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DESENHO INFANTIL: LER, ESCREVER, INTERPRETAR E CRIAR Maria Aparecida D’Ávila Cassimiro (PPGEduc/ UNEB. Profa.UESC) Gláucia Moura (PPGEduc/UNEB/ GRAFHO/CAPES) Edna Furukawa Pimentel (PPGEduc/ UNEB/ Profa UESB) INTRODUÇÃO É natural e é sabido que as crianças já desenham desde muitos e muitos anos, talvez milhares, no entanto os estudos dos desenhos infantis datam um pouco mais de um século, o que tem estreita relação com a visão de infância que nossos antepassados tinham. Em geral, as habilidades das crianças, assim como a forma de pensar, agir e sentir eram consideradas errôneas ou inferiores aos adultos, não havendo nenhuma preocupação em preservar os desenhos destas, e tão pouco estudá-los. Com a descoberta da originalidade da infância, de 1880 a 1900, sob a influência das idéias de Jean Jacques Rousseau (1712-1778) – que considerava a infância como uma etapa diferente, própria do ser criança, e importante para o desenvolvimento em direção à fase adulta, desmistificando a idéia da criança como adulto em miniatura – a falta de interesse pela criança começa a alterar. As influências das idéias de Rousseau na pedagogia levam outros autores a discutir o desenvolvimento infantil, seu pensamento, sua linguagem e inclusive as distorções das diferentes etapas no desenvolvimento do desenho infantil. Assim, atualmente, o desenho infantil é objeto de estudo por parte de psicólogos, pedagogos, artistas, educadores dentre outros. Dessa forma, a maneira de encarar o desenho infantil evolui junto com a concepção de infância. Antes a arte da criança considerada tendo como parâmetro a arte do adulto, deixava o desenho infantil fadado ao fracasso ou como forma de exercícios destinados a preparar o futuro artista. Hoje é considerada como forma de auto-expressão e meio para o desenvolvimento da criatividade, não existindo o erro no desenho infantil, mas o jeito individualizado de se expressar, o singular. Embora tenha mudado a forma de enxergar o grafismo infantil e existam teóricos que estudam a respeito da importância do desenho para o desenvolvimento da criança, aquele ainda se encontra fadado ao fracasso, ao malogro, já que o desenho é utilizado de forma banalizada na sala de aula para preencher um tempo ocioso ou como forma de acalmar as crianças e ainda para pintar cópias de figuras. Despreza-se também o início do percurso do desenho da criança, enxergando nos rabiscos contínuos não mais que aberrações, não dando a devida importância que esta fase deve ter. Acreditamos que seja necessário aos profissionais da educação, de modo geral, conhecer as etapas evolutivas do desenho infantil para melhor compreender a criança, podendo assim mediar de forma efetiva o seu desenvolvimento. Sendo assim, desenvolvemos o presente estudo, com intuito de fornecer subsídios aos profissionais a respeito de como se procede o desenvolvimento do desenho infantil, procurando responder sobre qual a importância do desenho no processo de desenvolvimento da criança. Dessa forma observamos cinco crianças, na faixa etária de dois a quatro anos, nas diversas etapas da construção de seu desenho, no período de um ano considerando alguns aspectos: cognição, coordenação motora fina, imaginação, criatividade e expressividade, realizando, por fim, uma análise do desenvolvimento do grafismo dessas cinco crianças. O PERCURSO DO PENSAMENTO A AÇÃO Acreditamos que em toda formação a teoria e a prática devem caminhar juntas, em uma relação dialética, visto que a prática por si só não leva à teoria, e a teoria por si só não transforma a realidade. Pensamos que a pesquisa é espaço ideal para que esta relação se efetive: “é a pesquisa que alimenta a atividade de ensino e a atualiza à realidade do mundo. Portanto, embora seja uma prática teórica, a pesquisa vincula pensamento e ação” ( MINAYO, 1994, p. 17). Concluímos a partir do estudo bibliográfico, que o desenvolvimento da criança, assim como do seu desenho, não acontece de forma linear, que