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Sistema de Saúde Pública no Brasil 2 www.eduhot.com.br SUMÁRIO A construção do SUS como Política Pública: avanços e impasses ............................. 3 Criação das Caixas de Aposentadorias e Pensões (CAP) .......................................... 3 Criação dos Institutos de Aposentadoria e Pensões (IAPs) ........................................ 3 Criação do Instituto Nacional de Previdência Social (INPS)........................................ 3 Criação do SINPAS e do INAMPS .............................................................................. 4 Criação dos SUDS ...................................................................................................... 5 Criação do SUS ........................................................................................................... 6 Os impasses ou dificuldades do SUS ......................................................................... 9 O Pacto pela Vida (buscando saídas para os problemas e impasses) ..................... 14 SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE, SUA HEGEMONIA ENQUANTO SUPORTE À EFETIVAÇÃO DA POLÍTICA DE SAÚDE NO PAÍS E O RESPECTIVO ARCABOUÇO LEGAL ....................................................................................................................... 16 A CONFIGURAÇÃO DO SUS: GESTÃO E FINANCIAMENTO, NÍVEIS E MODELOS DE ATENÇÃO ........................................................................................................... 20 A ATENÇÃO PRIMÁRIA EM SAÚDE ENQUANTO BASE PARA A CONSTRUÇÃO DAS REDES DE ATENÇÃO À SAÚDE ..................................................................... 24 ATENÇÃO PRIMÁRIA EM SAÚDE: CONFIGURAÇÕES, CONCEPÇÕES E PRÁTICAS DA ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA ................................................. 31 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 38 REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 39 Sistema de Saúde Pública no Brasil 3 www.eduhot.com.br A construção do SUS como Política Pública: avanços e impasses Apresentamos a você um conjunto de datas que marcaram o longo caminho da constituição do SUS como a principal política pública de saúde brasileira, destacando as contribuições dadas por estes eventos na construção de nosso sistema único de saúde As datas são marcadas por momentos de definição de políticas governamentais, traduzidas em legislações específicas, que de alguma forma “pavimentaram” o caminho para o SUS. 1923 Criação das Caixas de Aposentadorias e Pensões (CAP) A Lei Eloy Chaves cria as Caixas de Aposentadorias e Pensões (CAP) Em um contexto de rápido processo de industrialização e acelerada urbanização, a lei vem apenas conferir estatuto legal a iniciativas já existentes de organização dos trabalhadores por fábricas, visando garantir pensão em caso de algum acidente ou afastamento do trabalho por doença, e uma futura aposentadoria Com as “caixas”, surgem as primeiras discussões sobre a necessidade de se atender a demanda dos trabalhadores Nascem nesse momento complexas relações entre os setores público e privado que persistirão no futuro Sistema Único de Saúde 1932 Criação dos Institutos de Aposentadoria e Pensões (IAPs) Os IAPs foram criados no Estado Novo de Getúlio Vargas. Os institutos podem ser vistos como resposta, por parte do Estado, às lutas e reivindicações dos trabalhadores no contexto de consolidação dos processos de industrialização e urbanização brasileiros. Acentua-se o componente de assistência médica, em parte por meio de serviços próprios, mas, principalmente, por meio da compra de serviços do setor privado 1965 Criação do Instituto Nacional de Previdência Social (INPS) Resultou da unificação dos IAPs, no contexto do regime autoritário de 1964, vencendo as resistências a tal unificação por parte das categorias profissionais que Sistema de Saúde Pública no Brasil 4 www.eduhot.com.br tinham institutos mais ricos O INPS consolida o componente assistencial, com marcada opção de compra de serviços assistenciais do setor privado, concretizando o modelo assistencial hospitalocêntrico, curativista e médico-centrado, que terá uma forte presença no futuro SUS. 1977 Criação do SINPAS e do INAMPS Em 1977 foi criado o Sistema Nacional de Assistência e Previdência Social (SINPAS), e, dentro dele, o Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS), que passa a ser o grande órgão governamental prestador da assistência médica – basicamente à custa de compra de serviços médico hospitalares e especializados do setor privado É possível dizer que tal lógica do INAMPS, que sobreviveu como órgão até a criação do SUS, ainda se reproduz no interior do sistema único, mesmo passados 20 anos desde sua criação Implantação do PAIS 1982 Em 1982 foi implementado o Programa de Ações Integradas de Saúde (PAIS), que dava particular ênfase na atenção primária, sendo a rede ambulatorial pensada como a “porta de entrada” do sistema Visava a integração das instituições públicas da saúde mantidas pelas diferentes esferas de governo, em rede regionalizada e hierarquizada Propunha a criação de sistemas de referência e contra referência e a atribuição de prioridade para a rede pública de serviços de saúde, com complementação pela rede privada, após sua plena utilização; previa a descentralização da administração dos recursos; simplificação dos mecanismos de pagamento dos serviços prestados por terceiros e seu efetivo controle; racionalização do uso de procedimentos de custo elevado; e estabelecimento de critérios racionais para todos os procedimentos Viabilizou a realização de convênios trilaterais entre o Ministério da Saúde, Ministério da Previdência e Assistência Social e Secretarias de Estado de Saúde, com o objetivo de racionalizar recursos utilizando capacidade pública ociosa Podemos reconhecer nas AIS os principais pontos programáticos que estarão presentes quando da criação do SUS Sistema de Saúde Pública no Brasil 5 www.eduhot.com.br VIII Conferência Nacional de Saúde A realização da VIII Conferência Nacional de Saúde, com intensa participação social, deu-se logo após o fim da ditadura militar iniciada em 1964, e consagrou uma concepção ampliada de saúde e o princípio da saúde como direito universal e como dever do Estado; princípios estes que seriam plenamente incorporados na Constituição de 1988 Criação dos SUDS Nesse ano foram criados Sistemas Unificados e Descentralizados de Saúde (SUDS) que tinham como principais diretrizes: universalização e equidade no acesso aos serviços de saúde; integralidade dos cuidados assistenciais; descentralização das ações de saúde; implementação de distritos sanitários Trata-se de um momento marcante, pois, pela primeira vez, o Governo Federal começou a repassar recursos para os estados e municípios ampliarem suas redes de serviços, prenunciando a municipalização que viria com o SUS As secretarias estaduais de saúde foram muito importantes neste movimento de descentralização e aproximação com os municípios, que recebiam recursos financeiros federais de acordo com uma programação de aproveitamento máximo de capacidade física instalada Podemos localizar no SUDS os antecedentes mais imediatos da criação do SUS 1988 Constituição Cidadã Em 1988, foi aprovada a “Constituição Cidadã”, que estabelece a saúde como “Direito de todos e dever do Estado” e apresenta, na sua Seção II, como pontos básicos: “as necessidadesindividuais e coletivas são consideradas de interesse público e o atendimento um dever do Estado; a assistência médico sanitária integral passa a ter caráter universal e destina-se a assegurar a todos o acesso aos serviços; estes serviços devem ser hierarquizados segundo parâmetros técnicos e a sua gestão deve ser descentralizada” Estabelece, ainda, que o custeio do Sistema deverá ser essencialmente de recursos governamentais da União, estados e municípios, e as ações governamentais submetidas a órgãos colegiados oficiais, os Conselhos de Saúde, com representação paritária entre usuários e prestadores de serviços (BRASIL, 1988) Sistema de Saúde Pública no Brasil 6 www.eduhot.com.br 1990 Criação do SUS 1990 A Criação do Sistema Único de Saúde (SUS) se deu através da Lei nº 8080, de 19 de setembro de 1990, que “dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes” Primeira lei orgânica do SUS detalha os objetivos e atribuições; os princípios e diretrizes; a organização, direção e gestão, a competência e atribuições de cada nível (federal, estadual e municipal); a participação complementar do sistema privado; recursos humanos; financiamento e gestão financeira e planejamento e orçamento Logo em seguida, a Lei nº 8142, de 28 de dezembro de 1990, dispõe sobre a participação da comunidade na gestão do SUS e sobre as transferências intergovernamentais de recursos financeiros Institui os Conselhos de Saúde e confere legitimidade aos organismos de representação de governos estaduais (CONASS - Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Saúde) e