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BRUNO CAMILLOTO Hermenêutica Jurídica A construção de um conceito de objetividade 1a Edição Ouro Preto - MG 2014 Hermenêutica Jurídica: A construção de um conceito de objetividade Copyright©2014 - Bruno Camilloto Proibida a reprodução total ou parcial deste livro, por qualquer meio ou sistema, sem prévio consentimento da editora, fi cando os infratores sujeitos às penalidades previstas em lei. Todos os direitos desta edição são reservados à Livraria & Editora Ouro Preto. Coordenação Editorial: Pollyanna Assis Diagramação: Marcelo Henrique Batista Imagem da capa: Reprodução do deus grego Hermes. DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP) Camilloto, Bruno Hermenêutica Jurídica: A construção de um conceito de objetividade/Bruno Camilloto – Ouro Preto: Livraria & Editora Ouro Preto, 2014. ISBN 978-85-68383-00-1 1. Direito 2. Hermenêutica Jurídica 3. Título CDD 340.0 Índices para Catálogo Sistemático 1. Direito 2. Hermenêutica Jurídica 3. Título Livraria & Editora Ouro Preto Rua: Cláudio Manoel, 15, Centro. Ouro Preto - MG CEP: 35400-000 Telefone: 31 3551 1361 E-mail: editoraop@gmail.com Impresso no Brasil 2014 BRUNO CAMILLOTO Hermenêutica Jurídica A construção de um conceito de objetividade 1a Edição Professor de Direito da Universidade Federal de Ouro Preto Doutorando em Teoria do Direito pela PUC-MG Mestre em Filosofi a do Direito pela UFMG Especialista e Graduado em Direito pela UFOP Bolsista FAPEMIG e CAPES no curso de doutorado Dedico este livro a Ludmilla S. B. Camilloto e Heitor Barros Camilloto. DEDICATÓRIA À Maria Imaculada Camilloto Arantes e Cícero Moreira Arantes, meus pais e primeiros professores, pelas lições de vida onde lecionaram valo- res de convivência com o próximo. O reconhecimento do outro como alguém digno de nosso respeito é a base para o estabelecimento de uma ordem jurídica justa. Serei eternamente grato por alicerçarem minhas bases jurídicas através da ideia de justiça e pelo valor dado à educação. À Braulio Camilloto e Júlia Furiati pela amizade e apoio. Aos velhos amigos que, junto comigo, estão se tornando amigos velhos. Aos novos amigos desejando que nos tornemos velhos amigos. Ao Professor Dr. Alexandre Travessoni Gomes Trivisonno. Aos meus ex-alunos Ramon M. da Silva, Henrique G. Neves e Vanessa N. Kaut. Aos editores Paulo Lemos e Pollyana de Assis. AGRADECIMENTOS Dedicatória Agradecimentos Sumário Prefácio 1. Apresentação 2. Direito, Interpretação e Hermenêutica 3. O problema do conhecimento 4. A teoria hermenêutica de Emilio Betti 5. A construção de um conceito de objetividade 6. As críticas e as possibilidades da objetividade no Direito 7. Bibliografia 15 21 29 45 71 95 107 SUMÁRIO Prefácio 13 Tive a honra de orientar a Dissertação de Mestrado de Bruno Ca- milloto, que foi defendida perante o Programa de Pós-Graduação em Direito da UFMG, em 2006, e que agora se publica sob o título Hermenêutica Jurídica: a construção de um conceito de objetivida- de. Com alegria recebi o convite do autor para prefaciar essa impor- tante publicação. Não seria apropriado, em um prefácio, resumir as ideias da obra prefaciada, pois ninguém pode melhor expor seu ponto de vista que o próprio autor. Assim, ao invés de realizar um sumário da concepção de Camilloto sobre a questão da objetividade no direito, prefiro fazer algumas considerações sobre o tema e sobre o modo como o autor o aborda. A questão da objetividade se coloca no centro de uma das questões mais importantes da Teoria do Direito, a questão da aplicação do Direito, pois não se pode abordar como o direito é aplicado sem se abordar se o Direito permite qualquer interpretação ou se há limites que se impõem ao intérprete. Naturalmente, a possibilidade do controle racional da interpretação jurídica passa por uma análise conceitual do direito e de sua lingua- gem: pode o signo ser interpretado livremente, sendo-lhe atribuído, subjetivamente, qualquer significado, ou há algo que exclui deter- minadas interpretações? Entre dois extremos radicais, o objetivismo e o subjetivismo absolutos, situam-se a maioria das correntes que abordam a questão da objetividade: há uma relativa objetividade na interpretação de um texto normativo. Camilloto aborda essa fundamental questão da objetividade prin- cipalmente a partir da teoria do italiano Emilio Betti, mas não se limita a ela. Aí se localizam já as duas primeiras virtudes do traba- lho: a escolha do tema, a objetividade, e a escolha do autor central, Betti. E a escolha de Betti é importante não só em virtude de sua consistência teórica, mas também em virtude da existência de pou- cos trabalhos, no Brasil, abordando sua obra. 14 Alexandre Travessoni Gomes Trivisonno A isso se somam a competência, a clareza e a seriedade com que Camilloto aborda seu tema. A competência se percebe através da profundidade com que as questões centrais referentes à objetividade são abordadas. A clareza torna possível a compreensão das ideias do autor, e assim sua crítica. A seriedade se percebe principalmente pelo fato de Camilloto ter consultado a obra de Betti através da bibliografia original em língua italiana, sobretudo a Teoria Generale della Interpretazione. É importante ressaltar que ao trazer ao público uma análise séria e competente sobre a objetividade, estudando várias teorias que dialogam sobre o tema, Camilloto não privilegia uma concepção em detrimento de outras, mas considera diversas abordagens. As- sim, em Hermenêutica Jurídica: a construção de um conceito de objetividade, o Camilloto apresenta ao leitor uma relevante con- tribuição científica sobre a discussão que envolve a objetividade na interpretação do direito. APRESENTAÇÃO CAPÍTULO 17 O presente livro nasceu do trabalho de dissertação de mestrado desenvolvido na Universidade Federal de Minas Gerais entre os anos de 2004 a 2006. Desde então, os argumentos centrais fo- ram expostos e debatidos em alguns congressos e publicados na forma de artigos. Da defesa da dissertação até o honroso convite da Livraria & Edito ra Ouro Preto para a publicação do livro transcorreram mais de oito anos. Não imaginávamos o que significaria a transformação daquele texto original. Depois da defesa e dos debates o texto ficou guarda- do no arquivo. No meio de um processo de elaboração da tese de doutorado, o convite foi recebido com alegria e surpresa. O olhar do autor estava lançado para o futuro: a tese. A dissertação já era: passa- do. E o convite concretizou o agora: presente. Eis o dilema: dividir o tempo entre a revisão do texto dissertativo e a construção da tese. Janela de oportunidades ou trabalho metodicamente (racionalmen- te) planejado? Sem resposta correta, aceitamos o desafio proposto e abrimos o arquivo cujas ideias haviam sido construídas em outrora pelos mesmos dedos1. O processo de revisão consistiu tanto na reestruturação tópica do texto quanto na transformação de seu conteúdo. Para dar mais con- cisão, clareza e objetividade (que está no título e é objeto de estudo), procedeu-se a supressão de capítulos e parágrafos, alterou-se o lugar de alguns trechos, foram criados novos tópicos em razão de novas 1ARANTES, Bruno Camilloto. A teoria hermenêutica de Emilio Betti. Fundamentos e Fron- teiras do Direito, v. 01, n.01, p. 39-76, 2006. ARANTES, Bruno Camilloto; GOMES, Alexandre Travessoni. A teoria hermenêutica de Emílio Betti e a objetividade da hermenêutica jurídica. Revista da Faculdade de Direito. Universidade Federal de Minas Gerais, v. 49, p. 11-38, 2006. ARANTES, Bruno Camilloto. A teoria hermenêutica de Emílio Betti e a teoria do conhe- cimento. In: I Congresso Mineiro de Filosofia do Direito,2007, Belo Horizonte. Bruno Camilloto Arantes, 2007. ARANTES, Bruno Camilloto. Hermenêutica Jurídica: a construção de um conceito de obje- tividade à luz da teoria hermenêutica de Emílio Betti. In: XI Semana de Filosofia I Colóquio de Ontologia I Encontro Nacional de Pesquisa em Filosofia da UFU, 2006, Uberlândia. Bruno Camilloto Arantes, 2006. 