depende fortemente do contexto sócio-histórico-cultural, e que cada criança é diferente em seu jeito de agir e sentir. Assim fizemos a nossa opção pela pesquisa de abordagem qualitativa, visto que, neste tipo de abordagem “a preocupação do pesquisador não é com a representatividade numérica do grupo pesquisado, mas com o aprofundamento da compreensão de um grupo social, (...), de uma trajetória etc.” (GOLDENBERG, 2001, p. 14) Do ponto de vista de procedimentos técnicos nosso trabalho trata de um estudo de caso com cinco crianças da educação Infantil. Segundo Ludke (1986), os estudos de caso buscam retratar a realidade de forma completa e profunda. O pesquisador procura revelar a multiplicidade de dimensões presentes numa determinada situação ou problema, focalizando-o como um todo. Esse tipo de abordagem enfatiza a complexidade natural das situações, evidenciando a inter-relação dos seus componentes. O principal método de coleta de dados foi a observação, seguida de análise dos desenhos das crianças. Uma vez que a observação ocupa um lugar privilegiado nas novas abordagens de pesquisa educacional. Usada como o principal método de investigação ou associada a outras técnicas de coleta, a observação possibilita um contato pessoal e estreito do pesquisador com o fenômeno pesquisado, o que apresenta uma série de vantagens (LUDKE, 1986, p. 26). Acreditamos que a observação, neste tipo de pesquisa, vem a ser a melhor forma de atestar um determinado fenômeno, pois, segundo Ludke (1986, p. 26) “na medida em que um observador acompanha in loco as experiências diárias dos sujeitos, pode tentar apreender a sua visão de mundo”. Uma vez tendo determinado a observação como um dos métodos mais adequados para investigar, a próxima decisão foi quanto ao grau de participação no trabalho, a forma de inserção na realidade. Decidimos então, pela observação participante, no papel de “participante total”, em que o “observador não revela ao grupo sua verdadeira identidade de pesquisador nem o propósito do estudo. O que ele busca com isso é tornar-se um membro do grupo, para se aproximar o mais possível da perspectiva dos participantes” (LUDKE, 1986, p. 28). Sendo assim aproximamo-nos na condição de educador da instituição. Este estudo de caso foi realizado em uma instituição escolar que trabalha numa perspectiva construtivista e das inteligências múltiplas (teoria proposta por Gardner, em seu livro Inteligências Múltiplas: a teoria na prática). Trata-se de uma associação de pais sem fins lucrativos, onde cada pai, ou mãe é um associado(a), rateando as despesas da instituição. A diretoria é composta por um presidente, e um vice-presidente, e mais uma comissão de aproximadamente oito pais e mães. A instituição não tem sede própria, localizando-se, atualmente nas proximidades do centro comercial da cidade de Ilhéus/BA. A instituição atende educação infantil e ensino fundamental I, sendo as salas denominadas de grupo, que vão do grupo 1 ao 9, seguindo a idéia de que não se deve haver uma quebra no processo educativo. A instituição atende a 105 crianças aproximadamente, tendo em média de 10 a 16 crianças por grupo. Escolhemos assim, cinco crianças da educação infantil como sujeitos da pesquisa. A idade das crianças no início da coleta (2005), correspondia a 2 a 3 anos, e pertenciam ao grupo 2 da escola em questão. A opção por sujeitos desta faixa etária se deu pelo fato de estarem iniciando a figuração, proporcionando acompanhar desde os rabiscos iniciaisdas crianças. A escolha das crianças para o estudo, atendeu à diferença de perfis entre elas, com o objetivo de dar mais subsídios à pesquisa. A partir da observação das crianças estudadas, diariamente em sua rotina escolar e no seu processo de construção com o desenho, realizávamos anotações diariamente, após o contato com estas, para garantir maior fidelidade. Estas anotações eram organizadas em relatórios semestrais, o que possibilitou traçar o perfil das crianças pesquisadas e dar subsídios para