municipais (CONASEMS - Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde) Finalmente estava criado o arcabouço jurídico do Sistema Único de Saúde, mas novas lutas e aprimoramentos ainda seriam necessários (BRASIL, 1990) 1991 Criação da Comissão de Intergestores Tripartite (CIT) Criada a Comissão de Intergestores Tripartite (CIT) com representação do Ministério da Saúde, das secretarias estaduais de saúde e das secretarias municipais de saúde e da primeira norma operacional básica do SUS, além da Comissão de Intergestores Bipartite (CIB), para o acompanhamento da implantação e operacionalização da implantação do recém criado SUS As duas comissões, ainda atuantes, tiveram um papel importante para o fortalecimento da ideia de gestão colegiada do SUS, compartilhada entre os vários níveis de governo 1996 NOB 96 A edição da NOB 96 representou a aproximação mais explícita com a proposta de um novo modelo de atenção Para isso, ela acelera a descentralização dos Sistema de Saúde Pública no Brasil 7 www.eduhot.com.br recursos federais em direção aos estados e municípios, consolidando a tendência à autonomia de gestão das esferas descentralizadas, criando incentivo explícito às mudanças, na lógica assistencial, rompendo com o produtivismo (pagamento por produção de serviços, como o INAMPS usava para comprar serviços do setor privado) e implementando incentivos aos programas dirigidos às populações mais carentes, como o Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS) e às práticas fundadas numa nova lógica assistencial, como Programa de Saúde da Família (PSF) As principais inovações da NOB 96 foram: a) A concepção ampliada de saúde - considera a concepção determinada pela Constituição englobando promoção, prevenção, condições sanitárias, ambientais, emprego, moradia etc; b) O fortalecimento das instâncias colegiadas e da gestão pactuada e descentralizada - consagrada na prática com as Comissões Intergestores e Conselhos de Saúde; c) As transferências fundo a fundo (do Fundo Nacional de Saúde direto para os fundos municipais de saúde, regulamentados pela NOB-SUS 96), com base na população, e com base em valores per capita previamente fixados; d) Novos mecanismos de classificação determinam os estágios de habilitação para a gestão, no qual os municípios são classificados em duas condições: gestão plena da atenção básica e gestão plena do sistema municipal (BRASIL, 1996) Na gestão plena da atenção básica, os recursos são transferidos de acordo com os procedimentos correspondentes ao PAB - Piso da Atenção Básica A atenção ambulatorial especializada e a atenção hospitalar continuam financiadas pelo Sistema de Informações Ambulatoriais (SIA-SUS) e pelo Sistema de Informações Hospitalares (SIH-SUS) No caso dos municípios em gestão plena do sistema, a totalidade dos recursos é transferida automaticamente. 2002 Sistema de Saúde Pública no Brasil 8 www.eduhot.com.br Norma Operacional de Assistência à Saúde/NOAS-SUS No ano 2002 é editada a Norma Operacional de Assistência à Saúde/NOAS- SUS, cuja ênfase maior é no processo de regionalização do SUS, a partir de uma avaliação de que a municipalização da gestão do sistema de saúde, regulamentada e consolidada pelas normas operacionais estava sendo insuficiente para a configuração do sistema de saúde, por não permitir uma definição mais clara dos mecanismos regionais de organização da prestação de serviços Como veremos adiante, o Pacto pela Vida tem sua grande força, exatamente em um novo ordenamento dos processos de regionalização do SUS (BRASIL, 2002) Como dissemos anteriormente, outras “linhas do tempo” poderiam ter sido construídas Por exemplo, o atual SUS tem uma vertente importante na sua constituição que é aquela constituída pelas políticas de combate às grandes endemias que inauguram a genealogia das políticas de saúde no Brasil, ainda no final do século XIX Um bom exemplo disso foi a polêmica campanha contra a Febre Amarela conduzida por Oswaldo Cruz naquele século, com armas próprias da Saúde Pública, em particular o uso da epidemiologia e medidas mais amplas de saneamento, vacina e educação sanitária, muito menos do que assistência médica propriamente dita Seria possível, portanto, construir outras “linhas do tempo” nas quais a questão da assistência médica propriamente dita teria menos importância Na verdade, o SUS pode ser visto como desaguadouro tanto de uma “linha do tempo” que enfatiza a dimensão assistencial – como a que está sendo apresentada neste estudo –, como de uma “linha do tempo” que contaria a história das vigilâncias epidemiológica e sanitária e suas contribuições para o que hoje denominamos de “vigilância em saúde” Sabemos que estas duas vertentes do SUS ainda permanecem como água e óleo, ou seja, não conseguem realmente misturar-se para produzir a integralidade do cuidado Entre as muitas expectativas colocadas na Estratégia de Saúde da Família, uma delas é que consigamos um experimento desta tão desejada “mistura” Para finalizar esta primeira parte, e, compartilhar com você o orgulho dos avanços do SUS nestes seus 20 anos de criação, nada melhor que o balanço feito por Nelson Rodrigues dos Santos, militante histórico do Movimento Sanitário brasileiro, em 2008: “O SUS transformou-se no maior projeto público de inclusão social em menos de duas décadas: 110 milhões de pessoas atendidas por agentes Sistema de Saúde Pública no Brasil 9 www.eduhot.com.br comunitários de saúde em 95% dos municípios e 87 milhões atendidos por 27 mil equipes de saúde de família Em 2007: 2,7 bilhões de procedimentos ambulatoriais, 610 milhões de consultas, 10,8 milhões de internações, 212 milhões de atendimentos odontológicos, 403 milhões de exames laboratoriais, 2,1 milhões de partos, 13,4 milhões de ultra-sons, tomografias e ressonâncias, 55 milhões de seções de fisioterapia, 23 milhões de ações de vigilância sanitária, 150 milhões devacinas, 12 mil transplantes, 3,1 milhões de cirurgias, 215 mil cirurgias cardíacas, 9 milhões de seções de radioquimioterapia, 9,7 milhões de seções de hemodiálise e o controle mais avançado da aids no terceiro mundo São números impressionantes para a população atual, em marcante contraste com aproximadamente metade da população excluída antes dos anos oitenta, a não ser pequena fração atendida eventualmente pela caridade das Santas Casas “Estes avanços foram possíveis graças à profunda descentralização de competências com ênfase na municipalização, com a criação e funcionamento das comissões Intergestores (Tripartite nacional e Bipartites estaduais), dos fundos de saúde com repasses fundo a fundo, com a extinção do INAMPS unificando a direção em cada esfera de governo, com a criação e funcionamento dos conselhos de saúde, e fundamentalmente, com o belo contágio e a influência dos valores éticos e sociais da política pública do SUS perante a população usuária, os trabalhadores de saúde, os gestores públicos e os conselhos de saúde, levando às grandes expectativas de alcançar os direitos sociais e decorrente força e pressão social” (SANTOS, 2007) Os impasses ou dificuldades do SUS Apesar dos seus inegáveis avanços, como atestam os números citados anteriormente, a construção do SUS encontra vários entraves, entre os quais destacamos, para os propósitos do presente texto, apenas dois, até porque eles com certeza impactam diretamente no seu trabalho como membro de uma equipe de saúde da família: a) o subfinanciamento; b) as insuficiências da gestão local do SUS a. O subfinaciamento, isso é, os recursos destinados à operacionalização e financiamento do SUS, fica muito aquém de suas necessidades Para Nelson Sistema de Saúde Pública no Brasil 10 www.eduhot.com.br Rodrigues dos Santos (SANTOS, 2007), “a atualização do financiamento federal segundo a variação nominal do PIB não vem sequer acompanhado o crescimento populacional, a inflação na saúde e a incorporação de tecnologias Mantém o financiamento público anual per capita abaixo do investido no Uruguai, Argentina, Chile e Costa Rica e por volta de 15 vezes menor que a média do praticado no Canadá, países Europeus, Austrália e outros Também é fundamental ter presente que a indicação de 30% do Orçamento da Seguridade Social para a Saúde, como era previsto nas Disposições Constitucionais Transitórias (DCT) da Constituição, era o mínimo para iniciar a implementação do SUS com Universalidade, Igualdade e Integralidade Se tivesse sido implementada tal medida, hoje haveria R$ 106,6 bilhões para o financiamento do sistema e não aos R$ 48,5 bilhões aprovados para o orçamento federal de 2008 O financiamento do SUS é marcadamente insuficiente, a ponto de impedir não somente a implementação progressiva/incremental do sistema, como e principalmente de avançar na reestruturação do modelo e procedimentos de gestão em função do cumprimento dos princípios Constitucionais” Para quem trabalha na Estratégia da Saúde da Família, tal insuficiência é sentida, principalmente, quando há necessidade de se acessar os outros níveis de maior complexidade do