18 ideias. Alterou-se o título original. Durante a edição, novas leituras e releituras de parte da bibliografia foram necessárias. Novos livros foram adquiridos e suas ideias incorporadas, especialmente dos au- tores italianos que escreveram sobre a hermenêutica de Betti. As traduções foram realizadas livremente dos originais consultados na biblioteca da UFMG2 . Na dissertação manteve-se o texto original em italiano nas notas de rodapé para que a comunidade acadêmica tivesse a oportunidade de analisar a tradução. No livro omitiu-se o original preservando a tradução livre. Simultaneamente às transformações, manteve-se a argumentação central defendida naquela oportunidade. Se não é possível dizer que esse livro é algo totalmente distinto do texto de 2006, tão pouco é possível dizer que ele é o mesmo texto. Eis a mutação: de dissertação para livro. Mutação que pressupõe o algo novo a partir do velho. Não é reedição do velho. Não é totalmente novo. Não é mais do mesmo. Afinal, o futuro não é mais o que era3. O texto de 2006 representa um retrato do próprio amadurecimen- to intelectual do autor. O texto de 2014 é a ampliação daquele o retrato realizado com o auxílio do zoom panorâmico das modernas câmeras digitais. A metáfora que talvez represente o momento é: esse livro é um espelho retrovisor futuro. O livro versa sobre o conceito de objetividade e sua articulação com o Direito. Em Os Limites da Interpretação, Umberto Eco4 utiliza o seguinte exemplo: um senhor manda seu escravo entregar a um fidalgo amigo um cesto com 30 figos, juntamente com uma carta 2A última edição da Teoria Generale della Interpretazione de Betti foi editada pela Giuffrè Editore em 1990. 3ADAUTO, Novaes (org). O futuro não é mais o que era. São Paulo: Edições Sesc, SP, 2013. 4(2004). 19 Em conclusão, Eco6 sustenta que “O que quero dizer é que, embora separado do seu emissor, de seu discutível referente e de suas cir- cunstâncias de produção, aquela mensagem ainda assim falaria de figos-em-um-cesto.”. A partir da conclusão acima é possível pensar num conceito de ob- jetividade que explicite limites à interpretação de textos feita pelo homem. Não é crível que um intérprete atribua a determinado texto [Mas] não teria o Direito de dizer que a mensagem pode signi- ficar qualquer coisa. Pode significar muitas coisas, mas sentidos há que seria arriscado sugerir. Não creio que possa haver alguém tão mal-intencionado a ponto de inferir que a mensagem pudesse significar que Napoleão morreu em maio de 1821, mas contestar a leitura tão desviante também pode ser um ponto de partida ra- zoável para concluirmos que pelo menos alguma coisa existe que a mensagem não efetivamente não pode dizer. 5(2004, XVII). 6(2004, p. XV). onde descreve o conteúdo do cesto. Durante o trajeto, o escravo resolve comer alguns figos. Quando o escravo entrega o cesto e a carta ao fidalgo destinatário este o indaga sobre os figos faltantes. Entre o senhor que enviou os figos e escreveu a carta, o escravo que levou a carta e os figos e o fidalgo destinatário dos figos e da carta, o que está no epicentro de toda essa história é, exatamente, a carta, o conteúdo da carta e o conteúdo do cesto de figos. A carta (o con- teúdo veiculado por ela) é(são) a(os) responsável(eis) pelo processo de comunicação entre o senhor e o fidalgo destinatário. Sobre as possibilidades de interpretação do conteúdo daquela carta, Eco5 diz que o destinatário: 20 qualquer sentido, tendo em vista que o texto possui um conjunto de sentidos inerentes à sua própria textualidade. Na ciência do Direito a reflexão sobre os limites para a atividade do intérprete é imperiosa. É a busca por esses limites e por um conceito de objetividade que será desenvolvida nos capítulos deste livro. Se os livros são para ser feliz, como diz Márcia Tiburi, o autor espera que o leitor encontre uma leitura prazerosa e que de alguma forma, mesmo que minimamente, contribua para a reflexão sobre o tema. DIREITO, INTERPRETAÇÃO E HERMENÊUTICA CAPÍTULO 23 O Direito é uma ciência ocupada com a determinação das condutas dentro da sociedade e relacionada com a estruturação do poder. Sua dimensão axiológica revela que o Direito é inseparável da ideia de Justiça. Liberdade, igualdade, democracia, etc. são conceitos forja- dos ao longo da história da humanidade, especialmente no Ociden- te, e erguem-se como valores humanos racionalizados pelo pensar do homem. O Direito afirmar-se como a cristalização desses valores (ou ideais de Justiça) do homem concretizando alguma ideia de Jus- tiça em determinado contextos histórico. A compreensão dos valores sociais e das normas jurídicas é realizada pela atividade humana da interpretação. Interpretar é conhecer e aplicar algum sentido construído pela atividade racional humana. Bobbio7 alerta para as dificuldades de definição do termo: Originalmente a palavra hermenêutica remete ao mensageiro Hermes, Deus grego responsável por levar mensagens de Zeus aos homens. Contudo, é no século XIX que o conceito de her- menêutica passa a ser compreendido como a ciência que estuda o fenômeno da interpretação. Mas o que significa interpretar? Este termo, com efeito, não é exclusivo da linguagem jurídica, sendo usado em muitos outros campos: assim se fala de interpretação das Escrituras Sagradas, de interpretação das inscrições arqueológicas, de interpretação literária, de interpretação musical...Pois bem, interpretar significa remontar do signo (signum) à coisa sig- nificada (designatum), isto é, compreender o significado do signo, individualizando a coisa por este indicada. 7(1995, p. 212). 24 As “intencionalidades objetivadas” constituem, pois, o domínio próprio da interpretação, sendo possível afirmar-se que, funda- mentalmente, a interpretação é; pelo seu simples pôr-se como tal; 8(1992). 9Segundo BLEICHER (1992, p. 359) o Dasein é “o ente do domínio ôntico, caracte- rizado pela sua preocupação com o seu próprio ser ontológico (Heidegger).”. Com Bleicher8 entende-se o conceito de hermenêutica em três pers- pectivas: (i) uma teoria hermenêutica, que se ocupa da estruturação epistemológica da interpretação; (ii) uma filosofia hermenêutica, que se preocupa com as questões existenciais da interpretação refe- rentes ao Dasein9 (ser-aí) humano e (iii) uma hermenêutica crítica preocupada com os fatores extralingüísticos da interpretação. Wilhelm Dilthey (1833-1911) propôs a divisão do conhecimento em “ciências do espírito” e “ciências da natureza”. As primeiras se referem às atividades culturais forjadas pelos homens e voltam-se à compreensão da experiência e do comportamento humano. A elas pertencem à hermenêutica como ciência da interpretação. Emilio Betti (1890-1968) propõe a interpretação a partir de uma teoria que interessa de modo geral a todas as ciências do espírito. A Teoria Geral da Interpretação de Betti desperta interesse der alguns ramos do conhecimento como a linguística, a filologia, a sociologia, a teologia e, especialmente, o Direito. A ciência do Direito é pensada e desenvolvida a partir conceito de fenômeno jurídico sendo este compreendido como as relações so- ciais regulamentadas por regras jurídicas. A hermenêutica tonar-se condição de possibilidade da ciência do Direito uma vez que a construção do pensamento jurídico é re- alizada por meio da interpretação de intenções explicitadas por algum objeto. 25 A correlação entre estes doispressupostos, um atendendo a as- pectos objetivos e o outro a aspectos subjetivos da interpretação, portanto, a correlação entre dogma e liberdade, nos leva a um novo pressuposto, ou seja, o caráter deontológico e normativo da Não há que se falar em Direito sem interpretação. Somente pelo ato cognoscitivo e interpretativo é que podemos desenvolver uma ciên- cia jurídica. Contemporaneamente o princípio interpretatio cessat in claris não pode ser aceito uma vez que a interpretação é condição de possibilidade do Direito. A atividade interpretativa é condição sine qua non para o estabelecimento dos sentidos das normas ju- rídicas e para a compreensão da ciência do Direito. No momento em que se afirma que uma norma é clara já houve manifestação do pensamento hermenêutico sobre algum texto normativo. Não existe norma clara sem interpretação. A história revela que em alguns momentos históricos houve a proi- bição da interpretação do Direito. Justiniano e Napoleão proibiram que a interpretação fosse feita sobre o Corpus Juris e sobre o Código Civil Francês, respectivamente. Sendo o Direito um fenômeno hermenêutico (dependente da in- terpretação), a ciência do Direito se preocupa com dois aspectos: (i) um de ordem subjetiva (o sujeito intérprete do Direito) e outro (ii) de ordem objetiva (o objeto a ser interpretado). Esses dois aspectos revelam uma clássica oposição, no Direito e na Filosofia, entre obje- tividade e subjetividade: 10(REALE, 1992, p. 242). um ato dirigido a algo em razão de alguém e vinculado às estrutu- ras inerentes ao objeto interpretável10. 