análise. Outra forma de coleta durante o processo de pesquisa foi a construção de um portifólio, que consiste em um arquivo das produções das crianças, que tem como objetivo o acompanhamento do seu desenvolvimento de forma mais cuidadosa, sendo um instrumento eficaz para a avaliação contínua e processual da criança, comparando-a consigo mesma. Assim em envelopes grandes, confeccionados pelas próprias crianças, construímos os portifólios dessas com os seus desenhos. Após a construção dos portifólios escolhemos os desenhos das crianças que usaríamos no trabalho, levando em consideração: o desenho espontâneo; desenhos que acompanhamos o percurso; desenhos da figura humana; desenhos que representassem o momento de saltos qualitativos e ou de “retrocesso”, objetivando em fim contemplar de forma verdadeira o percurso pictórico dessas crianças no período de um ano. A seleção e arquivamento dos desenhos aconteceram de forma trimestral, permitindo uma análise do percurso dessas crianças, originando posteriormente uma única análise do percurso pictórico no período de todo ano letivo, a fim de perceber o seu desenvolvimento nesse período. Optamos em utilizar os desenhos das crianças no corpus do trabalho, utilizando seus nomes próprios e faixa etária após permissão dos seus responsáveis dando mais originalidade a esta pesquisa. A CONSTRUÇÃO DO DESENHO INFANTIL: A DESCOBERTA DE UM UNIVERSO. A criança em seu processo de exploração, de descoberta do mundo, age neste de uma forma peculiar, da sua maneira. Esta simplifica o complexo mundo do adulto em um viver lúdico, em que destroços de uma casa em ruína caracterizam gigantescos castelos medievais e ossos de galinha são as personagens que habitam neste castelo. Assim cada expressão da criança possui um toque de ludicidade, de brincar de faz-de- conta. Sendo que também as suas fantasias, possuem a expressão de uma realidade possível. O desenho infantil é todo construído a partir desta visão lúdica da realidade. Esta coloca toda a sua criatividade na pontinha do lápis, que a cada traço representa intensa relação entre o afetivo, o social, o cognitivo e o motor. “Enquanto houver crianças desenhando, representando, inventando, processando o consumo deste mundo ficcional que lhes é apresentado como realidade, está poderá ser fruída de maneira inteligente, sensível e indagadora” (DERDYK, 1989, p. 54). Os riscos e rabiscos, muitas vezes ignorados por educadores, constituem a riqueza do ser criança. Significa ousar-se diante do novo, em busca da descoberta. Assim, nos colocamos como ignorantes diante deste fantástico mundo do desenho infantil, por ignorarmos a simplicidade de enxergar com olhos lúdicos. O desenho é indecifrável para nós, mas, provavelmente para a criança, naquele instante, qualquer gesto, qualquer rabisco, além de ser uma conduta sensório-motora, vem carregado de conteúdos e significações simbólicas (DERDYK, 1989, p. 57). Assim foi constatado que todas as crianças pesquisadas iniciaram seus desenhos com rabiscos, e demonstravam imenso prazer e felicidade neste ato (desenho 1). Que além de constituir um ato motor, em que há o prazer gestual, também há o prazer pelo efeito do lápis no papel. Desenho 1 - Leonardo, 3 anos e 5 meses. Alguns autores costumavam pensar, que no contato inicial da criança com o desenho o prazer provinha unicamente do movimento do braço, que a impressão do lápis no papel não importava para essa, que só posteriormente a criança sentiria prazer pelo o efeito. Derdyk (1989, p. 52) defende que a garatuja não é simplesmente uma atividade sensório-motora, descomprometida e inteligível. Atrás desta aparente “inutilidade" contida no ato de rabiscar estão latentes segredos existenciais, confidências emotivas, necessidades de comunicação. No decorrer do ano letivo de 2005, as crianças pesquisadas tiveram contato com um amplo repertório de instrumentos para a realização de trabalhos gráfico-plásticos. Realizando assim, trabalhos bidimensionais e tridimensionais, como: pintura sobre