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• • • • • • • • 411 • • • • • o o o o o o o o o o o • • ISBN 85 7 109-2-3 9 • 79857 5 7 • • • • Diana Belém Cari Rogers: do diagnóstico à Aborclascm cntrada N.Cham. 615.851 B428C Autor: Belem, Diana Título: Carl rogers : Do diagnostico a abordagem centrada X. 1111111111111111 i e 10375290 68209 mar É inusitado o encontro de Carl Rogers com a Cultura da Civilização do Nordeste do Brasil. Inusitado como freqüentemente o são os encontros humanos produtivos. Ele tão Norte Americano, da estirpe Nórdica, pelo menos num certo sentido; nós tão Nordestinos Brasileiros, tão Europa do Sul, tão África e Médio Oriente, tão Brasil. Ele um tributário do Humanismo místico Norte Americano, expresso nos discursos de Emerson, por exemplo, tributário da psicanálise existencialista, dos Culturalistas, da psicologia e psicoterapia fenomenológico- existencial. Nós, tateantes nos meandros dos desdobramentos da cultura brasileira, em busca da constituição de uma psicologia e de uma psicoterapia que certamente não poderão calcar-se simplesmente nos moldes desenvolvidos pela psicologia na Europa e nos Estados Unidos... O fato, todavia, é que nos turbilhões dos anos -7 cinqüenta e sessenta, nós fomos até Rogers, e Rogers veio até nós. O resultado do encontro é uma rica contribuição para a psicologia e psicoterapia no Nordeste e no Brasil, contribuição que faz parte efetiva e produtiva da psicologia e da psicoterapia que praticamos e constituímos, e que certamente está ainda longe de fornecer seus melhores frutos. Diana Belém descende das gerações pioneiras na protagonização deste encontro. Das gerações de Lúcio Flávio Campos, por exemplo, que entenderam pioneiramente, em Recife, a importância das sínteses Rogerianas e dispuseram- se a praticá-las e transmiti-las, no universo de nossa psicologia ainda emergente. Carl Rogers, do diagnóstico à Abordagem Centrada na Pessoa, que Diana Belém oferece à comunidade de interessados na ACP, é uma celebração deste encontro de Rogers com a cultura nordestina e brasileira. É uma busca competente para colocar em perspectiva a evolução do pensamento de Rogers, desde os seus primórdios até as suas últimas fases, na segunda metade dos anos oitenta. É assim um instrumento valioso para o prosseguimento, entre nós, de uma avaliação . •. . . : " : : : : desdobramento da Abordagem Centrada na Pessoa, no presente e nos tempos que estão por vir. Afonso Henrique Lisboa da Fonseca Psicólogo BAGAÇO Diana Bekénn RogtPrs: do Diagnóstico à Abordagem Centrada na Posso. Recife — 2000 • • • • • Universidade Catálioe de Pernamteco BIOLIOTECA CENTRAL A03452910 j..03.E000 • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • Carl Rogers: do diagnóstico à Abordagem Centrada na Pessoa Copyright by Diana Belém Diana Maria de Hollanda Belém Rua Alberto Paiva, 192 - Graças - 52050-260 Recife.Pernambuco. Brasil Telefone: (081)2285032, 4276788, 92724893 E-mail: dianamhbelem@yahoo.com Recife. 2000 R724b Belém, Diana Carl Rogers : do diagnóstico à abordagem centrada na pessoa / Diana Belém. - Recife : Bagaço, 2000. 216p. 1. ROGERS, CARL R. (CARL RANSOM), 1902 - 1987 - BIOGRAFIA. 2. PSICOTERAPIA. 3. RELA- ÇÕES HUMANAS. I. Título. ISBN: 85-7409-233-9 C D U 92CARL,R. PeR - BPEPCB C D D 920 Produção Gráfica: EDIÇÕES BAGAÇO Rua dos Arcos, 150 - Poço da Panela ... porque para todo o propósito há tempo e modo. (Eclesiastes, 8.6) • • • • • • • Telefax: (081) 4410132 bagacoeelogica.com.br Impresso no Brasil Aos meus filhos Epitácio e Andréa - expressão maior de criação - Um sentimento de gratidão por: Afonso H. Lisboa da Fonseca laraci Fernandes Advíncula Luiz Carlos uavalcantl da Silva Sumário Prefácio 13 introdução 19 CAPÍTULO 1 CARL RANSOM ROGERS: histórico e contextualização 27 - Vida acadêmica 32 - Contato com a Psicologia 34 - Psicólogo clínico 38 - Universidade de Ohio 41 - Universidade de Chicago 44 - Universidade de Wisconsin 46 - Centro de Estudo da Pessoa - La Jolla 48 Notas Pessoais 51 Referências Bibliograficas 54 CAPÍTULO 2 CARL ROGERS E OTTO RANK 55 - Terapia da Relação 59 - Afinidades de Rogers com a Terapia da Relação 62 - Divergências de Rogers com a Terapia da Relação 65 Referências Bibliográficas 68 CAPÍTULO 3 TERAPIA NÃO-DIRETIVA - 1940/1950 19- Período da Psicoterapia Centrada no Cliente: 69 - O processo terapêutico 75 Referências Bibliográficas 80 CAPÍTULO 8 ABORDAGEM CENTRADA NA PESSOA: Psicoterapia de Grupo, Gupos de Encontro, Grandes Grupos e Comunidades 155 - Grupo e psicoterapia 158 - Grandes grupos 161 - Grupo vivencial 163 - Facilitador e poder 164 - Tipos de grupos 166 - Referências bibliográficas 168 CAPÍTULO 9 CARL ROGERS: Memorial Histórico e Contextualização por Marisa Amorim Sampaio 169 • BIBLIOGRAFIA 211 • CAPÍTULO 4 PSICOTERAPIA REFLEXIVA — 1950/1957 22 Período da Psicoterapia Centrada no Cliente: 81 - A técnica 84 - O terapeuta 86 - As condições facilitadoras 92 - O processo terapêutico 94 - Referências bibliográficas 97 CAPÍTULO 5 CONSTRUÇÃO TEÓRICA — 1950/1957 99 - Uma teoria da personalidade 102 - Conceito de vida plena 110 - Referências Bibliográficas 115 CAPÍTULO 6 PSICOTERAPIA EXPERIENCIAL — 1957... O 32 Período da Psicoterapia Centrada no Cliente: 117 - O processo terapêutico 129 - O quarto período da Psicoterapia Centrada no Cliente 136 - Referências bibliográficas 140 CAPÍTULO 7 ENSINO CENTRADO NO ALUNO: Uma Aprendizagem Significativa 141 - A aprendizagem significativa 147 149 e • • • • • • • • • e e e e - A teoria da aprendizagem 151 - O ensino centrado no aluno 152 - Referências bibliográficas 154 II ! • 0 1 - . ) - ) 1 .--) 3 ") ) 3 ) ) 3 3 3 3 3 3 3 J 3 J 3; 3 U • • it • ' - • 1 1 • • PREFÁCE0 Toda vida implica numa história que dá sentido àquela existência. Resgatar essa história é possibili- tar a compreensão e os sentidos daquela vida. Quan- do esta tarefa é feita não só com o intuito de conhecer a história de alguém, mas, também, de beneficiar com este conhecimento a vida e a história de muitos ou- tros, é digna de admiração e respeito. A psicóloga, psicoterapeuta e professora Diana Belém, ao escrever este livro sobre Carl Rogers e a trajetória do seu pensamento, cumpre significativamen- te esse trabalho. Com uma vocação ímpar para o en- sino e um cuidado especial na elaboração das suas aulas, Diana Belém preparou uma apurada e didática pesquisa da biografia e da obra de Rogers, ensejando melhor o seu entendimento e aprofundamento. Colo- ca à disposição de seus alunos, e para muitos outros interessados em conhecer esse autor, um - texto claro e conciso. Construir com precisão suas aulas, comu- nicá-las com vivacidade e ser um modelo de firmeza e dedicação, são exemplos coerentes de quem faz do • • • • Diana Maria de Hollanda Belém • • seu ofício de ensinar um espaço para o desenvolvi- mento humano. • Nesta oportunidade, por indeclinável dever, como • profissional, também formada, dentro desta corrente • de pensamento, e por ter partilhado com Diana Belém • muitos doscaminhos comuns, e de ter nela urna com- panheira na luta pela vida e pelo brilho em viver, que- . ro registrar que muito me orgulho de prefaciar este • livro. Do seu conteúdo fluído e da sua leitura fácil, re- • correndo a imagens de grande poder evocativo sobre • Rogers, o livro traz a lume, somando-se a estudiosos • precedentes, a figura desse homem que avanç no • caminho por ter se tornado, ele mesmo, o caminho. Reconheço em Rogers uma fundamental influência no • desenvolvimento da minha capacidade de acolher o II outro na sua singularidade. Acredito ser esta a maior • contribuição que dele recebi, participando das experi- ências desenvolvidas com inspiração nos seus princí- pios teóricos. E, é este o maior legado na minha for- • mação de psicoterapeuta, professora e ser humano, • que ensejou criar possibilidades múltiplas, nas minhas • relações comigo mesmo e com os demais. • Cari Rogers foi, ao longo de toda uma existência • dedicada às práticas clínicas, às pesquisas e ao favo- recimento das relações hurrianas, um autor singular. • Apostou, permanentemente, na capacidade do ser • humano de expandir as, suas possibilidades experien- • ciais criando novos mOdos de existência. Acreditava • que para o favorecimento desta expansão eram ne- cessárias e suficientes mudanças atitudinais. Foi, en- • tão, com ênfase nas atitudes que sublinhavam o reco- la e • nhecimento do outro e no clima facilitador para aqu • expansão, que Rogers pautou todo o seu trabalho. • Mostrou ele que a grande carência do ser humano é Cari Rogers: do Diagnóstico à Abordagem Centrada na Pessoa ser visto e reconhecido como digno de confiança e respeito. Ser reconhecido como um outro e ser confir- mado nas suas diferenças seriam suficientes para possibilitar, ao sujeito humano, o desenvolvimento da responsabilidade de autogerir-se. Destacar esta ques- tão foi fundamental na época em que Rogers a pôs em prática, rompendo com a tradição de determina- das visões psicanalítica e behaviorista predominan- tes. A perspectiva humanista, ao privilegiar o interre- lacionamento, buscava resgatar o modo de ser pró- prio do humano, visando um saber mais abrangente do que unicamente o saber teórico, objetivo e lógico. As contribuições rogerianas para o entendimen- to e favorecimento das relações humanas somaram- se a outras, que ao longo de décadas colaboraram para permear idéias e promover mudanças que, acres- cidos a