26 interpretação. A tensão entre dogma e liberdade é, na verdade, uma tensão entre a instauração de um critério objetivo e o arbí- trio do intérprete11. Diante da multiplicidade de possibilidades de compreensão, a pa- lavra Hermenêutica será adotada como Teoria Geral da Interpreta- ção. As questões da hermenêutica jurídica podem ser vislumbradas tanto pelo aspecto teórico quanto pelo aspecto prático. Como teo- ria é necessário refletir sobre a estrutura do pensamento humano: como se desenvolve o processo de comunicação entre os homens ou, mais especificamente, como se estrutura o pensamento huma- no em relação à interpretação do mundo que cerca esses homens. O estabelecimento do significado das normas de conduta previs- tas pelo ordenamento jurídico torna-se uma necessidade inadiável na ciência do Direito. Como ressalta Megale12: “A perquerição do significado das coisas está sempre presente na atividade do intér- prete, que, por isso mesmo, trabalha sobre signos.” Como práxis (razão prática) a ciência do Direito se envolve com o problema da distribuição de Justiça dentro do ambiente social na solução dos conflitos sociais. A Justiça está relacionada com a questão da deci- dibilidade sobre o que é o Direito. O conceito de Direito é articulado com problema da Justiça a partir da aplicação do sentido das normas de conduta na solução de um conflito social. Essa articulação é possível pela hermenêutica. Precisa-se estabelecer um direcionamento para a atividade do intér- prete do Direito. É necessário fixar as bases sobre as quais o jurista fundamentará sua atividade, especialmente no tocante à decisão de um conflito jurídico. A interpretação do Direito localiza-se diante da multiplicidade de possibilidades para seu existir: 11(FERRAZ JÚNIOR, 1980, p. 73). 12(2001, p. 36). 27 A constatação de que a ciência do Direito está relacionada direta- mente com a Hermenêutica exige a reflexão sobre a complexa ativi- dade de interpretação das normas jurídicas. Frederich Scheleiermacher (1768-1834) surge como o grande filó- sofo do século XIX que sistematizou o pensamento hermenêutico possibilitando o desenvolvimento da Hermenêutica como discipli- na geral15. Voltado para a interpretação de textos sagrados, a obra de Scheleiermacher inaugura o as bases para se pensar a interpretação por meio de uma Teoria Geral. A determinação das condutas previstas no ordenamento jurídico de certa sociedade depende do desenvolvimento de uma estrutura de pensamento e de um raciocínio pertinentes à concepção de Como deve haver um princípio dogmático que impeça o recuo ao infinito (pois uma interpretação cujos princípios fossem sempre abertos impediria a obtenção de uma decisão), ao mesmo tempo em que a sua identificação é materialmente aberta (vide a polêmica entre subjetivistas e objetivistas), notamos, então, que o ato inter- pretativo tem um sentido problemático localizado nas múltiplas vias que podem ser escolhidas, o que manifesta a liberdade do intérprete como outro pressuposto básico da hermenêutica jurídica13. Não é fácil esgotar nas palavras de um conceito o significado deste ‘composto insolúvel de elementos teoréticos e práticos, de conhecimentos e de ação, reprodutivos e produtivos, científicos e ultracientíficos, objetivos e subjetivos ao mesmo tempo’ a que se dá a denominação de interpretação da lei14. 13(FERRAZ JÚNIOR, 1980, p. 73). 14(MEGALE, 2001, p. 43) 15Para o aprofundamento sobre o pensamento de Scheleiermacher ver: COELHO (2003). 28 Direito daquela sociedade. Direito e Hermenêutica estão, nesse sentido, implicados mutuamente uma vez que o sentido norma- tivo do texto legal dependerá da interpretação humana. Destaca- -se, de início, a insuficiência do modelo de subsunção do fato à norma nos maços de uma perspectiva normativista16 para que o Direito seja aplicado. A aplicação do Direito prescinde da interpretação e exige uma pre- tensão de objetividade. A questão da objetividade torna-se central na hermenêutica jurídica. O problema que se coloca é se há possi- bilidade de uma interpretação jurídica objetiva, ou seja, se existe uma objetividade que oriente a atividade do intérprete dentro da ciência do Direito ou, ao contrário, se o Direito pode ficar à mer- cê do intérprete? Esta questão será problematizada tomando-se por orientação teórica o pensamento expresso na obra Teoria generalle della interpretazione, de Emilio Betti. 16O modelo normativista deve ser entendido aqui como aquele que prevê a supremacia da norma em relação aos outros elementos do Direito (fato e valor). Tal modelo é proposto por Kelsen na sua obra Teoria Pura do Direito. Todavia, o referido Autor é alvo de críticas que, no nosso entendimento, são, algumas vezes, infundadas. Kelsen não ignora que o fenômeno jurídico se constitua a partir de um fato, um valor e uma norma (teoria tridimensional de Reale (2003). Ele reconhece essa complexidade do Direito, mas se propõe a desenvolver uma teoria normativa, ou seja, o estudo do Direito a partir da norma jurídica. Em relação aos aspectos interpretativos da teoria de Kelsen, teremos a oportunidade de discuti-los mas adiante. Para o desenvolvimento do pensamento kelseniano ver: AFONSO (1984). O PROBLEMA DO CONHECIMENTO CAPÍTULO 31 Ao longo da história o ser humano se depara com questões como o que é o conhecimento? Como é possível conhecermos algo? Essas indagações remetem à história da filosofia e indicam uma busca in- cessantemente por respostas que possam satisfazer a exigência racional do pensamento. Sobre as dificuldades a respeito do conceito de co- nhecimento Megale17 adverte que O conhecimento pode ser estruturado a partir de uma Teoria onde há (i) condições subjetivo-objetivas transcendentais e (ii) condições subjetivo-objetivas positivas. Quanto às condições subjetivo-obje- tivas transcendentais têm-se, de forma ampla, a ontognoseologia18 que se divide em gnoseologia (que trata das condições subjetivas) e ontologia (que trata das condições objetivas). Primeiramente, o conhecimento consiste numa vivência psíquica – é o conhecimento do sujeito que conhece. Perante o sujeito estão os objetos conhecíveis. Assim, o conhecimento, do ponto de vista psíquico, natural,é vivência passível de descrever-se segundo as suas espécies e formas de conexão e investigar-se nas suas relações genéticas. Nesse sentido, conhecimento diz respeito a concepção da realidade, não à teoria do conhecimento. Por outro lado, afirma HUSSERL, o conhecimento é, por es- sência, conhecimento da objetividade, e é tal em virtude do sentido que lhe é imanente, com o qual se refere à objetividade. 17(2001, p. 26-27) 18Sobre a perspectiva ontognoseológica leciona Reale (2000, p. 48): A palavra Ontognoseologia foi por mim proposta por volta de 1945 (cf. “Preleções de Filosofia do Direito”, taquigrafadas naquele ano, p. 45) como a mais correspondente ao meu pensamento, e não saberia dizer se houve emprego anterior desse termo. Posteriormente, Andrea Mario Moschetti, em sua obra L’unità come Categoria, II, Situazione e Storia, Milão, 1960, desenvolve uma doutrina das categorias que pretende não seja “mera antologia nel senso classico tradizionale, ma uma sintesi ontognoseologica.”. 32 A adoção da teoria ontognoseológica19 implica no reconhecimento da ciência do Direito como uma ciência que se desenvolve ao longo da história do homem e se exterioriza através da experiência nos seguintes termos: Como atividade do intelecto humano a interpretação está relacionada diretamente com problema do conhecimento. Nesse sentido, o pro- cesso de conhecimento se ocorre através do processo de interpretação. A interpretação visa o significado das coisas que são representadas por signos. Quanto à relação entre a estruturação do conhecimento e da interpretação Eco21 adverte: É dentro dessa compreensão integrante que o processo histórico-cul- tural assinala os momentos da objetivação cognoscitiva, revelando- -se como “experiência”, na qual se insere a “experiência do Direito”. Esta corresponde, pois, a um caso particular e a um momento da objetivação progressiva do espírito humano enquanto “infinitamente determinável” daquilo que se supõe fora dele como “natureza”, isto é, como dado não constituído, mas oferecido à fonte espiritual doadora de sentido, para só então se apresentar como objeto20. Se, portanto, o problema filosófico da interpretação consiste em es- tabelecerem-se as condições de interação entre nós e algo que nos é dado e cuja construção obedece a certas constrições (é o problema de Peirce, de Merleau-Ponty, de Piaget, das ciências cognitivas, mas afinal era também o problema de Kant – assim como é o problema da epistemologia de Popper e Kunh - verificar), não vejo por que não se deva manter a mesma atitude diante de textos produzidos pelos nos- 19Sobre a ontognoseologia voltada ao Direito, Reale (1992, p. 85) diz: A Ontognoseologia Jurí- dica, tendo por fim determinação cognoscitiva do Direito, em sua integralidade, indaga de sua consistência ‘ôntica’ e da correlata estrutura “lógica”, isto é, dos pressupostos universais, ao mesmo tempo subjetivos e objetivos da realidade jurídica. 