diversos tipos de papéis, onde utilizaram, para pintar, pincel, estopa, algodão, barbante, os dedos , as mãos, escova de dente, mata-moscas, rolo, seringa, dentre outros; recorte utilizando tesoura e as próprias mãos; colagens de papel, areia, purpurina, lantejoulas, lã, barbante (atividades muito importantes para as crianças da educação infantil, por favorecer o movimento de pinça com os dedos). Para os trabalhos tridimensionais, utilizaram como matéria-prima argila e massinha de modelar (confeccionada pelas educadoras com as crianças). Além de participarem da construção de diversos cenários temáticos, em que confeccionaram, com a utilização de sucatas, brinquedos, animais, peixes, árvores, castelos, dentre outros. Percebemos que esse rol de materiais e técnicas de atividades, favoreceu bastante para o desenvolvimento do desenho das crianças observadas, uma vez que experimentaram diversos materiais, diversas texturas, densidades, cores, formas e a observação. Sendo principalmente a observação, muito importante, pois essas crianças além do ato de fazer, de construir, também se deliciaram através da apreciação de seus trabalhos e dos trabalhos dos colegas. Estimulados pelas imagens, pelo colorido, ficavam curiosos e conversavam sobre o que o outro havia feito. O momento da apreciação era um momento mágico, visto que a criança conseguia sair, descentrar dela mesma, enxergar o outro. Então, percebemos claramente o desenho promovendo a atitude interpessoal, levando assim, para o momento intrapessoal com o seu desenho, as novas experiências conquistadas, através do fazer e da observação do outro. O que oportunizará para o seu desenvolvimento expressivo, cognitivo, motor e afetivo. Sendo que neste momento, assim como no ato de desenhar, a imaginação, a ação, a sensibilidade, a percepção, o pensamento e a cognição são reativados. Ainda a respeito da observação, vale ressaltar, que, quando apreciavam um trabalho gráfico-plástico, observavam além dos traços e formas, as cores. Percebiam cores novas, que não eram usualmente utilizadas e até mesmo a sintonia entre algumas cores, ou a mistura delas, levando para o seu desenho a experiência do colorido. (desenho 2). Desenho 2 – Luana, 3 anos e 6 meses. Representou um parque de bebê bem colorido. Essa vivência além de favorecer no percurso criador, artístico da criança, também vem colaborar de forma efetiva, com o desenvolvimento da coordenação motora fina da mesma. Uma vez que, esses trabalhos favorecem o fortalecimento do tônus muscular das mãos. Sendo assim, todas as cinco crianças obtiveram um excelente desenvolvimento da sua coordenação motora fina, seguram lápis, pincel, tesoura e outros materiais com segurança e habilidade. Sendo que essa motricidade irá influenciar também na construção do seu desenho, realizando os mesmos com linhase traços mais precisos, e cada vez mais perceptíveis. Fator indispensável também para o desenvolvimento pictórico da criança, é a valorização pelo seu trabalho, o que influenciará em sua auto-estima. Uma vez valorizada em seu ato criador, a criança se sentirá impulsionada a novas criações. Seus primeiros desenhos são resultantes de um ato motor, como defende Viktor Lowenfeld (1954), há o prazer cinético, só mais tarde a criança irá notar que seu gesto produziu um traço e tornará a fazê-lo, dessa vez pelo prazer do efeito. Desde o passo inicial, que corresponde a fase dos rabiscos, a criança necessita ter seu esforço valorizado, fator preponderante para seus futuros passos, para uma relação de amor com o seu desenho, e com suas diversas construções. Uma vez abalada em sua auto-estima, ainda que seja especificamente com relação ao seu desenho, a criança tende a generalizar para suas outras produções, passando a desacreditar da sua capacidade. Ao contrário disso, a criança estimulada, valorizada, mantém uma boa auto-estima, repercutindo, assim, em outros aspectos. Como podemos perceber nas atitudes das crianças pesquisadas, que tendo suas produções valorizadas, obtiveram