numerosos acontecimentos existenciais de- sembocaram no cenário subjetivo contemporâneo. Acompanhar o percurso da vida de Rogers e das suas elaborações dá-nos bem a medida de alguém que pautou toda a sua existência na crença de que a mudança era a única coisa certa. A vida é um proces- so, ensinava ele, não só dizendo, mas praticando e vivendo este processo, sempre aberto aos novos fa- tos que o exercício da prática apontava às suas cons- truções teóricas. No entanto, como todo ser humano, ficou circunscrito e influenciado pelo tempo histórico em que viveu. Como todo pensador dos Séculos XIX e XX, Rogers é filho dos ideais da Modernidade que colocam o homem no centro do universo como senhor absoluto, sem limites à pretensão de tudo conhecer. No despontar do novo século, deparamo-nos com no- vas configurações que denunciam a falência destas crenças. Na última década da sua vida, ao partir para • Diana Maria de Hollanda Belém os trabalhos com grandes grupos, em experiências intensivas de uma ou duas semanas, Rogers come- çou a descortinar um mundo de múltiplos e comple- xos fenômenos. Os seus últimos escritos são revela- dores da gênese de novas reflexões. Fatos novos es- tavam pondo questões à teoria. Infelizmente, contu- do, não houve tempo para Rogers elaborar construtor que dessem conta desses novos elementos. ro- Autores contemporâneos indicam-nos que o p cesso da vida implica na não identidade consigo mes- mo, pois a aventura existencial determina a diferença ou o outro de si mesmo, ao mesmo tempo que contém o reconhecimento da tradição que nos garante a per- manência, o lado avesso, fundamental e fundante des- se mesmo processo. Ser o outro de si mesmo e co u- n- servar os traços identitários, parece-nos, hoje, a leit ra própria da subjetividade e a aprendizagem essen- cial do ser humano. Aprender, principalmente, as lógi- cas da inclusão e do múltiplo, onde não existem um ou outro, mas todos e muitos. Das primícias do livro de Diana Belém, onde tão bem podemos perceber a permanente inquietação de Cari Rogers de sempre buscar novos conhementosdos , cumpre-nos fazer,¡ma esse legado. No destino herdeiros não cabe, simplesmente, a repetição dos pas- sos de quem se herdou, más a coragem de se fazer diferente e de fazer diferente para que a obra continue. Reconhecer o legado da tradição é reconhecer as estruturas básicas que nos sustentam e que cri ou-am as chances para o acolhimento de pensamentos tros que nem kfansformam sem causar destruiçãoivo. O livro de Diana Belém contempla este objet INTRODUÇÃO rtecne, laraci Advincula Psicóloga 18 Enquanto estudante de Psicologia, através das aulas de Aconselhamento Psicológico, ministradas pelo Prof. Lúcio Flávio Campos, tive meu primeiro con- tato com o pensamento de Carl Rogers. O respeito e a crença na capacidade do indivíduo e a simplicidade com que o Prof. Campos apresentava os conceitos rogerianos me fizeram acreditar na possibilidade de me tornar psicoterapeuta. Neste primeiro contato com as idéias de Rogers, um novo paradigma me foi apresentado e "que uma mudança construtiva da personalida- de poderia decorrer de um encontro autêntico entre duas pessoas vivas, extremamente presen- tes uma para a outra, quando uma delas — o te- rapeuta — se dispunha, através de toda a sua pessoa, a facilitar um processo de autodescober- ta da outra" (Rosemberg, 1975, p. 163). 21 Diana Maria de Hoilanda Belém Desenvolvia, simultaneamente, nesse período, a atividade de monitoria nas disciplinas Psicologia Ex- perimental e Psicologia da Aprendizagem, nas quais critérios rigorosos de medição e controle eram essen- ciais e eram reforçados por métodos rigorosos e dog- máticos aprendidos no academicismo da Psicologia. Ao mesmo tempo, era difícil reconhecer e adotar o determinismo da Psicanálise e o caráter reducionis- ta do Behaviorismo. O que eu entendia e podia com- preender e apreender destes paradigmas não me da- vam conta da dimensão humana real — a que huma- namente me reconhecia. No desenvolvimento das atividades como profes- sora da Universidade Federal de Pernambuco, sendo responsável pelas disciplinas Aconselhamento Psico- lógico e Supervisora de Estágio na perspectiva Exis- tencial Fenomenológica senti falta de uma epistemo- logia consistente que legitimasse os conceitos e con- teúdos trabalhados. Comecei a buscar — através da leitura dos livros de Cari Rogers, de bibliografia especializada, de dis- cussões com profissionais da área, de participação nos Encontros da Abordagem Centrada na Pessoa, de Cursos de Pós-Graduação, Aperfeiçoamento e Espe- cialização, de experiências e contato com o próprio Carl Rogers — uma epistemologia que pudesse ser reconhecida, valorizada e respeitada, que apresentas- se credibilidade científica. Destas buscas surge este trabalho que, de for- tudo sobre a evolu- Cari Rogers: do Diagnóstico à Abordagem Centrada na Pessoa Apresenta histórico e contextualização da obra de Carl Rogers, seguido dos períodos de desenvolvi- mento da Psicoterapia Centrada no Cliente, o traba- lho desenvolvido na Educação, em Grupos e Comuni- dades, surgindo daí a Abordagem Centrada na Pes-soa. A Abordagem Centrada na Pessoa surgiu como resultado da transposição da hipótese de base da teo- ria de Rogers, "O ser humano possui a capacidade latente, se não manifesta, de se compreender a si mesmo e de resolver suficientemente seus problemas a fim de experimentar a satisfação e a eficácia necessárias ao funcionamento adequado" (Jus- to, 1995) e das condições facilitadoras consideradas no proces- so terapêutico para trabalhos com grupos, educação e comunidade. Cari Rogers, no primeiro momento, desenvolveu a Psicoterapia Não-Diretiva (1940-1950), na qual o processo terapêutico consistia em um processo orde- nado e sujeito à análise científica, constituído por três momentos: a catarse, a aquisição do insight e a ela- boração de ações positivas que levariam o cliente a uma maior autonomia. A função do terapeuta consis- tia em criar um clima permissivo de aceitação e clarifi- cação. Objetivava o alcance gradual do insight do self e da situação. A publicação que caracterizou este pe- • • • • • • • • • • • • ção do pensamento de Cari Rogers, do Diagnos ibu Abordagem Centrada na Pessoa. 1942. 23 22 Diana Maria de Hollanda Belém O segundo período (1950-1957) - a Psicoterapia Reflexiva caracterizou-se pela crença na capacidade do indivíduo de auto-regular-se, valorização das atitu- des de consideração positiva incondicional, empatia e congruência vividas pelo terapeuta no momento da relação em detrimento da técnica. A clarificação ver- bal foi substituída pela reflexão dos sentimentos e a denominação de Psicoterapia Não-Diretiva é substitu- ída pela expressão Psicoterapia Centrada no Cliente, significando que o cliente seria o foco do processo. Neste período, considerado como o período de maior produção teórica, foram elaborados os concei- tos de "self" e "campo fenomenológico", e o processo terapêutico é reconhecido a partir de uma "perspectiva quase exclusivamente fenomenoló- gica, a partir do marco de referência interna do cliente" (Rogers, 1961, pág. 108). A publicação que caracterizou este período foi Terapia Centrada no Cliente de 1951. No terceiro período (1957-1970) - a Psicoterapia Experiencial, o processo terapêutico passou a ser con- ceituado como um "continuum", significando um movi- mento que vai da rigidez à mudança, da rigidez à flui- dez do self. Elaboraram-se as fases do processo, a ênfase era na relação interpessoal e na compreensão de uma concepção existencial do processo. Esta psi- coterapia passou a ser utilizada com qualquer tipo de cliente. Neste período, desenvolveram-se experiênci- as com esquizofrênicos dentro da perspectiva existen- cial e deu-se ênfase à subjetividade do cliente - con- Carl Ra ers. do Dia nostico à Aborda em Centrada na Pessoa gruência. Hart apontou como foco do processo as for- mas de experimentação, entendidas sob a luz do con- ceito de Gendlin, como um processo sentido, experi- mentado interiormente, constituindo a matéria básica dos fenômenos psicológicos e da personalidade. A psicoterapia caracterizou-se por um encontro autenti- camente pessoal. A publicação que caracterizou este período foi Tornar-se essoe de 1961 Existem referências a uma quarta fase da psico- terapia, que compreenderia o período de 1970 a 1987. Quando da estada de Rogers em Chicago, sur- giu a necessidade de desenvolver um trabalho com retornados da guerra. Em função da demanda e da existência de poucos terapeutas, utilizaram-se as con- dições facilitadoras vivenciadas na psicoterapia indi- vidual e no trabalho com grupos. Começou-se tam- bém a aplicar os princípios da Terapia Centrada no Cliente, na educação e posteriormente em comunida- des. Com a teoria da terapia sendo aplicada em ou- tras áreas, além da psicoterapia, surgiu a Abordagem Centrada no Cliente, denominação de Rogers que, em 1970, era substituída por Abordagem Centrada na Pessoa - ACP. Recife, abril de 2000 24 25 CAPITULO I ÇAFIL RANSOM ROGR: Histórico e Contexturdização P Carl Ransom Rogers nasceu a 8 de janeiro de 1902, em Oak Park, Chicago, EUA, sendo o quarto filho de uma abastada família de fazendeiros. Seu pai era engenheiro agrônomo e sua mãe uma pessoa com forte influência religiosa do protestantismo. Seu pai praticava a religião, assistia aos ofícios, mas com menos crença e fervor religioso que sua