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Reta final DCIII 2018.1

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RETA FINAL DCIII – AVALIAÇÃO II
	EXTINÇÃO DOS CONTRATOS. COMPRA E VENDA. CLÁUSULAS ESPECIAIS. PROMESSA DE COMPRA E VENDA. TROCA OU PERMUTA. CONTRATO ESTIMATÓRIO. DOAÇÃO. 
Fonte utilizada para elaboração do roteiro: Dizer o direito, Código Civil, Doutrina, Site STJ e STF.
Detalhadamente para extinção do contrato:
 Diferenciar todas as formas de extinção do contrato (gênero / espécies).
Detalhadamente para contratos em espécie (Compra e venda / doação):
 Em relação aos contratos em espécie sugiro primeiramente a leitura apenas da legislação seca. Entendam o conceito de cada um dos contratos, bem como suas características (ex. gratuitos ou onerosos). 
 Após o estudo do contrato como sugerido acima, acompanhar a jurisprudência e precedentes dos Tribunais Superiores (STJ e STF) disponibilizada ao fim deste material.
Tabela de leitura da lei seca!
	Dia I
	Dia II
	Dia III 
	Dia IV
	Artigos 472 a 480 CC
	Artigos 481 a 504 CC
	Artigos 505 a 532 CC
	Artigos 538 a 564 CC
EXTINÇÃO DO CONTRATO
PROMESSA DE COMPRA E VENDA
Restituição das parcelas pagas pelo promitente comprador
	Súmula 543-STJ: Na hipótese de resolução de contrato de promessa de compra e venda de imóvel submetido ao Código de Defesa do Consumidor, deve ocorrer a imediata restituição das parcelas pagas pelo promitente comprador - integralmente, em caso de culpa exclusiva do promitente vendedor/construtor, ou parcialmente, caso tenha sido o comprador quem deu causa ao desfazimento. STJ. 2ª Seção. Aprovada em 26/8/2015, DJe 31/8/2015 (Info 567).
	DISTRATO DA PROMESSA DE COMPRA E VENDA E RETENÇÃO DE VALORES PELA CONSTRUTORA
Imagine a seguinte situação hipotética: João celebra contrato de promessa de compra e venda de um apartamento com determinada construtora. Uma das cláusulas do contrato, intitulada “Distrato”, possuía a seguinte redação: “7.1. Nas hipóteses de rescisão, resolução ou distrato da presente promessa de compra e venda o promitente vendedor poderá reter até 80% do valor pago pelo promitente comprador, a título de indenização, sendo restituído o restante.” 
Essa cláusula é válida? NÃO. É abusiva a cláusula de distrato, fixada no contrato de promessa de compra e venda imobiliária, que estabeleça a possibilidade de a construtora vendedora promover a retenção integral ou a devolução ínfima do valor das parcelas adimplidas pelo consumidor distratante. Explico melhor. 
O art. 53 do CDC veda a retenção integral das parcelas pagas: 
Art. 53. Nos contratos de compra e venda de móveis ou imóveis mediante pagamento em prestações, bem como nas alienações fiduciárias em garantia, consideram-se nulas de pleno direito as cláusulas que estabeleçam a perda total das prestações pagas em benefício do credor que, em razão do inadimplemento, pleitear a resolução do contrato e a retomada do produto alienado. 
Desse modo, o art. 53 do CDC afirma que é nula de pleno direito a cláusula de decaimento. 
O que é cláusula de decaimento? Cláusula de decaimento é aquela que estabelece que o adquirente irá perder todas as prestações pagas durante o contrato caso se mostre inadimplente ou requeira o distrato. 
Devolução de uma parte ínfima das prestações pagas 
Como o CDC foi expresso ao proibir a retenção integral do valor pago pelo adquirente, as construtoras passaram a tentar burlar essa vedação legal e começaram a prever que, em caso de distrato, seria feita a devolução das parcelas pagas, fazendo-se, contudo, a retenção de determinados valores a título de indenização pelas despesas experimentadas pela construtora. Ocorre que diversos contratos previram que essa devolução seria de valores ínfimos, ou seja, muito pequenos, ficando a construtora com a maior parte da quantia já paga pelo adquirente. Essa prática também foi rechaçada pela jurisprudência. 
Assim, a devolução de uma parte ínfima das prestações também é vedada pelo CDC por colocar o consumidor em uma situação de desvantagem exagerada:
Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:
IV – estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade;
Mas a construtora poderá reter, em caso de distrato, uma parte do valor que já foi pago pelo adquirente caso este desista do negócio? SIM. A resolução do contrato de promessa de compra e venda de imóvel por culpa (ou por pedido imotivado) do consumidor gera o direito de retenção, pelo fornecedor, de parte do valor pago. 
Assim, o STJ entende que é justo e razoável que o vendedor retenha parte das prestações pagas pelo consumidor como forma de indenizá-lo pelos prejuízos suportados, especialmente as despesas administrativas realizadas com a divulgação, comercialização e corretagem, além do pagamento de tributos e taxas incidentes sobre o imóvel, e a eventual utilização do bem pelo comprador. Existem precedentes do STJ afirmando que o percentual máximo que o promitente-vendedor poderia reter seria o de 25% dos valores já pagos, devendo o restante ser devolvido ao promitente comprador. Nesse sentido: STJ. 2ª Seção. EAg 1138183/PE, Rel. Min. Sidnei Beneti, julgado em 27/06/2012. Em alguns casos, a depender da situação concreta, o promitente-vendedor pode comprovar que teve gastos maiores que esses 25% (STJ. 3ª Turma. REsp 1258998/MG, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 18/02/2014).
E se a resolução do contrato ocorreu por culpa exclusiva do promitente vendedor?
Se o construtor/vendedor foi quem deu causa à resolução do contrato, neste caso a restituição das parcelas pagas deve ocorrer em sua integralidade, ou seja, o promitente vendedor não poderá reter nenhuma parte. 
DISTRATO DA PROMESSA DE COMPRA E VENDA E RESTITUIÇÃO IMEDIATA DOS VALORES
Imagine a seguinte situação hipotética: 
João celebrou contrato de promessa de compra e venda de um apartamento com determinada construtora. Uma das cláusulas do contrato, intitulada “Distrato”, possuía a seguinte redação: “7.1. Nas hipóteses de rescisão, resolução ou distrato da presente promessa de compra e venda o promitente vendedor restituirá a quantia paga pelo promitente comprador de forma parcelada em até 12 vezes.”
Em outro contrato hipotético, a cláusula de distrato previa: “9.3. Nas hipóteses de rescisão, resolução ou distrato da presente promessa de compra e venda, o promitente vendedor restituirá a quantia paga pelo promitente comprador somente quando a obra do apartamento estiver pronta e entregue.” 
Tais cláusulas são válidas? NÃO. Em contrato de promessa de compra e venda de imóvel submetido ao CDC, é abusiva a cláusula contratual que determine, no caso de resolução, a restituição dos valores devidos somente ao término da obra ou de forma parcelada, independentemente de qual das partes tenha dado causa ao fim do negócio. A restituição dos valores deverá ser imediata, mesmo que o "culpado" pelo desfazimento do negócio tenha sido o consumidor (promitente comprador).
Qual é o fundamento para essa conclusão?
Não existe um dispositivo no CDC que afirme expressamente que a devolução das parcelas deve ser imediata. No entanto, para o STJ tais cláusulas violam o art. 51, II e IV, do CDC:
Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: II — subtraiam ao consumidor a opção de reembolso da quantia já paga, nos casos previstos neste Código; IV — estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade; 
Ora, sendo o contrato desfeito, o promitente vendedor poderá revender o imóvel a uma outra pessoa e não há, portanto, motivo para que ele ainda fique com os valores do promitente comprador, somente os restituindo ao final ou de forma parcelada. Além disso, com o tempo, o normal é que o imóvel
experimente uma valorização, de forma que não haverá prejuízo ao promitente vendedor. 
Essas cláusulas são abusivas mesmo se analisado o tema apenas sob a ótica do Código Civil. Isso porque o art. 122 do CC-2002 afirma que são ilícitas as cláusulas puramente potestativas, assim entendidas aquelas que sujeitam a pactuação “ao puro arbítrio de uma das partes”. 
Em hipóteses como esta, revela-se evidente potestatividade, o que é considerado abusivo tanto pelo art. 51, IX, do CDC, quanto pelo art. 122 do CC/2002. A questão relativa à culpa pelo desfazimento da pactuação resolve-se na calibragem do valor a ser restituído ao comprador, não pela forma ou prazo de devolução.
Resumindo: 
RESOLUÇÃO DO CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA ENVOLVENDO CONSUMIDOR:
O desfazimento do contrato ocorreu por culpa exclusiva do promitente vendedor
O desfazimento do contrato ocorreu por culpa exclusiva do consumidor
As parcelas pagas deverão ser INTEGRALMENTE devolvidas.
As parcelas pagas deverão ser PARCIALMENTE devolvidas.
Tanto em um caso como no outro a restituição tem que ser IMEDIATA.
Multa pela quebra do prazo mínimo de fidelidade deve ser proporcional ao tempo que falta para terminar o contrato
	A situação, concreta, com adaptações, foi a seguinte:
Em 2011, nos contratos oferecidos pela NET (empresa de TV a cabo) aos consumidores havia uma cláusula de fidelização. Segundo esta cláusula, o prazo de duração do contrato era de 12 meses e se o consumidor resolvesse cancelar o serviço antes do término do prazo, deveria pagar uma multa de R$ 300,00.
Isso é chamado de cláusula de fidelização, também conhecida como cláusula de fidelidade ou contrato de permanência.
O contrato de fidelização é válido?
Em regra, sim. O STJ possui precedentes em relação aos contratos de telefonia:
(...) a chamada cláusula de fidelização em contrato de telefonia é legítima, na medida em que se trata de condição que fica ao alvedrio do assinante, o qual recebe benefícios por tal fidelização, bem como por ser uma necessidade de assegurar às operadoras de telefonia um período para recuperar o investimento realizado com a concessão de tarifas inferiores, bônus, fornecimento de aparelhos e outras promoções. (...)