sistema, cuja oferta parece sempre aquém das demandas Por outro lado, o autor destaca que “houve também a opção dos governos pela participação do orçamento federal no financiamento indireto das empresas privadas de planos e seguros de saúde por meio da dedução do IR, do co- financiamento de planos privados dos servidores públicos incluindo as estatais, do não ressarcimento ao SUS pelas empresas do atendimento aos seus afiliados, pelas isenções tributárias e outros, que totalizada mais de 20% do faturamento do conjunto dessas empresas” b. As insuficiências da gestão local do SUS. A gestão municipal dos recursos do SUS vem funcionando apenas em parte – sem desconsiderar que os recursos para o SUS são insuficientes A gestão municipal é idealizada pelo projeto da Reforma Sanitária Brasileira como mais eficaz, porque “estaria mais próxima dos cidadãos” e mais sensível aos seus anseios O SUS denomina como “gestão local” conjunto de atividades desenvolvidas pelos gestores municipais, visando a Sistema de Saúde Pública no Brasil 11 www.eduhot.com.br operacionalização, na prática e em seus contextos sócio-político-institucionais singulares, das grandes diretrizes política do Sistema Único de Saúde Pesquisadores do Departamento de Medicina Preventiva da Universidade Federal de São Paulo realizaram recente pesquisa em 20 pequenos municípios de duas regiões de saúde próximas a São Paulo Por serem municípios pequenos, estes funcionaram como um verdadeiro “laboratório” de observação das reais condições de operacionalização em muitos municípios brasileiros, já que pouco mais de 80% dos municípios do país têm menos de 20 mil habitantes Vejamos alguns dados sobre a operacionalização real do SUS mostrados pelo estudo (CECÍLIO et al, 2007): • A baixa resolutividade da rede básica de serviços montada no país desde a década de 1980, mas acelerada nos anos 1990, fruto de uma gestão do cuidado desqualificada, em particular pela realização de uma clínica degradada, pela baixa capacidade de construção de vínculo e produção de autonomia dos usuários Tem havido grande dificuldade de produção de alternativas de cuidado ao modelo biomédico e sua poderosa articulação com o complexo médico-industrial e acelerado processo de incorporação tecnológica Isso tem resultado em encaminhamentos desnecessários e excessivos, e alimenta as filas de espera em todos os serviços de média e alta complexidade, além de resultar na fragmentação dos cuidados prestados; na repetição desnecessária de meios complementares de diagnóstico e terapêutica; numa perigosa poliprescrição medicamentosa; na confusão e isolamento dos doentes, e inclusive na perda de motivação para o trabalho por parte dos clínicos da rede básica • Os modelos assistenciais e consequentes modos de organização de processos de trabalho adotados na rede básica de saúde têm resultado, quase sempre, em pouca flexibilidade de atendimento das necessidades das pessoas e dificuldade de acesso aos serviços em seus momentos de maior necessidade, fazendo aumentar a demanda desordenada pelos serviços de urgência/emergência • Deficiência na formação dos profissionais de saúde, ainda muito centrada em práticas curativas e hospitalares, com consequente dificuldade de desenvolvimento de práticas mais integrais e resolutivas de cuidado, incluindo a capacidade de trabalhar em equipe, implementar atividades de promoção e prevenção em saúde e ter uma postura mais ética e cuidadora dos usuários do SUS Sistema de Saúde Pública no Brasil 12 www.eduhot.com.br • Deficiência na gestão dos sistemas locoregionais de saúde que se traduz em: a) Baixa capacidade de fazer uma adequada regulação do acesso aos serviços de saúde voltada para seu uso mais racional e produtivo; b) Baixíssima ou quase nula capacidade de gestão do trabalho médico, em particular a avaliação e acompanhamento da produtividade, qualidade do trabalho e resolutividade destes profissionais; c) Baixa capacidade de planejamento/programação de serviços a partir de indicadores epidemiológicos e estabelecimento de prioridades para alocação de recursos; d) Pouca ou nenhuma prática de priorização de “gestão de casos” em situação de alta vulnerabilidade dos pacientes com o objetivo de garantir o uso dos múltiplos recursos necessários para o cuidado de forma mais racional e integrada. • O forte protagonismo dos usuários, que ainda fazem uma clara valorização do consumo de serviços médico-hospitalares,a garantia de acesso ao atendimento mais rápido em serviços de urgência/emergência e a busca por segurança e satisfação na utilização de tecnologias consideradas mais potentes, em particular a utilização de fármacos, a realização de exames sofisticados e o acesso a especialistas Tais percepções seriam componente importante da explicação da demanda sem fim por atendimento médico que desqualifica todos os parâmetros de programação e planejamento dos serviços de saúde Todas essas explicações talvez pudessem ser dispostas na forma de uma complexa rede causal que, mesmo tendo seus “nós críticos”, acabam todas, de uma forma ou de outra, contribuindo para a formação de filas, a demora no acesso e as longas esperas Em última instância, reforçando a reconhecida insuficiência de recursos necessários para o atendimento às necessidades das pessoas Santos, falando das dificuldades do SUS (SANTOS, 2007) aponta para problemas parecidos Observe: a) “A atenção básica expande-se às maiorias pobres da população, mas na média nacional estabiliza-se na baixa qualidade e resolutividade, não consegue constituir-se na porta de entrada preferencial do sistema, Sistema de Saúde Pública no Brasil 13 www.eduhot.com.br nem reunir potência transformadora na estruturação do novo modelo de atenção preconizado pelos princípios constitucionais”; b) “Os serviços assistenciais de média e alta complexidade cada vez mais congestionados reprimem as ofertas e demandas (repressão em regra iatrogênica e frequentemente letal)”; c) “Os gestores municipais complementam valores defasados da tabela do SUS na tentativa de aliviar a repressão da demanda, nos serviços assistenciais de média e alta complexidade”; d) “Com o enorme crescimento das empresas de planos privados, e consequente agressividade de captação de clientela, as camadas médias da sociedade, incluindo os servidores públicos, justificam e reforçam sua opção pelos planos privados de saúde”; e) “As diretrizes da integralidade e equidade pouco ou nada avançam”; f) “A judicialização do acesso a procedimentos assistenciais de médio e alto custo às camadas média-média e média-alta da população aprofundam a iniquidade e a fragmentação do sistema”; g) “O modelo público de atenção à saúde vai se estabilizando em pobre e focalizado aos 80% pobres da população, e em complementar e menos pobre aos 20% compradores de planos privados” Saiba Mais... Entende-se como judicialização do acesso a utilização de ações judiciais, amparadas no princípio constitucional da saúde como direito de todos e dever do Estado, para garantir o acesso a medicamentos e procedimentos de alto custo. Apesar de ser, em princípio, na realização de um preceito constitucional, vários gestores e autores apontam para distorções provenientes da articulação entre os interesses das indústrias de medicamento e equipamentos e alguns médicos que fariam a “justificativa” de suas indicações sem critérios técnicos bem definidos. Outro problema apontado é que os estratos mais pobres da população, com menos acesso a um advogado, acabam sendo preteridos em relação àqueles com melhores condições econômicas, resultando na iniquidade apontada pelo autor. O autor continua, ao afirmar que “ao lado dos inestimáveis avanços da inclusão, com a expansão dos serviços públicos, atendendo necessidades e direitos Sistema de Saúde Pública no Brasil 14 www.eduhot.com.br da população, permanece ainda um inaceitável porcentual de ações e serviços evitáveis ou desnecessários, bem como de tempos de espera para procedimentos mais sofisticados, geradores de profundos sofrimentos com agravamento de doenças e mortes evitáveis Só de hipertensos temos 13 milhões e de diabéticos, 4,5 milhões na espera de agravamento com insuficiência renal, doenças vasculares e outras, mais de 90 mil portadores de câncer sem acesso oportuno à radioterapia, 25% dos portadores de tuberculose, hansenianos e de malária sem acesso oportuno e sistemático ao sistema, incidências anuais de 20 mil casos novos de câncer ginecológico e 33 mil casos novos de AIDS, entre dezenas de exemplos de repressão de demandas” Santos ainda aponta que “Os gestores municipais e estaduais do SUS, os trabalhadores de saúde e os prestadores de serviços encontram-se no sufoco e angústia de atender os sofrimentos e urgências de “hoje e ontem”, obrigados a reprimir demandas, sabendo penosamente que ações preventivas e de diagnósticos precoces impediriam o surgimento da maior parte de casos graves e urgentes, mas obrigados a priorizar os casos de maiores sofrimentos e urgências devido à insuficiência de recursos A reprodução