mãe. Quando Rogers estava com 12 anos de idade, seus pais compraram uma fazenda distante 30 milhas de Chicago. Rogers acreditava que o principal motivo desta compra foi o desejo de seus pais em afastar a familia da vida urbana, tendo como conseqüência um grande isolamento social. Esta mudança ampliou o isolamento do já retraído Rogers, que dedicava a mai- or parte do seu tempo à leitura, e foi agravado pela necessidade de ter de mudar de escola três vezes, fato que o impediu de desenvolver relações de amiza- de mais duradouras. Seus pais amavam muito seus 29 • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • Diana Maria de Hollanda Belém filhos e a família era muito unida. Apesar disso, Ro- gers sentia ciúmes das atenções excessivas que seus pais dedicavam a um de seus irmãos, a ponto de sen- tir-se como um filho adotado. Sentia uma grande ad- miração por seu irmão mais velho e mantinha boas relações com os mais novos. Aprendeu a ler precocemente. A leitura lhe dava grande prazer. Gostava de ler, além da História, a Bíblia, história de índios e dos grandes desbravadores. Carac- terizou-se como uma criança muito distraída, absorto em seu mundo, o que lhe valeu na escola o apelido de "Pro- fessor Luna". Seus pais passaram a se preocupar com o seu isolamento e solicitaram da escola uma licença para que Rogers pudesse viajar com seu pai, por três sema- nas, a Nova Orleans, Virgínia e Nova York. "Fui educado por uma família extremamente uni- da onde reinava uma atmosfera religiosa e mo- ral estrita e inteligente, e que tinha um verdadei- ro culto pelo valor do trabalho. Os meus pais ti- nham-nos um grande afeto e o nosso bem-estar era para eles uma preocupação constante. Con- trolavam também o nosso comportamento, de uma maneira ao mesmo tempo sutil e afetuosa. Eles consideravam — e eu aceitava essa idéia — que nós éramos diferentes das outras pessoas... Tive uma enorme dificuldade em convencer os meus filhos de que, para mim, mesmo as bebi- das não alcoólicas tinham um aroma de pecado. Lembro-me de meu sentimento de culpa quando ebr ci rnuiha ptimetta (Rogers, — p. 17). 30 Cari Rogers: do Diagnóstico à Abordagem Centrada na Pessoa Sua vida no campo despertou nele interesse ci- entífico. Gostava de observar as formas de vida dos animais, notadamente das borboletas. Rogers acredi- tava que esta sua vivência influenciou seu trabalho futuro. "Fiquei fascinado pelas grandes borboletas no- turnas. Capturava com muito trabalho as bor- boletas, cuidava das larvas, conservava os ca- sulos... experimentando assim algumas das alegrias e das frustrações do homem da ciên- cia quando procurava observar a natureza, aprendendo como se orientam as experiênci- as, como se comparam grupos de controle com grupos experimentais, como se tornam cons- tantes as condições, variando os processos, para se estabelecer a influência de uma deter- minada alimentação na produção de carne ou na produção de leite. Aprendi como é difícil verificar uma hipótese. Adquiri, deste modo, o conhecimento e o respeito pelos métodos ci- entíficos através dos trabalhos práticos - (Ro- gers, 1961, p. 18). Confrontava suas experiências com o que apren- dia nos livros de seu pai. Foi excelente aluno, mas sem nenhuma experiência no tratosocial. Ao concluir o High School, seu pai o mandou tra- balhar em uma fazenda de seu tio. Nesta época, leu Victor Hugo, Dickens, Ruskin, Robert Stevenson e ou-troo, 31 Diana Maria de Hoilanda Belém VIDA ACADÊMICA Em 1919, ingressou na Universidade de Wiscon- sin para desenvolver seus estudos do "coilege". Esta- va decidido a estudar agronomia. "Uma das coisas de que me lembro melhor era a veemência de um professor de agronomia, quan- do se referia ao estudo e à aplicação dos fatos. Ele insistia na futilidade de um conhecimento enciclopédico em si mesmo e concluía: 'Não se- jam um vagão de munições, sejam uma espin- garda!' (Rogers, 1961 — p.18) Nesse período, participou de palestras e confe- rências organizadas por um movimento religioso que tinha como objetivo evangelizar o mundo - o "Student Volunteers". Freqüentou, como atividade extracurricu- lar, um grupo da Associação Cristã de Jovens, deno- minado "Ag-Triangle", constituído por estudantes de Agronomia e liderado pelo prof. George Humphrey. Esse grupo caracterizava-se pela autonomia das pes- soas, com o que, de início, Rogers não concordava, mas que terminou aceitando. Quando cursava o 3° ano do "college", em 1921, Rogers foi nomeado delegado representante para as- sistir a "World Student Christian Federation Conferen- ce", na China, em 1922. Nesse período, entrou em contato com opiniões e maneiras de perceber o mun- do diferentes. Sobre esse período Rogers afirmou: 32 Cari Ro ers: do Diagnóstico à Aborda em Centrada na Pessoa "Emancipei-me pela primeira vez da atitude reli- giosa dos meus pais e vi que já não os podia seguir. Esta independência de pensamento pro- vocou um grande desgosto e grandes tensões nas nossas relações, mas, vistas as coisas à dis- tância, compreendi que foi nesse momento, mais do que qualquer outro, que me tornei uma pes- soa independente. É claro que havia muita re- volta e rebelião na minha atitude durante todo este período, mas a ruptura essencial ocorreu durante os seis meses da minha viagem pelo Oriente e, a partir de então, essa atitude confir- mou-se fora da influência familiar" (Rogers, 1961 — p. 19). Influenciado por suas experiências religiosas, abandonou a Agronomia e passou a estudar História com a intenção de se fazer pastor. Decidiu entrar no "Union Theological Seminary", em Nova York. Entrou no "Alpha Kappa Lambda, apesar da oposição de seus pais, e conheceu historiadores como Carl Russell, George Sellery e Eugene Byrne, que Rogers cita como tendo exercido influências sobre si. "Durante os meus dois primeiros anos de colé- gio alterou-se a minha vocação profissional em conseqüência de algumas muito apaixonadas reuniões de estudantes, sobre religiões — desisti da agricultura científica a favor do sacerdócio — uma pequena mudança! Transferi-me então da aaricultura para história, julgando que esta seria uma melhor preparação" (Rogers, 1961 p. 18). 33 Diana Maria de Hollanda Belém CONTATO COM A PSICOLOGIA Rogers foi acometido por uma crise de úlcera no duodeno, mal de que ele padecia desde os 15 anos de idade, tendo suspendido suas atividades para submeter-se ao tratamento e, nesse tempo, co- meçou a acompanhar um curso de Introdução à Psi- cologia, por correspondência, ministrado pela Uni- versidade de Wisconsin. Os_textos eram de Williãm James, sendo este o seu primeiro contato com a Psi- cologia. Graduou-se em História, em 1924, e em 28 de agosto desse mesmo ano, casou-se, contra a von- tade dos pais, com Helen, que ele conhecia desde criança em Oak Park. Transferiu-se para Nova York e decidiu seguir a vida religiosa. Ingressou no "Union Theological Se- minary", que era considerado o mais liberal, recu- sando a ajuda que seus pais ofereceram para que ele ingressasse no "Princeton Seminary", que era da preferência deles. Viveu no seminário experiên- cias muito boas por conta do ambiente de liberdade e compreensão que caracterizava aquela instituição. Sentia respeito pelo diretor; a religião era mais libe- ral e moderna e ali Rogers viveu pela primeira vez a não-diretividade. Ele conseguiu autorização da di- reção do seminário para que os próprios estudan- tes organizassem grupos de trabalho, nos quais eles mesmos, sem professor, elaboraram seus progra- mas de estua" atenderá dividuais. 34 Cari Rogers: do Diagnóstico à Abordagem Centrada na Pessoa "Decidi entrar no "Union Theological Seminary", nesse tempo o colégio mais liberal do país (1924) com o objetivo de me preparar para uma missão religiosa. Nunca me arrependi dos dois anos que aí passei. Estive em contato com alguns gran- des mestres e professores que tinham uma pro- funda crença na liberdade de investigação e na busca da verdade levasse ela onde levasse... o que principalmente nos interessava era explorar as nossas próprias questões e as nossas própri- as dúvidas e descobrir onde isso nos levava... ele me conduziu para uma filosofia da vida que me era muito pessoal". (Rogers, 1961. p. 19) Em 1925, mudou-se para Vermont, onde assu- miu, como estagiário, a função de pastor. No seminá- rio, começou a freqüentar cursos de Psicologia e an- tes de abandonar a carreira eclesiástica, freqüentou cursos ministrados por W. H. Kilpatrick, sobre Filoso- fia da Educação, passando a conhecer as idéias de John Dewey. Em 1926, transferiu-se para o Teachers College e deixou a carreira religiosa. "A maior parte dos membros do referido grupo, prosseguindo o caminho traçado pelas ques- tões que levantaram, puseram de lado a idéia de uma vocação religiosa. Eu fui um deles. (...) não poderia trabalhar no campo marcado por uma doutrina religiosa específica em que de- via acreditar. As mírthãs"?renças já tinham so- rcntTcraas alterações e, possivelmente, continuariam a mudar. Tornava-se para mim 35 • Diana Maria de Hollanda Belém algo de horrível ter de professar um certo nú- mero de crenças para me poder manter na pro- fissão. Eu queria encontrar um campo no qual pudesse estar seguro de que a minha liberda- de de pensamento não sofreria restrições" (Ro- gers, 1961, p. 20). Sob a orientação de Leta Hollingworth, uma es- pecialista em Psicologia Clínica, começou a trabalhar com crianças difíceis e, a