STJ. 1ª Turma. REsp 1445560/MG, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 16/06/2014.
Esse entendimento acima não se restringe aos contratos de telefonia, abrangendo também todos os pactos envolvendo prestação de serviços cuja celebração ocorra nos mesmos moldes, como se dá com os demais serviços de telecomunicações, tais como o de TV a cabo.
Qual é a natureza jurídica desta multa?
Possui natureza jurídica de cláusula penal, que constitui "pacto acessório pelo qual as partes de um contrato fixam, de antemão, o valor das perdas e danos que por acaso se verifiquem em consequência da inexecução culposa da obrigação" (GOMES, Orlando. Obrigações. 16ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 159).
Voltando ao caso concreto:
No caso da NET esta cláusula de fidelidade possuía um aspecto “polêmico”. Isso porque a multa pela quebra da fidelidade possuía o mesmo valor não importando quando a rescisão fosse exercida. Ex: se o consumidor optasse pela rescisão do contrato quando ainda faltavam 10 meses para ele chegar ao fim, pagaria R$ 300,00. Se cancelasse faltando apenas 1 mês, arcaria com o mesmo valor.
ACP
Em 2011, o Ministério Público ingressou com ação civil pública contra essa exigência afirmando que não é razoável que o valor da multa cobrada pela empresa seja fixo.
Para o MP, o valor dessa multa deveria ser proporcional ao período restante da relação de fidelidade, ou seja, quanto menor tempo faltar para terminar o contrato, menor deveria ser a multa.
O pedido do MP foi acolhido pela jurisprudência?
SIM. A cobrança da multa de fidelidade pela prestadora de serviço de TV a cabo deve ser proporcional ao tempo faltante para o término da relação de fidelização.
A cobrança integral da multa, sem computar o prazo de carência parcialmente cumprido pelo consumidor, coloca o fornecedor em vantagem exagerada, caracterizando conduta incompatível com a equidade, conforme previsto no art. 51, IV e § 1º, III do CDC:
Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:
IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade;
(...)
§ 1º Presume-se exagerada, entre outros casos, a vantagem que:
III - se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso.
O custo arcado pelo prestador do serviço (no caso, a NET) é recuperado a cada mês em que o contrato é mantido, não sendo razoável a cobrança da mesma multa àquele que incorre na quebra do pacto no início do prazo de carência e àquele que, no meio ou ao final, demonstra o seu desinteresse no serviço prestado.
Resolução nº 632/2014-ANATEL
A ANATEL, percebendo que as empresas de telecomunicações estavam adotando esta prática, resolveu disciplinar o tema por meio de uma Resolução na qual determinou expressamente que a multa pela quebra do plano de fidelidade pode existir, mas deve ser proporcional ao tempo que faltava para terminar o contrato. Veja:
Art. 57. A Prestadora pode oferecer benefícios ao Consumidor e, em contrapartida, exigir que permaneça vinculado ao Contrato de Prestação do Serviço por um prazo mínimo.
§ 1º O tempo máximo para o prazo de permanência é de 12 (doze) meses.
(...)
Art. 58. Rescindido o Contrato de Prestação de Serviço antes do final do prazo de permanência, a Prestadora pode exigir o valor da multa estipulada no Contrato de Permanência, a qual deve ser proporcional ao valor do benefício e ao tempo restante para o término do prazo de permanência.
Parágrafo único. É vedada a cobrança prevista no caput na hipótese de rescisão em razão de descumprimento de obrigação contratual ou legal por parte da Prestadora, cabendo a ela o ônus da prova da não-procedência do alegado pelo Consumidor.
Dessa forma, a Resolução nº 632/2014-ANATEL veio reforçar a ideia de que a multa pela quebra da fidelização deve ser proporcional. No entanto, pode-se dizer que mesmo antes da Resolução a jurisprudência já considerava abusiva a cobrança de uma multa fixa, ou seja, que não levasse em consideração o tempo que faltava para terminar o contrato.
Em suma:
A cobrança da multa de fidelidade pela prestadora de serviço de TV a cabo deve ser proporcional ao tempo faltante para o término da relação de fidelização, mesmo antes da vigência da Resolução nº 632/2014 da ANATEL.
STJ. 4ª Turma. REsp 1.362.084-RJ, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 16/5/2017 (Info 608).
COMPRA E VENDA
Compra e venda de ascendente a descendente
	Para que a venda de ascendente para descendente seja anulada (art. 496 do CC), é imprescindível que o autor da ação anulatória comprove, no caso concreto, a efetiva ocorrência de prejuízo aos herdeiros necessários, não se admitindo a alegação de prejuízo presumido. Isso porque este negócio jurídico não é nulo (nulidade absoluta), mas sim meramente anulável (nulidade relativa).
Logo, não é possível ao magistrado reconhecer a procedência do pedido no âmbito de ação anulatória da venda de ascendente a descendente com base apenas em presunção de prejuízo decorrente do fato de o autor da ação anulatória ser absolutamente incapaz quando da celebração do negócio por seus pais e irmão.
	Contrato de compra e venda
Pelo contrato de compra e venda, um dos contratantes se obriga a transferir o domínio de certa coisa, e o outro, a pagar-lhe certo preço em dinheiro (art. 481 do CC).
Restrições à compra e venda
O Código Civil prevê quatro situações em que a liberdade de comprar e vender é restringida. São elas:
a) Venda de ascendente a descendente
Art. 496. É anulável a venda de ascendente a descendente, salvo se osoutros descendentes e o cônjuge do alienante expressamente houveremconsentido.
b) Compra por pessoas que estão exercendo certos encargos
Art. 497. Sob pena de nulidade, não podem ser comprados, ainda que emhasta pública:
I - pelos tutores, curadores, testamenteiros e administradores, os bensconfiados à sua guarda ou administração;
II - pelos servidores públicos, em geral, os bens ou direitos da pessoajurídica a que servirem, ou que estejam sob sua administração direta ouindireta;
III - pelos juízes, secretários de tribunais, arbitradores, peritos e outrosserventuários ou auxiliares da justiça, os bens ou direitos sobre que selitigar em tribunal, juízo ou conselho, no lugar onde servirem, ou a que seestender a sua autoridade;
IV - pelos leiloeiros e seus prepostos, os bens de cuja venda estejamencarregados.
c) Venda a cônjuge 
Art. 499. É lícita a compra e venda entre cônjuges, com relação a bens excluídos da comunhão.
d) Venda por condômino de coisa indivisível
Art. 504. Não pode um condômino em coisa indivisível vender a sua parte a estranhos, se outro consorte a quiser, tanto por tanto. O condômino, aquem não se der conhecimento da venda, poderá, depositando o preço, haver para si a parte vendida a estranhos, se o requerer no prazo de 180dias, sob pena de decadência.
	Este julgado trata sobre a venda de ascendente a descendente. Vamos estudar um pouco mais sobre isso:
VENDA DE ASCENDENTE A DESCENDENTE
Previsão no Código Civil
Art. 496. É anulável a venda de ascendente a descendente, salvo se os outrosdescendentes e o cônjuge do alienante expressamente houverem consentido.
Parágrafo único. Em ambos os casos, dispensa-se o consentimento do cônjuge se o regimede bens for o da separação obrigatória.
Finalidade da restrição:
O objetivo da previsão é o de resguardar o princípio da igualdade das cotas legítimas contraeventual simulação.
Quando a pessoa morre, a metade da herança do falecido (chamada de “legítima”) deveser, obrigatoriamente, dividida entre os herdeiros necessários (art. 1.789 do CC). No que serefere à “legítima”, um herdeiro necessário não pode receber mais que o outro.
Este art. 496 tem por objetivo evitar que o patriarca/matriarca, antes de morrer, simule queestá vendendo bens valiosos para um de seus filhos (herdeiro necessário), quando, naverdade, ele está doando. Isso porque se ele vender o bem para este filho (por um preçoirrisório, por exemplo), ele estará beneficiando este descendente em detrimento dosdemais. O ascendente estará violando o princípio da igualdade das cotas legítimas.
Natureza: a venda sem observância desse artigo é anulável (nulidade relativa).
Móveis ou imóveis: a restrição abrange tanto a venda de bens imóveis quanto móveis.
Este artigo não se aplica no caso de doação: No caso de doação de ascendente para descendente não é necessário consentimento dosoutros descendentes. Isso porque aquilo que o ascendente doou para o descendente seráconsiderada como “adiantamento da legítima”, ou seja, um adiantamento do que odonatário iria receber como herdeiro no momento em que o doador morresse.
Assim, em caso de doação, não há necessidade desse consentimento porque, futuramente, quando da morte do doador, o herdeiro/donatário deverá trazer o bem à colação, com afinalidade de igualar as legítimas. Quando se diz que ele trará o bem à colação, significadizer que este bem doado será calculo, no momento do inventário, como sendo parte dalegítima recebida pelo herdeiro.
No caso de venda, o herdeiro/comprador não precisa trazer à colação o bem quando oascendente/vendedor morrer. Em outras palavras, aquele bem “comprado” não serádescontado do valor que o herdeiro tem a receber como herança. Justamente por isso éindispensável à fiscalização e anuência por parte dos demais herdeiros quanto ao preço, afim de evitar que esta venda seja apenas simulada para enganá-los.
Descendentes: os descendentes que devem anuir à venda são aqueles que figuram como herdeiros imediatos ao tempo da celebração do contrato.
Cônjuge do vendedor: o CC não exige a anuência do cônjuge do comprador, somente do cônjuge do vendedor.
Regime de bens:
O art. 496, parágrafo único, dispensa o consentimento do cônjuge se o regime for o daseparação obrigatória:
“Parágrafo único. Em ambos os casos, dispensa-se o consentimento do cônjuge se o regimede bens for o da separação obrigatória.”