do complexo médico-industrial, os casos de corporativismos anti-sociais e até de prevaricações e corrupções encontram terreno fértil nesse sufoco Este contexto extremamente adverso e desgastante não justifica, contudo, passividades e conivências com irresponsabilidades sanitárias perante os princípios e diretrizes constitucionais, na gestão descentralizada do SUS nem ao nível central O modo de financiar e institucionalizar a política pública com base no direito à igualdade e à vida é ainda marginal, e muito cuidado e dedicação devem ser tomados para que as imprescindíveis inovações de gestão permaneçam vinculadas à visão e compromisso de futuro e de sociedade pautados por esse direito” O Pacto pela Vida (buscando saídas para os problemas e impasses) Na breve linha do tempo que vimos anteriormente, muitas iniciativas foram tomada para a implementação do SUS, a partir de 1990, com forte ênfase na descentralização e municipalização das ações de saúde Este processo de descentralização ampliou o contato de gestores e profissionais da saúde com a realidade social, política e administrativa do país Evidenciaram-se, com maior Sistema de Saúde Pública no Brasil 15 www.eduhot.com.br clareza, as diferenças regionais, tornando mais complexa a organização de rede de serviços que atenda as diferentes necessidades dos brasileiros Em princípio, a responsabilidade pela gestão do SUS é dos três níveis de governo e as normas operacionais vinham regulamentando as relações e responsabilidades dos diferentes níveis até 2006, momento em que se instituiu o Pacto pela Saúde, como um conjunto de reformas nas relações institucionais e fortalecimento da gestão do SUS O Pacto introduziu mudanças nas relações entre os entes federados, inclusive nos mecanismos de financiamento – significando, portanto, um esforço de atualização e aprimoramento do SUS Para a adesão dos gestores ao Pacto, é assinado um termo de compromisso, onde se estabelecem compromissos entre os gestores em três dimensões: Pacto pela Vida, em Defesa do SUS e de Gestão No Pacto pela Vida são firmados compromissos em torno das medidas que resultem em melhorias da situação de saúde da população brasileira A partir dele, definem-se prioridades e metas a serem alcançadas nos municípios, regiões, estados e país atualmente são seis as prioridades em vigência: 1 Saúde do Idoso; 2 Controle do Câncer do colo do útero e da mama; 3 Redução da mortalidade infantil e materna; 4 Fortalecimento da capacidade de resposta às doenças emergentes e endemias, com ênfase na dengue, hanseníase, tuberculose, malária e influenza; 5 Promoção da Saúde; 6 Fortalecimento da Atenção Básica O Pacto em Defesa do SUS firma-se em torno de ações que contribuam para aproximar a sociedade brasileira do SUS, seguindo as seguintes diretrizes: • A repolitização da saúde, como movimento que retoma a Reforma Sanitária Brasileira, atualizando as discussões em torno dos desafios atuais do SUS; • Promoção da Cidadaniacomo estratégia de mobilização social tendo a questão da saúde como direito; • Garantia de financiamento de acordo com as necessidades do Sistema Na dimensão do Pacto de Gestão são abordados: • A Regionalização; • A qualificação do processo de descentralização e ações de planejamento e programação; Sistema de Saúde Pública no Brasil 16 www.eduhot.com.br • Mudanças no financiamento Na adesão ao Pacto, os gestores assinam em conjunto o Termo de Compromisso, onde constam nos eixos prioritários as metas a serem atingidas anualmente ou bianualmente Existe um sistema informatizado de monitoramento, o SISPACTO, que contém indicadores e metas atingidas do ano anterior e as pactuadas para o ano seguinte São em torno de 40 indicadores tais como: coeficiente de mortalidade infantil, cobertura de Programa de Saúde da Família, proporção de internação por complicação de Diabetes, proporção de sete consultas ou mais de pré-natal, cobertura de primeira consulta odontológica programática, entre outros Este é mais um esforço para se traduzir, na prática, as grandes diretrizes do SUS construída ao longo de muitos anos Sem a atuação concreta dos gestores municipais, do controle social, e, principalmente do aperfeiçoamento do trabalho de cada equipe, o SUS permanecerá “no papel”, sem ter um papel realmente transformador no cuidado aos brasileiros Este é o desafio ao se pensar o SUS como política Não uma abstração, mas um conjunto de ações concretas capazes de transformar, para melhor, a vida das pessoas. SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE, SUA HEGEMONIA ENQUANTO SUPORTE À EFETIVAÇÃO DA POLÍTICA DE SAÚDE NO PAÍS E O RESPECTIVO ARCABOUÇO LEGAL Como vimos, na primeira metade do século XX, ocorreram fatos importantes no setor saúde. Predominava um modelo sanitarista campanhista, voltado ao controle das doenças endêmicas rurais e das epidêmicas distribuídas numa vasta extensão do território brasileiro, com alta incidência de doenças infecciosas e parasitárias. Cabe destacar, nesse contexto, três marcos que consideramos como os mais expressivos (BERTOLLI FILHO, 2004): Sistema de Saúde Pública no Brasil 17 www.eduhot.com.br Passemos ao período no qual ocorreram as mais significativas discussões e debates políticos sobre as condições de saúde da população brasileira. Teve início em meados da década de 1970, num contexto político e social marcado por um regime de governo autoritário de uma ditadura militar, que teve início em 1964 e o seu final em 1985. Nesse período, extremante crítico, emergem, na metade da década de 1970, o Movimento Sanitário e outros movimentos políticos e sociais. As pressões desses movimentos sobre o governo resultaram na convocação da VII Conferência Nacional de Saúde (CNS), em 1980, que tratou da temática que contemplava a extensão das ações de saúde por meio dos serviços básicos, na perspectiva da Atenção Primária em Saúde (APS). A VII Conferência Nacional de Saúde pautou-se nas recomendações da Conferência Internacional de Alma Ata, realizada em 1978, onde houve a formalização da Atenção Primária em Saúde como doutrina, bem como a determinação dos seus fundamentos (ALBUQUERQUE, 2012). Sem a pretensão de negar a importância de outros resultados oriundos dos movimentos políticos e sociais, Albuquerque (2012) refere que vale destacar alguns marcos pós-ditadura militar. O primeiro deles, considerado um dos resultados mais expressivos do Movimento Sanitário, foi a realização da VIII Conferência Nacional de Saúde, que reuniu milhares de participantes que representavam parte das forças políticas e sociais que lutavam por uma reforma efetiva na política de saúde do país. Uma das recomendações importantes da VIII CNS foi a criação de uma Comissão Nacional de Reforma Sanitária (CNRS), pelo Ministério da Saúde, que atuaria com legitimidade nas discussões para a elaboração da “Nova” Constituição Federal, de forma a subsidiar os aspectos relacionados à saúde. Sistema de Saúde Pública no Brasil 18 www.eduhot.com.br A Portaria nº 02/1986 dispõe sobre a instituição da Comissão Nacional da Reforma Sanitária (CNRS), que teria representantes de órgãos governamentais, da sociedade civil organizada, do Congresso Nacional, dos prestadores de serviços de saúde públicos e privados e de profissionais de saúde; sem determinar a paridade das representações (BRASIL, 1986). Após mais de um ano de discussão, em 1988,foi promulgada a Constituição Federal do Brasil (CFB). No Título VIII – Da Ordem Social, Cap. II – Da Seguridade Social, na seção II – Da saúde é contemplado o passo mais importante dos resultados das lutas e dos movimentos pela reforma sanitária. Nos artigos 196 a 200, a CFB dispõe especificamente sobre a saúde (BRASIL, 1988). É de extrema importância que você conheça a Constituição Federal do Brasil, uma vez que ela é a base de toda ordenação jurídica do país. É a lei máxima e se sobrepõe a quaisquer leis. Portanto, qualquer ação contrária poderá resultar em penalizações por inconstitucionalidade. Clique aqui para acessar (BRASIL, 1988). Cabe enfatizar que o Art. 196 define “a saúde como um direito de todos e dever do Estado”, e o Art. 198 estabelece a criação do SUS. Tanto nesses artigos quanto nos demais, apresentam-se os princípios e as diretrizes do SUS, que é regulamentado após dois anos, através das LOS (Leis Orgânicas da Saúde) nº 8.080/1990 e nº 8.142/1990. Paim (2009, p. 56) apresenta uma definição de princípios e de diretrizes dada a importância do uso, de forma ampla, desses dois termos quando se fala sobre o SUS, o que gera certa confusão e sobreposições do que vem a ser um princípio e uma diretriz. Alguns dos dispositivos legais que discorrem sobre a operacionalização do SUS são: Sistema de Saúde Pública no Brasil 19 www.eduhot.com.br • as Normas Operacionais Básicas do SUS (NOB/SUS): • NOB 91; • NOB 93; • NOB 96; • a Norma Operacional de Assistência à Saúde (NOAS)nº 01/2001; • o Pacto pela Saúde, criado em 2006, divido em três dimensões ou diretrizes operacionais: » Pacto pela Vida; » Pacto em defesa do SUS; » Pacto de Gestão; Após 