partir daí, pensando em ser Psicólogo Clínico, dedicou-se à Psicologia Clínica e Educacional. Em 1927, graduou-se em "Master of Arts". Em 1928, recebeu o título de PhD em Psicologia Clíni- ca pela Universidade de Columbia, na qual foi discí- pulo, além de Leta Hollingworth, de Thorndike e Goo- dwin Watson. Ainda sem terminar sua tese de douto- rado no Teachers College, Rogers inscreveu-se para um estágio remunerado, como psicólogo, no "Institute for Child Guidance", de Nova York. Este instituto era mantido pelo governo e tinha como objetivo desenvol- ver pesquisas sobre o trabalho clínico com crianças difíceis. Conseguiu o estágio. O estágio era supervisi- onado e ele, além de ter desenvolvido uma aprendiza- gem sobre psicodiagnóstico, anamnese e psicotera- pia infantil, entrou em contato com a teoria de Freud, diferente do "ponto de vista rigoroso, cientifico, friamente ob- jetivo e estático" (La Puente, 1973, p. 39), do Teachers College. Cari Rogers: do Diagnóstico à Abordagem Centrada na Pessoa "... mergulhou-me nas perspectivas dinâmicas de Freud, que me pareciam em profundo conflito com as perspectivas estatísticas, rigorosas, ci- entíficas e absolutamente objetivas, perspectivas que prevaleciam na Escola Normal. Olhando para o passado, julgo que a necessidade de resolver esse conflito em mim mesmo foi uma experiên- cia extremamente valiosa. Nesse tempo tinha a impressão de viver em dois mundos diferentes e nunca os dois se irão encontrar" (Rogers, 1961, p. 21). Nesta instituição, entrou em contato com oscon- ceitos freudianos, radicalmente opostos aos pressu- postos behavioristas e ao paradigma do modelo posi- tivista, até então seguidos por ele. Começa o dilema Filosofia x Ciência. Rogers afirmou: "A mudança no novo Instituto para a orientação infantil põe a ênfase em um freudismo eclético, contrastando tanto com o enfoque do Teachers College, que não parecia existir nenhum ponto de contato. Experimentei agudamente a tensão entre estas duas concepções" (Gondra, 1975, p. 22). Este dilema da polaridade Filosofia/Ciência es- teve presente em vários momentos, tendo como pri- meira referência sua tese de doutorado. 36 37 Diana Maria de Hollanda Belém Carl Rogers: do Diagnóstico à Abordagem Centrada na Pessoa 1 • • • • • • e • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • PSICÓLOGO CLÍNICO Em 1928, estabeleceu-se como psicólogo clíni- co no "Child Study Departament of the Society of the Prevention of Cruelty to Children", de Rochester, que era uma sociedade protetora da infância e trabalhava com crianças enviadas por tribunais e serviços soci- ais. Prestava atendimento a jovens delinqüentes por meio de terapia breve e realizava encaminhamentos. Em 1930, é nomeado diretor dessa instituição. "Quando me lembro que aceitei este lugar não posso deixar de me sentir divertido e algo es- pantado. A razão que me alegrava era a de ter encontrado um trabalho que eu gostaria de fa- zer. Segundo um critério de bom-senso era uma profissão sem saída, que me isolava de todo con- tato profissional, o ordenado era insuficiente, mesmo para aquela época, mas tudo isso, se bem me recordo, não me afetava grandemente. Julgo que sempre pensei que, se me fosse dada uma oportunidade de fazer uma coisa em que esti- vesse interessado, todo o resto se resolveria por si mesmo" (Rogers, 1961, p. 21). Nesse período, o pragmatismo caracterizava o trabalho de Rogers. A ele interessava saber se o que fazia funcionava. Em sua formação no Teachers Col- =MIT= L' Fel A••TML..".1112t3.-'411=11"•" em outras formas de avaliação. No processo de de- 38 senvolvimento de seu trabalho foi ficando insatisfeito pois "não conseguia aceitar a parcialidade das avali- ações feitas segundo determinadas escolas de psicologia ou modelos sociológicos" (Cury, 1993, p. 15). Considerava os métodos utilizados tendencio- sos. Com relação à Psicanálise, apesar de reconhe- cer a contribuição de Freud para a Psicologia, Rogers discordava em função da ênfase dada ao passado do cliente em detrimento das vivências atuais. Ele criti- cou o seu uso em instituições por ser um processo longo e oneroso e criticou os psicanalistas por "não se mostrarem favoráveis a investigar seu método de trabalho através de pesquisas e ava- liações" (Cury, 1993, p. 15). "Já sabia por experiência própria que este gêne- ro de entrevista não podia ajudar nem a mãe nem a criança de uma forma duradoura. Isso levou- me a compreender que me afastava de todo o método coercivo ou de pressão nas relações clí- nicas, não por razões filosóficas, mas porque esses métodos de aproximação só muito super- ficialmente poderiam ser eficazes... só mais tar- de me apercebi completamente — de que é o pró- prio paciente que sabe aquilo de que sofre, em que direção se deve ir, quais os problemas que eIVITA7IT."11/~1" • •n• kW MI fir. is • 111•111IIIIM mente recalcadas. Comecei a compreender que 39 Diana Maria de Hollanda Belém para fazer algo mais do que demonstrar a pró- pria clarividência e a minha a sabedoria, o me- lhor era deixar ao paciente a direção do movi- mento no processo terapêutico" (Rogers, 1961, p. 23) Em 1937, as agências sociais de Rochester cria- ram o "Rochester Guidance Center" e Rogers foi no- meado seu diretor, apesar da forte oposição dos psi- quiatras. Neste Centro, recebeu a visita de Otto Rank, um dissidente do Círculo de Viena, que estava nos Estados Unidos, na "Pennsylvania School of Social Work", na qual era responsável pela formação de as- sistentes sociais. Rank foi convidado para um semi- nário e Rogers ficou impressionado com sua prática terapêutica, mais que com sua teoria. A ênfase dada por Rank era à relação terapêutica "como meio para que o paciente experimentas- se uma aceitação maior de sua própria unicida- de" (Cury, 1993, p. 15). Alguns colaboradores de Rogers, interessados no trabalho de Otto Rank, foram fazer cursos no "Pennsylvania School of Social Work", de orientação rankiana. Em Rochester, Rogers desenvolveu a ativi- dade de terapeuta e foi professor na universidade. Começou a apresentar sua teoria sobre a psico- terapia; que por ser original sofreu severas críticas. A direção da universidade não ficou satisfeita com seus cursos, pois, segundo seus argumentos, o que Rogers estava ensinando não era Psicologia. Nesta época, 40 Cari Rogers: do Diagnóstico à Abordagem Centrada na Pessoa Rogers participou de reuniões no American Psycholo- gical Association, que organizava conferências sobre o processo de aprendizagem. A ênfase era na apren- dizagem animal e isto é que era considerado Psicolo- gia. Rogers começou a ter dúvidas e passou a questi- onar sua profissão de psicólogo. Uma coisa lhe era clara: seguir seus próprios interesses. Retomou suas atividades de psicólogo na Fundação da "American Association for Applied Psychology", reativando seus cursos de Psicologia no Departamento de Psicologia e depois no departamento de Educação. Ainda em Rochester, Rogers fundou o "Guidance Center", de natureza privada e, em 1939, como resultado de seu trabalho, publicou seu primeiro livro: "The Clinicai Tre- atment of the Problem Child". UNWERSBDADE DE OHiO Em 1940, aceitou o convite para ser professor da Universidade de Ohio. Rogers acreditou que esse convite deveu-se à publicação de seu livro. "Tenho a certeza de que a única razão de minha admissão foi ter publicada a minha obra Clinica/ Treatment of the Problem Child que elaborara a custo durante o período de férias ou em curtos feriados. Para surpresa minha, e contrariamente à minha expectativa, ofereceram-me um lugar de 41 • - • Diana Maria de Hollanda Belém Cari Rogers: do Diagnóstico à Abordagem Centrada na Pessoa professor efetivo... senti-me muitas vezes agra- decido por não ter sofrido o processo de compe- tição, freqüentemente humilhante, de promoção grau a grau nas faculdades onde as pessoas tan- tas vezes se limitam a aprender uma única lição — a de não mostrarem muito o que são" (Rogers, 1961, p. 25). Lamentou deixar o cargo de diretor do "Roches- ter Guidance Center" e mudou-se para Columbus, no Estado de Ohio. Em dezembro de 1940, proferiu uma conferên- cia na Universidade de Minessota para uma Socieda- de de Psicologia - Psi Chi -, onde apresentou suas idéias e considerou esse momento como o nascimen- to da Terapia Centrada no Cliente. Nessa ocasião Rogers afirmou: "O objetivo desta nova terapia não consiste em solucionar qualquer problema, em particular, mas sim auxiliar o indivíduo a crescer, a fim de que possa lidar com o problema atual, bem como os que vierem, de forma integrada" (Cury, 1993, p. 18). "Quando procurei formular algumas dessas idéi- as e as apresentei, deparei com reações extra- ordinariamente fortes. Foi a minha primeira ex- periência do fato de ser possível que uma das minhas idéias, que a mim me parecia brilhante e . . ijeWilfriilifi-~1/W•111.2.1.. 2.1•11C1 me encontrar no centro da críticas, dos argumen- tos a favor e contra, desorientou-me e fez-me duvidar e pôr questões a mim mesmo. Todavia, pensava que tinha alguma coisa a dizer e redigi o manuscrito de Counseling and Psychotherapy, descrevendo o que, dealguma maneira, me pa- recia ser uma orientação mais eficaz da Terapia" (Rogers, 1961, p. 25). Esta conferência, mesmo que muito criticada, tornou-se o segundo capítulo de sua segunda publi- cação: "Counseling and Psychoterapy", de 1942. Apresentou a nova terapêutica e a primeira transcri- ção de uma entrevista terapêutica registrada em mag- netofone. O êxito comercial foi enorme. Desenvolveu cursos de formação de terapeutas, cuja procura pe- los estudantes foi muito grande. Passou a orientar teses e seminários, sendo o primeiro psicoterapeuta a oferecer formação prática em psicoterapia para es- tudantes. "Nem Freud, nem outro algum", disse Rogers orgulhoso, "introduziu e praticou o aconselhamen- to e a psicoterapia; nós fomos os primeiros a dar uma formação prática aos estudantes de Psico- terapia" (La Puente. 