Já o art. 1.647, I, dispensa o assentimento do cônjuge para a alienação se o regime for o da separação absoluta:
“Art. 1.647. Ressalvado o disposto no art. 1.648, nenhum dos cônjuges pode, semautorização do outro, exceto no regime da separação absoluta:
I - alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis;”
Separação obrigatória é o mesmo que separação absoluta? Há diferença entre essas duas expressões?
Separação obrigatória: é aquela imposta por lei, sendo sinônimo de separação legal.
Art. 1.641. É obrigatório o regime da separação de bens no casamento:
I - das pessoas que o contraírem com inobservância das causas suspensivas da celebração do casamento;
II – da pessoa maior de 70 (setenta) anos;
III - de todos os que dependerem, para casar, de suprimento judicial.
1a corrente:
Separação absoluta = separação convencional
Separação absoluta ≠ separação legal/obrigatória
2a corrente:
Separação absoluta (gênero):
 Separação convencional
 Separação legal (obrigatória)
A separação absoluta é apenas a separação convencional (estipulada pelas partes – art. 1.687 do CC).
Para esta corrente, a Súmula 377 do STF continua em vigor: “No regime deseparação legal de bens, comunicam-se osadquiridos na constância do casamento”.
 
Logo, na separação legal (ou obrigatória), comunicam-se os bens havidos pelos cônjuges durante o casamento pelo esforço comum.
Já na separação absoluta (convencional), não há esta comunicação. Assim, somente haverá separação absoluta (incomunicável) na separação convencional.
A separação absoluta é tanto a separação obrigatória (legal) como a separação convencional (estipulada pelas partes).
Separação absoluta é um gênero e abrange tanto a hipótese do art. 1.641 (legal) como a convencional (estipulada voluntariamente pelas partes).
Para esta corrente, a Súmula 377 do STF não está mais em vigor.
É a posição de Tartuce, Rolf Madaleno, Cristiano Chaves, sendo amplamente majoritária.
 Parece ser também oentendimento do STJ (REsp 1163074/PB).
É a posição de Silvio Rodrigues, Francisco
Cahali e Inácio de Carvalho Neto.
Voltando à análise do art. 496:
É necessária a autorização do companheiro do vendedor no caso de união estável?
NÃO. Não há necessidade de autorização do companheiro para os referidos atos (outorgaconvivencial). Segundo a doutrina, o art. 496 é uma norma restritiva de direitos, que nãopode ser aplicada por analogia aos casos de união estável.
Herdeiros menores: se houver herdeiros menores, a anuência destes deverá ser dada porcurador especial, nomeado pelo juiz por meio de alvará judicial.
E se um dos herdeiros não concordar?
Para a maioria da doutrina, nesse caso, pode o alienante recorrer ao Poder Judiciário para obter um suprimento judicial, em caso de recusa injustificada. Trata-se de analogia uma vez que não há regra expressa.
De que forma os herdeiros devem dar o consentimento à venda?
Utiliza-se o art. 220 do CC. Assim, segundo este dispositivo legal, a anuência ou a autorização de outrem, necessária à validade de um ato, provar-se-á do mesmo modo que este, e constará, sempre que se possa, do próprio instrumento.
Logo, tratando-se de bem imóvel superior a 30 salários-mínimos, esta anuência deve ser feitapor meio de escritura pública. Já no caso de bens móveis, não há, em regra, esta exigência. De qualquer modo, este consentimento deve ser expresso, não valendo se for
tácito.
Consequências pelo fato de a venda ser meramente anulável:
 Poderá ser ratificada posteriormente, mesmo tendo sido feita sem o consentimento;
 O juiz não pode decretar de ofício esta anulabilidade;
 O oficial de Registro de Imóveis não pode se opor ao registro (deixar de registrar a transferência do domínio), suscitando a falta de anuência dos demais herdeiros.
O descendente que não anuiu pode ingressar com ação anulatória da venda mesmo quando ascendente/vendedor ainda não faleceu?
R: Sim. Está cancelada a súmula 152 do STF: A ação para anular venda de ascendente adescendente, sem consentimento dos demais, prescreve em quatro anos a contar daabertura da sucessão.
Desse modo, vigora o termo inicial de prescrição previsto na súmula 494 do STF:
Súmula 494-STF: A ação para anular venda de ascendente a descendente, sem consentimento dos demais, prescreve em vinte anos, contados da data do ato, revogada a súmula 152.
Vale ressaltar, no entanto, que o prazo previsto nessa súmula foi revogado e agora é de 2 anos (prazo decadencial), contados da data do ato, nos termos do art. 179 do CC:
Art. 179. Quando a lei dispuser que determinado ato é anulável, sem estabelecer prazo parapleitear-se a anulação será este de dois anos, a contar da data da conclusão do ato.
Legitimidade para a ação anulatória: somente os descendentes e o cônjuge do alienante. O
MP não possui.
Requisitos para que haja a anulação (STJ REsp 953.461/SC):
a) Venda de ascendente para descendente;
b) falta de consentimento dos outros descendentes ou do cônjuge do vendedor;
c) configuração de simulação, consistente em doação disfarçada ou, alternativamente, ademonstração de prejuízo;
d) ação ajuizada pelo herdeiro prejudicado.
Neste julgado, o STJ reafirmou que, para que a venda de ascendente para descendente seja anulada (art. 496 do CC), é imprescindível que o autor da ação anulatória comprove no caso concreto, a efetiva ocorrência de prejuízo aos herdeiros necessários, não se admitindo a alegação de prejuízo presumido.
Assim, na situação julgada pelo STJ, o autor da ação alegava que a venda deveria ser anulada pelo simples fato de que, quando este negócio jurídico ocorreu, ele era menor e, portanto, absolutamente incapaz. No entanto, fora esta alegação genérica, não provou nenhum prejuízo, razão pela qual a venda não foi anulada (REsp 1.211.531-MS).
O que significa a expressão “em ambos os casos” no parágrafo único do referido art. 496?
Esta expressão deve ser desconsiderada, pois houve erro de tramitação, sendo certo que oprojeto original da codificação trazia no caput tanto a venda de ascendente paradescendente quanto à venda de descendente para ascendente, apontando a necessidadeda referida autorização nos dois casos. Porém, a segunda hipótese (venda de descendenteparaascendente) foi retirada do dispositivo. Mas esqueceu-se, no trâmite legislativo, dealterar o parágrafo único.
O consentimento dos herdeiros e do cônjuge é ainda necessário: na permuta desigual, nadação em pagamento, no compromisso de compra e venda, na cessão onerosa de direitoshereditários, e em outros negócios onde for possível a fraude. Caso não haja, o negócio éanulável.
COMPRA COM RESERVA DE DOMÍNIO
 Em caso de compra e venda com reserva de domínio, é possível a comprovação da mora por meio de notificação extrajudicial enviada pelo RTD
	A mora do comprador, na ação ajuizada pelo vendedor com o intuito de recuperação da coisa vendida com cláusula de reserva de domínio, pode ser comprovada por meio de notificação extrajudicial enviada pelo Cartório de Títulos e Documentos (RTD). Assim, em caso de cláusula de reserva de domínio, existem três formas pelas quais o vendedor (credor) poderá comprovar a mora do comprador (devedor): a) mediante protesto do título; b) por meio de interpelação judicial; c) por notificação extrajudicial enviada pelo Cartório de Títulos e Documentos. STJ. 3ª Turma. REsp 1.629.000-MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 28/3/2017 (Info 601).
	O que é a compra e venda com reserva de domínio? 
Trata-se do contrato de compra e venda no qual existe uma cláusula prevendo que o comprador ficará desde logo na posse direta do bem, mas que só irá adquirir realmente o domínio (só se tornará dono) depois de pagar integralmente o preço. O vendedor transmite desde logo a posse, comprometendo-se a transferir o domínio tão logo o comprador pague a integralidade do preço. A venda com reserva de domínio (pactum reservati dominii) encontra-se disciplinada nos arts. 521 a 528 do Código Civil: 
Art. 521. Na venda de coisa móvel, pode o vendedor reservar para si a propriedade, até que o preço esteja integralmente pago.
Exemplo
A venda com reserva de domínio é normalmente utilizada pelas grandes lojas de departamento quando vendem a prazo eletrodomésticos de maior valor, como televisões, geladeiras, fogões etc.
Bens móveis perfeitamente caracterizados 
Só pode ser objeto de venda com reserva de domínio a coisa móvel perfeitamente caracterizável. 
Art. 523. Não pode ser objeto de venda com reserva de domínio a coisa insuscetível de caracterização perfeita, para estremá-la de outras congêneres. Na dúvida, decide-se a favor do terceiro adquirente de boa-fé.
Características
 A cláusula de reserva de domínio deve ser estipulada por escrito.
Para valer contra terceiros, o contrato precisa ser registrado no domicílio do comprador (art. 522). A serventia competente para esse registro é o RTD (Registro de Títulos e Documentos). Se o bem vendido foi um automóvel, caberá a anotação do gravame no Certificado de Registro do Veículo (CRV), nos termos da Lei nº 11.882/2008: 
Art. 6º Em operação de arrendamento mercantil ou qualquer outra modalidade de crédito ou financiamento a anotação da alienação fiduciária de veículo automotor no certificado de registro a que se refere a Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997, produz plenos efeitos probatórios contra terceiros, dispensado qualquer outro registro público.
Apesar de a venda com reserva de domínio não ser o mesmo que alienação fiduciária, aplica-se aqui o mesmo raciocínio que inspirou a edição da súmula 92 do STJ:
Súmula 92-STJ: Ao terceiro de boa-fé não é oponível a alienação fiduciária não anotada no certificado de registro do veículo automotor.
Se a coisa perecer, quem sofre o prejuízo é o comprador (possuidor direto): Como vimos acima, tão logo o contrato é assinado, a posse direta do bem passa para o comprador. A titularidade do bem (propriedade) só será transferida após o pagamento integral. No entanto, mesmo sem ser ainda o dono, o comprador tem o dever de cuidar da coisa. Isso porque se ela perecer (estragar completamente) ou se deteriorar, quem irá sofrer com esse prejuízo será ele (possuidor direto). 