20(REALE, 1992, p. XXX-XXXI). 21(2004, p. XXI). 33 A atividade intelectual da interpretação está relacionada com signos e procura o significado das coisas. No momento em que o intérprete busca o significado das palavras articuladas em sentenças de um tex- to está buscando o sentido daquele texto. Por outro lado, as palavras articuladas em expressões são os meios (formas) pelos quais o ho- mem estabelece a comunicação com seu semelhante. A articulação da comunicação ocorre pela estruturação do pensamento humano. O processo de comunicação exige uma intermediação entre duas pessoas para que elas se compreendam e alcancem um determinado sentido em conjunto, construído intersubjetivamente. Por sua vez, essa intermediação que permite a comunicação humana necessita de um instrumento material. Para o processo de comunicação se estabelecer é necessário que o homem utilize um mecanismo que lhe permita atingir seu semelhante. Relacionando interpretação com conhecimento, Betti faz uma re- tomada histórica do pensamento de Kant a respeito das condições de possibilidade do conhecimento. Kant analisa a faculdade do conhecer distinguindo duas formas de conhecimento: o empírico (concebido como conhecimento a posteriori) e o puro (concebido como conhecimento a priori). Kant está preocupado em estabele- cer possibilidades, limites e esferas de aplicação do conhecimento. No desenvolvimento de sua perspectiva, Kant propõe uma dife- renciação entre objeto e a coisa em si. O objeto é a coisa no e para sujeito cognoscente. entre objeto e a coisa em si. O objeto é a coisa no e para sujeito cognoscente. A coisa em si é, como tal, inacessível ao sujeito. Surge uma teoria do conhecimento na qual a condição de possibilidade do conhecimento está no sujeito que conhece o objeto. É o sujeito, dotado de racionalidade, o autor do sos semelhantes e que de qualquer maneira, como a carta levada pelo escravo de Wilkins, estão já ali, antes mesmo de serem lidos – ainda que apenas sob forma de vestígios gramatológicos insignificantes para quem não lhes conjecture a origem. 34 Considerando que o processo de interpretação se vincula ao pro- cesso de conhecimento, o pensamento de Kant ganha importância quanto às condições do conhecimento na medida em que estabe- lece a centralidade do sujeito cognoscente dentro do processo de conhecimento. Como lembra Reale23: A perspectiva da teoria do conhecimento de Kant pode ser vislumbrada na Hermenêutica Jurídica através o posiciona- mento do intérprete frente à norma jurídica. O problema é verificar quais são as condições de possibilidade do sujeito 22(1995, p. 82). 23(2002a, p.77). ato de conhecimento. Na perspectiva kantiana a ideia de repre- sentação surge como forma de pensar racionalmente os objetos como diz Salgado22 Veremos, dentro em pouco, em que consistiu a revolução gnoseoló- gica opera por Kant e qual o seu significado na História da Filosofia. Não é demais, no entanto, lembra agora que, antes de Kant, a Filoso- fia Clássica vivia girando em torno de objetos, aos quais se subordina- va essencialmente; enquanto que, no dizer de Kant, quem deve ficar fixo é o sujeito, em torno do qual deve girar o objeto, que somente é tal porque “posto” pelo sujeito. As representações não criam o objeto; elas são, enquanto concor- dam com o objeto na formação da síntese, condições dos objetos enquanto conhecidos. Condições de objetos e não das coisas, visto que os objetos são correlatos do sujeito, portanto a coisa no pro- cesso de conhecimento, ou melhor, o fenômeno. Kant não fala da coisa, mas sempre do objeto, da coisa no sujeito. 35 Partindo da influência das condições de possibilidade do conhecimento estabelecidas por Kant, Betti pensou sobre as condições de possibilida- de do ato interpretativo. A proposta teórica da Crítica da Razão Pura pressupôs uma razão pura que procurava as condições para o entendi- mento das ciências naturais, supondo, assim, um sujeito cognoscente e um objeto natural cognoscível. Buscando estabelecer condições de possibilidade para o ato interpretativo, Betti identificou a forma re- presentativa como elo entre dois sujeitos cognoscentes (duas espiri- tualidades). Esse elo é aquilo que toma a forma material (objeto) e possibilita ao homem estabelecer a comunicação com seu semelhan- te. Reale25 ressalta a necessidade da existência de uma ligação entre dois sujeitos no processo de comunicação: A socialidade assim constituída graças a atos comunicativos de com- preensão, como uma unidade superior de consciência entre pessoas, A “revolução copernicana” proposta pela Crítica kantiana parte de uma mudança de atitude que adota o sujeito cognoscente: o proble- ma não é se se pode conhecer através da razão ou da experiência – questão em torno da qual se debatiam racionalistas e empiristas – mas sim como se pode conhecer, isto é, quais os limites doconhecimento, seja pelo lado racional, seja pelo empírico. A pergunta fundamental é: quais as condições de possibilidade da razão pura e da experiência, como existem elas em nós e diante de nós? Ou em outras palavras: como é possível ao aparato cognoscente do ser humano, que é interior e subjetivo, afirmar, negar ou transmitir algo sobre um mundo que é exterior a nós mesmos? 24(2002, p. 26). 25(1992, p. 22). diante do texto normativo na busca do sentido da norma ju- rídica. Como diz Adeodato24: 36 ou “o mundo das objetividades intersubjetivamente constituídas”, não pode ser “explicado” segundo leis naturais. Na estruturação de sua teoria, Emilio Betti26 recorre a Kant adotando uma perspectiva da filosofia da consciência (que privilegia o modelo sujeito-objeto) e elabora uma teoria marcada pelo estudo das condi- ções de possibilidades do ato interpretativo no sujeito cognoscente. Betti afirma que a teoria de Kant elaborada na Crítica da Razão Pura se limitou aos conhecimentos naturalísticos marcadamente pela cons- tância e imutabilidade. Afastando-se dessa perspectiva, o estudo das condições de possibilidade da interpretação possui um caráter axioló- gico, sendo, portanto, mutável e evolutiva27: Finalmente, se a gnoseologia kantiana – dominada pelo fim de estabelecer as condições de possibilidade do conhecimento natu- ralístico – parte da implícita premissa do caráter constante e imu- tável das categorias lógicas, tal suposta constância não tem mais razão de ser em uma gnoseologia de juízo axiológico, onde se trata de estabelecer a possibilidade de um conhecimento das formações espirituais e a legitimidade de cânones interpretativos pelos quais se deva atingir a orientação28. O conhecimento não é um espelho perfeito da realidade. Os seus objetos são determinados pela maneira como os compreendemos. A atribuição de significado às coisas pertence ao mundo inteligí- vel onde é possível o uso e aplicação de conceitos racionalmente construídos. Assevera Salgado29 que “A coisa da natureza não tem 26(1990a). 27Betti adota uma concepção clássica de Direito no tocante ao conceito de evolução. Ele adota uma perspectiva de interpretação histórico-evolutiva do Direito que possibilita o intérprete acom- panhar as alterações sofridas pelo ordenamento jurídico. 28(BETTI, 1990a, p. 31). 29(2003, p. 196). 37 significado. Só o homem, quando a torna obra de cultura, dota-a de significado. Este é exatamente o que o homem acrescenta à natureza para criar.”