1973, p. 42). Em 1943, foi eleito presidente da "American Psychological Association"; exerceu a função de editor do "Journal of Counsulting Psychology" e de editor as- 17 ziereirãietemat~wieilizieerds.,-iieictencovaWisieteiunifiet~irãaeill ti; afl para outrem uma grande ameaça. E o fato de período difícil no campo da evolução da Psicologia. 42 4 43 Diana Maria de Hollanda Belém Havia problemas no processo de formação de terapeu- tas, tensão entre a Psicologia e a Psiquiatria na "Ameri- can Board of Examiners in Professional Psychology". UMVERS1 1 ADE DE CMCAGO Em 1945, Rogers foi convidado peia Universida- de de Chicago para ensinar Psicologia e formar um centro de "counselling". Permaneceu em Chicago até 1957. Este período vivido em Chicago caracterizou- se como sendo o de maior produção científica, quanto à elaboração de teorias e publicações. Sugeriu novos métodos educacionais e realizou grande número de investigações. Foi uma época de grande criatividade. Colaborou e orientou cerca de 30 teses para o grau de PhD em Psicologia, além das de mestrado. Em 1951, publicou "Client Centered Therapy", no qual "desde o prefácio baseia suas hipóteses sobre a relação terapêutica em observações de suas pró- prias experiências subjetivas ao estar em intera- ção com o cliente" (Cuiy. 1993, p. 19). Apresentou de forma sistemática suas idéias. Elaborou a Teoria da Terapia, publicada por Sigmund Koch, em 1959. A nível administrativo, Rogers, em suas gestões, acreditou e aplicou os prinrípios de confian- ça na capacidade do indivíduo de se auto-gerir. Como 44 Cari Ro ers: do Dia nóstico à Aborda em Centrada na Pessoa professor, foi fiel a sua hipótese de base de que não se pode ensinar nada diretamente; só se pode facilitar a aprendizagem. Começou a aplicar os princípios da Terapia Centrada no Cliente em sala de aula. Traba- lhou com pequenos grupos, desenvolveu um clima de liberdade, o que suscitou o interesse de seus alunos. Publicou, com a colaboração de seu staff, em 1954, o livro "Psychoterapy and Personality Change". Passou a ser reconhecido no Centro de Aconselhamento da Universidade de Chicago, incomodando ao Departa- mento de Psiquiatria da Escola de Medicina desta Universidade, passando então a ser alvo de críticas dos médicos que dirigiam o "Billings Hospital". Em sua biografia, Rogers se referiu a períodos de crise sobre o seu fracasso terapêutico no tratamento de uma paciente portadora de esquizofrenia. À medi- da que o distúrbio se agravava, Rogers começou a fragilizar-se e pediu ajuda de um psiquiatra do Centro de Aconselhamento, Dr. Louis Cholden. Tirou férias de três meses e voltou a se submeter à terapia com um de seus colegas. Chegou a pensar em parar de clinicar pois considerava-se `tão perturbado quanto as pessoas a quem pres- tava ajuda" (Cury. 1993, p. 21). "Refere-se a este período como de profundo amadurecimento e descobre posteriormente que todo aquele sofrimento servira para fortalecê-lo, torná-lo mais sensível e humano no contato com clientes e consigo mesmo, mais consciente de seus próprios limites" (Cuiy. 1993, p. 22). 45 Diana Maria de Hollanda Belém Cari Rogers: do Diagnóstico à Abordagem Centrada na Pessoa UNIVERSIDADE DE WISCONSIN Em 1957, Rogers foi convidado pela Universida- de de Wisconsin. Estando muito bem em Chicago, impôs condições para ser contratado, tais como: exi- giu cursos nas faculdades de Psicologia e Psiquiatria, possibilidade de formar psicólogos e psiquiatras, pra- ticar a terapia nas investigações com pessoas "psicó- ticas" e "normais". Para sua surpresa, a Universidade aceitou suas exigências e o contratou. No verão de 1957, Rogers se transferiu para Madison. Em setembro deste mesmo ano, apresen- tou na "American Psychological Convention", de Nova York, uma conferência intitulada "A Process Concepti- on of Psychoterapy", que foi publicada no livro "On Becoming a Person". Em 1956, Rogers foi eleito presidente da "Ameri- can Academy of Psychoterapists", tendo permaneci- do no cargo até 1958. Passou um semestre no Depar- tamento de Educação desta universidade. Neste perí- odo, estava desenvolvendo mais "rigidamente" um tra- balho centrado no aluno, o que lhe causou grandes dificuldades com o Departamento de Psicologia no que diz respeito à forma de trabalhar com os alunos. Afir- mou: "Gosto de viver e deixar que os outros vivam, mas quando não permitem que meus alunos vivam, esta experiência se torna pouco satisfatória" (Ro- U:152 Sobre este episódio, Fadiman (1969) comenta que "a crescente indignação de Rogers é captada no artigo 'Pressupostos Correntes sobre a Educa- ção Universitária: uma exposição apaixonada'", cuja publicação no "The American Psychologist" foi proibida, o que não impediu sua distribuição para estudantes graduados. Desenvolveu um trabalho de pesquisa e prática clínica juntamente com médicos psiquiatras. Acredita- va em uma equipe multidisciplinar no estudo da psico- terapia e isto teria grande repercussão no campo da higiene mental. No período de 1962/63, desenvolveu, no "Cen- ter for Advanced Study in the Behavioral Sciences", em Stanford, um estudo sobre a influência que sua psicoterapia poderia ter no tratamento de esquizofrê- nicos hospitalizados. Estando em viagem, recebeu um comunicado de Eugene Gendlin e Donald Kiesler, seus colaboradores, informando que Charles Truax, um outro colaborador, estava "tentando sabotar todo o projeto de pesquisa, escondendo dados para uma futura publicação individual" (Cury. 1993, p. 25). Isso lhe causou sérios aborrecimentos, mas não o impediu de, em 1967, publicar o livro sobre a pes- quisa com esquizofrênicos, intitulado: "The Therapeu- ii="117r7111.. 'n"!":7:21. " with schizofrenics". Esta publicação de Rogers contou 4b 47 Diana Maria de Hollanda Belém com a colaboração de Eugene Gendlin, Donald Kies- ler e Charles Truax e apresenta uma descrição deta- lhada dos procedimentos científicos utilizados, trans- crições das sessões terapêuticas e análise dos resul- tados, incluindo as experiências vividas pelos terapeu- tas. Nesse período, em Wisconsin, Rogers foi eleito membro da "Policy and Planning Board" da "American Psychological ASsociation", na qual exerceu a função de editor do "Journal of Consulting Psychology". Em 1961, foi eleito "fellow" da "American Acade- my of Arts and Sciences". Em 1962, foi agraciado com o "Certificate for Outstanding Research" da "American Personnel and Guidance Association" e recebeu o prêmio de "Distin- guished contribution to the Science and Profession of Clinicai Psychology". Em 1961, seu livro "On Becoming a Person" foi publicado em japonês. CENTR DF ESTUDO DA PESSOA A JOLLA/CALIFÓRNIA Em 1964, Rogers voltou à La Jolla, na Califórnia, ao "Western Behavioral Sciences Institute" (WBSI). Ele contribuiu para a fundação deste instituto em 1958, objetivando a criaçãode um centro de pesquisa de orientação humanista. Depois de muita insistência de Cari Ro ers: do Dia nóstico à Aborda ern Centrada na Pessoa um dos fundadores do instituto, Richard Farson, e acre- ditando que a universidade não mais lhe oferecia gran- des oportunidades, Rogers aposentou-se da vida aca- dêmica e, no verão de 1963, saiu de Wisconsin e re- solveu residir na Califórnia, onde permaneceu até sua morte em 1987. Voltou a contribuir com o WBSI, na condição de "Resident Fellow". "A principal contribuição dele para este instituto consistiu em um trabalho iniciado em 1966 com a colaboração de Willian Coulson com a finalida- de de investigar a filosofia subjacente às ciênci- as de comportamento" (Cury. 1993, p. 27). Este trabalho resultou na publicação, em 1968, do livro "Man and the Science of Man". Terminou seu trabalho com os clientes "esquizofrênicos" e passou a trabalhar com clientes "normais". No WBSI, desenvolveu um projeto de grupos de encontro e dedicou-se a experiências com grupos cha- mados "T-Group" e "Basic encounter group". Promoveu seminários com pessoas de várias procedências e realizou encontros para discutir sobre educação no "California Institute of Technology". Em 1967, Rogers publicou "On Encounter Groups", sistematizando os conhecimentos e experi- ências nessa área. Publicou "Person of Person". Co- meçou a sentir-se insatisfeito com as pressões admi- nistrativas e com o procedimento dos pesquisadores do WBSI e terminou por demitir-se. Juntamente com mais 25 profissionais, formou o "Center for Studies of the Person" (CSP). 