oprimir uma parte de si mesmo, e precauções são tão necessárias contra isso quanto contra qualquer outro abuso de poder” (Idem). O poder emana do povo, que através de sua opinião pública exerce a atividade da liberdade individual. Mas a maior característica do pensamento de Mill é o princípio da utilidade. Stuart Mill é o primeiro a aplicar o termo do utilitarismo de modo prático, de modo que esta corrente ampliou-se nos vários ambientes: a política, a justiça, a imprensa, a economia e a liberdade etc. O fundamento do utilitarismo deste filósofo busca alicerçar o princípio da utilidade como princípio da felicidade, isto é, é o princípio moral do prazer e exclusão da dor. Assim, ele define: “O credo que aceita a utilidade, ou o Princípio da Maior Felicidade, como fundamento da moralidade, defende que as ações estão certas na medida em que tendem a promover a felicidade”. (MILL, 2005, p. 48). Desta feita, o utilitarismo é posto como o ponto central da filosofia de Stuart Mill. A teoria do utilitarismo foi primeiramente fundada pelos estudos clássicos de Epicuro, que enraíza esta filosofia na justificação da procura da felicidade na forma do prazer. A análise de Mill relata que os epicuristas, na defesa do utilitarismo, condicionaram os prazeres intelectuais superiores aos prazeres corporais. Por isso, os epicuristas foram criticados pelos seus opositores ao serem acusados de que esta teoria utilitarista jogava os seres humanos a uma situação de degradação, dessemodo, eles acusam os epicuristas e defendem que “os seres humanos não são 36 capazes de ter quaisquer prazeres além daqueles que são acessíveis aos porcos”. (MILL, 2005, p. 49). Para Mill, não é típico dos seres humanos se contentarem com o pouco que um animal se contenta. Pelo contrário, ele afirma que o homem, o ser com faculdades superiores, não se satisfaz com pouco no que se refere àquilo que lhe faz realmente feliz. Por ser um ente de inteligência, o humano não pode se tranquilizar com uma existência que caracteriza a dimensão inferior ao homem. Para Mill, até sua época, os governantes públicos tendem a praticar o poder sem levar em conta os governados, porque o líder do Estado se caracteriza por uma arrogância, ao se sentir mais instruído e esclarecido do que os cidadãos que estão sob seu comando. A crença que vigora, é que o governante manda e os governados obedecem. Assim, o poder do governante se define como atitude de princípio necessário. No entanto, a mesma arma que ele poderá utilizar para a sua nação, também pode ser a arma usada em seus próprios cidadãos. Para Mill, o governo que tenta sufocar a opinião pública dos seus cidadãos, realiza uma atitude reprovável: E falando de maneira geral, não é de se temer, em países constitucionais, que o governo, quer seja plenamente responsável ante o povo, quer não, tente controlar com frequência a expressão do pensamento salvo se, assim fazendo, ele age como órgão da intolerância geral do público (MILL, 1981, p. 43). O filósofo do utilitarismo nega qualquer possibilidade de sufocamento coercitivo concedida pelo povo ou pelo governante. O poder de coerção da expressão da opinião pública de um povo é ilegítimo, por carregar uma contradição no interior de um governo com aspectos democráticos. A opinião pública não pode ser sufocada ainda que seja falsa, assim, é um mal tentar sufocá-la. Diz Mill: “primeiramente, a opinião que se tenta suprimir por meio da autoridade talvez seja verdadeira”. (MILL, 1981, p. 45). Não há como dizer se uma opinião é uma verdade absoluta ou uma opinião falsa. Para Mill, “não existe certeza absoluta, mas existe segurança suficiente para os propósitos da vida humana”. (MILL, 1981, p. 46). O pensador do utilitarismo afirma que tanto no ato de presumir, ou reprimir uma opinião, como verdade ou falsa sempre pode levar o homem a posições incertas. Nesse sentido, ele propõe uma forma de alcançar uma atitude segura para o homem: 37 A completa liberdade de contestar e refutar a nossa opinião, é o que verdadeiramente nos justifica de presumir a sua verdade para os propósitos práticos, e só nesses termos pode o homem, com as faculdades que tem, possuir uma segurança racional de estar certo. (MILL, 1981, p. 48). O pensamento de Mill propõe que a opinião deve ter como fim a vida prática, assim como ela para ser realmente viável tem que ser respaldada no princípio da razão. Mas como garantir que o juízo de alguém seja merecedor de confiança? Mill responde: Conservando o espírito aberto às críticas de suas opiniões e da sua conduta, atendendo a tudo quanto se tenha dito em contrário, aproveitando essa crítica na medida da