. Explicita-se que o sentido depende da atividade interpretativa do ser humano. Logo, as possibilidades de conhecer estão no intérprete do Direito quando este se depara com os fatos e as normas buscando a aplicação do sentido normativo dentro de um caso concreto. For- ma-se a relação sujeito-objeto que permitirá que os sentidos norma- tivos sejam forjados a partir do confronto este os dois polos dessa relação. Conforme Lima Vaz30 A teoria da representação, portanto, na acepção com que aqui a entendemos, é uma teoria do conhecimento que confere novo estatuto gnosiológico à representação do objeto ou ao seu ser in- tencional objetivo na imanência do sujeito cognoscente. Segundo o postulado fundamental dessa teoria, a representação deixa de ser apenas o sinal formal cuja mediação estabelece uma relação de identidade intencional do ato cognoscitivo com o objeto extra- mental, como na concepção tomásica da species expressa. Ela se constitui o termo imediato, em i quod, da intenção cognoscitiva, fazendo surgir o difícil problema da relação, na ordem do conhe- cimento, entre o sujeito cognoscente e o objeto no seu ser real, sendo esse subordinado à primazia da representação na medida em que o ser representado é, em si, primeiramente conhecido. A cisão entre sujeito e objeto feita por Kant foi duramente criticada pelo pensamento filosófico contemporâneo. Todavia, pode-se visu- alizar que a separação proposta por ele possui um caráter estrutural. A consideração da relação sujeito-objeto não é aceita pela corrente da hermenêutica filosófica de cunho gadameriano e heideggeriano 30(1997, p. 162). 38 Kant propõe uma separação “idealística” como esquema de estru- tura de pensamento humano a fim de tornar sua teoria possível. A relação estabelecida entre sujeito-objeto não é uma relação de oposi- ção, mas de profunda dialética e interação sem a qual não se poderia estabelecer nenhuma relação entre os dois termos. Isto porque as práticas hermenêutico-interpretativas vigorantes/ hegemônicas no campo da operacionalidade – incluindo aí dou- trina e jurisprudência – ainda estão presas à dicotomia sujeito- -objeto, carentes e/ou refratárias à viragem lingüística de cunho pragmatista-ontológico ocorrida contemporaneamente, onde a relação passa a ser sujeito-sujeito. Dito de outro modo, no campo jurídico brasileiro, a linguagem ainda tem um caráter secundário, uma terceira coisa que se interpõe entre o sujeito e o objeto, enfim, uma espécie de instrumento ou veículo condutor das “essências” e “corretas exegeses” dos textos legais. As tentativas de solução desse problema estão na origem das di- versas versões idealistas presentes ao longo da filosofia moderna e que erigem a representação como norma ou medida imanente ao sujeito da cognoscibilidade do objeto32. desenvolvida por Streck. Desenvolvida a partir do pensamento de Heidegger, essa corrente reduz o problema do conhecimento à ques- tão da linguagem como modo de ser do dasein (ser-aí-do-homem). Conforme Streck31, a linguagem passa a ser a maneira pela qual todo e qualquer ser se manifesta: 31(2004, p. 18). 32(LIMA VAZ, 1997, p. 162). 39 Acredita-se que a cisão produzida pelo pensamento kantiano possa servir de reflexão para a estruturação do conhecimento com a neces- sária articulação dialética entre o sujeito e o objeto. Constata-se que após o pensamento de Kant há inúmeros desdobramentos das pers- pectivas filosóficas para a teoria do conhecimento. O emprego da cisão kantiana (sujeito-objeto) se desdobra na necessidade de reco- nhecer que o intérprete do Direito se depara com os fatos e com os textos normativos buscando construir um sentido normativo para ser aplicado em determinado conflito de interesse. A ontologia se preocupa em estudar as características fundamentais do ser. A questão sobre o ser é, talvez, a mais velha questão da filo- sofia ocidental. Uma ontologia voltada para a análise do Direito se depara com a questão: o que é o Direito? A pergunta situa-se dentro da Teoria Geral do Direito e da Filosofia do Direito. Mas, como vis- to, se o Direito é um fenômeno interpretativo, a questão sobre o que é o Direito torna-se uma questão sobre a interpretação do Direito. A teoria da tridimensionalidade propõe que o conceito de Direito seja compreendido dentro de três aspectos inseparáveis: fato, valor Pode-se afirmar a relação entre dois sujeitos ligados por um determinado objeto ocorre dentro de uma perspectiva dialética. A articulação estru- tural da relação sujeito-objeto faz com que os dois elementos se tornem inseparáveis do processo de conhecimento como diz Miranda33: A simples consideração da relação sujeito-objeto previne que a supressão de qualquer dos termos, só se levando em conta o conhecente, ou só se levando em conta o conheci- do, falseia o problema e, em consequencia, a solução. Os dois termos não podem ser eliminados. 33(2005, p. 28). 40 Bobbio35 entende a experiência jurídica como uma experiência nor- mativa. Norma jurídica é uma proposição prescritiva (pertencente à esfera da linguagem prescritiva) inserida numa fórmula jurídica garantida pelo poder público no âmbito do Estado. A Teoria Geral do Direito consagrou às normas jurídicas as características da bila- teralidade, imperatividade, generalidade, abstração, coercibilidade eo instituto da sanção. [Ora,] é evidente que não há só textos. E textos não são meros enunciados lingüísticos. O que há, então, são normas resultantes da interpretação de textos. Ou seja, também não há somente nor- mas, pela simples razão de que nelas está contida a normatividade que abrange a realização concreta do Direito. A norma é o lócus do acontecer (Ereigen) da “problemático-judicativa realização concre- ta do Direito” (Antonio Castanheira Neves) 34(2004b, p. 123). 35(2001). e norma. Dentro dessa perspectiva, a questão ontológica do Direito será refletida no sob a ótica do ser da norma jurídica compreendida como resultante da atividade do intérprete (sujeito cognoscente) so- bre o texto normativo. O intérprete; seja ele um jurista, um advoga- do ou, um juiz; quando necessita solucionar um determinado pro- blema (conflito dentro da sociedade entre os cidadãos - fato) recorre ao ordenamento jurídico à busca das regras de conduta que possam lhe dar a correlação com as condutas realizadas no plano dos fatos. A relação entre norma e texto é estreita, mas seus conceitos são incon- fundíveis. Trazendo à discussão a diferenciação entre norma e texto Streck34 afirma que 41 Com efeito, Kant vê a coisa em si como o ser verdadeiro que se esconde por trás das aparências, um ser noumenal e incognoscí- vel por não se submeter às categorias do entendimento; Cohen e Natorp a reduzem a uma necessidade de caráter lógico dentro do processo de conhecimento, algo como um limite intransponível. Para eles nada é em si, a existência só tem sentido em função de um sujeito cognoscente: o objeto só se objetiva porque algum su- jeito o põe como tal. O sujeito não apenas coloca o objeto diante de si, mas até o constitui, conferindo-lhe realidade: é de Cohen a afirmação, absurda para o senso comum, de que “somente o pen- samento é capaz de produzir o ser”36. Um exemplo da diferença entre norma e texto pode ser vislumbrado quando se lê o artigo 121 do Código Penal brasileiro que dispõe “Matar alguém: Pena de 6 a 20 anos”. O que está escrito no Código Penal é o texto do artigo. A norma irá depender da interpretação do leitor uma vez que será o sentido construído a partir daquele texto. Ao ler o texto percebe-se que o mesmo dispõe uma sanção para uma conduta proi- bida: “não matar”. “Não matar” é a conduta esperada pelo legislador quando da elaboração normativa. Logo, a norma jurídica do artigo 121 do Código Penal é “não matar”. Percebe-se uma intensa relação entre o intérprete do Direito e a norma jurídica uma vez que esta é o sentido que aquele dá às pro- posições normativas. Nesta relação deve-se levar em conta tanto o sujeito cognoscente quanto o objeto cognoscível. É fundada nessa relação que a pergunta sobre os limites da atividade do hermeneuta do Direito se coloca. A busca pela objetividade no ato de interpretação passa pelo esta- belecimento de certos limites à atividade interpretativa. Surge uma aporia: se o sujeito é o detentor das condições de possibilidade do co- nhecimento, tais condições poderiam ser limitadas por algo exterior a ele? O objeto é capaz de limitar a atividade cognoscitiva do sujeito? A reposta da aporia pode ser percebida no desenvolvimento do pensa- mento neokantiano da Escola de Marburgo: 36(ADEODADO, 2004, p. 41). 42 O Direito é um fenômeno cultural que se desenvolve ao longo da história. A realização do Direito depende de sua explicitação no âmbito da sociedade e relaciona-se com a concretização de uma ideia de Justiça. A historicidade do Direito revelará sua normati- vidade que ganhará a objetividade na medida de sua estruturação num pensamento racional que possa ser compreendido pelos in- divíduos. O desenvolvimento da relação sujeito-objeto ao longo 37(REALE, 2002a, p. 126). 