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Sociologia AS REFLEXÕES SOBRE O BRASIL EM MEADOS DO SÉCULO XX: A QUESTÃO DO RACISMO 1 Sumário Introdução ...........................................................................................................................................2 Objetivos ..............................................................................................................................................2 1. A questão da escravidão e do racismo na formação social brasileira ..................................2 2. A contribuição de Florestan Fernandes para a análise dos efeitos da escravidão e do racismo na sociabilidade brasileira ..................................................................................................3 2.1. Quem foi Florestan Fernandes? ........................................................................................3 2.2. A interpretação sociológica de Florestan F. sobre a questão racial brasileira ............4 Exercícios .............................................................................................................................................6 Gabarito ...............................................................................................................................................8 Resumo ................................................................................................................................................8 2 Introdução Na aula anterior, estudamos a forma como o historiador paulista Caio Prado Júnior interpretou a formação da colônia brasileira, dando destaque a três de seus conceitos: “sentido da colonização”, “setor orgânico” e “setor inorgânico”. Nesta, abordaremos a relação entre o escravismo vigente na formação brasileira e um de seus legados, o racismo. Para tanto, vamos estudar a importância da questão da escravidão e do racismo na formação social brasileira. Depois, introduziremos nosso estudo sobre a contribuição sociológica de Florestan Fernandes a respeito do tema com uma breve retomada sobre sua trajetória intelectual. Depois, apresentaremos o contexto em que Fernandes iniciou sua pesquisa sobre o racismo e algumas de suas principais ideias a esse respeito, especialmente sobre a forma de articulação das desigualdades de raça e classe na sociabilidade brasileira. Vamos nos centrar na crítica de Florestan Fernandes a respeito da tese da “democracia racial” supostamente existente no Brasil. Objetivos • Abordar a relação entre o escravismo vigente na formação brasileira e um de seus legados, o racismo. • Apresentar a trajetória intelectual de Florestan Fernandes. • Estudar a contribuição sociológica de Florestan Fernandes sobre o tema do racismo. 1. A questão da escravidão e do racismo na formação social brasileira Como sabemos, a formação da colônia e do Brasil como país independente teve como uma de suas características elementares a produção de produtos primários para exportação a partir do trabalho escravo. Há debates intensos acerca das razões pela qual isso ocorreu. No entanto, um ponto comum da reflexão sobre o país é a percepção de que o empreendimento escravista legou às suas vítimas e à formação nacional diversos problemas que persistem ainda hoje. No plano histórico, um primeiro momento marcante a respeito da reflexão em torno desses problemas ocorreu com o surgimento do movimento Abolicionista. Sempre houve revoltas de sujeitos escravizados contra as situações degradantes às 3 quais eram submetidos, mas com o movimento Abolicionista passou-se a disseminar reflexões em torno dos efeitos perversos dessas situações, o que se deve, em boa medida, ao fato de que muitos dos simpatizantes do movimento eram de classes médias e altas, o que lhes dava condições intelectuais e sociais para debater publicamente o tema. Entre as obras marcantes do movimento estão O navio negreiro (1880), de Castro Alves, e O abolicionismo (1883) de Joaquim Nabuco. Apesar da força do movimento Abolicionista, é preciso destacar que o Brasil foi um dos últimos países do mundo a abolir a escravidão (apenas em 1888), além de não criar condições para que os ex-escravizados se integrassem à sociedade em condições cidadãs. Entre os efeitos dessa situação, destaca-se a persistência do racismo, originado já durante o período de colonização, e a marginalidade social a que muitos dos descendentes dos escravizados foram condenados. Entender como esse processo ocorreu e os seus efeitos foi tarefa de muitos sociólogos e antropólogos brasileiros, entre os quais se destaca, sem dúvida, a figura de Florestan Fernandes. 