21 anos de publicação da Lei nº 8.080/90, ocorreu a sua regulamentação por meio do Decreto Presidencial nº 7.508 de 28/06/2011, que dispõe sobre a organização do Sistema Único de Saúde (SUS), o planejamento da saúde, a assistência à saúde e a articulação interfederativa, e dá outras providências (BRASIL, 2011). Destacam-se para efeitos do Decreto nº 7.508/2011 alguns termos e terminologias, dispostos no Capítulo I, Art. 2º – sem a intenção de defini-los, serão apenas citados (BRASIL, 2011): » Região de Saúde » Contrato Organizativo da Ação Pública de Saúde Sistema de Saúde Pública no Brasil 20 www.eduhot.com.br Portas de Entrada Comissões Intergestores Mapa da Saúde Rede de Atenção à Saúde Serviços Essenciais de Acesso Aberto e Protocolo Clínico A CONFIGURAÇÃO DO SUS: GESTÃO E FINANCIAMENTO, NÍVEIS E MODELOS DE ATENÇÃO O SUS tem como sustentáculo princípios e diretrizes, descritos em seu arcabouço legal, que se constituem de forma inequívoca na base para a sua construção e, consequentemente, operacionalização. Portanto, tem regras, tem legitimidade, ou seja, o SUS representa uma expressão política, jurídica e organizacional, enquanto política de Estado para a saúde, e não de governo. O SUS é o sistema hegemônico do país, sendo responsável pela atenção àsaúde da maioria dos cidadãos brasileiros. Abrange um conjunto de serviços ambulatoriais especializados; serviços de apoio ao diagnóstico e a terapêutica; serviço pré-hospitalar de urgência e emergência, com destaque para o Serviço Móvel de Urgência (SAMU); além de uma rede hospitalar de média e de alta complexidade. Inclusive, e de forma mais expressiva, faz parte da sua competência a oferta de serviços básicos, na APS, por meio, principalmente, da Estratégia Saúde da Família (ESF), compondo um conjunto que reúne ações de promoção, proteção e recuperação da saúde, bem como, das ações prevenção de doenças, de agravos. Faz-se necessário enfatizar que o SUS conta, nessa abrangência/magnitude, com serviços próprios (públicos); além de serviços contratados ou conveniados de caráter privado complementar (filantrópicos e lucrativos). Nessa perspectiva, a intenção é expor outros elementos que configuram o SUS. Portanto, retornar-se-á ao Decreto nº 7.508/2011, no que se refere ao Capítulo II – Da organização do SUS, onde se destaca que a sua execução é realizada pelos entes federativos (união, estados e municípios), de forma direta ou indireta, tendo como complementar a participação da iniciativa privada. E, resgata que é organizado de forma a priorizar o espaço ou o processo de “espacialização”, por meio das diretrizes da regionalização e hierarquização. Sistema de Saúde Pública no Brasil 21 www.eduhot.com.br Nesse processo, são instituídas as regiões de saúde, que devem ser minimamente compostas por (BRASIL, 2011): ✓ atenção primária; ✓ urgência e emergência; ✓ atenção psicossocial; ✓ atenção ambulatorial especializada e hospitalar; ✓ vigilância em saúde. Nas regiões de saúde, estarão inseridas as RAS – Redes de Atenção de Saúde (BRASIL, 2011). Ainda, discorrendo sobre a organização, o decreto destaca, com referência ao acesso universal e igualitário, que esse acesso se inicia pelas portas de entrada às ações e serviços nas RAS, independentemente do nível de complexidade. Sobre portas de entrada: antes do Decreto nº 7.508/2011, só se considerava como porta de entrada no SUS a APS. E, ainda, com o reforço de ser a porta de entrada preferencial. Perceba, pela frase destacada em negrito, acima, que agora a lógica é outra. Outro ponto a ser destacado se refere ao financiamento do SUS. É de responsabilidade das três esferas de governo o financiamento das ações e serviços de saúde. Nas esferas estaduais e municipais, além dos recursos orçamentários do próprio tesouro, há os recursos que são transferidos pela União. O conjunto de recursos, portanto, inclui, além dos que provêm do orçamento de cada instância, os que provêm de contribuições sociais; que devem ser identificados nos fundos de saúde para a execução das ações previstas em vários instrumentos de planejamento. Para conhecimento geral, porém de forma sintética, sobre os instrumentos de planejamento do financiamento, veja o quadro a seguir: Quadro 1 – Instrumentos de planejamento do financiamento em saúde Instrumento Periodicidade Observações Plano de Saúde e Plano Diretor de Regionalização A cada quatro anos Elaboração durante o exercício do primeiro ano da gestão em curso. Sistema de Saúde Pública no Brasil 22 www.eduhot.com.br Execução a partir do segundo ano da gestão em curso até o primeiro ano da gestão subsequente. Plano Plurianual A cada quatro anos Elaboração durante o exercício do primeiro ano da gestão em curso, observados os prazos previstos na legislação vigente. Execução a partir do segundo ano da gestão em curso até oprimeiro ano da gestão subsequente. Lei de Diretrizes Orçamentárias Anual O projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias deve ser encaminhado ao Legislativo conforme prazos previstos na legislação vigente. Lei Orçamentária Anual Anual O Projeto de Lei Orçamentária Anual será encaminhado ao Legislativo conforme prazos previstos na legislação vigente. Programação Anual de Saúde Anual Elaboração durante o ano para execução no ano subsequente. Relatório de Gestão Anual Envio da resolução de aprovação do relatório de gestão municipal, relativo ao ano anterior, pelo CMS (Conselho Municipal de Saúde), à CIB (Comissão Intergestores Bipartite), até 31 de maio do ano em curso. Envio da resolução de aprovação do Relatório de Gestão Estadual, relativo ao ano anterior, pelo Conselho Estadual de Saúde, à CIT (Comissão Intergestores Tripartite), até 31 de maio do ano em curso. Envio da resolução de aprovação do Relatório de Gestão Federal, relativo ao ano anterior, pelo CNS (Conselho Nacional de Saúde), à CIT, até 31 de maio do ano em curso. Fonte: (CONASS, 2011, p. 99). Ainda sobre financiamento no SUS, não podemos deixar de destacar a Lei Complementar nº 141/2012, que (BRASIL, 2012a): Sistema de Saúde Pública no Brasil 23 www.eduhot.com.br Regulamenta o § 3º do art. 198 da Constituição Federal para dispor sobre os valores mínimos a serem aplicados anualmente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios em ações e serviços públicos de saúde; [..] revoga dispositivos das Leis nº 8.080/1990 e a 8.689/1993; e dá outras providências. A Lei nº 141/2012 está dividida em cinco capítulos, assim denominados: 1. Disposições preliminares 2. Das ações e serviços públicos de saúde 3. Da aplicação de recursos em ações e serviços públicos de saúde 4. Da transparência, visibilidade, fiscalização, avaliação e controle 5. Disposições finais e transitórias Cabe enfatizar que a Lei não define o percentual da arrecadação da União, que será aplicado, anualmente, em saúde. Contudo, explicita, no Art. 6º, que os Estados e o Distrito Federal aplicarão, anualmente, 12% (doze por cento) da arrecadação de impostos em ações e serviços públicos de saúde. E no Art. 7º, que os municípios aplicarão, anualmente, 15% (quinze por cento) da arrecadação de impostos em ações e serviços públicos de saúde. A respectiva Lei não apresenta incompatibilidades/incoerências com o Decreto nº 7.508/2011 (BRASIL, 2012a). O que são considerados como ações e serviços de saúde, para efeito de financiamento, segundo a Lei Complementar nº 141/2012? I. Vigilância em saúde (epidemiológica e sanitária) II. Atenção integral e universal à saúde em todos os níveis de complexidade III. Capacitação de pessoal de saúde do SUS IV. Desenvolvimento científico e tecnológico e controle de qualidade promovidos pelo SUS V. Produção, aquisição e distribuição de insumos específicos dos serviços de saúde do SUS VI. Saneamento básico de domicílios ou de pequenas comunidades VII. Saneamento básico dos distritos especiais indígenas ou remanescentes de quilombos VIII. Manejo ambiental vinculado diretamente ao controle de vetores de doenças IX. Investimento na rede física do SUS Sistema de Saúde Pública no Brasil 24 www.eduhot.com.br X. Remuneração de pessoal ativo da área de saúde XI. Ações de apoio administrativo realizadas pelas instituições do SUS XII. Gestão do sistema público de saúde (Continua) Observação: a respectiva lei também apresenta o que não constituirá despesas com ações e serviços públicos de saúde (BRASIL, 2012a). Tendo em vista tudo o que até aqui se abordou, consideramos contempladas as questões mais relevantes referentes à primeira temática do conteúdo programático. Contudo, você pode, de acordo com o(s) seu(s) interesse(s), aprofundar seu conhecimento sobre os pontos abordados a partir das leituras indicadas. A ATENÇÃO PRIMÁRIA EMSAÚDE ENQUANTO BASE PARA A CONSTRUÇÃO DAS REDES DE ATENÇÃO À SAÚDE Antes de adentrar na construção das Redes de Atenção à Saúde (RAS), torna- se necessário contextualizar a situação dos sistemas de saúde para a melhor compreensão das propostas de RAS. Segundo a Organização Pan-americana de Saúde (OPAS, 2011), há uma crise contemporânea dos sistemas