38(2002a, 126). O sujeito aprende algo como “objeto”, mas resta sempre algo a conhe- cer; e, mais ainda, no ato mesmo de conhecer, algo se conserva hetero- gêneo, em relação ao sujeito mesmo, por ser transcendente a ele e não se reduzir no âmbito do processo cognitivo. A Escola de Marburgo entende que o sujeito conhece e constitui o objeto através do método. De acordo com esse pensamento pode-se afirmar que o sujeito cria o objeto. Nessa doutrina, reconhece-se, como nos parece certo, a função criadora do sujeito, mas não a função absoluta na constituição ou produção do objeto, como sustentam, por exemplo, os neo- -kantianos da Escola de Margurbo, para os quais o método é constitutivo do objeto37. Kantianamente, ao sujeito nunca é dado conhecer a coisa em si, mas, sim, o objeto enquanto representação de algo perante o sujeito. O objeto é algo exterior e diferente ao sujeito, logo, heterônomo. É essa exteriorização (ou heteronomia) que nos permite afirmar a existência de limites ao ato de conhecimento. Mas isso não impede a aceitação de que as condições de possibilidade do conhecimento estejam no sujeito cognoscente. Para Reale38: 43 Há, portanto, uma objetivação dos objetos culturais produzidos pelo homem historicamente situado. Nesse sentido, o Direito é re- sultante da objetivação histórica das normas de condutas sociais na conformação de uma sociedade justa. Com Reale40 Percebe-se que a atividade interpretativa na ciência do Direito rela- ciona-se com a teoria do conhecimento que pressupõe a análise crí- tica tanto em relação ao sujeito quanto em relação ao objeto. Tem-se que as condições de possibilidade do conhecimento jurídico estão Sem um meio espiritual para viver e expandir-se, então, o espírito pessoal não pode ser. Essa necessidade do outro, a intersubjetivida- de, forma um contexto significativo que o sujeito não escolhe mas encontra previamente estabelecido por outros indivíduos. Esse contexto é, ele também, resultado de uma determinação ôntica a que todo espírito vivo se acha submetido, qual seja a separabilida- de entre a própria pessoa e aquilo que ela exterioriza. É assim que o espírito objetivo se aparta do pessoal e que o espírito objetivado se separa tanto do pessoal quanto do objetivo. Sob o estímulo de algo, e na medida e em função de condições subjetivas e histórico-sociais – pois o realismo ontognoseológico não olvida a inevitável condicionalidade social e histórica de todo conhecimento – o, sujeito, de certa maneira “põe” o objeto, que pode não corresponder integralmente a algo, mas a algo com certeza sempre correspondente. da história faz surgir uma determinada objetividade no espírito humano. Como diz Adeodato39 39(2004, p. 195). 40(2002a, p.127). 44 Essa percepção abre caminho para um realismo gnosiológico que se articula em duas direções: (i) primeiro pressupõe que as condi- ções de possibilidade do conhecimento estão no sujeito e simulta- neamente (ii) considera que o objeto possui uma heteronomia em relação ao sujeito que não permita a este último atribuir qualquer sentido desconectado de sua realidade. Em suma, o pensamento tem o poder de pôr estruturas lógicas em função de estruturas ônticas, de maneira que há sempre ne- cessidade de determinar o método adequado ou correspondente a cada região ou a cada campo de realidade41. 41(REALE, 2002a, p. 127). no sujeito na medida em que este toma a realidade que o cerca e, refletindo criticamente sobre ela, formula um conceito de Direito. Mas esse pensamento, construído pelo sujeito a respeito do conceito de Direito, deve levar em consideração àquela mesma realidade que serviu de base para a estruturação dessa forma de pensar. Se o conhecimento humano está relacionado com o objeto a ser conhe- cido, importa, ainda, adotar um método apropriado ao estudo desse objeto no sentido de dar cientificidade necessária ao conhecimento. A TEORIA HERMENÊUTICA DE EMILIO BETTI CAPÍTULO 47 Emilio Betti (1890-1968) foi jurista e professor de várias discipli-nas da Facoltà di Giurisprudenza delle Università di Roma e di Camerino dedicando parte de sua vida à elaboração e construção de uma teoria hermenêutica. Devido a envergadura intelectual de seu pensamento, sua teoria hermenêutica pode ser considerada uma teoria do conhecimento. Alinhado à perspectiva teórica dos pensamentos hermenêuticos de Schleiermacher e Dilthey, Betti a compreende a Hermenêutica como um corpo geral de princípios metodológicos que subjazem à interpretação. Influenciado pela ética de Nicolai Hartmann e pela teoria do conhecimento de Kant, Betti desenvolve uma concepção de objetividade ideal e objetividade real. A primeira diz respeito ao pressuposto da experiência que, kantianamente, será denominado de condições de possibilidade para o entendimento. A segunda (objetividade real) constitui um dado fenomênico da experiência e pode ser entendida como a relação existente entre a situação e a resposta vivida por uma espiritualidade. A objetividade pretendida se fundamenta no processo espiritual de compreensão no qual um espírito é chamado a interagir (responder) com outro que lhe fala através de uma forma representativa. O problema da interpretação, como forma de comunicação entre os homens, foi proposto por Betti44 nos seguintes termos: Na elaboração das formas representativas o espírito humano mo- difica a objetividade real do mundo sensível no processo de atua- ção da objetividade ideal dos valores, e assim põe as premissas do problema da interpretação. Neste se trata, de retraduzir as formas representativas comunicadas e transmitidas no conteúdo do espí- rito e do pensamento onde nasceram e que elas estão a representar: se trata, isto é, de retraduzir na objetividade ideal dos valores que nelas se dão uma existência fenomênica. 44 (1990a, p. 50). 48 Os problemas da interpretação e da compreensão não são mais do que um aspecto do problema geral do conhecimento. Por sua vez, o conheci- mento é uma atividade espontânea dotada de energia inventiva (criativa), mas que exige a observância de um conjunto de regras que devem orien- tar aquela atividade cognoscitiva. Essa ordenação objetiva, necessária ao processo de interpretação, implica tanto na (i) expressão de uma ideia a partir do processo de ordenação do mundo em objetos; apresentação de algo interno (por exemplo, intenções, sentido) como objeto significativo tendo em vista a investigação científica quanto (ii) no processo pelo qual um sujeito exterioriza uma intencionalidade através do uso da linguagem se tornando um objeto passível de atualização por outro sujeito. Preocupado em desenvolver uma teoria do conhecimento que se propu- sesse a garantir o êxito epistemológico da interpretação e em sistematizar e organizar a atividade interpretativa em todos os ramos do saber, Betti publicou em 1949 Interpretazione della legge e degli atti giuridici em que tratou de estabelecer uma teoria geral e dogmática da interpretação jurídica expondo problemas hermenêuticos que cercam a atividade inter- pretativa dos juristas. No ano de 1955, após oito anos de trabalho, Betti finalizou sua Teoria Generale Della Interpretazione que é um verdadeiro monu- mento intelectual que demonstra toda a cultura do jurista italiano. A obra extrapola o campo jurídico na medida em que busca as pos- sibilidades da teoria hermenêutica. A importância de sua obra é evidenciada pelo esforço de Betti ao se encarregar de fazer a tradução para a língua alemã fomentando o debate com outros pensadores da hermenêutica, em especial, com seu grande interlocutor: Hans George Gadamer, autor de Verdade e Método45. O diálogo entre Betti e Gadamer será tratado ao longo do livro não de forma reconstrutiva, mas a partir de pontuações específicas das duas propostas hermenêuticas. 45Giuliano Grifò em nota introdutória à Teoria Generale della Interpretazione equipara o diálogo de Betti e Gadamer àquele ocorrido entre Savigny e Thibaut quando do movimento de codifica- ção ocorrido na Alemanha na primeira metade do século XIX. 49 No momento da exteriorização de sua subjetividade o homem ma- terializa sua intenção de modo a permitir sua captação e seu enten- dimento por outro sujeito alheio à sua intencionalidade. A interpre- tação envolve uma questão que pertence à região ôntica de algo, ou seja, algo tem que existir como algo para que o sujeito possa dele conhecê-lo. Sistematizam-se as ideias fundamentais da hermenêuti- ca de Betti sob três aspectos: 1) o problema da compreensão; 2) o procedimento da compreensão; 3) os princípios fundamentais da epistemologia hermenêutica. O primeiro relaciona-se com o confronto entre a subjetividade do intérprete e a objetividade do objeto. O segundo está ligado à for- ma pela qual o procedimento da compreensão ocorre. Esse proce- dimento é formado por três elementos: o sujeito autor que elabora a forma representativa; a forma representativa que é o objeto da A evolução da arte mostra, pois, um processo de assenhoreamen- to da obra pelo significado. Não porém, total aniquilamento do significante, que sem este não haveria obra de arte. É a expressão do significado. Quando dizemos expressão, queremos dizer que o significado não é dado intuitivamente, em comércio mental dire- to. Toda expressão é meio de comunicação. Comunicar é pôr um intermediário entre dois pontos. No caso humano, mediar duas mentes por um instrumento material46. 