2. A contribuição de Florestan Fernandes para a análise dos efeitos da escravidão e do racismo na sociabilidade brasileira 2.1. Quem foi Florestan Fernandes? Florestan Fernandes nasceu na cidade de São Paulo, em 1920. Filho de empregada doméstica, começou a trabalhar ainda na infância como engraxate e depois exerceu diversos outros ofícios. Sem condições de terminar os estudos regulares, Fernandes terminou sua formação básica no então chamado curso de madureza – uma espécie de supletivo. Com muitas dificuldades, formou-se em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo em 1947, onde se doutorou em 1951 e logo ingressou como docente. Foi nesse período que Fernandes começou a pesquisar a temática do racismo na sociedade brasileira. Com o golpe de 1964, Florestan Fernandes foi preso. Em 1969, depois do Ato Institucional nº5, foi cassado e exilado. Nessa condição, lecionou no Canadá e nos Estados Unidos. Ao retornar ao país em 1972, passou a exercer o cargo de professor na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). No processo de 4 redemocratização, filiou-se ao Partido dos Trabalhadores (PT), partido pelo qual foi eleito deputado federal duas vezes (1986 e 1990). Morreu em 1995. 01 Florestan Fernandes 2.2. A interpretação sociológica de Florestan Fernandes sobre a questão racial brasileira No final dos anos 1940, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) encomendaram uma pesquisa a respeito das relações raciais no Brasil. A hipótese geral que conduzia a pesquisa era aquela lançada por Gilberto Freyre, para quem a sociedade brasileira seria um modelo positivo de convivência étnica. A razão da pesquisa era da maior importância, afinal de contas o mundo acabava de sair da Segunda Guerra Mundial, conflito em que a questão racial teve lugar decisivo e talvez a sociedade brasileira pudesse, segundo a hipótese que guiava a pesquisa, contribuir para mudar esse quadro. Entre as publicações surgidas dessa pesquisa, destacam-se O negro no Rio de Janeiro (1953), de Luiz Costa Pinto, As elites de cor (1955) de Thales da Azevedo e Brancos e negros em São Paulo (1955), escrito por Roger Bastide, de quem Florestan Fernandes era assistente na USP, e pelo próprio Florestan Fernandes. Mas o certo mesmo é que a grande obra interpretativa de Florestan Fernandes a respeito do tema foi a sua tese de cátedra, A integração do negro na sociedade de classes (1964). 5 CURIOSIDADE Florestan Fernandes compreende a formação da questão racial brasileira a partir do processo de colonização, cujas marcas principais seriam a própria escravidão e os ciclos econômicos pelos quais passavaa colônia. Ou seja, Florestan Fernandes sublinha o vínculo existente entre a escravidão e a formação de uma economia exportadora de produtos primários. A preocupação principal de Fernandes, como revela o título de sua tese de cátedra, está em compreender como ocorreu o processo de integração social dos negros à sociedade de classes que começou a ser instaurada, no Brasil, depois da Abolição. O problema de fundo é compreender qual o vínculo existente entre desigualdade social e diferença étnica no Brasil e como isso é socialmente reproduzido. Assim, em primeiro lugar, Fernandes questiona radicalmente a tese, geralmente atribuída a Gilberto Freyre, de que haveria no país uma convivência harmoniosa e pacífica entre brancos e negros – tese que se costuma chamar de “democracia racial”. Fernandes indica que essa tese é falsa porque faz supor que os negros têm as mesmas condições de integração social que os brancos. Assim, essa tese encobriria as desigualdades. E mais do que isso: ela não apenas encobriria as desigualdades, como seria o próprio mecanismo pelo qual se disseminaria preconceitos e discriminações, pois sugere que os próprios negros seriam responsáveis pela marginalização social de que são vítimas e, assim, eximiria de responsabilidade os grupos verdadeiramente responsáveis por ela. Vale mencionar que Florestan Fernandes vincula a temática do racismo e dos preconceitos de cor a um plano mais amplo, o da própria formação nacional. Para ele, não seria possível que o Brasil atingisse um grau efetivo de desenvolvimento sem enfrentar, de modo radical, os problemas que excluem boa parte de sua população do exercício dos direitos da cidadania. Ao realizar sua pesquisa, Florestan Fernandes se aproximou do Movimento Negro. Essa aproximação marcou o resto de sua vida, inclusive sua atuação como parlamentar na Assembleia Constituinte de 1987-8. 6 É importante destacar que, além de sua própria obra, Fernandes foi responsável por organizar um conjunto de pesquisadores, então seus orientandos e assistentes, em torno do tema da relação entre escravidão e racismo. Esse grupo ficou conhecido como “Escola Sociológica Paulista” e contou com a participação de sociólogos eminentes, como Fernando Henrique Cardoso, Octavio Ianni, Maria Sylvia de Carvalho Franco, entre outros. A institucionalização da Sociologia como disciplina científica universitária tal como conhecemos hoje deve muito a esse grupo e, em especial, a Florestan Fernandes, seu líder, que iniciou esse processo na segunda metade da década de 1940. DICA DE FILME Exercícios 1. (UPE – SSA/2017) Leia o texto a seguir: “A Sociologia de Florestan Fernandes inaugura uma nova época na história da Sociologia brasileira. Não só descortina novos horizontes para a reflexão teórica e a interpretação da