Art. 524. A transferência de propriedade ao comprador dá-se no momento em que o preço esteja integralmente pago. Todavia, pelos riscos da coisa responde o comprador, a partir de quando lhe foi entregue.
Ex.: se João compra uma TV em 12x com reserva de domínio e no terceiro mês um ladrão furta o bem, João deverá pagar as nove prestações que faltam, mesmo sem ficar com a coisa. Existe uma regra que diz o seguinte: "res perit domino" (a coisa perece para o dono), ou seja, se o bem pereceu, quem deve sofrer o prejuízo é o proprietário. O art. 524 acima analisado é uma exceção a essa regra. Na compra com reserva de domínio vigora a regra do "res perit emptoris" (a coisa perece para o comprador).
Em caso de mora do comprador, o que o vendedor poderá fazer?
 O art. 526 do CC estabelece o seguinte: 
Art. 526. Verificada a mora do comprador, poderá o vendedor mover contra ele a competente ação de cobrança das prestações vencidas e vincendas e o mais que lhe for devido; ou poderá recuperar a posse da coisa vendida.
Apesar de o dispositivo acima transcrito mencionar duas hipóteses (ação de cobrança ou recuperação da posse), a doutrina especializada afirma
que o vendedor (credor) possui três opções: 
Ação executiva (execução do contrato)
 Ocorre quando o contrato assinado preenche os requisitos para ser considerado um título executivo extrajudicial, nos termos do art. 784, III, do CPC/2015.
 b) Ação de cobrança
 Se o contrato assinado não preenche os requisitos para ser considerado um título executivo, o vendedor poderá ajuizar ação cobrando as prestações vencidas e vincendas e o que mais for devido. Repare, portanto, que, em caso de atraso, ocorrerá o vencimento antecipado das parcelas futuras. Ex.: eram 12 parcelas; depois da 4ª, o comprador tornou-se inadimplente; logo, todas as 8 restantes já são consideradas vencidas. Vale ressaltar que, se o vendedor conseguir receber esse valor pleiteado na ação, o bem objeto do negócio jurídico passa a pertencer ao comprador. 
c) Ação de reintegração de posse da coisa vendida (alguns autores defendem que seria uma ação de busca, apreensão e depósito, com base no art. 1.071 do CPC 1973, que não foi repetido no CPC 2015) Caso opte por pedir a reintegração de posse (ou busca e apreensão), mesmo depois de ter de volta o bem, o vendedor poderá reter as prestações pagas até o necessário para cobrir a depreciação da coisa, as despesas feitas e o que mais de direito lhe for devido (art. 527). Em outras palavras, o vendedor poderá utilizar o valor já pago pelo comprador para cobrir seus prejuízos. Isso porque a coisa foi usada e já não vale o mesmo do que valia quando era nova. Além disso, o vendedor teve despesas com notificação extrajudicial etc. Se as prestações pagas pelo comprador forem maiores do que os gastos do vendedor, deverá este devolver o excedente ao comprador. Se forem menores, poderá ajuizar ação de cobrança para pleitear o restante.
Se o vendedor quiser ajuizar a ação de reintegração de posse, ele precisará primeiro pedir a rescisão do contrato? NÃO. Se o vendedor quiser ajuizar a ação de reintegração de posse da coisa vendida, não precisará previamente pedir a rescisão do contrato, podendo propor desde logo a ação possessória. Nesse sentido, decidiu o STJ: Ainda que sem prévia ou concomitante rescisão do contrato de compra e venda com reserva de domínio, o vendedor pode, ante o inadimplemento do comprador, pleitear a proteção possessória sobre o bem móvel objeto da avença. STJ. 4ª Turma. REsp 1.056.837-RN, Rel. Min. Marco Buzzi, julgado em 3/11/2015 (Info 573).
Constituição do devedor em mora 
Quando o comprador atrasar o pagamento das prestações, o vendedor deverá constituí-lo em mora, o que poderá ser feito mediante protesto do título ou interpelação judicial (art. 525). 
Só após tomar essa providência é que o credor poderá ajuizar as ações acima explicadas. Assim, independentemente da opção exercida pelo vendedor, é imprescindível a constituição do comprador em mora.
 E como isso deverá ser feito? 
O art. 525 afirma que a constituição do devedor em mora pode ocorrer mediante protesto do título ou por interpelação judicial. Apesar disso, o STJ admite um terceiro modo de constituição do devedor em mora: a notificação extrajudicial. Conforme decidiu o Tribunal: A mora do comprador, na ação ajuizada pelo vendedor com o intuito de recuperação da coisa vendida com cláusula de reserva de domínio, pode ser comprovada por meio de notificação extrajudicial enviada pelo Cartório de Títulos e Documentos. STJ. 3ª Turma. REsp 1.629.000-MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 28/3/2017 (Info 601). 
Para o STJ, mesmo a mora no contrato de compra e venda com reserva de domínio sendo uma mora ex re, é possível aplicar ao caso o parágrafo único do art. 397 do CC:
 Art. 397 (...) Parágrafo único. Não havendo termo, a mora se constitui mediante interpelação judicial ou extrajudicial.
Assim, em caso de cláusula de reserva de domínio, existem três formas pelas quais o vendedor (credor) poderá comprovar a mora do comprador (devedor):
mediante protesto do título;
por meio de interpelação judicial;
por notificação extrajudicial enviada pelo Cartório de Títulos e Documentos.
Instituição financeira que paga o preço da coisa ao vendedor sub-roga-se em seus direitos Algumas vezes pode acontecer de a loja vender parceladamente ao comprador e receber o dinheiro da venda à vista ou logo depois, por intermédio de uma instituição financeira. Isso é feito para que a loja tenha capital de giro e, obviamente, o banco irá cobrar do vendedor um valor por este adiantamento. Se essa situação se verificar, a instituição financeira irá se sub-rogar nos direitos do vendedor e, assim, se o comprador tornar-se inadimplente, ela poderá exercer os direitos e ações decorrentes do contrato como se fosse o vendedor. Vale ressaltar que, no momento da assinatura do contrato, o comprador deverá ser informado e concordar com essa operação.
 Art. 528. Se o vendedor receber o pagamento à vista, ou, posteriormente, mediante financiamento de instituição do mercado de capitais, a esta caberá exercer os direitos e ações decorrentes do contrato, a benefício de qualquer outro. A operação financeira e a respectiva ciência do comprador constarão do registro do contrato.
COLAÇÃO
 O cálculo do valor de colação dos bens doados deverá ser feito tendo como critério o tempo da liberalidade ou da abertura da sucessão?
	Em um caso envolvendo situação antes do CPC/2015, o STJ decidiu que o valor de colação dos bens doados deverá ser aquele atribuído ao tempo da liberalidade, corrigido monetariamente até a data da abertura da sucessão. Aplicou-se aqui a regra do art. 2.004 do Código Civil de 2002. STJ. 4ª Turma. REsp 1.166.568-SP, Rel. Min. Lázaro Guimarães (Desembargador convocado do TRF da 5ª Região), julgado em 12/12/2017 (Info 617). O CPC/2015, em seu art. 639, parágrafo único, traz regra diferente do art. 2.004 do CC/2002 e diz que o valor de colação dos bens deverá ser calculado ao tempo da morte do autor da herança. Confira: Art. 639. No prazo estabelecido no art. 627, o herdeiro obrigado à colação conferirá por termo nos autos ou por petição à qual o termo se reportará os bens que recebeu ou, se já não os possuir, trarlhes-á o valor. Parágrafo único. Os bens a serem conferidos na partilha, assim como as acessões e as benfeitorias que o donatário fez, calcular-se-ão pelo valor que tiverem ao tempo da abertura da sucessão. Diante disso, não se pode afirmar que a conclusão do STJ no REsp 1.166.568-SP seria a mesma caso a morte tivesse ocorrido agora, ou seja, sob a vigência do CPC/2015. Isso porque este diploma é posterior ao CC/2002 e, pelo menos sob o critério cronológico, teria prevalência em relação ao Código Civil.
	Noção geral sobre colação 
Quando uma pessoa morre, o Código Civil prevê diversas regras para que o patrimônio do falecido seja partilhado entre os seus herdeiros.
Ex.: se o falecido tiver deixado filhos: o cônjuge supérstite poderá ou não concorrer com eles na divisão da herança (teremos que analisar o regime de bens). Entre os filhos, por sua vez, não existe distinção, devendo cada um deles receber o mesmo quinhão. 
Ocorre que pode acontecer de o falecido, quando ainda era vivo, ter “doado” alguns de seus bens para os descendentes ou para seu cônjuge/companheiro. Ex.: João possuía dois apartamentos e três filhos; quando ainda estava vivo, João doou um apartamento para o filho 1 e outro para o filho 2, não doando nada para o filho 3.
 Na situação narrada no exemplo, repare que houve uma distribuição desigual do patrimônio. Assim, quando João morresse, sua esposa e o filho 3 ficariam, em tese, sem herança, porque João, ainda em vida, teria doado os bens para os outros filhos. 
O legislador entendeu que esse cenário não seria “justo” e, por isso, criou uma regra para proteger os herdeiros necessários contra doações que forem feitas durante a vida do falecido e que não invadirem a legítima sem respeitar a igualdade que deve existir entre os herdeiros necessários que concorrem entre si. Assim, em nosso exemplo, depois que João falecer, o CC impõe que os
filhos 1 e 2 deverão “devolver” os apartamentos doados e estes imóveis, juntamente com o restante da herança deixada pelo morto, serão divididos entre os herdeiros, na forma prevista pela lei. 
Conceito de colação 
Colação é... 
- o dever imposto pelo Código Civil 
- aos herdeiros necessários do falecido
 - no sentido de que, se eles receberam alguma doação do falecido quando este ainda era vivo,
 - serão obrigados a trazer de volta para o monte esses bens
 - a fim de que, reunido todo o patrimônio que pertencia ao morto,
 - ele seja partilhado entre os herdeiros na forma prevista na lei. 