sua justeza, e reconhecendo ante si mesmo, e ocasionalmente ante outros, a falácia do que era falacioso. E sentido que o único meio de um ser humano aproximar-se do conhecimento completo de um assunto, é ouvir o que sobre ele digam representantes de cada variedade de opinião, e considerar todas as formas para que cada classe de espíritos o possa encarar. Jamais qualquer homem sábio adquiriu a sua sabedoria por outro método que não esse, nem está na natureza do intelecto humano chegar à sabedoria de outra maneira. O hábito firme de corrigir e completar a própria opinião pelo confronto com a dos outros, muito ao contrário de causar dúvida e hesitação em levá-la à prática, constitui o único fundamento estável de uma justa confiança nela (MILL, 1981, p. 49). Então, existe um processo de discussão livre que leva ao aperfeiçoamento do argumento expressado como opinião. Desta forma, faz-se necessário o hábito para que este ambiente de discussão livre seja o fortalecimento dos argumentos que são postos no debate para que seja reprovado ou aclamado por outros. O que é reprovável pelo filósofo é a tentativa de reprimir a opinião individual, isto é, a liberdade na forma de um governo democrático. A liberdade de opinar publicamente é um direito de cada indivíduo que deve ser assegurado em um Estado democrático, porém esta liberdade individual não pode causar nenhum dano aos outros. Daí o direito do indivíduo participar de uma associação com outras pessoas que se conciliam com as mesmas opiniões de ideias. Stuart Mill, no quarto capítulo, trata dos limites da autoridade da sociedade sobre o indivíduo, e faz isso afirmando que o contrato não funda a sociedade, pois este não tem como obrigar cada individua a cumprir com a conduta desejada para com 38 o resto de seus iguais. A primeira conduta seria de obediência ao respeito pleno e aos interesses dos outros membros; a segunda diz que cada indivíduo faz sacrifício necessário para a manutenção da segurança social e o bem-estar da sociedade. O filósofo exige que a liberdade seja a mais perfeita possível, de tal forma que nem o indivíduo e nem a sociedade saiam prejudicados. “O esforço desinteressado por promover o bem alheio necessita ser grandemente incrementado, e não por qualquer forma descoroçoado”. (MILL, 1981, p. 137). A liberdade individual deve respeitar a esfera social e a esta deve respeitar a liberdade dos indivíduos. 2.5 O Estado Liberal em Max Weber Para Weber, o período moderno levou a civilização ocidental à racionalização do Estado. A modernidade possibilitou à civilização ocidental desenvolver a estrutura necessária para que o Estado evoluísse de forma a se destacar profundamente, se comparado com as civilizações orientais. Daí, Weber afirma que: “O Estado, no sentido de Estado racional, somente existiu no Ocidente”. (WEBER, 2006, p. 89). Enquanto os povos orientais não conseguiram evoluir na forma de administrar a estrutura do Estado, o Estado moderno se caracteriza por determinar uma nova estrutura para o Estado: “De modo diferente apresenta-se o Estado racional, único contexto no qual o capitalismo moderno pode vigorar. Esse Estado tem sua base no funcionalismo especializado e no direito racional”. (WEBER, 2006, p. 91). Enquanto que o Estado Chinês, por exemplo, ficou prisioneiro pela força da magia. O direito racional da civilização ocidental, tem sua gênese no direito romano, principalmente no que se refere à sua herança de aspecto formal do direito como produto da concepção da cidade-Estado de Roma, de modo que o direito racional moderno desempenha atividades a partir de deliberações próprias de uma função especializada e produzida de forma técnica. No entanto, para Weber, não é esta recepção do direito romano, como alicerce do direito racional, que fará com que o capitalismo seja fundado no Estado moderno. Isto porque, na Inglaterra o judiciário não teve uma recepção ao direito romano, de forma que: “impediu-se que fosse 39 ensinado direito romano nas universidades inglesas, a fim de que não chegassem aos assentos de juiz personalidades não procedentes de suas fileiras”. (WEBER, 2006, p. 94). A influência do direito romano só se concretizou de modo decisivo na criação da doutrina jurídica-formal, pela qual firmará a centralização jurídica do poder representado pelo Estado moderno: “A criação de tal tipo de direito foi possível pelo fato de o Estado moderno aliar-se com os juristas a fim de fazer valer suas pretensões de poder”. (WEBER, 2006, p. 95). Por fim, o Estado racional é a modernização do Estado, que, enquanto poder estatal, tem um fundamento jurídico como forma de concentrar o poder