de saúde em inúmeros países do mundo. Essa crise demonstra que há uma divergência entre as situações epidemiológicas onde predominam as condições crônicas e as respostas sociais que não garantem a continuidade dos processos de atenção a essas condições, respondendo apenas às condições agudas e eventos que decorrem da agudização das condições crônicas, de forma reativa, episódica e fragmentada. Nessa perspectiva, ainda de acordo com a Organização Pan-americana de Saúde (2011), os sistemas passam a ser identificados como sistemas fragmentados. Essa fragmentação apresenta-se sob inúmeras e diversificadas formas, como, por exemplo: » problemas de gestão, referentes ao ordenamento dos níveis ou pontos de atenção; » dificuldades ou ausência de acesso aos serviços de saúde pelos cidadãos; Sistema de Saúde Pública no Brasil 25 www.eduhot.com.br » descontinuidade e inadequação entre a oferta de ações e serviços e as necessidades e problemas de saúde da população. Para uma melhor compreensão, serão apresentados, de forma resumida, alguns aspectos negativos dos sistemas fragmentados de saúde (OPAS, 2011): » organizam-se por meio de um conjunto de pontos de atenção à saúde isolados e sem comunicação uns com os outros; » há uma incapacidade de prestar uma atenção contínua à população; » não contemplam uma população adscrita (com território delimitado) de responsabilização; » a APS não se comunica facilmente com a atenção secundária, que também não se articulam com a atenção terciária à saúde; » os sistemas de apoio e os sistemas logísticos funcionam sem integração com a APS. A atenção é predominantemente operacionalizada de forma reativa, episódica e centrada na doença. Portanto, a OPAS (2011) afirma que, para a superação da fragmentação dos sistemas de saúde em vários países do mundo, a organização de RAS é uma alternativa. Contudo, ressalta que essa proposta não é recente, é quase secular, e menciona o Relatório Dawson, elaborado em 1920 pelo médico inglês Bertrand Dawson no Reino Unido, como o precursor da discussão sobre Redes. Diante do exposto, serão apresentados aspectos e fatos relacionados à introdução da RAS no Brasil. Iniciamos pela menção do respaldo legal, que é a Portaria nº 4.279/2010, que dispõe sobre o estabelecimento das diretrizes para a organização de Rede de Atenção à saúde, no âmbito do SUS (BRASIL, 2010). E, no Anexo, apresenta as diretrizes das RAS, enquanto estratégias para superar a fragmentação da atenção e da gestão em saúde, com vistas à melhoria do desenvolvimento político institucional do SUS; bem como as bases conceituais e operacionais que subsidiam a organização das RAS. O documento enfatiza o arcabouço legal que fundamenta esse processo, com destaque para o Pacto pela Saúde, a Política Nacional de Atenção Básica (PNAB), a Política Nacional de Promoção da Saúde (PNPS), e reconhece as experiências do Sistema de Saúde Pública no Brasil 26 www.eduhot.com.br Ministério da Saúde (MS) e do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (CONASS), bem como os apoios promovidos pelo CONASS (BRASIL, 2010). A Portaria nº 4.279/10 define RAS como sendo: Arranjos organizativos de ações e serviços de saúde, de diferentes densidades tecnológicas, que integradas por meio de sistemas de apoio técnico, logístico e de gestão, buscam garantir a integralidade do cuidado (BRASIL, 2010). Tendo como objetivo: ...promover a integração sistêmica, de ações e serviços de saúde com provisão de atenção contínua, integral, de qualidade, responsável e humanizada, bem como, incrementar o desempenho do Sistema, em termos de acesso, equidade, eficácia clínica e sanitária; e eficiência econômica (BRASIL, 2010). Fica evidente que as RAS, no Brasil, têm como pretensão reformular o modelo de atenção num sistema fragmentado, como fora destacado. Portanto, será necessário dar mais ênfase aos dois sistemas em discussão. Mendes (2011) apresenta o que considera como características que diferenciam os sistemas de saúde fragmentados dos sistemas que têm como base as RAS. Quadro 2 – As características diferenciais dos sistemas fragmentados e das redes de atenção à saúde Característica Sistema fragmentado Rede de Atenção à saúde Forma de organização Hierarquia Poliarquia Coordenação da atenção Inexistente Feita pela APS Comunicação entre os componentes Inexistente Feita por sistemas logísticos eficazes Foco Nas condições agudas por meio de unidades de pronto atendimento. Nas condições agudas e crônicas por meio de uma RAS. Objetivos Objetivos parciais de diferentes serviços e resultados não medidos Objetivos de melhoria da saúde de umapopulação com resultados clínicos e econômicos medidos. Sistema de Saúde Pública no Brasil 27 www.eduhot.com.br População Voltado para indivíduos isolados. Voltado para uma população adscrita estratificada por subpopulações de risco e sob responsabilidade da RAS. Sujeito Paciente que recebe prescrições dos profissionais de saúde. Agente corresponsável pela própria saúde. A forma da ação do sistema Reativa e episódica, acionada pela demanda das pessoas. Proativa e contínua, baseada em plano de cuidados de cada pessoa, realizado conjuntamente pelos profissionais e pela pessoa usuária e com busca ativa. Ênfase das intervenções Curativas e reabilitadoras sobre condições estabelecidas. Promocionais, preventivas, curativas, cuidadoras, reabilitadoras ou paliativas, atuando sobre determinantes sociais da saúde intermediários e proximais e sobre as condições de saúde estabelecidas. Modelo de atenção à saúde Fragmentado por ponto de atenção à saúde, sem estratificação de riscos e voltado para as condições de saúde estabelecidas. Integrado, com estratificação dos riscos, e voltado para os determinantes sociais da saúde intermediários e proximais e sobre as Sistema de Saúde Pública no Brasil 28 www.eduhot.com.br condições de saúde estabelecidas. Modelo de gestão Gestão por estruturas isoladas (gerência hospitalar, gerência da APS, gerência dos ambulatórios especializados etc.). Governança sistêmica que integra a APS, os pontos de atenção à saúde, os sistemas de apoio e os sistemas logísticos da rede. Planejamento Planejamento da oferta baseado em séries históricas e definido pelos interesses dos prestadores de serviço. Planejamento das necessidades, definido pela situação das condições de saúde da população adscrita e de seus valores e preferências. Ênfase do cuidado Cuidado profissional centrado nos profissionais, especialmente os médicos. Atenção colaborativa realizada por equipes multiprofissionais e pessoas usuária se suas famílias e com ênfase no autocuidado apoiado. Conhecimento e ações clínicas Concentradas nos profissionais, especialmente médicos. Partilhadas por equipes multiprofissionais e pessoas usuárias. Tecnologia de informação Fragmentada, pouco acessível e com baixa capilaridade nos componentes das redes deatenção à saúde. Integrada a partir de cartão de identidade das pessoas usuárias e de prontuários eletrônicos e articulada em todos os componentes da rede de atenção à saúde. Sistema de Saúde Pública no Brasil 29 www.eduhot.com.br Organização territorial Territórios político- administrativos definidos por uma lógica política. Territórios sanitários definidos pelos fluxos sanitários da população em busca de atenção. Sistema de financiamento Financiamento por procedimentos em pontos de atenção à saúde isolados. Financiamento por valor global ou por capitação de toda a rede. Participação social Participação social passiva e a comunidade vista como cuidadora. Participação social ativa por meio de conselhos de saúde com presença na governança da rede. Fonte: (MENDES, 2011, p. 56-57, adaptado). Agora, vamos entender melhor os sistemas hierárquicos e poliárquicos? Veja a figura a seguir. Figura 2 – Dos sistemas fragmentados para as redes de atenção à Saúde O centro de comunicação das RAS é a APS, cujo papel é o de ordenação das RAS e da coordenação do cuidado de todos os pontos de atenção (sendo a atenção primária a base e os demais pontos são os de atenção secundária e terciária) que deverá ser desenvolvida por meio de práticas gerenciais e sanitárias para populações Sistema de Saúde Pública no Brasil 30 www.eduhot.com.br adscritas, territórios delimitados, de forma integral, de acordo com as necessidades de cada cidadão e da comunidade (BRASIL, 2010). Pontos de atenção “são espaços onde se ofertam determinados serviços de saúde [...]”