mudanças comportamentais positivas.Como por exemplo, descreveremos esses processos em três dos cinco alunos: Jade que não participava oralmente nos diversos momentos da sala de aula, e nem possuía atitudes autônomas, demonstrando-se introspectiva, ao sentir segura e entusiasmada com seus desenhos, desenvolve-se em sua oralidade e na interpessoalidade, começa inicialmente conversando com seus desenhos, depois interage com seus colegas falando das suas obras, sendo o próximo passo interagir com as educadoras e colegas, em diversos momentos, passando a ter também atitudes mais autônomas, como por exemplo, ter iniciativa para sugerir o conto de uma história, protestar quando se sentir ameaçada por um colega e dar sugestões nas brincadeiras (desenho 3). Desenho 3 – Jade, 3 anos e 3 meses. Relata uma história, em que a pessoa do mal, joga uma gaiola do céu em cima de uma baleia que estava na onda do mar. Uma outra criança, o Breno, apesar de ter uma oralidade bem desenvolvida, se expressava muito pouco desta forma, omitindo muitas vezes, suas satisfações e angústias. Frente a alguma atitude de um colega que o incomodasse, por exemplo, se calava e se recolhia em algum canto, não verbalizando o fato para as educadoras e nem se defendendo dos colegas. Teve, então, no desenho a oportunidade de se expressar, transferindo para este, também, toda sua energia (pois é uma criança bastante agitada e com uma inteligência corporal-cinestésica bem desenvolvida). Uma vez valorizado em sua expressão pictórica, o educando começou a utilizar outras formas de expressão, como o jogo simbólico e respectivamente a oralidade, visto que inicialmente demonstrava timidez, até mesmo, em se expressar no jogo simbólico. A satisfação por seu desenho quebrou o silêncio de Breno, que queria falar, apresentar sua representação, sua criatividade, que geralmente eram constituídas, de desenhos que tinham movimentos, como corrida de carros (desenho 4). Concomitantemente aprende a se defender das atitudes dos colegas que o incomodem, verbalizando o que gosta e o que não gosta. Desenho 4 – Breno, 3 anos e 8 meses. Representação de uma corrida de carro. Leonardo que é uma criança bem desenvolvida cognitivamente, sendo bastante estimulado em sua família, possuindo assim, um amplo repertório lingüístico, de curiosidades e hipóteses, vive nessa fase, a crise de querer representar os objetos com suas características observáveis e não conseguir, por não possuir, ainda, coordenação motora fina para realizar formas mais complexas no desenho. Optando, então, em amassar o papel após desenhar, negar que o desenho tenha sido feito por ele, e ainda desenhar aos pequenos arrancos, sem concentração, interrompendo frequentemente o que estava fazendo. Lowenfeld (1954), afirma que uma das causas para a criança interromper frequentemente o que está fazendo, ao desenhar, é a falta de confiança nela própria. Assim, para que Leonardo adquirisse confiança própria, foi necessário ter o percurso do seu trabalho valorizado, e que ele percebesse isto através da fala e expressões das educadoras, diante de cada conquista realizada por ele. A observação dos trabalhos dos colegas também contribuiu para sua auto-valorização, uma vez que percebia que os desenhos dos outros também não representavam os objetos com suas características observáveis, e que, no entanto, eles demonstravam alegria e satisfação, apresentando oralmente os seus desenhos. Leonardo passa, então, a ter um relacionamento de amor com suas produções assumindo as mesmas, repercutindo em seu desenvolvimento pictórico, como se pode perceber na evolução de seus desenhos ao longo do ano (desenho 4), (desenho 5), (desenho 6). Desenho 4 – Leonardo, 3 anos e 7 meses. Ao final do desenho, afirma que o desenho não foi feito por ele, desprezando o mesmo. Desenho 5 – Leonardo, 4 anos e 2 meses. Representação, entusiástica de aviões voando no planeta. Desenho 6 – Leonardo, 4 anos. Representação da mãe à esquerda, do pai à direita, e escrita dos