realidade social como permite reler criticamente muito do que tem sido a Sociologia brasileira passada e recente. (...) Florestan Fernandes é o fundador da sociologia crítica no Brasil. Toda a sua produção intelectual está impregnada de um estilo de reflexão, que questiona a realidade social e o pensamento. As suas contribuições sobre as relações raciais entre negros e brancos, por exemplo, estão atravessadas pelo empenho de interrogar a dinâmica da realidade social, (...). “ IANNI, Otávio. A Sociologia de Florestan Fernandes. Estudos Avançados, v. 10, n. 26, pp. 25-26, 1996. Florestan Fernandes pertenceu a uma geração de sociólogos brasileiros, que consolidou a Sociologia como disciplina acadêmica. Tendo como base as informações contidas no texto e esse período da história da Sociologia no país, é INCORRETO afirmar que: Vale a pena ver a palestra da professora Maria Arminda Arruda do Nascimento (USP) sobre Florestan Fernandes e a Escola Paulista de Sociologia no programa Café Filosófico. 7 a) A disciplina se tornou uma tradição científica obrigatória nos cursos de Ciências Sociais, independente de outros cursos. b) Os estudos sociológicos desse período estavam voltados às questões nacionais, às relações raciais, à mobilidade social dos diferentes grupos étnicos e ao mundo rural brasileiro. c) A Sociologia se institucionalizou desde a criação do Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro, em 1933. d) A criação da Escola Livre de Sociologia e Política em São Paulo representa um marco importante para a consolidação do ensino da Sociologia nas universidades brasileiras. e) A Sociologia tinha como principal objetivo formar profissionais capacitados a produzir estudos baseados na ciência que explicassem os problemas sociais do país. 2. (UEMA/2015). Leia o fragmento abaixo. “[...] Se a supressão do nexo colonial não se refletiu na condição de escravo nem afetou a natureza da escravidão mercantil, ela alterou a situação econômica do senhor que deixou de sofrer o peso da ‘espoliação colonial‘ e passou a contar, por conseguinte, com todas as vantagens da ‘espoliação escravista‘ que não fossem absorvidas diretamente pelos mecanismos secularizados do comércio internacional”. Fonte: FERNANDES, Florestan. Circuito Fechado: quatro ensaios sobre o “poder institucional”. São Paulo: Globo, 2010. Baseando-se no fragmento de Florestan Fernandes, pode-se afirmar que a independência do Brasil: a) Dificultou o fortalecimento da economia nacional. b) Fortaleceu o setor econômico escravista nacional. c) Extinguiu o tráfico de pessoas escravizadas ao país. d) Rompeu com a estrutura econômica baseada na escravidão. e) Aumentou a dependência brasileira aos interesses portugueses. 8 Gabarito 1. Resposta correta: C. A institucionalização da Sociologia brasileira como disciplina autônoma ocorreu na cidade de São Paulo, na década de 1940. 2. Resposta correta: B. Conforme afirma o trecho, a independência do país teria permitido aos senhores de terras e escravos brasileiros extrair suas vantagens da “espoliação escravista” sem ter que repassar parte de seus lucros para a metrópole, fortalecendo, assim, seu interesse na manutenção da escravidão. Resumo Nesta aula, estudamos a razão pela qual a escravidão é um grande tema para o entendimento da formação social brasileira. Como vimos, entre os aspectos mais prejudiciais sofridos pelas vítimas da escravidão está o racismo, um de seus legados mais perversos. Examinamos a análise sociológica de Florestan Fernandes a respeito do racismo no Brasil. Vimos que o foco do seu estudo é o processo de integração social do negro no período pós-Abolição, momento fundante daquilo que ele chamará de sociedade de classes. O governo imperial brasileiro ao não ter criado mecanismos de integração social efetivos para os recém-libertos, deixou os negros à sua própria sorte. Com isso, segundo Florestan Fernandes, criou-se um círculo vicioso em que a marginalidade social e o racismo se retroalimentam. 9 Referências bibliográficas ARRUDA, Maria Arminda. A Sociologia no Brasil: Florestan Fernandes e a “escola paulista”. In: MICELI, Sérgio (org). História das ciências sociais no Brasil – volume 2. São Paulo: IDESP/Sumaré/FAPESP. 1995. pp. 107-231. ARRUDA, Maria Arminda. Florestan Fernandes. Vocação científica e compromisso de vida. In: BOTELHO, André; SCHWARCZ, Lilia (orgs). Um enigma chamado Brasil – 29 intérpretes e um país. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. pp.310-323. BASTOS, Élide Rugai. Pensamento Social na Escola Sociológica Paulista. In: MICELI, Sérgio (org). O que ler na ciência social brasileira 1970-2002(volume IV). São Paulo: Sumaré, 2002. pp.183-230. FERNANDES, Florestan. A integração do negro na sociedade de classes. Rio de Janeiro: Globo. 2008. Referências imagéticas Figura 1. WIKIPÉDIA. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Florestan_Fernandes#/media/File:Florestan_Fernandes.jpg (acesso em 22/01/2019, às 10h15min)
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