46(SALGADO, 2003, p. 197). Concebido dentro das ciências do espírito, o Direito pertence ao mundo da cultura e racionalidade humanas. O homem, como espíri- to subjetivo, toma consciência de si e de outrem pela sua capacidade racional de reflexão (pensamento). O processo de comunicação hu- mana exige a exteriorizar da subjetividade do homem a fim de se fazer entender por seu semelhante. 50 Formas representativas são os meios pelos quais o espírito dotado de uma subjetividade explicita (traz ao mundo) certos valores que interpretação e, por último, o sujeito intérprete dessa forma repre- sentativa. O terceiro aspecto é a proposta teórica de Emilio Betti para a fundamentação epistemológica da ciência da interpretação. Sendo o homem dotado de espiritualidade47, a objetivação dessa torna-se um dos elementos centrais para a teoria bettiana. A forma representativa é entendida como o objeto que representa uma obje- tivação de um sujeito. É a representação de uma intencionalidade. Considerando o objeto da compreensão, Betti se preocupa com o desenvolvimento de um arcabouço instrumental no qual um deter- minado espírito se manifesta permitindo estabelecer comunicação com outro espírito. A essa instrumentalidade material Betti chama forma representativa. É pela forma representativa que um espírito dotado de consciência e experiência se comunica com outro espírito também portador consci- ência e experiência. A forma representativa é a responsável pela obje- tivação de alguma intencionalidade (ou vontade) subjetiva do sujeito que a elabora e é por meio dela que um intérprete consegue exercer sua atividade hermenêutica. § 1º. - Objeto da compreensão. Conceito de forma repre- sentativa. – Onde quer que estejamos na presença de for- mas sensíveis, através das quais outro espírito, nelas objeti- vado, fala ao nosso, fazendo apelo para nossa inteligência (I), ali entra em movimento nossa atividade interpretativa para entender qual sentido têm aquelas formas, qual men- sagem elas nos remetem, que coisa elas querem dizer48. 47Adota-se a concepção de BETTI (1990a, p. 06) que considera espiritualidade como a caracterís- tica do homem de consciência e autoconsciência. 48(BETTI, 1990a, p. 59-60). 51 O espírito objetivo não se reduz a esse ser portador, porém, e segue sua própria dinâmica, ultrapassando o indivíduo, cujas relações com ele nem sempre são harmoniosas; com efeito, são freqüentesos conflitos entre o espírito objetivo e o espírito pessoa. Além da transmissibilidade, outra característica do espírito objetivo é sua historicidade, ele é criador e transmissor da história50. passam a ter uma existência fenomênica. Essa existência fenomênica possui peculiar objetividade real que se dá no plano da experiência. Essa objetividade possui a capacidade de modificação do mundo sensível, sem a qual não seria possível nem as formas representativas e nem a existência sensível de um valor seria pensável. A objetivação é a expressão de um valor que inicialmente está na sub- jetividade do homem. O valor é algo inerente ao homem e que se realiza na experiência humana dentro da história evidenciando uma sensibilidade espiritual. Através da sensibilidade espiritual é que se opera uma estrutura mental que transcende o empírico e atinge o ser humano que tenha alcançado um grau de maturidade necessário à coparticipação daquele valor. Dentro de sua historicidade49 o homem gera e cultiva seus valores con- seguindo transmiti-los a seus sucessores. A transmissão desses valores às gerações futuras é feita por meio de formas. Esses valores tornam-se re- presentações das formas física, psíquica e espiritual que nos são legadas por meio físico, sem o qual não seriam perceptíveis e inteligíveis. O valor atribuído a esse meio físico transcende sua gênese quando se relaciona com outra gênese, isto é, o valor transcende a forma pela qual está consignado na medida em que é reconhecido por uma vi- brante experiência de vida diferente daquela que o concretizou. 49Segundo Abbagnano (2003, p. 508), por historicidade deve-se entender “1. O modo de ser no mundo histórico ou de qualquer realidade histórica.”. 50(ADEODATO, 2002, p.196). 52 Este espírito vivo (pessoal e objetivo) é portador da história e cria- dor da civilização. O espírito objetivado, que não é vivente, precisa do espírito vivo, ainda que não necessariamente aquele que o obje- tivou, para fazer efetivamente parte do ser espiritual; um livro não é um livro sem a presença de um espírito pessoal que lhe perceba o sentido, assim como a lei é mera matéria morta sem o espírito objetivo que a concretize51. Com Bleicher52 “Em contrapartida, é igualmente importante insis- tirmos no facto de uma interpretação ser possível apenas em face de formas representativas.”. As formas representativas assumem uma posição fundamental dentro da teoria de Betti sendo responsáveis pela intermediação na comunicação entre os homens permitindo o desenvolvimento do processo de conhecimento. Sobre o processo de conhecimento Eco53 diz que “É através do pro- cesso de interpretação que, cognitivamente, construímos mundos, atuais e possíveis.”. Percebe-se que todo o processo de conhecimen- to acaba sendo uma interpretação da realidade. É a transposição da percepção imediata da realidade para o plano do pensamento. Nesse sentido, a captação da realidade é o primeiro momento do proces- so de conhecimento sem, contudo, esgotar-se nele. Dependente da racionalidade humana, o processo de conhecimento alcança sua ple- nitude a partir do pensamento sobre os dados reais. Para que o conhecimento, enquanto ação do logos diante do real, se dê efetivamente, é necessário que aquele que conhece (sujeito cognoscente) se destaque, se separe da coisa. A partir do momento em que o logos afirma a existência da coisa, enquanto algo que dele é separado, dá-se conta do seu ser imediato diante de si e a transforma em objeto (objeto conhecido)54. 51(ADEODATO, 2002, p.204). 52(1992, p. 81). 53(2004, p. XX). 54(DINIZ, 2002, p.197). 53 Isto significa que o processo de interpretação necessita de uma forma representativa pela qual uma espiritualidade (subjetividade) consig- na intenções, vontades, sentimentos, etc., criando a possibilidade de uma relação dialética no processo de conhecimento. Como processo dialético, o conhecimento nega a imediatidade do objeto, a sua mera aparência sensível para, uma vez o tendo elevado ao plano do pensar, atingir o momento totalizante da determinação do seu conceito, isto é, o plano do pensar refle- tido sobre o objeto enquanto ser, onde se atinge a totalidade suprassumida que o caracteriza ser e ente. A interpretação, portanto, é o momento dinâmico do conheci- mento da realidade, é o ato de apreendê-la racionalmente, tal qual ela se apresente ao sujeito que conhece. Como atividade do logos – do ser humano, portanto – ela se dá, ela se exterioriza por meio de um processo discurssivo. Surgem, aí, duas conclusões: a) o ato de interpretar se expressa por meio de signos; b) o ato de interpretar, porque exteriorizado por signos, insere-se num contexto lingüístico-comunicativo e, portanto, cultural; com efeito, a atribuição de significados é uma característica essencial do agir noético do ser humano sobre a natureza:[..]56. Sendo a forma representativa o objeto da compreensão, o processo de interpretação apresenta um caráter tríplice com os seguintes ele- mentos: 1) sujeito que objetifica seu pensamento; 2) forma repre- sentativa; e 3) intérprete. A relação entre um e outro espírito tem sempre caráter triádico (38): o intérprete é chamado a entender o sentido, seja intencio- nalmente, seja objetivamente reconhecível, ou seja, a comunicar com outra espiritualidade através das formas representativas nas quais elas tem-se objetivado. A comunicação entre os dois nunca é direta, mas sempre mediata por este termo intermediário55. 