Previsão no Código Civil 
A colação está disciplinada nos arts. 2.002 a 2.012 do CC.
Imagine agora a seguinte situação hipotética: 
Pedro, viúvo, possuía três filhos. Em 2010, o patrimônio total de Pedro era de R$ 1 milhão. Neste ano, Pedro doou um apartamento para Lucas, seu filho caçula. Vale ressaltar que, segundo o mercado imobiliário da época, o apartamento doado custava R$ 700 mil. Em 2014, Pedro morreu. Será aberto um inventário para tratar sobre a partilha dos bens de Pedro e Lucas deverá “trazer à colação” o apartamento que lhe foi doado. 
O que significa isso, na prática? Ele deverá informar no inventário que recebeu essa doação. Essa providência é necessária para se analisar se a doação feita pelo indivíduo extrapolou ou não a parte disponível da herança, ou seja, a parte que ele poderia doar (metade de seus bens). Lucas trouxe o bem à colação, ou seja, informou ao juiz do inventário que seu pai, em vida, havia lhe doado um apartamento de R$ 700 mil. Vale ressaltar, no entanto, que houve uma melhoria no bairro e o apartamento doado atualmente vale, no mercado imobiliário, R$ 1 milhão. Diante disso, surgiu um impasse quanto ao valor do bem que deveria ser considerado no inventário: Lucas queria que se considerasse como sendo R$ 700 mil. Para tanto, ele fundamentou seu pedido no art. 2.004 do Código Civil:
 Art. 2.004. O valor de colação dos bens doados será aquele, certo ou estimativo, que lhes atribuir o ato de liberalidade.
Os demais herdeiros, por outro lado, afirmavam que se deve considerar o valor do apartamento no momento da morte do pai, ou seja, R$ 1 milhão. Utilizaram como base legal o art. 1.014, parágrafo único, do CPC/1973: 
Art. 1.014. No prazo estabelecido no art. 1.000, o herdeiro obrigado à colação conferirá por termo nos autos os bens que recebeu ou, se já os não possuir, trar-lhes-á o valor.
 Parágrafo único. Os bens que devem ser conferidos na partilha, assim como as acessões e benfeitorias que o donatário fez, calcular-se-ão pelo valor que tiverem ao tempo da abertura da sucessão. 
Em uma hipótese semelhante a essa, o que decidiu o STJ? Em caso de colação, o valor do bem a ser considerado é aquele que vigorava no momento da doação (Código Civil) ou o valor no momento da morte do autor da herança (CPC)? O STJ decidiu que deveria ser utilizado o valor calculado no momento da doação (acrescido de correção monetária): O valor de colação dos bens doados deverá ser aquele atribuído ao tempo da liberalidade, corrigido monetariamente até a data da abertura da sucessão. STJ. 4ª Turma. REsp 1.166.568-SP, Rel. Min. Lázaro Guimarães (Desembargador convocado do TRF da 5ª Região), julgado em 12/12/2017 (Info 617).
Critério utilizado para resolver a antinomia entre o CC e o CPC/1973
Havia uma antinomia entre o art. 2.004 do CC e o art. 1.014, parágrafo único, do CPC/1973. Diante disso, o STJ decidiu que deveria ser adotada a regra do CC, considerando que este diploma civil foi editado em 2002 e, portanto, teria revogado o CPC/1973. O STJ citou a lição do Prof. Humberto Theodoro Júnior: “O valor básico para a colação é aquele pelo qual o bem figurou no ato de liberalidade (Código Civil de 2002, art. 2004). A regra do parágrafo único do art. 1.014 do Código de Processo Civil, que previa a colação pelo valor do bem ao tempo da abertura da sucessão foi implicitamente revogada pelo novo Código Civil. Continua, no entanto, vigorando para as sucessões abertas antes do advento da atual regra de direito material, em face do princípio de que toda sucessão se rege pela lei do tempo de sua abertura.” (Curso de Direito Processual Civil. Vol. III, 46ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 250). 
Dessa forma, o STJ, com base no art. 2.004 do CC/2002, afirmou que o valor de colação dos bens deverá ser aquele atribuído ao tempo da doação. 
Atenção: apesar de não haver previsão expressa no art. 2.004, o STJ afirmou que o valor dos bens deverá ser corrigido monetariamente até a data da abertura da sucessão. Assim, o valor de colação dos bens doados deverá ser aquele atribuído ao tempo da liberalidade (tempo da doação) + correção monetária até a data da abertura da sucessão. 
Enunciado 119 da I Jornada de Direito Civil 
Na I Jornada de Direito Civil do CJF/STJ, o tema acima foi discutido e aprovou-se um controverso enunciado que criou uma mistura de regras envolvendo o CC/2002 e o CPC/1973. Confira:
Enunciado 119-CJF/STJ: Para evitar o enriquecimento sem causa, a colação será efetuada com base no valor da época da doação, nos termos do caput do art. 2004, exclusivamente na hipótese em que o bem doado não mais pertença ao patrimônio do donatário. Se, ao contrário, o bem ainda integrar seu patrimônio, a colação se fará com base no valor do bem na época da abertura da sucessão, nos termos do art. 1.014 do CPC, de modo a preservar a quantia que efetivamente integrar a legítima quando esta se constituiu, ou seja, na data do óbito (resultado da interpretação sistemática do art. 2004 e seus parágrafos, juntamente com os arts. 1.832 e 884 do Código Civil).
O STJ, neste julgado acima explicado (REsp 1.166.568-SP), rechaçou esse enunciado. Segundo o Ministro Relator, este enunciado “não se coaduna com as regras estabelecidas no Código Civil de 2002 sobre a matéria, bem como afronta o princípio de direito intertemporal tempus regit actum.” “Essa dicotomia de critérios, é, com todas as vênias, inadequada à hipótese presente, não se coadunando nem com a vontade do falecido, nem com a mens legislatoris”. 
(...) “enunciado não é lei, não sendo, portanto, dotado de força obrigatória; assim sendo, não pode contrariar a lei e o sistema adotado pelo legislador (a representar a vontade do jurisdicionado no contexto em que a regra se apresenta) ao regulamentar a matéria.” 
(...) “não se mostra possível a utilização de critérios diversos para a obtenção do valor de conferência, consoante estampado no referido Enunciado n. 119, que leva em conta, a uma, os bens que ainda estão situados no patrimônio dos donatários; e, a duas, aqueles que já não o estão, mesmo porque também cabível aqui a aplicação do vetusto brocardo (ainda, porém, com hodierna e plena aplicabilidade): o que a lei não restringe, não cabe ao intérprete restringir.” (CARVALHO, Luiz Paulo Vieira de. Direito das Sucessões. 3ª ed., São Paulo: Atlas, 2017, p. 976-981). 
Dessa forma, como já dito, a conclusão deste enunciado foi expressamente rejeitada pelo STJ. 
Nova polêmica: CPC/2015 
Conforme visto acima, o principal fundamento do STJ para afastar a regra do CPC/1973 (cálculo ao tempo da morte) e aplicar o CC/2002 (cálculo ao tempo da liberalidade) foi o de que o CC/2002, mais recente, teria revogado o CPC/1973 nesta parte. Ocorre que o CPC/2015 repetiu, em linhas gerais, a mesma regra do CPC/1973. Veja a redação do art. 639, parágrafo único, do novo Código: 
Art. 639. No prazo estabelecido no art. 627, o herdeiro obrigado à colação conferirá por termo nos autos ou por petição à qual o termo se reportará os bens que recebeu ou, se já não os possuir, trar-lhes-á o valor. 
Parágrafo único. Os bens a serem conferidos na partilha, assim como as acessões e as benfeitorias que o donatário fez, calcular-se-ão pelo valor que tiverem ao tempo da abertura da sucessão.
Diante disso, não se pode afirmar que a conclusão do STJ no REsp 1.166.568-SP seria a
mesma caso a morte tivesse ocorrido agora, ou seja, sob a vigência do CPC/2015. Isso porque este diploma é posterior ao CC/2002 e, pelo menos sob o critério cronológico, teria prevalência em relação ao Código Civil.
Divórcio, partilha e imóvel adquirido com recursos doados e oriundos do FGTS
	Imagine a seguinte situação hipotética:
Eduardo e Mônica casaram-se, em 2013, sob o regime da comunhão parcial de bens.
Um mês depois do casamento decidiram comprar um apartamento que custava R$ 200 mil.
Para tanto, Eduardo utilizou o dinheiro do seu FGTS e pagou R$ 30 mil à construtora.
Mônica também se valeu de seu FGTS e pagou R$ 70 mil.
Os R$ 100 mil restantes foram doados pelo pai de Mônica, que transferiu para a conta da construtora.
Ocorre que o casamento não deu certo e, em 2014, o casal decidiu se divorciar.
Surgiu, então, uma disputa entre os dois para saber como iriam dividir o apartamento.
O advogado de Eduardo sustentava que eles deveriam vendê-lo por R$ 200 mil e dividir o dinheiro igualmente, metade para cada um, considerando que se trata de regime da comunhão parcial de bens.
A advogada de Mônica, por sua, vez, concordava em vender, mas afirmava que Eduardo teria direito de receber de volta apenas 15% do valor da casa (R$ 30 mil), quantia com o qual ele contribuiu para a aquisição. Os demais 85% (R$ 170 mil pertenceriam à esposa já que R$ 100 mil foi doado pelo pai dela e R$ 70 mil veio do seu FGTS).
Vamos entender com calma este interessante e complicado caso.
Como funciona o regime da comunhão parcial?
O regime da comunhão parcial é tratado pelos arts. 1.658 a 1.666 do CC.
Nessa espécie de regime, comunicam-se os bens que sobrevierem ao casal, na constância do casamento, com exceção dos casos previstos no Código Civil.
