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Análise Comparativa - Documentário "13ª Emenda" e livro "VIGIAR E PUNIR"

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI 
Disciplina: Criminologia 
Professora: Adriana Maria Gomes de Souza Spengler 
Acadêmica: Beatriz Cristina Barbieri 
 
 
 
ANÁLISE COMPARATIVA ENTRE A OBRA LITERÁRIA “VIGIAR E PUNIR” E O 
DOCUMENTÁRIO “A 13ª EMENDA” 
 
 
Preliminarmente, antes de realizarmos a “acareação” de duas obras, 
demonstrando os aspectos congruentes e dissonantes entre as mesmas, faz-se 
necessário inteirar-se, em síntese, do conteúdo das mesmas. 
 
A obra magistral do filósofo francês Foucault adentra a história da punição, 
desde o suplício físico público até a atual penitenciária, com uma crítica ao discurso de 
ressocialização, regeneração e readaptação do indivíduo que comete delitos. 
 
Assevera o autor acerca de um mecanismo de vigilância, em que o sujeito 
é monitorado, passando a ser um produto em uma grande máquina de produção, isto é, 
o corpo humano atingirá diversos estágios em seu confinamento moderno, qual sejam: 
família, escola, faculdade, escritório, dentre outros. Este confinamento pressupõe uma 
“inclusão” dos sujeitos na sociedade, no entanto, na hipótese de praticar delitos, poderá 
ser confinado de outra maneira, passando pela “exclusão” da sociedade. Assim, a 
mesma sociedade que o incluirá, também poderá exclui-lo. Ao passo em que o corpo 
torna-se um alvo do Poder, podendo ser moldado, rearranjado, treinado e submetido para 
tornar-se útil, mesmo que nas duas formas de confinamento – incluído ou excluído. 
 
Cria-se, então, a figura do delinquente, que é excluído da sociedade, 
quando não poder conviver ou contribuir com a ordem e progresso da mesma sociedade. 
Assim, coabitamos nas estruturas massivas de vigilância para sermos incluídos, como 
nas escolas, faculdade, escritório, igrejas, etc, e passamos a nos contentar com os 
delinquentes nas penitenciárias ou clínicas psiquiátricas a fim de separa-lo, para então 
“cura-lo”. 
 
Pois bem, falhamos vergonhosamente neste ponto. 
 
Ademais, quanto ao documentário a “A 13ª Emenda”, apesar de basear-
se na realidade do sistema carcerário dos Estados Unidos, é inevitável que façamos 
paralelos com a realidade de nosso sistema carcerário brasileiro, considerando a 
onipresença de diversos elos com a escravidão, e principalmente, as discriminações 
presentes no cotidiano do brasileiro. 
 
Isto é, o documentário nos faz compreender porque os negros são a maior 
parte da população carcerária é negra, e que o fim da escravidão não significou a 
liberdade dos mesmos, já que houve a condenação à um novo tipo de “punição”. 
 
Enquanto a obra literária nos embala historicamente na origem da 
punição, e consequentemente, o combo da vigilância e a punição, o documentário da 13ª 
Emenda nos demonstra um esquema de exploração da mão-de-obra do corpo humana, 
uma “escravatura” maquiada, aplicada no sistema carcerário. 
 
É notório que o título do documentário já nos familiariza, de alguma forma, 
com a legislação. E não é a toa, pois a 13ª Emenda foi um ato legislativo, que modificou 
a constituição estadunidense, “abolindo” a escravidão a partir de meados dos anos 60. 
 
Embora, de maneira esdrúxula, havia uma ressalva no texto 
constitucional, com uma exceção que autorizava o trabalho escravo para aqueles que 
fossem condenados no âmbito penal. Uma ressalva opressiva o suficiente, para abrir 
portas para uma migração de escravos, que mesmo após a alforria que os libertou “em 
partes”, continuaram sob punição. Isto porquê, qualquer nível de delito era punido 
severamente com o encarceramento e o consequente trabalho forçado. 
 