48 49 Diana Maria de Hollanda Belém Carl Rogers: do Diagnóstico à Abordagem Centrada na Pessoa NOTAS PESSOAIS. Em 1970, vários projetos foram desenvolvidos no CSP, tais como: renovação para a educação, pesquisa do uso de droga por adolescentes, planejamento de conferências, desenvolvimento de um centro de pes- quisa, comunidades, workshops, desenvolvimento de consciência através de encontros inter-raciais e o La Jolla Program para treinamento de facilitadores de gru- po. Sistematizou suas experiências, apresentou propos- tas para um Ensino Centrado no Aluno e publicou o livro "Freedom to Learn" (1970). Passou a ser convida- do para realizar palestras e assessorar instituições edu- cacionais, o que lhe rendeu grande reconhecimento a nível nacional, como também em outros países das Américas, Europa e Ásia. Começou a desenvolver gru- pos integrativos e grupos de relações inter-raciais. Em 1977, veio ao Brasil. Realizou o primeiro workshop brasileiro, com cerca de 200 pessoas, na Aldeia de Arcozelo, em Pati de Alferes, no Rio de Ja- neiro. Esteve mais duas vezes no Brasil. Em 1980, publicou "A way of Being", no qual re- lata seu sofrimento com o falecimento de sua esposa Helen, sua dificuldade em decidir continuar desenvol- vendo seus trabalhos profissionais e sobre seu pro- cesso de envelhecimento, "de uma forma corajosa e bem humorada derru- bou alguns mitos ao afirmar que aos setenta e cin- co anos continuava sexualmente interessado nas mulheres e intelectualmente motivado para dar prosseguimento a seus projetos, a despeito das li- mitações impostas pelo corpo" (Cury, 1993, p. 33). Rogers, em sua auto-biografia, sublinha ensina- mentos que considerou de grande significado, mas não os apresenta como "receita". "Algumas coisas fundamentais que aprendi: — Nas minhas relações com as pessoas desco- bri que não ajuda, a longo prazo, agir como se eu não fosse quem sou. — Descobri que sou mais eficaz quando me pos- so ouvir a mim mesmo, aceitando-me, e quando posso ser eu mesmo. — Atribuí um enorme valor ao fato de poder per- mitir-me a mim mesmo compreender uma outra pessoa, Compreender, precisamente, o que sig- nifica para essa pessoa o que ela está a dizer. — Verifiquei que me enriquece abrir canais atra- vés dos quais os outros possam comunicar os seus sentimentos, a sua particular percepção do mundo. Eu posso, com a minha própria atitude, criar uma segurança na relação, o que torna muito mais possível a comunicação. — É sempre altamente enriquecedor poder acei- tar outra pessoa e que não há nada mais fácil para aceitar verdadeiramente uma pessoa e os seus sentimentos do que compreendê-la. — Quanto mais aberto estou às realidades em mim c nos outros, menes me UN IC AP - BI BU OT EC A CE NT RA L Cari Ransom Rogers faleceu em 1987. to remediar as coisas. Quanto mais eu tento ou- 51 50 Diana Maria de Hollanda Belém vir-me e estar atento ao que experimento no meu íntimo, quanto mais procuro ampliar esta mes- ma atitude de escuta dos outros, maior respeito sinto pelos complexos da vida. — Posso ter confiança na minha experiência. Aprendi que a minha apreciação total organísmi- ca de uma situação é mais digna de confiança do que o meu intelecto. — A apreciação dos outros não me serve de guia. Os juízos dos outros, embora devam ser ouvidos e tomados em consideração pelo que são, nun- ca me poderão orientar. — a experiência é para mim a suprema autorida- de. Nenhuma idéia de qualquer outra pessoa, nem minhas próprias idéias têm a autoridade que reveste a minha experiência. — Sinto-me satisfeito em descobrir uma ordem na minha experiência — parece-me inevitável pro- curar uma significação, uma ordem e uma legiti- midade em toda a acumulação de experiência. — Aprendi que os fatos são amigos, Sinto que, se conseguir abrir um caminho através do proble- ma, me aproximarei muito mais plenamente da verdade, O mínimo esclarecimento que consiga- mos obter, seja em que domínio for, aproxima- nos muito mais do que é a verdade. — Aprendi que aquilo que é mais pessoal é o que há de mais geral. Acabei por chegar à conclusão de que aquilo que há de único e mais pessoal em cada um de nós é o mesmo sentimento que, se fosse partilhado ou expresso, falaria mais pro- fundamente dos outros. Cari Rogers: do Diagnóstico à Abordagem Centrada na Pessoa — A experiência mostrou-me que as pessoas têm fundamentalmente uma orientação positiva. Aca- bei por me convencer de que quanto mais um indivíduo é compreendido e aceito, maior tendên- cia tem para abandonar as falsas defesas que empregou para enfrentar a vida, e para progredir numa via construtiva. — A vida, no que tem de melhor, é um processo que flui, que se altera e onde nada está fixado. Não posso fazer mais do que tentar viver segun- do a minha própria interpretação da presente sig- nificação da minha experiência, e tentar dar aos outros a permissão e a liberdade de desenvolve- rem a sua própria liberdade interior para que pos- sam atingir uma interpretação da sua própria experiência". (Rogers, 1961) 53 Diana Maria de Hollanda Belém REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS •41 11.1 • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • . • •11 CURY, Vera Engler (1993) Abordagem Centrada na Pessoa: um estudo sobre as implicações dos tra- balhos com grupos intensivos para a Terapia Cen- trada no Cliente. Tese de Doutorado. Universidade de Campinas. São Paulo. FADIMAN, James e FRAGER, Robert. (1979) Teorias da Personalidade. Editora Harba. São Paulo. GONDRA, José M. Rezola (1975) La Psicoterapia de Carl R. Rogers: sus origines, evolucion y relacion con la Psicologia Científica. Editorial Espanola. Desclée de Brouwer. Bilbao. LA PUENTE, Miguel de (1973) Carl R. Rogers: de la Psicoterapia a la Ensenanza. Editorial Razon y Fé. Madri. ROGERS, Carl R. (1961) Tornar-se Pessoa. Martins Fontes. São Paulo. ROGERS, Carl R. (1970) Grupos de Encontro. Mar- tins Fontes. São Paulo. CAPÍTULO 2 CARL ROGERS E OTTO RANK A partir de uma prática clínica e de contatos com diversas escolas depensamento, Cari Rogers desen- volveu sua psicoterapia. Dentre essas escolas de pen- samento, que constituíram a Psicologia Humanista, havia um grupo de dissidentes freudianos do Círculo de Viena e, entre eles, Otto Rank, cuja perspectiva teórica consistia na valorização da vontade existenci- al da pessoa. Rogers recebeu influência de Otto Rank através do grupo "Social Workers", constituído em parte por psicólogos do "Philadelfia Child Guidance Clinic" e da "Pennsilvania School of Social Work", que adotavam em seus trabalhos os pressupostos da orientação rankiana. Tomou conhecimento da "Relationship The- rapy" através da leitura das publicações do "Rankian Group" e de contatos com psicólogos desta orienta- ção, como Taft, Alien, Robinson e outros. La Puente, em 1973, considerou que Otto Rank está nas origens 57 Diana Maria de Hollanda Belém Carl Rogers: do Diagnóstico à Abordagem Centrada na Pessoa do pensamento de Rogers no que diz respeito aos prin- cípios do processo terapêutico, mais que suas teori- as. Rogers reconheceu essa influência quando afir- mou que "um dos impactos mais fortes que recebi na- quela época foi o do pensamento de Otto Rank, o qual chegou a mim de um modo fun- damentalmente indireto. (...) A ênfase em res- ponder aos sentimentos do cliente nasceu desta corrente de pensamentos" (La Puente, 1973, p. 51). Em 1939, Rogers publicou seu primeiro livro — Tratamento Clínico da Criança Problema —, apresen- tando métodos de diagnóstico e de tratamento. Re- feriu-se ao método proposto pela Terapia da Rela- ção ou Terapia Passiva, de orientação rankiana. Este método diferia dos demais e caracterizava-se pela ênfase na relação terapêutica como elemento pri- meiro no processo terapêutico e pela crença de que o homem é o "artesão do seu destino" (Gondra, 1975, p. 23), significando a autonomia e integridade do indivíduo, o que coincidiu com os princípios defendidos por Ro- gers. TERAPIA DA RELAÇÃO - OTTO RANK A Terapia da Relação ou Terapia Passiva, de- senvolvida por Otto Rank, era aplicada para tratar pais cujas atitudes criavam problemas para os filhos. Ro- gers considerava difícil definir claramente o processo, podendo, apenas, mencionar algumas características. ... "muitos que defendem esta forma de terapia pensam em tratar-se de um processo não-inte- lectual, que não pode ser bem aprendido, mas precisa ser experimentado ou sentido para ser captado." (Rogers, 1939, p. 179). Os elementos constitutivos deste processo são; • aplica-se somente naqueles pais que desejem ser ajudados, o que nem sempre é fácil o terapeuta jul- SkaiCLideterminar, a não ser que o indivíduo possua considerável desejo de se modificar, então ele esta- rá apto para este tipo de terapia; • um clima, uma "atmosfera" criada pelo terapeuta, na qual haja aceitação dos pais, ausência de críti- ca, recusa em impor aos pais qualquer programa ou recomendação e pela total recusa em respon- der a perguntas, exceto quando os pais realmente desejarem uma resposta e forem incapazes de encontrá-la sozinhos; • efeito desse relacionamento sobre os pais pode ser aceitação de si. 58 59 •- i-r* * • • • • • • • • Diana Maria de Hollanda Belém Desse modo, no ambiente livre e os pais expres- sando sentimentos sem defesas ou racionalizações, chegam a esclarecer sentimentos e pensamentos e a se compreenderem mais claramente; confiança por parte do terapeuta nos próprios pais para determinarem independentemente o modo de lidar com a criança. Não há no curso de ação para os pais nenhuma influência em suas decisões, embora o objetivo do te- rapeuta seja ajudá-los a esclarecer suas idéias e refle- tir sobre o significado e importância de suas escolhas. O objetivo da Terapia Passiva é propiciar aos pais um grau mais elevado de integração e auto-realiza- ção em função da criança. Neste momento, Rogers considerou que seria "difícil em qualquer