Dito de outro modo, os bens adquiridos durante a união passam a ser de ambos os cônjuges, salvo em algumas situações que o Código Civil determina a incomunicabilidade. Veja o que diz a Lei:
Art. 1.658. No regime de comunhão parcial, comunicam-se os bens que sobrevierem ao casal, na constância do casamento, com as exceções dos artigos seguintes.
O art. 1.660 lista bens que, se adquiridos durante o casamento, pertencem ao casal:
Art. 1.660. Entram na comunhão:
I — os bens adquiridos na constância do casamento por título oneroso, ainda que só em nome de um dos cônjuges;
II — os bens adquiridos por fato eventual, com ou sem o concurso de trabalho ou despesa anterior;
III — os bens adquiridos por doação, herança ou legado, em favor de ambos os cônjuges;
IV — as benfeitorias em bens particulares de cada cônjuge;
V — os frutos dos bens comuns, ou dos particulares de cada cônjuge, percebidos na constância do casamento, ou pendentes ao tempo de cessar a comunhão.
O art. 1.659, por sua vez, elenca aquilo que é excluído da comunhão:
Art. 1.659. Excluem-se da comunhão:
I — os bens que cada cônjuge possuir ao casar, e os que lhe sobrevierem, na constância do casamento, por doação ou sucessão, e os sub-rogados em seu lugar;
II — os bens adquiridos com valores exclusivamente pertencentes a um dos cônjuges em sub-rogação dos bens particulares;
III — as obrigações anteriores ao casamento;
IV — as obrigações provenientes de atos ilícitos, salvo reversão em proveito do casal;
V — os bens de uso pessoal, os livros e instrumentos de profissão;
VI — os proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge;
VII — as pensões, meios-soldos, montepios e outras rendas semelhantes.
Se alguém faz doação em favor de um casal casado sob o regime da comunhão parcial de bens, a coisa ou o valor doado deve entrar na meação? Em outras palavras, esse bem doado deverá ser dividido igualmente entre os cônjuges caso eles decidam se divorciar?
SIM. Isso está previsto expressamente no inciso III do art. 1.660, acima visto:
Art. 1.660. Entram na comunhão:
III — os bens adquiridos por doação, herança ou legado, em favor de ambos os cônjuges;
No caso concreto, Eduardo alegou que, como o pai de Mônica não especificou para quem estava doando o dinheiro, presume-se que foi um presente para o casal. Essa tese foi aceita pelo STJ? Os R$ 100 mil doados pelo pai de Mônica devem se comunicar? No momento do divórcio, tanto Eduardo como Mônica terão direito à metade desse valor cada um?
NÃO. No caso concreto, o valor doado pelo pai de Mônica não se comunica e não deve ser partilhado no momento do divórcio. Isso porque não existe qualquer prova de que essa doação tenha sido feita em favor em ambos os cônjuges.
Ressalte-se que a doação foi feita sem nenhuma formalidade nem indicação de quem seria o beneficiário. Diante disso, presume-se que o pai tenha querido beneficiar apenas a filha, sua herdeira. Para que se considerasse que a doação foi para o casal, isso deveria ter sido dito de forma expressa. Veja precedente do STJ parecido com o caso concreto:
Se o bem for doado para um dos cônjuges, em um casamento regido pela comunhão parcial dos bens, a regra é que esse bem pertence apenas ao cônjuge que recebeu a doação. Em outras palavras, esse bem doado não se comunica, não passa a integrar os bens do casal.
Em um regime de comunhão parcial, o bem doado somente se comunica se, no ato de doação, ficar expressa a afirmação de que a doação é para o casal.
Logo, em caso de silêncio no ato de doação, deve-se interpretar que esse ato de liberalidade ocorreu em favor apenas do donatário (um dos cônjuges).
STJ. 3ª Turma. REsp 1318599/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 23/04/2013 (Info 523).
Dessa forma, os R$ 100 mil doados pelo pai de Mônica deverão ficar com ela no momento do divórcio, já que não se comunicaram por não ter sido uma doação em favor de ambos os cônjuges (art. 1.660, III, do CC).
Parte do imóvel adquirida com recursos do FGTS
Eduardo argumentou também que o valor do FGTS, a partir do momento que foi utilizado para a aquisição do imóvel, passou a integrar o patrimônio comum do casal. Dessa forma, sustentou que, por isso, deveriam ser somadas as quantias de FGTS disponibilizadas por cada um dos cônjuges (30 dele e 70 dela) e divididas em partes iguais (50% para cada um).
Mônica refutou a alegação, afirmando que esse saldo de FGTS utilizado para a compra foi constituído antes do casamento, ou seja, refere-se a períodos trabalhados pelos dois antes de se casarem. Em outras palavras, antes de se casarem, cada um deles trabalhou e os respectivos empregadores depositaram as quantias no FGTS. Por mais que eles tenham utilizado só depois do matrimônio, são relacionados a período pretérito.
Qual das duas teses foi acolhida pelo STJ?
A de Mônica.
Diante do divórcio de cônjuges que viviam sob o regime da comunhão parcial de bens, não deve ser reconhecido o direito à meação dos valores que foram depositados em conta vinculada ao FGTS em datas anteriores à constância do casamento e que tenham sido utilizados para aquisição de imóvel pelo casal durante a vigência da relação conjugal.
STJ. 2ª Seção. REsp 1.399.199-RS, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, Rel. para acórdão Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 9/3/2016 (Info 581).
O que é FGTS? Qual é a sua natureza jurídica?
FGTS é a sigla para Fundo de Garantia por Tempo de Serviço.
O FGTS foi criado pela Lei n.º 5.107/66 com o objetivo de proteger o trabalhador demitido sem justa causa.
Atualmente, o FGTS é regido pela Lei n.º 8.036/90.
O FGTS nada mais é do que uma conta bancária aberta em nome do trabalhador e vinculada a ele no momento em que celebra seu primeiro contrato de trabalho.
Nessa conta bancária, o empregador deposita todos os meses o valor equivalente a 8% do salário pago ao empregado, acrescido de juros e atualização monetária (conhecidos pela sigla “JAM”).
Assim, vai sendo formado um fundo de reserva financeira para o trabalhador, ou seja, uma espécie de “poupança”, que é utilizada pelo obreiro quando fica desempregado sem justa causa ou quando precisa para alguma finalidade relevante, assim considerada
pela lei.
Se o empregado for demitido sem justa causa, o empregador é obrigado a depositar, na conta vinculada do trabalhador, uma indenização compensatória de 40% do montante de todos os depósitos realizados na conta vinculada durante a vigência do contrato de trabalho, atualizados monetariamente e acrescidos dos respectivos juros (art. 18, § 1º da Lei nº 8.036/90).
O trabalhador que possui conta do FGTS vinculada a seu nome é chamado de trabalhador participante do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço.
O FGTS possui natureza jurídica de direito social do trabalhador, sendo considerado, portanto, fruto civil do trabalho (STJ. 3ª Turma. REsp 848.660/RS, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, DJe 13/05/2011).
Por que interessa saber que o FGTS tem natureza jurídica de "direito trabalhista" (fruto civil do trabalho)?
Porque o inciso VI do art. 1.659 do CC prevê que ficam excluídos da comunhão os valores auferidos com o trabalho pessoal de cada cônjuge. Veja:
Art. 1.659. Excluem-se da comunhão:
VI — os proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge;
Obs: a palavra "proventos" está empregada neste inciso com o significado de vantagem financeira, ganho, proveito, lucro etc.
Dessa forma, sendo o FGTS uma vantagem financeira decorrente do trabalho pessoal de cada cônjuge, ele se enquadra neste inciso VI do art. 1.659 do CC.
Os proventos (ganhos) decorrentes do trabalho pessoal do cônjuge estão sempre fora da comunhão? Este inciso é interpretado de forma literal e absoluta?
NÃO. O STJ mitiga a redação literal desse inciso.
Apesar da determinação expressa do Código Civil no sentido da incomunicabilidade, o STJ entende que não se deve excluir da comunhão os proventos do trabalho recebidos na constância do casamento, sob pena de se desvirtuar a própria natureza do regime. A comunhão parcial de bens funda-se na noção de que devem formar o patrimônio comum os bens adquiridos onerosamente na vigência do casamento. Os salários e demais ganhos decorrentes do trabalho constituem-se em bens adquiridos onerosamente durante o casamento. Pela lógica, devem se comunicar.
Essa é também a opinião da doutrina:
"(...) Não há como excluir da universalidade dos bens comuns os proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge (CC, art. 1.659, VI). Ora, se os ganhos do trabalho não se comunicam, nem se dividem pensões e rendimentos outros de igual natureza, praticamente tudo é incomunicável, pois a maioria das pessoas vive de seu trabalho. O fruto da atividade laborativa dos cônjuges não pode ser considerado incomunicável, e isso em qualquer dos regimes de bens, sob pena de aniquilar-se o regime patrimonial, tanto no casamento como na união estável, porquanto nesta também vigora o regime da comunhão parcial (CC, art. 1.725). (...) De regra, é do esforço pessoal de cada um que advêm os créditos, as sobras e economias para a aquisição dos bens conjugais. (...) (DIAS, Maria Berenice. Regime de bens e algumas absurdas incomunicabilidades. Disponível em: www.mariaberenice.com.br)
Assim, o entendimento atual do STJ é o de que:
Os proventos do trabalho recebidos, por um ou outro  cônjuge, na vigência do casamento, compõem o patrimônio comum do casal, a ser partilhado na  separação, tendo em vista a formação de sociedade de fato, configurada pelo esforço comum dos cônjuges, independentemente de ser financeira a contribuição de um dos consortes e do outro não.
A incomunicabilidade prevista no inciso VI do art. 1.659 do CC somente ocorre quando os valores são percebidos em momento anterior ou posterior ao casamento.
STJ. 2ª Seção. REsp 1.399.199-RS, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, Rel. para acórdão Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 9/3/2016 (Info 581).
Resumindo o entendimento do STJ quanto ao inciso VI do art. 1.659:
• Se os proventos do trabalho foram adquiridos ANTES ou DEPOIS do casamento: não se comunicam. Os valores pertencerão ao patrimônio particular de quem tem o direito a seu recebimento.