respectivos nomes ao lado direito da folha. Percebemos no decorrer das observações, quanto uma criança contribui, através do desenho, para a ampliação do repertório de mundo da outra. Cada criança possui atitudes e conhecimentos peculiares da família a que pertence, desde a linguagem a conhecimentos específicos, sendo assim no ato de desenhar as crianças realizavam essa troca. Pois as crianças enquanto desenham ou criam objetos também brincam de “faz- de-conta” e verbalizam narrativas que exprimem suas capacidades imaginativas. Então, quando alguma falava em tom alto, de que iria desenhar um determinado objeto, no mínimo duas também diziam que iriam desenhar a mesma coisa, a idealizadora então, mediava este momento fazendo referência sempre do objeto a ser desenhado com algum exemplo da sua vida cotidiana. A aluna Sara ao expor que desenharia um tubarão (desenho 7), faz a relação com a cena do filme “Procurando Nemo” em que tubarões perseguem um peixinho e seu amigo, nesse momento Sara passa informações aos colegas, e também favorece o seu próprio desenvolvimento, uma vez que está praticando a linguagem oral. Desenho 7 – Sarah, 3 anos e 10 meses. Representação de um tubarão. Breno que foi o primeiro, entre estas crianças, a descobrir a representação do seu nome através do grafismo, insere o mesmo em seus desenhos, brincando com as letras do mesmo (desenho 8). Breno apresenta estas representações com muito entusiasmo para seus colegas e educadoras, entusiasmando também seus colegas, que iniciam a curiosidade pela representação gráfica de seus nomes, assim, as outras crianças também iniciaram a registrar o seu nome no desenho, que com a ajuda da ficha modelo, cada vez mais desenvolvia no registro do mesmo, ficando cada vez mais próximo da escrita padrão. Desenho 8 – Breno, 3 anos e 10 meses. Representação de figura humana, precedida com o registro do seu nome. Um outro destaque dado a esta pesquisa, foi em relação à construção da figura humana, visto que diante das pesquisas bibliográficas e observações dos desenhos das crianças analisadas, constatamos que um dos primeiros símbolos produzido pela criança em geral, é a figura humana, e que este vai ampliando gradativamente. Partindo de riscos involuntários,descobrindo posteriormente as formas circulares, que unidas a outras formas, como traços que saem dos círculos em formas de raios darão início a figura humana, que cada vez mais se tornará complexa. Derdyk (1990, p. 104) menciona que A construção da figura humana, em sua gênese, é um ótimo pretexto para observarmos o mapa da ampliação da consciência, através de um documento gráfico vivo e orgânico; é um convite para flagrarmos o processo de construção da visão de mundo da criança De fato, constatamos durante a pesquisa, quão verdadeira é esta hipótese de Edith Derdyk, à medida que as crianças iam ampliando em seu repertório cultural, lingüístico, em sua autonomia e em suas hipóteses, iam evoluindo também em sua representação da figura humana. Sendo possível assim, perceber cada criança com suas peculiaridades e seus avanços. Adiante apresentaremos como exemplo análise do desenvolvimento geral do percurso pictórico de uma das crianças estudadas no período do ano letivo, enfatizando a construção da figura humana, nesse percurso. Jade que no início do ano letivo não possuía controle sobre sua atividade motora, sendo o rabisco apenas um ato motor com traços fortuitos, avança no decorrer do ano, percebendo a relação gesto/traço, e começando a nomear as garatujas, inserindo no seu desenho o círculo, que será o grande passo para suas próximas representações pictóricas, evidenciando assim, a descoberta das formas. Do círculo vai nascer a figura humana, aumentando gradativamente os detalhes: representava com riscos e rabiscos (desenho 29); depois inicia o círculo com linhas que saem dele, representando braços e pernas (desenho 30); e finalmente, registra a figura humana com cabeça, corpo, braços pernas e até mesmo as mãos (desenho 31), demonstrando