circunstância de determinar a efetividade desse método de tratamento das atitudes dos pais. Seus seguidores parecem en- tusiasmados e, como seus critérios são medidas amplamente intangíveis, uma medida de suces- so é de fato muito difícil. É improvável que qual- quer estudo seja realizado. Seu julgamento será feito lento e a sua importância está no caráter inovador de não interferência e confiança na pró- pria tendência do indivíduo em direção ao cres- cimento. (...) Como o processo é lento e mudan- ças sutis são mais significativas que qualquer técnica intelectual empregada, é difícil oferecer exemplos adequados. Só há registros." (Rogers, 1939, p. 182). Cari Rogers: do Diagnóstico à Abordagem Centrada na Pessoa A ênfase da Terapia da Relação era numa con- cepção da pessoa como "artesã de seu próprio desti- no", em detrimento à Psicanálise clássica, baseada na interpretação. Insistia na independência e integri- dade do indivíduo. Apresentava um caráter voluntário e livre signifi- cando que só se aplica às pessoas que procuram vo- luntariamente a terapia e sentem necessidade de se- rem ajudadas. Insistia na eficácia curativa da relação interpessoal e acentuava o valor terapêutico da situa- ção presente e das reações do cliente frente ao tera- peuta. Acreditava na vincuiação emocional sufici- entemente controlada entre terapeuta e cliente, cabendo ao terapeuta se manter um tanto dis- tante do cliente e este desenvolvia uma confian- ça que o levaria a expressar pensamentos e sen- timentos. O terapeuta criaria um clima de liberdade, possi- bilitando ao cliente experimentar e reconhecer com li- berdade suas próprias atitudes. Os efeitos da Terapia da Relação consistiam na clarificação dos próprios sentimentos e pensa- mentos e em uma aceitação plena de si mesmo. Era considerado mais profundo que um simples insight. O terapeuta confia no cliente, não pres- crevendo e não impondo nenhuma conduta e a si- tuação terapêutica por si só, constituirá uma aprendizagem que ensina ao cliente viver em re- lação. 60 61 Diana Maria de Hollanda Belém AFINIDADES DE ROGERS COM A TERAPIA DA RELAÇÃO O caráter voluntário e livre, a insistência na efi- cácia curativa da relação interpessoal, a vinculação emocional suficientemente controlada, a criação de uma atmosfera de liberdade, a clarificação dos senti- mentos e pensamentos, o fato do momento terapêuti- co constituir-se em uma aprendizagem e a crença na capacidade do cliente são as características básicas da Terapia da Relação, com a qual Rogers passa a identificar-se. Em 1939, Rogers reconhece e afirma sobre a Terapia da Relação que "seu principal valor pode estar não no percentual de casos ajudados, e sim no ponto de vista sau- dável da não interferência e confiança na ten- dência e crescimento próprios da pessoa acen- tuado por esta terapia. (...) a Terapia da Relação tem sido útil para fazermos valer a opinião mais realista de que o indivíduo em dificuldade é o mais capacitado para determinar o grau de normali- dade pelo qual pode andar confortavelmente." (Gondra, 1975). Em sua prática como terapeuta, ao longo dos anos, Cari Rogers testava, com desconfiança, a efici- - s,.• — • a mra•-r Sua experiência clínica possibilitou reconhecer que Cari Rogers: do Diagnóstico à Abordagem Centrada na Pessoa "estava me distanciando de uma relação clínica de enfoque coercitivo e altamente especulativo, não por razões filosóficas e sim pela ineficácia de tais enfoques, que só em aparência se mos- tram eficazes." (Gondra, 1975). No que diz respeito à Terapia da Relação, Ro- gers não só valorizou a ênfase desta terapia na auto- nomia da pessoa, como em sua insistência no valor da relação emocional. "Em primeiro lugar, está a ênfase saudável na re- lação pessoalcomo fundamento primordial da edu- cação e reeducação emocional. É indubitável que o psicólogo tem se mostrado sempre um pouco temeroso de utilizar em seu trabalho terapêutico as forças emocionais da mesma maneira que as intelectuais e tem tido medo de servir-se do vín- culo emocional que se desenvolve entre o tera- peuta e o cliente. Estamos frente a um novo desa- fio a explorar as possibilidades do encontro emo- cional entre os indivíduos." (Gondra, 1975) Rogers reconhece que "um dos impactos mais fortes que recebi naque- la época foi o do pensamento de Otto Rank, o qual chegou a mim de um modo fundamental- mente indireto. Tínhamos em Rochester uns as- sistentes sociais da Escola da Filadélfia, de ori- séminário frutífero e interessante que durou dois nk tivenias um 62 63 Diana Maria de Hollanda Belém dias. Depois de tudo, creio que a ênfase em res- ponder aos sentimentos do cliente nasceu desta corrente de pensamento." (Gondra, 1975). Em 1969, Rogers, referindo-se às influências da Terapia da Relação na elaboração de sua psicotera- pia, afirmou: "Entre 1937 e 1941, cheguei a contagiar-me com as idéias rankianas e comecei a reconhecera pos- sibilidade de que o indivíduo fosse autodiretivo. Realmente fiquei fascinado pelas idéias de Rank, porém não aceitei totalmente, tendo em vista que abandonei Rochester" (Gondra, 1975, p. 31). Gondra, em 1975, considerou que "as simpatias rogerianas por esta escola nos permitem afirmar a íntima conexão entre ambas as terapias" (p. 23). Segundo Cury, "o interesse despertado em Rogers pelo traba- lho conduzido por aqueles assistentes sociais lo- calizou-se em dois aspectos específicos: primei- ro, a ênfase colocada por eles na vontade positi- va do paciente como fonte de crescimento pes- soal, e, segundo, o foco do atendimento voltado para a relação interpessoal estabelecida pelo profissional e não para a obtenção do Insight' sobre os conteúdos." (1987, p. 11). 64 Carl Rogers: do Diagnóstico à Abordagem Centrada na Pessoa DIVERGÊNCIAS DE ROGERS COM A TERAPIA DA RELAÇÃO Apesar destas afinidades, Rogers discordou radi- calmente do caráter extra-científico desta terapia, do mis- ticismo (intuição) que a envolvia, da ausência de uma técnica que possibilitasse universalizar o processo e da intenção de colocar a psicoterapia no campo das artes. Criticou a ausência de uma técnica concreta, delimitada, objetiva e específica em favor de uma técnica geral que restringia a sua utilização àqueles terapeutas que já pos- suíssem uma certa orientação filosófica. Todo método terapêutico possui sua técnica es- pecífica e a Terapia da Relação parecia estar subordi- nada a uma filosofia, o que era muito diferente de tudo que Rogers conhecia até então. Com isso, o uso da Terapia da Relação se restringia a poucos terapeutas. Em 1937, referindo-se a Otto Rank, Rogers afirmou: "sem tentar uma descrição mais completa, gos- taria de deter-me na atitude do psicólogo dessa escola de pensamento. Em primeiro lugar, o psi- cólogo não pode estar conformado com o fato de que esta relação, sejam quais forem seus resul- tados, seja um processo que vai mais além da compreensão. Se é um processo, é possível ana- lisá-lo e descrevê-lo. Se produz resultados, como penso que a maioria de nós estaríamos a admi- tir, chegará algum dia em que seja possível medi- los." (Gondra, 1975) 65 Diana Maria de Hollanda Belém Carl Rogers: do Diagnóstico à Abordagem Centrada na Pessoa • • • • • • • • • • • • • • • • á • • • • ó e 0 • 66 Não aceita as pretensões "místicas" da Terapia da Relação nem a ausência de um rigor e métodos científicos. Não aceita a ausência de uma técnica e a pouca insistência dos rankianos neste sentido já que a Terapia da Relação "repousa" nas atitudes do tera- peuta e não sobre técnicas universais e sua aplicabi- lidade é restringida, e só é útil para aqueles terapeu- tas que possuam uma determinada orientação filo- sófica. "O uso da Terapia da Relação depende de um certo ponto de vista e de uma filosofia (...) Não se pode tomar-se ou desejar-se como uma fer- ramenta mecânica de tratamento" (Rogers, 1939) Rogers resiste à pretensão da Escola da Filadél- fia que desejava colocar a psicoterapia no campo das artes. Diante do excessivo subjetivismo da Terapia da Relação, Rogers tem a grande esperança de elaborar técnicas terapêuticas capazes de ser utilizadas por todos os terapeuta e de descobrir uma ordem cons- tante no processo da psicoterapia e poder medir seus resultados. Quando recebe o impacto da ideologia rankiana, Carl Rogers já intuía um processo universal dentro da psicoterapia, "já estava começando a sentir uma ordem den- Em 1937, "... o psicólogo clínico está tomando e tomará muitas coisas da Escola da Terapia Passiva". Pro- vavelmente não adotará sua ideologia rankiana... Assim, tampouco é provável que aceite o misti- cismo nem o culto aos seus fundadores. Porém, se aproveitará muito da ênfase saudável na inte- gridade individual, na capacidade de independên- cia e eleição do indivíduo e em seu reconheci- mento da importância na relação pessoal no tra- tamento." (Gondra, 1975) Gondra considera a Terapia da Relação como ponto inicial de partida para a psicoterapia de Cari Rogers, que dela tomará a premissa filosófica fun- damental e elaborará uma teoria científica da te- rapia. Rogers, em sua psicoterapia, tentará, antes de tudo, que seja uma ciência e não uma arte como que- ria os rankianos. Nesta ocasião, se vê diante do sub- jetivismo da Terapia da Relação e do objetivismo de sua formação científica. Pretendia elaborar técnicas terapêuticas que pudessem ser utilizadas por qualquer terapeuta. 