• Se os proventos do trabalho foram adquiridos DURANTE o casamento: comunicam-se.
No caso concreto, contudo, o FGTS de Eduardo e Mônica não se comunicaram porque eles eram referentes a períodos de trabalho laborados antes do casamento.
COLAÇÃO DE BENS
Direito de o herdeiro exigir a colação mesmo que ainda não concebido no momento da doação
	O filho do morto tem o direito de exigir de seus irmãos a colação dos bens que estes receberam via doação a título de adiantamento da legítima, ainda que sequer tenha sido concebido ao tempo da liberalidade. Para efeito de cumprimento do dever de colação, é irrelevante se o herdeiro nasceu antes ou após a doação, não havendo também diferença entre os descendentes, se são eles irmãos germanos ou unilaterais ou se supervenientes à eventual separação ou divórcio do doador. Ex: em 2007, João doou todo o seu patrimônio (casas, apartamentos, carros etc.) para seus três filhos (Hugo, Tiago e Luis). Em 2010, João teve um novo filho (João Jr.), fruto de um relacionamento com sua secretária. Em 2012, João faleceu. Foi aberto inventário de João e, João Jr., o caçula temporão, representado por sua mãe, habilitou-se nos autos e ingressou com incidente de colação, distribuído por dependência nos autos do inventário, requerendo que todos os bens recebidos em doação por Hugo, Tiago e Luis fossem colacionados (devolvidos) para serem partilhados. Os donatários (Hugo, Tiago e Luis) contestaram o pedido afirmando que João Jr. ainda não havia nascido e sequer tinha sido concebido ao tempo das doações, o que afastaria o seu interesse em formular pedido de colação. STJ. 3ª Turma. REsp 1.298.864-SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 19/5/2015 (Info 563)
	Noção geral sobre colação 
Quando uma pessoa morre, o Código Civil prevê diversas regras para que o patrimônio do falecido seja partilhado entre os seus herdeiros. Ex: se o falecido tiver deixado filhos: o cônjuge supérstite poderá ou não concorrer com eles na divisão da herança (teremos que analisar o regime de bens). Entre os filhos, por sua vez, não existe distinção, devendo cada um deles receber o mesmo quinhão. Ocorre que pode acontecer de o falecido, quando ainda era vivo, ter “doado” alguns de seus bens para os descentes ou para seu cônjuge/companheiro. 
Ex: João possuía dois apartamentos e três filhos; quando ainda estava vivo, João doou um apartamento para o filho 1 e outro para o filho 2, não doando nada para o filho 3. Na situação narrada no exemplo, repare que houve uma distribuição desigual do patrimônio. Assim, quando João morresse, sua esposa e o filho 3 ficariam, em tese, sem herança porque ele, ainda em vida, doou os bens para os outros filhos. 
O legislador entendeu que esse cenário não seria “justo” e, por isso, criou uma regra para proteger os herdeiros necessários contra doações que forem feitas durante a vida do falecido e que não invadirem a legítima sem respeitar a igualdade que deve existir entre os herdeiros necessários que concorrem entre si. 
Assim, em nosso exemplo, depois que João falecer, o CC impõe que os filhos 1 e 2 deverão “devolver” os apartamentos doados e estes imóveis, juntamente com o restante da herança deixada pelo morto, serão divididos entre os herdeiros na forma prevista pela lei.
Conceito de colação 
Colação é...
 - o dever imposto pelo Código Civil 
- aos herdeiros necessários do falecido
- no sentido de que, se eles receberam alguma doação do falecido quando este ainda era vivo, 
- serão obrigados a trazer de volta para o monte esses bens 
- a fim de que, reunido todo o patrimônio que pertencia ao morto, 
- ele seja partilhado entre os herdeiros na forma prevista na lei. Previsão no Código Civil 
A colação está disciplinada nos arts. 2.002 a 2.012 do CC. 
Imagine agora a seguinte situação adaptada: 
Em 2007, João doou todo o seu patrimônio (casas, apartamentos, carros etc.) para seus três filhos (Hugo, Tiago e Luis). Em 2010, João teve um novo filho (João Jr.), fruto de um relacionamento
com sua secretária. Em 2012, João faleceu. Foi aberto inventário de João e, João Jr., o caçula temporão, representado por sua mãe, habilitou-se nos autos e ingressou com incidente de colação, distribuído por dependência nos autos do inventário, requerendo que todos os bens recebidos em doação por Hugo, Tiago e Luis fossem colacionados (devolvidos) para serem partilhados. Os donatários (Hugo, Tiago e Luis) contestaram o pedido afirmando que João Jr. ainda não havia nascido e sequer tinha sido concebido ao tempo das doações, o que afastaria o seu interesse em formular pedido de colação. 
Depois de muita discussão, baixaria e briga, a questão chegou ao STJ.
A dúvida jurídica é a seguinte:João Jr. tem direito de exigir que seus irmãos façam a colação dos bens que receberam por meio de doação mesmo tendo esta ocorrido antes de ele ser concebido? SIM. O filho do morto tem o direito de exigir de seus irmãos a colação dos bens que estes receberam via doação a título de adiantamento da legítima, ainda que sequer tenha sido concebido ao tempo da liberalidade. Para efeito de cumprimento do dever de colação, é irrelevante se o herdeiro nasceu antes ou após a doação, não havendo também diferença entre os descendentes, se são eles irmãos germanos ou unilaterais ou se supervenientes à eventual separação ou divórcio do doador. O que deve prevalecer é a ideia de que a doação feita de ascendente para descendente impõe ao(s) donatário(s) a obrigação, de quando o doador morrer, o(s) descendente(s) beneficiado(s) trazer (em) o patrimônio recebido à colação, a fim de igualar as legítimas, caso existem outros herdeiros necessários (arts. 2.002, parágrafo único, e 2.003 do CC).
UNIÃO ESTÁVEL
Imóvel doado por um companheiro para o outro deve ser excluído do montante partilhável, nos termos do art. 1.659, I, do CC
	O bem imóvel adquirido a título oneroso na constância da união estável regida pelo estatuto da comunhão parcial, mas recebido individualmente por um dos companheiros, através de doação pura e simples realizada pelo outro, deve ser excluído do monte partilhável, nos termos do art. 1.659, I, do CC/2002: 
Art. 1.659. Excluem-se da comunhão: I - os bens que cada cônjuge possuir ao casar, e os que lhe sobrevierem, na constância do casamento, por doação ou sucessão, e os sub-rogados em seu lugar; Ex: João e Maria vivem em união estável. Durante este relacionamento, João comprou um apartamento. 
Embora adquirido pelo esforço comum do casal, na constância da união estável, o imóvel foi doado por João, de forma graciosa, à Maria. Isso significa que, no momento que for feita a dissolução da união estável, este bem não irá integrar o montante partilhável. João, quando doou o imóvel, o fez quanto à sua metade sobre o bem, que antes pertencia a ambos. STJ. 4ª Turma. REsp 1.171.488-RS, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 4/4/2017 (Info 603).
	Imagine a seguinte situação hipotética:
João e Maria viviam em união estável. Durante este relacionamento, João comprou um apartamento e o doou a Maria. Alguns anos depois a união chegou ao fim e iniciou-se a discussão quanto a divisão dos bens.
Se duas pessoas estão vivendo em união estável, a lei prevê regras para disciplinar o patrimônio desse casal? SIM. O Código Civil estabelece que, na união estável, as relações patrimoniais entre o casal obedecem às regras do regime da comunhão parcial de bens (art. 1.725). Em outras palavras, é como se as pessoas que vivem em união estável estivessem casadas sob o regime da comunhão parcial de bens.
Como funciona o regime da comunhão parcial? O regime da comunhão parcial é tratado pelos arts. 1.658 a 1.666 do CC. Nessa espécie de regime, comunicam-se os bens que sobrevierem ao casal, na constância do casamento, com exceção dos casos previstos no Código Civil. Dito de outro modo, os bens adquiridos durante a união passam a ser de ambos os cônjuges, salvo em algumas situações que o Código Civil determina a incomunicabilidade. Veja o que diz a Lei: Art. 1.658. No regime de comunhão parcial, comunicam-se os bens que sobrevierem ao casal, na constância do casamento, com as exceções dos artigos seguintes.
O art. 1.660 lista bens que, se adquiridos durante o casamento, pertencem ao casal: Art. 1.660. Entram na comunhão: 
I — os bens adquiridos na constância do casamento por título oneroso, ainda que só em nome de um dos cônjuges; 
II — os bens adquiridos por fato eventual, com ou sem o concurso de trabalho ou despesa anterior; 
III — os bens adquiridos por doação, herança ou legado, em favor de ambos os cônjuges; 
IV — as benfeitorias em bens particulares de cada cônjuge;
V — os frutos dos bens comuns, ou dos particulares de cada cônjuge, percebidos na constância do casamento, ou pendentes ao tempo de cessar a comunhão.
O art. 1.659, por sua vez, elenca aquilo que é excluído da comunhão: 
Art. 1.659. Excluem-se da comunhão:
I — os bens que cada cônjuge possuir ao casar, e os que lhe sobrevierem, na constância do casamento, por doação ou sucessão, e os sub-rogados em seu lugar;
II — os bens adquiridos com valores exclusivamente pertencentes a um dos cônjuges em subrogação dos bens particulares; 
III — as obrigações anteriores ao casamento; 
IV — as obrigações provenientes de atos ilícitos, salvo reversão em proveito do casal;
V — os bens de uso pessoal, os livros e instrumentos de profissão; 
VI — os proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge;
VII — as pensões, meios-soldos, montepios e outras rendas semelhantes.
Situação do apartamento
João pediu para ter direito à metade do apartamento doado à Maria. Segundo alegou, o imóvel foi adquirido durante a união estável com o esforço comum, devendo, portanto, ser divido entre eles.