assim um excelente desenvolvimento em seu esquema corporal. Enfim, Jade chega ao fim do III trimestre com uma garatuja controlada e com intencionalidade, O desenho deixa de ser simples expressão motora e começa a representar coisas de sua realidade, em geral figuras humanas. Utiliza um repertório variado de cores e figuras. Uma vez que amplia seu repertório de figuras e nomeia as mesmas, (embora o adulto não identifique os mesmos, como podemos perceber, em seus desenhos: “uma bola cheia de nuvem”, “eu, meu pai e meus irmãos”), demonstra uma mudança em sua forma de pensar, deixando de pensar em termos de movimento para pensar em termos de figuras ou imagens, o que é bastante significativo para o seu desenvolvimento. Encontrando-se assim, de acordo com Viktor Lowenfeld (1954, pág. 100), numa etapa intermediária, em que seu raciocínio se acha um pouco adiante de sua capacidade de realização. Desenho 29 – Jade, 2 anos e 10 meses. Representação do pai, da mãe e da madrinha. Desenho 30 – Jade, 3 anos e 4 meses. Representação de figura humana. Desenho 31 – Jade, 3 anos e 5 meses. Representação de figura humana. Embora todas as crianças tenham desenvolvido em sua representação pictórica, sendo possível perceber as características observáveis do seu desenho, ainda utilizam os rabiscos em seu grafismo. O que mostra a não linearidade do desenvolvimento infantil, e tão pouco do seu desenho. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES - DESENHO: ESPELHO DO DESENVOLVIMENTO INFANTIL Conforme se demonstra ao longo deste trabalho, o desenho infantil assume verdadeira importância no desenvolvimento da criança, favorecendo além da auto- expressão, a criatividade, a auto-estima, a interpessoalidade, a intrapessoalidade, dentre outros, ampliando o conhecimento de mundo que possuem. Pudemos ver, então, nos desenhos das crianças, a inter-relação de vários aspectos do seu desenvolvimento: motores, afetivos, sociais e cognitivos. Assim como os especialistas em grafismo infantil, também notamos que as crianças apresentam certa regularidade na evolução dos seus desenhos (o que se muda é o repertório do desenho da criança de acordo com o contexto sócio-histórico-cultural em que se está envolvido), o que nos permite acompanhar como vão mudando e aprimorando em seus desenhos. As crianças analisadas atenderam a faixa-etária de dois a quatro anos, sendo que todas se encontravam na fase das garatujas, dos rabiscos contínuos quando o estudo foi iniciado, o que nos permitiu concluir que as fases do grafismo não têm relação apenas com a idade da criança, mas também com o contexto social e com os estímulos a que estão submetidas, pois o desenvolvimento do grafismo infantil não é um processo mecânico, nem uma construção individual da criança, esta vai aprender a desenhar na interação com outras pessoas e com as coisas do lugar onde vive. Dessa forma chamamos atenção para a importância do papel do educador, que não seja na mera função de facilitador desse processo, e sim de mediador. De um modo geral, a partir da análise com estas crianças chegamos à seguinte conclusão a respeito da construção do desenho infantil em sua fase inicial: a criança inicia com os rabiscos contínuos, em que não se tira o lápis do papel, numa forma de excitação motora, prazer cinético. Nesse momento não se importa em nomear seu desenho, mas quer mostrar: sejam os riscos na parede, no papel, sobre a mesa da escola, seu prazer é tanto que quer dividir. Seu próximo passo é realizar a troca de lápis de cores. Seus desenhos deixam de ser apenas os rabiscos contínuos, dando lugar para os riscos isolados, que aos poucos se transformam em formas isoladas. Essas vão cada vez mais se modificando, através das diversas experiências das crianças. Suas garatujas ganham nomes, que começam com a interpretação destas, para posteriormente serem planejadas recebendo o nome antes da realização do grafismo. No entanto, algumas vezes nomeiam, mas depois do desenho pronto mudam de idéia, significando de