. Exemplo: os domicílios, as UBS (Unidades Básicas de Saúde), as unidades ambulatoriais especializadas, CAPS (Centros de Apoio Psicossocial), entre outros. “Todos os pontos de atenção à saúde são igualmente importantes para que se cumpram os objetivos da RAS e se diferenciam, apenas, pelas distintas densidades tecnológicas que os caracterizam” (BRASIL, 2010). Assim, retornaremos à construção das RAS no Brasil, tendo como referências a Portaria nº 4.279/10 e o Decreto nº 7.508/11. Contudo, será enfatizada a APS enquanto base dessa construção. A Portaria nº 4.279/10 estabelece que há três elementos que são considerados estruturais na operacionalização das RAS: » a APS como sendo o centro de comunicação; » os pontos de atenção secundária e terciária; » os sistemas de apoio; » os sistemas logísticos e o sistema de governança. Os sistemas de apoio são definidos como espaços institucionais das RAS, onde há uma oferta de serviços comuns aos três pontos de atenção. São constituídos pelos sistemas de apoio ao diagnóstico e à terapêutica e pelo sistema de assistência farmacêutica, considerando essa assistência em todas as suas etapas: » seleção; » programação; » aquisição; » armazenamento; » distribuição; » prescrição; » dispensação; » racionalização; » sistemas de informação. Sistema de Saúde Pública no Brasil 31 www.eduhot.com.br As soluções em saúde são consideradas como sistemas logísticos, que são fortemente assentados no eixo das tecnologias de informação para racionalizar a operacionalização dos fluxos e contrafluxos das pessoas. Assim, objetivam promover a integração entre a atenção primária e os demais pontos de atenção à saúde. Exemplos: as Centrais de Regulação eletrônicas de acesso, os sistemas de registros eletrônicos. O sistema de governança se constitui por meio de processos complexos que envolvem a articulação entre as instituições, os cidadãos e os grupos sociais que, de acordo com o interesse de cada ator social, busca a garantia dos seus direitos, assegurando o dever que compete a cada um (BRASIL, 2010). Há uma vasta literatura sobre Redes de Atenção à Saúde, mas não faz parte do nosso propósito, nessa abordagem, aprofundar mais a temática. A intenção foi apresentar um suporte teórico, mínimo, na perspectiva de destacar esse processo e produzir um maior envolvimento de todos na construção das RAS e, consequentemente, do SUS. ATENÇÃO PRIMÁRIA EM SAÚDE: CONFIGURAÇÕES, CONCEPÇÕES E PRÁTICAS DA ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA As décadas de 1980 e de 1990 foram marcantes na história das políticas sociais, mais especificamente as de saúde, como fora demonstrado no decorrer da abordagem. Nesse período, a atenção básica foi a concepção estratégica mais expressiva entre as propostas de modificação dos modelos de atenção à saúde no país. Na década de 1980, foi instituído um conjunto de deliberações que propiciaram uma ampliação da oferta de ações e serviços de saúde na atenção básica, o que, consequentemente, expandiu a cobertura para localidades (de regiões, municípios etc.), prioritariamente, onde existiam vazios assistenciais que se traduziam na inexistência de recursos de saúde às populações. Esse processo foi iniciado a partir da institucionalização das Ações Integradas de Saúde (AIS), enquanto projeto interministerial (Saúde, Previdência e Educação), no período de 1983 a 1987, por meio de convênios entre a União, estados e municípios, com o estabelecimento de recursos financeiros (ALBUQUERQUE, 2012). Sistema de Saúde Pública no Brasil 32 www.eduhot.com.br O conjunto de ações e serviços de saúde desenvolvido, por meio das AIS, ia além da assistência médica, pois se estruturava, em sua maioria, a partir do reconhecimento das necessidades da população, com uma perspectiva de atuação em território delimitado. Portanto, era intrínseca à sua concepção a integração entre o serviço e a comunidade e entre o usuário e os profissionais de saúde. A integração era princípio estruturante da organização dos serviços (LIMA et al.,2005). As AIS foram substituídas pelo Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde (SUDS) em 1987. O Sistema foi criado por meio do Decreto Presidencial de nº 94.657 de 20/07/1987, ficando sob a responsabilidade do Ministério da Saúde (MS) e do Ministério da Previdência e da Assistência Social (MPAS) até a criação e o início da operacionalização do SUS (1988/1990) (ALBUQUERQUE, 2012). Albuquerque (2012) afirma que em 1991, com base em experiências internacionais e nacionais, foi instituído o Programa Nacional de Agentes Comunitários de Saúde (PNACS) pelo MS, por meio da publicação do Manual do Agente Comunitário de Saúde (ACS) pela Fundação Nacional de Saúde. O PNACS, em 1992, passou a ser denominado como Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS). Aqui, a unidade programática e de cobertura, em saúde, é a família, e não o indivíduo em sua singularidade. O indicador de cobertura era o número de famílias cadastradas pelo programa. A partir de então, as demandas por ampliação das ações relacionadas à atenção básica marcavam o cenário da situação de saúde do país. Diante do exposto e, sob a justificativa de que havia uma necessidade de ampliar a interiorização do SUS, foi publicada a Portaria nº 692/1994, que dispunha sobre a criação, enquanto metas do MS, do Programa de Interiorização do Sistema Único de Saúde (PISUS) e do Programa de Saúde da Família (PSF) (BRASIL, 1994). O PISUS foi implantado, prioritariamente, nos municípios dos estados da Amazônia legal. E, o PSF seria um modelo de atenção para todo o país, que daria prioridade não só à assistência médica individual, mas também às ações de promoção e proteção da saúde. E, sua operacionalização ocorreria por meio do trabalho em equipe, minimamente composta por: » 1 médico; » 1 enfermeiro; Sistema de SaúdePública no Brasil 33 www.eduhot.com.br » 1 profissional de nível médio em enfermagem (técnico ou auxiliar) e; » Agentes Comunitários de Saúde – ACSs (sem estabelecer o quantitativo, por equipe). Apesar de o PSF ter sido elaborado para ser um modelo de atenção em todo o país, é importante saber que 12 estados foram os primeiros a aderirem ao PSF. São eles: Alagoas, Ceará, Pernambuco, Paraíba, Sergipe, Pará, Goiás, Minas Gerais, Rio de janeiro, São Paulo, Paraná e Santa Catarina. No final de 1994, 55 municípios contavam com USF (Unidades de Saúde da Família), com 328 equipes em atuação (ALBUQUERQUE, 2012). É importante enfatizar que o PSF introduziu o processo de territorialização, com a adscrição da população e a delimitação do território para a atuação de cada equipe. Cabe ressaltar que o PSF, até 1996, havia sido implantado em poucos municípios. A situação começou a mudar após a publicação da NOB/96, que explicitava, entre outros dispositivos, as bases para reordenação de um novo modelo de atenção à saúde e estabelecia a forma de financiamento da ABS (Atenção Básica em Saúde), especificamente do PACS e do PSF, por meio da criação do PAB (Piso da Atenção Básica), cujo cálculo seria de base populacional para o montante de recursos financeiros federais que seriam repassados aos municípios, exclusivamente para os procedimentos e ações da ABS (BRASIL, 2001). A partir da NOB/96, os gestores municipais demonstraram maior interesse pela implantação dos programas, que começou a apresentar uma rápida expansão, com tendência crescente, principalmente nos municípios de pequeno porte. Dada a importância dos respectivos programas, a Portaria nº 1.886/97, em suas disposições, reconhece o PACS e o PSF como “importante estratégia” para o aprimoramento e a consolidação do SUS. Assim, resolve aprovar as normas e diretrizes dos programas, com vistas a regulamentar a implantação e operacionalização dos mesmos. Devido à expansão do PSF, de forma significativa, o PACS passou a apresentar uma redução gradativa da sua cobertura sem, evidentemente, reduzir a cobertura populacional, que passava a ser atendida pelo PSF (BRASIL, 1997). Sistema de Saúde Pública no Brasil 34 www.eduhot.com.br Considera-se que, a partir da publicação da Portaria nº 1.886/97, o Programa de Saúde da Família passou a ser oficialmente uma estratégia de mudança de modelo de atenção à saúde, a partir da ABS, e recebeu a denominação de Estratégia Saúde da Família (ESF). Contudo, há quase 20 anos dessa publicação, inúmeros atores que atuam direta ou indiretamente na ESF a denominam de PSF; mas o que é relevante é que se trata de uma importante estratégia (ALBUQUERQUE, 2012). Devido à necessidade de readequar as orientações aos municípios e instrumentalizá-los quanto à organização do sistema de saúde devido à ampliação da cobertura da ESF, o MS publicou a Portaria nº 3.925/98, que dispõe sobre a criação do Manual para a Organização da Atenção Básica no SUS, estabelecendo o conceito de Atenção Básica em Saúde (ABS), definido como sendo um conjunto de ações de caráter individual e coletivo, sendo o primeiro nível de atenção do sistema de saúde; e, assumiu que, entre as estratégias existentes no SUS de reorientação do modelo de atenção, a Estratégia Saúde da Família seria considerada como “estratégia prioritária da saúde”(BRASIL, 1998). Segundo Albuquerque (2012), no mesmo ano, 1998, foi criado o SIAB (Sistema de Informação da Atenção Básica) pelo DATASUS. Esse sistema tem passado por frequentes reformulações. Assim, ao longo dos anos, a ABS passou a ter uma crescente necessidade, devido à continuidade da sua expansão (incluindo os municípios de médio e de grande porte), de outros instrumentos oficiais que a respaldassem em suas modificações, tais como portarias, normas, etc.. Houve uma vasta