A tese de João foi aceita pelo STJ? NÃO. O referido apartamento, embora adquirido pelo esforço comum do casal, na constância da união estável, foi doado por João, de forma graciosa, à Maria, de modo que essa doação, por força do disposto no art. 1.659, I, do CC, afasta o bem do monte partilhável. Quando João fez a doação, ele doou justamente a sua parte no imóvel, não tendo mais direito sobre ele.
É possível a doação de um cônjuge para o outro? No regime da comunhão parcial de bens, é possível sim.
É possível a doação de um cônjuge para o outro no caso de três regimes de bens:
(regime da separação convencional de bens 
(regime da comunhão parcial (havendo patrimônio particular) ou 
(regime da participação final nos aquestos (quanto aos bens particulares). Em suma: O bem imóvel adquirido a título oneroso na constância da união estável regida pelo estatuto da comunhão parcial, mas recebido individualmente por um dos companheiros, através de doação pura e simples realizada pelo outro, deve ser excluído do monte partilhável, nos termos do art. 1.659, I, do CC/2002. STJ. 4ª Turma. REsp 1.171.488-RS, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 4/4/2017 (Info 603).
Ação revisional por conta da desvalorização do real frente ao dólar em contrato celebrado em moeda estrangeira
	Determinado médico importou um equipamento para utilizar em sua atividade profissional. A aquisição foi feita por meio de um financiamento celebrado em moeda estrangeira (dólar). Na época, o valor do dólar e do real eram muito próximos, sendo a conversão próxima de 1 real para cada 1 dólar. Ocorre que, em janeiro 1999, ocorreu na economia brasileira uma grande desvalorização do real e o dólar passou a valer cerca de 2 reais. 
No caso concreto, o médico pode ser considerado consumidor? NÃO. Não há relação de consumo entre o fornecedor de equipamento médico-hospitatar e o médico que firmam contrato de compra e venda de equipamento de ultrassom com cláusula de reserva de domínio e de indexação ao dólar americano, na hipótese em que o profissional de saúde tenha adquirido o objeto do contrato para o desempenho de sua atividade econômica. 
É possível a aplicação da teoria da base objetiva na presente situação? NÃO. A teoria da base objetiva ou da base do negócio jurídico tem sua aplicação
restrita às relações jurídicas de consumo, não sendo aplicável às contratuais puramente civis.
É possível acolher o pedido do médico para a revisão do contrato com base na teoria da imprevisão e da onerosidade excessiva? NÃO. Tratando-se de relação contratual paritária – a qual não é regida pelas normas consumeristas –, a maxidesvalorização do real em face do dólar americano ocorrida a partir de janeiro de 1999 não autoriza a aplicação da teoria da imprevisão ou da teoria da onerosidade excessiva, com intuito de promover a revisão de cláusula de indexação ao dólar americano.
O histórico econômico do Brasil já indicava que seria possível que ocorresse uma desvalorização do real frente ao dólar, não sendo possível, portanto, falar que isso era um fato imprevisível ou extraordinário. STJ. 3ª Turma. REsp 1.321.614-SP, Rel. originário Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Rel. para acórdão Min. Ricardo Villas BôasCueva, julgado em 16/12/2014 (Info 556).
	Imagine a seguinte situação hipotética: 
Em 1997, João, médico ginecologista, importou dos EUA um moderno sistema de ultrassom para utilizar em sua atividade profissional. Como o custo do aparelho era muito alto, a aquisição foi feita por meio de um financiamento celebrado em moeda estrangeira (dólar). 
Em outras palavras, as prestações que o médico pagava mensalmente eram fixadas em dólar e, no momento do pagamento, era feita a conversão para real (ex: cada prestação era de 10 mil dólares). Vale ressaltar que, na época, o valor do dólar e do real eram muito próximos, sendo a conversão próxima de 1 real para cada 1 dólar. Estava correndo tudo bem e o médico pagava pontualmente todos os meses o financiamento. 
Ocorre que, em janeiro de 1999, ocorreu na economia brasileira uma grande desvalorização do real frente ao dólar (“efeito samba”) quando o Banco Central abandonou o regime de câmbio fixo, passando a operar pelo câmbio flutuante. O dólar que custava cerca de 1 real dobrou e passou a valer cerca de 2 reais. Com isso, João, que pagava cerca de 10 mil reais de prestação, de uma hora para outra passou a ter que pagar o dobro (por volta de 20 mil reais). 
Diante disso, João ajuizou ação revisional de contrato pedindo a diminuição do valor das prestações. Como fundamento para esse pedido apresentou três argumentos:
1) alegou que era consumidor e, portanto, hipossuficiente na relação jurídica; 
2) afirmou que o contrato poderia ser revisto com fundamento na teoria do rompimento da base objetiva; 
3) por fim, argumentou que, se não fosse acolhida a teoria da base objetiva, poderia ser aplicada no caso a teoria da imprevisão ou a teoria da onerosidade excessiva, permitindo assim a revisão do contrato; 
Vejamos o que decidiu o STJ.
No caso concreto, o médico pode ser considerado consumidor? NÃO. Não há relação de consumo entre o fornecedor de equipamento médico-hospitatar e o médico que firmam contrato de compra e venda de equipamento de ultrassom com cláusula de reserva de domínio e de indexação ao dólar americano na hipótese em que o profissional de saúde tenha adquirido o objeto do contrato para o desempenho de sua atividade econômica. 
Com efeito, consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza, como destinatário final, produto ou serviço oriundo de um fornecedor. Assim, segundo a teoria subjetiva ou finalista, adotada pelo STJ, destinatário final é aquele que ultima a atividade econômica, ou seja, que retira de circulação do mercado o bem ou o serviço para consumi-lo, suprindo uma necessidade ou satisfação própria. Por isso, fala-se em destinatário final econômico (e não apenas fático) do bem ou serviço, haja vista que não basta ao consumidor ser adquirente ou usuário, mas deve haver o rompimento da cadeia econômica com o uso pessoal a impedir, portanto, a reutilização dele no processo produtivo, seja na revenda, no uso profissional, na transformação por meio de beneficiamento ou montagem ou em outra forma indireta. Desse modo, a relação de consumo (consumidor final) não pode ser confundida com relação de insumo (consumidor intermediário).
Na hipótese em foco, não se pode entender que a aquisição do equipamento de ultrassom, utilizado na atividade profissional do médico, tenha ocorrido sob o amparo do CDC.
Obs: não seria o caso de aplicar a teoria finalista mitigada? Penso que sim, contudo, nenhum dos votos sequer aventou essa possibilidade. Assim, no entender do STJ, não há relação de consumo porque o equipamento foi adquirido pelo médico para o desempenho de sua atividade econômica. 
O que é a teoria da base objetiva? O CDC, ao contrário do CC-2002, não adotou a teoria da imprevisão, mas sim uma outra teoria chamada de teoria do rompimento da base objetiva do negócio jurídico, inspirada na doutrina alemã, muito bem desenvolvida por Karl Larenz. Pela teoria da base objetiva, haverá revisão do contrato se um fato superveniente alterou as bases objetivas do ajuste, ou seja, o ambiente econômico inicialmente presente. Não interessa se este fato era previsível ou imprevisível. 
Conforme lição do Professor Leonardo Garcia, podemos fazer as seguintes comparações entre as duas teorias (Direito do Consumidor. Código Comentado e Jurisprudência. 3ª ed., Niterói: Impetus, 2007, p. 39):
Teoria da imprevisão
Teoria da base objetiva do negócio jurídico
Surgida na França, no pós 1ª Guerra.
Surgida na Alemanha, também no pós 1ª Guerra.
É uma teoria subjetiva.
É uma teoria objetiva.
Prevista nos arts. 317 e 478 do CC.
Prevista no art. 6º, V do CDC.
Exige a imprevisibilidade e a extraordinariedade do fato superveniente.
Dispensa a imprevisibilidade e o caráter extraordinário dos fatos supervenientes. Somente exige um fato superveniente que rompa a base objetiva.
Exige a extrema vantagem para o credor.
Não exige esta condição.
	É possível a aplicação da teoria da base objetiva na presente situação? NÃO. A teoria da base objetiva ou da base do negócio jurídico tem sua aplicação restrita às relações jurídicas de consumo, não sendo aplicável às contratuais puramente civis. Como visto no quadro acima, a teoria da base objetiva difere da teoria da imprevisão por prescindir (dispensar) da imprevisibilidade de fato que determine oneração excessiva de um dos contratantes. 
Conforme está expresso no art. 6°, V, do CDC, para que seja possível a postulação da revisão ou resolução do contrato basta a superveniência de fato que determine desequilíbrio na relação contratual diferida ou continuada. Em palavras simples, não se exige que o fato seja imprevisível ou extraordinário para se aplicar a teoria da base objetiva, sendo necessária apenas a modificação nas circunstâncias indispensáveis que existiam no momento da celebração do negócio, ensejando onerosidade ou desproporção para uma das partes. Com efeito, a teoria da base objetiva tem por pressuposto a premissa de que a celebração de um contrato ocorre mediante consideração de determinadas circunstâncias, as quais, se modificadas no curso da relação contratual, determinam, por sua vez, consequências diversas daquelas inicialmente estabelecidas, com repercussão direta no equilíbrio das obrigações pactuadas. A teoria da base objetiva, por dispensar o requisito de imprevisibilidade, foi acolhida em nosso ordenamento apenas para as relações de consumo, que demandam especial proteção. Não se admite a sua aplicação para relações de direito civil, como a que foi construída entre o médico e a empresa que vendeu o aparelho.
Por último: é possível acolher o pedido do médico para a revisão do contrato com base na teoria da imprevisão e da onerosidade excessiva? NÃO. Tratando-se de relação contratual paritária – a qual não é regida pelas normas consumeristas –, a maxidesvalorização do real em face do dólar americano ocorrida a partir de janeiro de 1999 não autoriza a aplicação da teoria da imprevisão ou da teoria da onerosidade excessiva, com intuito de promover a revisão de cláusula de indexação ao dólar americano.

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