acordo com a interpretação feita deste. É preciso ressaltar que ao desenhar a criança parece estar mais interessada em identificar e designar do que em representar as coisas. Ao descobrir o círculo, dá um salto qualitativo em sua representação pictórica, unindo a esta forma diversos riscos que resultarão na produção de diversas figuras, como sol, aranha, bichos, e principalmente a figura humana, sob a forma de um boneco, que inicialmente tem o círculo representando não só a cabeça, mas o corpo todo. Seus desenhos, enfim, vão cada vez mais ganhando formas, começando a aparecer as características observáveis deste. Apesar de nesta fase não estar ainda preocupada com a semelhança exata do que desenha com o que vê, seu repertório figural vai gradativamente ampliando, assim como seu repertório de mundo. Constatamos, também, que as atividades gráfico-plásticas como colagens de papel picado; pintura com pincel, a dedo, com algodão, barbante, brocha, escova de dente, em superfícies diferentes; esculturas em argila; manuseio de massa de modelar, dentre outras, influenciam no desenvolvimento do desenho da criança, pois o contato com diferentes materiais e técnicas colabora para que as crianças experienciem formas, linhas, texturas, cores, estéticas, e desenvolvam a coordenação motora fina dentre outras coisas. Convém ressaltar ainda, que no decorrer da pesquisa ficou bastante claro, que cada criança tem seu ritmo próprio e um modo particular de evoluir nos desenhos, pois cada um tem um tempo e uma maneira de internalizar experiências e vivências. Foi constatado também que o desenvolvimento da criança não se dá de forma linear e ascendente,e que mesmo quando já começaram a fazer desenhos figurativos, as crianças não abandonam necessariamente os rabiscos. A produção de uma forma figurativa é algo que exige muito esforço, sendo natural que a criança lance mão do rabisco por algum tempo, pois esta vem a ser uma atividade valiosa, especialmente porque a criança sente satisfação em praticar o que já domina bem. Sendo também que no ato de rabiscar podem descobrir novos recursos que enriqueçam sua representação gráfica. Acreditamos assim, que este estudo favorecerá ao educador uma reflexão sobre a sua postura e mudança dessa diante a produção do desenho infantil, pois uma vez ciente da importância do desenho para o desenvolvimento de aspectos como cognição, coordenação motora fina, imaginação, criatividade, expressividade, dentre outros, o educador deve propiciar um ambiente estimulador, por meio da diversificação das atividades artísticas, da valorização da livre expressão, da exploração dos efeitos visuais, do trabalho com cores, do contato com várias produções artísticas e do exercício da auto-estima. REFERÊNCIAS COX, M. Desenho da criança. São Paulo: Martins Fontes, 2001. 270 p. DERDYK, E. Formas de pensar o desenho – Desenvolvimento do grafismo infantil. São Paulo: Scipione, 1989. 239 p. DERDYK, E. O desenho da figura humana. São Paulo: Scipione, 1990. 174 p. GOLDENBERG, M. A arte de pesquisar: como fazer pesquisa qualitativa em Ciências sociais. 5. ed. Rio de Janeiro: Record, 2001. 107 p. JAPIASSU, R. O. V. Do desenho de palavras à palavra do desenho. Salvador, 2005. Disponível em: http://www.educacaoonline_pro_br-OsitedaEdu.htm. Acesso em: 12 nov. 2005. LOWENFELD, Viktor. A criança e sua arte. São Paulo: Mestre Jou, 1954. 224 p. LUDKE, M. Pesquisa em educação: abordagens qualitativas. São Paulo: E.P.U., 1986. LUQUET, G. H. O desenho infantil. Porto: Ed. Do Minho, 1969. MÈREDIEU, F. O desenho infantil. São Paulo: Editora Cultrix, 1974. 116 p. PIAGET, J. A formação do símbolo na criança: Imitação, jogo e sonho imagem e representação. 3. ed. Rio de Janeiro: LTC, 1964. 370 p. REILY, Lúcia H. Atividades de artes plásticas na escola. 2. ed. São Paulo: Livraria Pioneira Editora, 1993. 193 p. VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1999. 191 p. Introdução O PERCURSO DO PENSAMENTO A AÇÃO
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