publicação, pelo MS, desses instrumentos, cujos conteúdos se apresentavam de forma desagregada, dificultando a compreensão pelos gestores, trabalhadores e cidadãos. Diante desses fatos, ocorreu um movimento que agregou atores sociais e políticos envolvidos direta e indiretamente com a ABS, e, após inúmeras discussões ao longo do tempo, houve uma mudança de posição da ABS através do MS, que a transformou em uma Política Nacional. Em 2006, ocorreu a publicação da Portaria nº 648/2006, que dispõe sobre a criação da Política Nacional de Atenção Básica (PNAB). Esta portaria redefiniu a ABS, incorporou os princípios e diretrizes do Pacto pela Saúde e ratificou a ESF enquanto estratégia de mudança do modelo de atenção à saúde do país (BRASIL, 2006). Sistema de Saúde Pública no Brasil 35 www.eduhot.com.br Com vistas à necessidade de revisão e adequação de normas nacionais ao atual momento de desenvolvimento da ABS, além da consolidação da ESF como prioritária para reorganização da ABS, ocorreu a publicação da Portaria nº 2.488 de 21/10/2011, que no seu Art. 1º “Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, com vistas à revisão da regulamentação de implantação e operacionalização vigentes, nos termos constantes dos Anexos a esta Portaria” (BRASIL, 2011a). A portaria conta com três anexos: » Anexo I: Disposições gerais sobre a Atenção Básica e dos princípios e diretrizes gerais da Atenção Básica; » Anexo II: Apresenta o que deverá conter no projeto de implantação das equipes de Saúde da Família e/ou equipes de saúde bucal, equipes de agentes comunitários, das equipes de atenção básica para populações específicas e dos Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASF); » Anexo III: trata da solicitação retroativa de complementação dos incentivos financeiros. A Portaria nº 2.488, de 21/10/2011 está em vigor e a sua compreensão por meio de leituras, de idas e vindas, são imprescindíveis para todos os trabalhadores da APS, especialmente aqueles que atuam na ESF. Para conhecer a Portaria nº 2.488 de 21/10/2011, clique aqui (BRASIL, 2011a). Ainda falando de grandes marcos e avanços do SUS, não podemos deixar de mencionar o e-SUS Atenção Básica (e-SUS AB). O Departamento de Atenção Básica (DAB) da Secretaria de Atenção à Saúde (SAS) do Ministério da Saúde, diante das novas diretrizes apontadas pela PNAB, está movendo esforços para a implantação de um SUS eletrônico, partindo da reestruturação do Sistema de Informação da Atenção Básica (SIAB), objetivando a melhora na qualidade da informação em Saúde. O novo Sistema de Informação em Saúde da Atenção Básica (SISAB) moderniza a plataforma tecnológica por meio do software e-SUS Atenção Básica (e-SUS AB) (BRASIL, 2014a). O e-SUS AB pretende aprimorar o detalhamento das informações, permitindo o acompanhamento individualizado do usuário e as ações desenvolvidas pelos profissionais da equipe de saúde. Para isso, está sendo necessário incrementar a Sistema de Saúde Pública no Brasil 36 www.eduhot.com.br gestão da informação, avançar na automação dos processos e melhorar as condições de infraestrutura e dos processos de trabalho na Atenção Básica (BRASIL, 2011). Com isso, espera-se contribuir para a organização do trabalho dos profissionais de saúde, a fim de facilitar e melhorar a qualidade da atenção à saúde prestada à população (BRASIL, 2014a). Entre os principais objetivos do e-SUS AB, destacam-se (CONASS, 2013): » fortalecer os processos de gestão do cuidado dos usuários; » reduzir o tempo e o retrabalho para a coleta dados; » permitir a individualização do registro; » produzir informações integradas; » facilitar a busca de informações epidemiológicas; » proporcionar o cuidado centrado no indivíduo, na família, na comunidadee no território; » orientar-se às demandas do usuário da saúde. O grande avanço do e-SUS AB é na forma como estão sendo realizados os registros das informações em saúde. O sistema permite o acompanhamento do histórico de atendimentos de cada usuário, assim como da produção de cada profissional que atua na atenção básica. Também permite a integração dos diversos sistemas de informação oficiais existentes na atenção básica, reduzindo a necessidade de registrar informações similares em mais de um instrumento (fichas/ sistemas), o que otimiza o trabalho dos profissionais e o uso da informação para gestão e qualificação do cuidado em saúde (BRASIL, 2014a). Outra novidade do SISAB é contemplar o registro das informações produzidas por todas as equipes que atuam na atenção básica, incluindo: Figura 3 – Unificação das informações da atenção básica Sistema de Saúde Pública no Brasil 37 www.eduhot.com.br Para saber mais sobre como se deu o processo de mudança para reestruturar o Sistema de Informação da Atenção Básica, conheça o arcabouço legal: • Política Nacional de Informação e Informática em Saúde, disponível aqui (BRASIL, 2004). • Portaria nº 1.412, de 10 de julho de 2013, que institui o Sistema de Informação em Saúde para a Atenção Básica (SISAB), disponível aqui (BRASIL, 2013). • Portaria nº 256, de 19 de fevereiro de 2014, que altera e acrescenta dispositivos à Portaria nº 1.412/GM/MS, de 10 de julho de 2013, em relação ao Programa Mais Médicos e ao PROVAB - Alimentação do SISAB por equipes com profissionais PROVAB e Mais Médicos, disponível aqui (BRASIL, 2014). Sistema de Saúde Pública no Brasil 38 www.eduhot.com.br CONSIDERAÇÕES FINAIS Acreditamos que o aporte teórico tratado nessa apostila pode proporcionar aos profissionais da Estratégia Saúde da Família inúmeras reflexões sobre o complexo processo que envolve a construção do SUS e todas as situações relacionadas à sua operacionalização. Acreditamos também que a APS exalta múltiplas vias e combinação de fatos e fatores, que podem reduzir o enorme abismo entre o que é ofertado, sob a forma de ações e serviços de saúde, e as reais necessidades e particularidades dos cidadãos brasileiros em sua maioria. Nós podemos contribuir, enquanto atores sociais, para o êxito da melhoria da saúde dos brasileiros. Sistema de Saúde Pública no Brasil 39 www.eduhot.com.br REFERÊNCIAS ALBUQUERQUE, M. I. N. Estratégia de Saúde da Família: um estudo sobre o processo e as condições de trabalho dos trabalhadores de saúde. Recife: Ed. Universitária da UFPE, 2012. BERTOLLI FILHO, C. História da saúde pública no Brasil. 4. ed. São Paulo: Ática, 2004. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 5 out. 1988. p. 1. Disponível em: <http://www. planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 5 jun. 2015. BRASIL. Ministério da Saúde. Conselho Nacional de Secretárias Municipais de Saúde. O SUS de A a Z: garantindo saúde nos municípios. 3. ed. 2. reimp. Brasília: Ministério da Saúde, 2009. (Série F. Comunicação e Educação em Saúde). Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/sus_az_garantindo_ saude_municipios_3ed_p1.pdf>. Acesso em: 5 jun. 2015. BRASIL. Ministério da Saúde. Gabinete do Ministro. Portaria Interministerial MEC/ MS/MPAS nº 02/86. Dispõe sobre a instituição da Comissão Nacional da Reforma Sanitária (CNRS). Diário Oficial da União, Brasília, DF, 20 ago. 1986. Seção 2, p. 15. Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/cd05_07.pdf>. Acesso em: 8 jun. 2015. BRASIL. Ministério da Saúde. Gabinete do Ministro. Portaria nº 1.412, de 10 de julho de 2013. Institui o Sistema de Informação em Saúde para a Atenção Básica (SISAB). Diário Oficial da União, Brasília, DF, 10 jul. 2013. Disponível em: <http:// bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2013/prt1412_10_07_2013.html>. Acesso em: 5 jun. 2015. BRASIL. Ministério da Saúde. Gabinete do Ministro. Portaria nº 2.203, de 5 de novembro de 1996. Aprova a NOB 1/96, a qual redefine o modelo de gestão do Sistema Único de Saúde. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 5 nov. 2001. Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/1996/ prt2203_05_11_1996.html>. Acesso em: 5 jun. 2015. BRASIL. Ministério da Saúde. Gabinete do Ministro. Portaria nº 2.488, de 21 de outubro de 2011. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a Sistema de Saúde Pública no Brasil 40 www.eduhot.com.br revisão de diretrizes e normas para a organização da Atenção Básica, para a Estratégia Saúde da Família (ESF) e o Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS). Diário Oficial da União, Brasília, DF, 21 out. 2011a. Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2011/prt2488_21_10_2011.html>. Acesso em: 5 jun. 2015. BRASIL. Ministério da Saúde. Gabinete do Ministro. Portaria nº 256, de 19 de fevereiro de 2014. Altera e acrescenta dispositivos à Portaria nº 1.412/GM/MS, de 10 de julho de 2013, em relação ao Programa Mais Médicos e ao PROVAB. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 19 fev. 2014. Disponível em: <http://bvsms.saude. gov.br/bvs/saudelegis/gm/2014/prt0256_19_02_2014.html>. Acesso em: 5 jun. 2015. BRASIL. Ministério da Saúde. Gabinete do Ministro. Portaria nº 3.925, de 13 de novembro de 1998. 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