Ora, impossível não familiarizarmos com a expressão de Foucault em sua 
obra literária, o uso do “panóptico”, assim como no documentário, podemos analisar que 
o Estado estabelece uma estratégia de exclusão da sociedade através do 
encarceramento, com o pacato discurso de remédio ao delinquente que passará por uma 
espécie de “ressocialização”, ao passo em que submete-se seu corpo à mão-de-obra 
gratuita, que passou a ser utilizada, evidentemente, como uma fuga das crises 
econômicas e políticas à época e prevalece aos dias atuais. 
 
Não obstante os longos anos com um sistema prisional falho, não é de 
surpreender-se a ausência de interesse política e econômica em um novo modelo de 
“resolução” dos delinquentes. 
 
Na verdade, há um imenso interesso envolvido destes, uma vez que, é 
extremamente favorável o presente cenário para o crescimento apenas vertical da 
economia e política, na mesma oportunidade em que enfraquece-se a população 
carcerária. 
 
Enquanto a obra francesa foi publicada em meados dos anos 70, o 
documentário estadunidense é bem atual, tendo sido produzido pela Netflix em 2016. 
 
Tenho que uma das principais diferenças entre as duas obras é que o livro 
Vigiar e Punir aborda, em lato sensu, da origem histórica da punição, meios de punição, 
e após a leitura do livro, consideramos a vigilância, nos moldes do panoptismo, uma 
forma de punição. Diferente do documentário, em stricto sensu, me remeteu à uma 
problematização mais específica da punição. 
 
Ora, no livro de Foucault leio de forma ampla a origem da punição e breves 
comparações, enquanto no documentário, percebo uma especificidade mais estrita ao 
tratar da punição, especialmente nos Estados Unidos, onde o documentário foi 
produzido. Explico: através do documentário, é possível estabelecer uma conexão entre 
o sistema carcerário com a abolição da escravatura. Basta analisar os encarcerados em 
tela, grande maioria é a “minoria”, os negros e os pobres. 
Após a 13ª Emenda, o governo estadunidense criminalizou banalidades 
como delitos, por exemplo, morar na rua. Na mesma época em que são libertos os 
escravos, não garantindo-lhes o mínimo de dignidade, os privamos de sua liberdade 
novamente, por estarem morando nas ruas, andarem descalços, etc. Em um cenário 
extremamente vertical, não é crível que esperássemos que, após anos de escravidão, os 
ex escravos evoluíssem instantaneamente. 
 
Penso que, ambas obras são essenciais ao operador de direito, por 
obrigar-nos a refletir a origem da punição, sua metamorfose até os dias atuais em que 
temos um sistema carcerário falho com relação ao delinquente, mas útil ao Estado, como 
uma tecnologia de poder, iludindo a sociedade com a concepção de “remédio” ao 
delinquente. O que parecia uma “ressocialização”, na verdade, é apenas uma 
escravatura pós-moderna. Uma atualização do que, aparentemente, havia sido abolido. 
 
Nesse sentido, é romântico pensarmos que a escravidão foi abolida, 
diante da existência dela, ou dos resquícios dela, nas entrelinhas dos sistemas 
carcerários até o presente momento. 
 
Ao menos no sistema carcerário brasileiro, percebo que não é apenas a 
superlotação que afasta a possibilidade de uma vida digna, mas também a discriminação 
e preconceito da sociedade que convive fora do sistema carcerário, cegos pelo desejo 
de punir o delinquente, desatentos à necessidade de uma reforma desses sistemas de 
punição, já que não causam o efeito almejado de reeducação e/ou restauração. Do 
contrário, pois o ócio do “recluso” é uma espécie de pós-graduação, em que um indivíduo 
comete um delito insignificante, afastando-se da sociedade, sendo um aprendiz que 
agora aproxima-se de delinquentes “doutores”. 
 
Em suma, a punição tornou-se uniforme, isto é, para todos os delitos que 
foram imaginados pelos legisladores do âmbito penal, estabeleceu-se uma punição 
idêntica, o mesmo remédio para todas as doenças, resultando em um sistema carcerário, 
no mínimo, improfícuo.

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