1 • 67 Diana Maria de Hollanda Belém REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CURY, Vera Engler (1987) Psicoterapia Centrada na Pessoa: Evolução das Formulações sobre a Rela- ção Terapeuta-Cliente. Dissertação de Mestrado. USP. São Paulo. GONDRA, José M. Rezola (1975) La Psicoterapia de Carl R. Rogers: sus origines, evolucion y relacion con la Psicologia Científica. Editorial Espariola. Desclée de Brouwer. Bilbao. HART, Joseph e aI (1970) New Direntions in Client Centered Therapy. New York. Houghton Mifflin. ROGERS, Carl R. (1973) Psicoterapia e Consulta Psi- cológica. Martins Fontes. São Paulo. ROGERS, Cari R. (1979) Tratamento Clínico da Cri- ança Problema. Martins Fontes. São Paulo. CAPÍTULO 3 TERAPIA NÃO-DIRETIVA - 1940/1950 1°. Período da Psicoterapia Centrada no Cliente 68 Acreditando em sua formação científica, Rogers começou a desenvolver uma psicoterapia científica dentro do paradigma "Se-Então" do modelo empirista. Iniciou a gravação, em magnetofone, das entrevistas, objetivando a criação de uma técnica mais que uma teoria, embora ele, nesta época, afirmasse: "Já estava começando a sentir uma ordem den- tro da experiência" (Gondra, 1975, p. 27). Em seus escritos, neste período, ele admitia que a ela- boração de uma teoria não o interessava. "Devido a pouca certeza existente em relação aos métodos e resultados terapêuticos, existe uma grande tentação de construir complicadas hipó- teses com muito pouco fundamento prático. Fa- cilmente pucllarriub c.:11egar a perder-nos no labi- 71 Diana Maria de Hollanda Belém rinto das teorias desenvolvidas pelas mais diver- sas escolas de pensamento" (Gondra, 1975, p. 28). Fazer ciência, para Rogers, nesta ocasião, era ir aos fatos, analisar de forma científica o processo da tera-pia, medir seus resultados e, a partir daí, desenvolver técnicas acessíveis ao método científico. Em 1940, publicou um artigo sobre "Os proces- sos da terapia" e isto é considerado o primeiro mo- mento da análise científica da psicoterapia. Este arti- go tem uma importância histórica na medida em que apresentou todo o esquema da Psicoterapia Não-Di- retiva, a primeira descrição do processo terapêutico à luz da ciência. "Se a Psicologia Aplicada há de conseguir o status que deseja, se quer ter respostas ade- quadas aos problemas das relações huma- nas tão urgentemente necessárias no mun- do em comoção, então será preciso promo- ver muito mais estudos e esforços nesse cam- po dinâmico da terapia" (Rogers, 1973, p. 164). Neste momento- Rogers supera a Terapia da Rela- ção, anuncia o nascimento da Terapia Não-Diretiva e prenuncia o desenvolvimento da Psicoterapia Centra- da no Cliente. A Terapia Não-Diretiva constitui-se como o pri- meiro momento do desenvolvimento da Psicotera- pia Centrada no Cliente. Compreendeu o período de 1940 a 1950, iniciando aí sua primeira etapa 72 Cari Rogerg: do Diagnóstico à Abordagem Centrada na Pessoa histórica. No momento em que Rogers desenvol- veu uma técnica, descreveu a terapia numa pers- pectiva científica, considerando o processo de au- todeterminação e independência do cliente, surgiu a Psicoterapia Não-Diretiva. Suscitou questiona- mentos às terapias da época, corno também do papel do terapeuta. Apresentou a importância da não interferência do terapeuta no processo e o res- peito pelo cliente, corno pontos a serem conside- rados. A direção do processo, até então, cabia ao terapeuta e, nesta psicoterapia isto não ocorreria. Era não-diretiva na medida em que o terapeuta pro- punha-se a atuar sem dar "diretivas ao cliente". A técnica funcionava como instrumento. Distinguiu três aspectos que deveriam ser considerados no processo: o ambiente terapêutico, o comportamento do terapeuta e a técnica de clarificação, que possi- bilitaria ao cliente expressar sentimentos e emo- ções. Em 1940, na Universidade de Ohio, ele apresen- tou seu método terapêutico, resultado de seu trabalho em Rochester, sendo criticado por alunos e professo- res. isto o ajudou a repensar seu método e em sua biografia afirmou: "Foi ao tentar ensinar a estudantes gradua- dos na Universidade do Estado de Ohio acer- ca do tratamento e do conselho, quando co- mecei a reconhecer pela primeira vez que se- quer havia elaborado um ponto de vista pró- prio e característico" (Gondra, 1975, p. 31). 73 Diana Maria de Hollanda Belém Psicoterapia consiste numa "relação muito estruturada, muito permissiva, que permite ao cliente uma compreensão de si mes- mo tal que o capacite para empreender ações positivas à luz de uma nova orientação" (Rogers, 1973, p. 18). Atendia ao modelo científico do Se-Então, ou seja: "Se se consegue uma relação determinada, então desenvolve-se um processo terapêuti- co ordenado e consistente, um processo cha- mado terapia que se desenvolve espontanea- mente quando se põem condições necessári- as e que pode ser estudado mediante a análi- se e investigação científica" (Gondra, 1975, p. 43). É uma relação emocional entre o cliente e o terapeu- ta, que requer por parte deste, interesse, aceitação e acolhida para com o cliente. É um vínculo afetivo mas com limites definidos, o que Rogers denominou de "identificação controlada". "O terapeuta fará melhor em confrontar-se abertamente ao fato de que até certo ponto se vê envolvido emocionalmente, porém que tal compromisso deve ser estritamente limi- tado para o bem do paciente" (Rogers, 1973, p. 87). Cari Rogers: do Diagnóstico à Abordagem Centrada na Pessoa Esses limites são verdadeiros para o cliente e para o terapeuta. O cliente tem limites nas ações, na medida em que estas possam causar danos a outras pesso- as, e no tempo determinado pelo horário. "Cometemos um grande erro em supor que os limites são um obstáculo para a terapia. Tanto para a criança como para o adulto, um dos ele- mentos vitais que fazem da situação terapêutica um microcosmo em que o cliente pode encontrar todos aqueles aspectos fundamentais que carac- terizam a vida em seu conjunto, e os pode con- frontar-se abertamente e se pode adaptar-se a eles" (Rogers, 1973, p. 89). O PROCESSO TERAPÊUTICO No que diz respeito ao processo, caberia ao te- rapeuta procurar estabelecer inicialmente a relação terapêutica. Ao cliente são possibilitadas determina- das condições que são consideradas básicas no de- senvolvimento do processo. O terapeuta selecionava os clientes obedecendo a critérios clínicos. O cliente deveria apresentar seus conflit6s; ter uma certa capa- cidade para confrontar-se consigo mesmo; ter o dese- jo, ao menos inconsciente, de ser ajudado pela tera- pia, deveria apresentar em relação ao controle familiar; estar livre de instabili- 74 75 Cari Rogers: do Diagnóstico à Abordagem Centrada na Pessoa "Consideramos estas novas percepções que cha- mamos de 'insight' e reconhecemos, sem dúvi- da, que são inseparavelmente unidas e se fun- damentam na experiência da catarse" (Rogers, 1973, p. 174). "insight" na perspectiva rogeriana não se con- ceituava como um simples conhecimento intelectual. Deveria vir acompanhado da catarse, pois, caso con- trário, não apresentaria nenhum valor terapêutico. Surgia espontaneamente, embora podendo ser facili- tado por técnicas terapêuticas. Consistia em uma aprendizagem com aplicações afetivas, muitas vezes difícil de verbalizar. "Tratando do 'insightc (...) compreende a reorga- nização do campo perceptual. Consiste em ver novas relações. É a integração de experiência acumulada. Significa uma reorientação de 'si mesmo'. Todas essas frases parecem ser verda- des. Todas insistem no fato de que o 'insight' é essencialmente um modo novo de perceber" (Ro- gers, 1973, p. 206). A percepção das relações ocorre entre fatos conhecidos e só é possível com a catarse. Na aceita- ção de si mesmo, a percepção das relações se dá entre os impulsos próprios e o si mesmo. Neste momento seria necessário conhecer os impulsos reprimidos. O "insight", propriamente dito, inclui um elemento de na- tureza volitiva. Diana Maria de Hollanda Belém dades, especialmente de causas orgânicas; possuir suficiente inteligência para poder confrontar-se com seus problemas; atender à faixa etária de dez a ses- senta anos. Atendendo a estas condições, o cliente estaria apto a se submeter ao processo terapêutico, que consistia em três momentos fundamentais: a ca- tarse, o insight e as etapas finais. Seria utilizado para isso as técnicas não diretivas com o objetivo de facili- tar a expressão dos sentimentos e romper as defesas. Nessa Ocasião, o cliente libertar-se-ia dos sentimen- tos e atitudes reprimidas, passaria a explorar a ção de modo mais adequado e começaria a entrarsitua- em contato consigo mesmo com menos, ou sem, defe- sas. Passaria a aceitar-se. Segundo Rogers, "...em lugar da angústia, preocupação e senti- mentos de falta de valor, o cliente desenvolveria uma aceitação de suas forças e de suas debili- dades como ponto de partida confortável para o progresso de sua natureza" (1973„o. 172). Rogers considerava a catarse como tendo, por si mesma, um "alto valor terapêutico" e podria suficiente para casos em que a terapia não pue desse ser prolongar-se por muito tempo. Ocorrida a catarse, o processo terapêutico dar- se-ia a nível mais profundo, significando para o cliente urna maior percepção de si mesmo. Rogers conside- rava como segunda etapa do processo o "insight", mesmo reconhecendo ser impossível separá-lo da catarse. 76 77 Diana Maria de Hollanda Belém Carl Rogers: do Diagnóstico à