56(DINIZ, 2002, p. 197). 55(BETTI, 1990a, p.71). 54 A possibilidade de uma Teoria Geral da Interpretação encontra, no problema do conhecimento, uma afinidade com a materialização da intencionalidade de sujeito a fim de estabelecer a comunicação. Os signos sensíveis que são dados exteriores ao sujeito tais como a palavra, os escritos, os gestos, as construções, as figuras, os sons for- mados musicalmente, os modos de conduta, os organismos sociais e as normas jurídicas. Tudo isso são objetivações do espírito humano que fala e comunica a outra espiritualidade. Nessa perspectiva o processo de compreensão possui algumas carac- terísticas comuns: 1) O processo de interpretação pressupõe uma postura de caráter emotivo que é dado por um específico interesse do intérprete e sua posição em face de um determinado proble- ma; 2) O processo de interpretação pressupõe uma postura reflexiva cujas condições são datas pela percepção ou reevocação mnemônica das formas representativas. Existe uma distância temporal entre o 57(BETTI, 1990a, p. 275). 58(2003, p. 177). No processo interpretativo surge o conflito entre a objetividade da forma representativa e a subjetividade do hermeneuta. Nesse confronto tem-se a questão dos limites para atuação do intérprete do Direito frente ao ordenamento jurídico. Trata-se, na realidade, de se adequar o autor tanto pelo lado objetivo – no conhecimento da língua, como ele a conhecia, e não somente os seus leitores de origem (que tiveram que fazer um análogo esforço para se adequar a ele) - , quanto pelo lado subjetivo – no conhecimento da sua vida interior e exterior. Trata-se de enquadrar o escrito não só na personalidade do au- tor, mas também na totalidade da língua e da época histórica a qual ele pertence, procurando entender os elementos por meio da totalidade e reciprocamente, isto por meio daqueles (27)57. 55 Assim, como Betti observa, é perfeitamente absurdo falar de uma objetctividade que não envolva a subjectividade do intérprete. Porém, a subjectividade do intérprete deve penetrar a estranheza e a alteridade do objecto, ou então o intérprete apenas projectar a sua própria subjectivida- de no objeto de interpretação59. intérprete e aquele que objetivou a forma representativa sendo ne- cessário superar a distância entre esses dois sujeitos a fim de compre- ender osignificado da objetivação de um espírito. Logo, ao contrá- rio de adotar uma atitude passiva diante da forma representativa, o intérprete deve sempre estar empenhado em refletir sobre o sentido da forma representativa dentro de um contexto; e 3) O processo de interpretação pressupõe uma postura ética e reflexiva do intérpre- te em relação ao objeto. Essa postura crítica configura-se em dois aspectos: (i) a abnegação de si mesmo e (ii) a abertura intelectiva e espiritual (uma disposição congenial e fraterna com a espiritualida- de objetivada na forma representativa). Este aspecto configura uma postura de simpatia do intérprete pelo outro espírito que lhe fala através de uma objetivação (forma representativa). Entende-se que existe equívocos quanto à análise da postura crí- tica e reflexiva especialmente no tocante a abnegação de si mes- mo. Sparemberger58 desconsidera essa postura ética e reflexiva (crítica) em Betti já que “Para BETTI, a interpretação ocorre, portanto, quando o sujeito se curva sobre uma forma representa- tiva que contém aspectos de objetividade real e ideal.”. A proposta de Betti não desconhece a subjetividade inerente a qualquer ser humano tendo em vista que as condições de possibili- dade do conhecimento estão no sujeito. O autor também reconhe- ce que a subjetividade do intérprete não pode ser ilimitada uma vez que a forma representativa possui uma objetividade limitadora da atividade do intérprete. 59(PALMER, 1999, 65). 56 Se realmente Betti condicionasse totalmente o sujeito ao objeto, não haveria necessidade de estabelecer os cânones referentes ao sujeito que, junto com os cânones do objeto, balizam metodologicamente todo o processo de interpretação. Caso a crítica subsista, Betti teria inviabilizando seu próprio pressuposto teórico (a teoria kantiana) onde o sujeito está no centro do sistema de conhecimento. O processo de interpretação conclama o intérprete à realização de uma tarefa: identificar as razões de determinada forma representa- tiva e não simplesmente reduzir sua gênese objetivada através de um simples nexo de causalidade. A liberdade do intérprete, como prerrogativa de qualquer ser humano, não é definível num senso puramente negativo e atomístico. Também não é uma faculdade da razão que possa ser utilizada de qualquer maneira. A liberdade interpretativa possui limites. O ‘intérprete’, ao contrário, não tem diante de si algo indefini- damente ‘objetivável’, mas sim algo que só pode ser re-criado ou re-presentado dentro dos limites daquilo que já se tornou objetivo por ato de outrem. Assim sendo, por mais que o in- térprete possa desempenhar uma função criadora no ato de in- terpretar, como efetivamente se dá, a sua ‘criação’ jamais pode ir além do ‘desenho intencional’ ou do horizonte daquele que lhe cabe compreender e expressar, sem que isto importe em considerá-lo sempre jungido à presumida intenção originária do autor da forma objetivada60. 60(REALE, 1992, p. 242-243). A liberdade aparece em Betti como potência de autoderminação reta de uma lei de autonomia. A liberdade existe em um momento ante- rior ao nexo de causalidade que está presente no ato de interpretação. Logo, liberdade e nexo de causalidade estão lado a lado no processo interpretativo sendo que este último transcende o primeiro. 57 O ato de interpretação não é um processo de criação que se inicia a partir do nada61. É dessa correlação que resulta não ser o conhecimento nem cópia de algo dado, nem criação ex nihilo, mas antes uma sín- tese prospectiva, no sentido de que é uma síntese que se dá com autoconsciência de sua implenitude, nos limites de uma “distinção” entre termos que jamais poderia deixar de subsistir, para se converter em “identidade”62. O mesmo A. [Betti] acrescenta, porém, que, se de um lado as objetivações vinculam a liberdade do espírito que as interpreta, nem por isso deixam de provocar uma tendência a rebelar-se contra elas, do que resulta “uma luta representa uma dialética interior entre espírito atual e objetivações; um contínuo alter- nar-se de atração e de repulsão, que chega a influir sobre o processo interpretativo mesmo, desviando o seu curso e modi- ficando os seus resultados, o que faz pensar na fórmula mística “nec tecum vivere possum nec sine te”63. O processo de interpretação se desenvolve nesse ambiente de tensão entre a objetividade da forma representativa e a subjetividade do in- térprete64. Buscando garantir o êxito epistemológico do processo de interpretação, no terceiro capítulo da Teoria Geral da Interpretação Betti desenvolve uma metodologia própria apresentando seus câno- nes hermenêuticos. Os cânones têm a pretensão de funcionar como regras que estão presentes em todos os processos de interpretação auxiliando o intérprete. 61Para BETTI (1991, p. 371) nem o artista nem o legislador criam ex nihilo, isto é, a partir do nada, sem fundamento ou razão determinante. 62(REALE, 2000, p. 53). 63(REALE, 1992, p. 243). 64“A existência de uma relação qualquer entre autor e intérprete constitui não só a base em que pode ocorrer a comunicação através do tempo e do espaço, mas também um problema óbvio para a objectividade dos resultados da interpretação. É sobre este problema da forma de reconciliar as “condições sujbectivas” com a “objectividade da compreensão”, que Betti se debruça na parte final das suas considerações epistemológicas.” (BLEICHER, 1992, p. 54) 58 No contexto da filosofia da consciência proposta por Kant, Betti classifica os cânones em função do objeto e do sujeito. Os cânones referentes ao objeto possuem a função de limitar a discricionarieda- de da atividade do hermeneuta mitigando, por assim dizer, o grau de subjetividade da interpretação. A função dos cânones referentes ao objeto, no contexto do Direi- to, pode ser relacionada com o princípio da segurança jurídica66. Um dos objetivos da regulação das condutas pelo Direito é oferecer previsibilidade tanto para os cidadãos quanto para o poder públi- co responsável pela coerção no âmbito do Estado. O princípio da segurança jurídica permite que os cidadãos tenham clareza sobre as regras de conduta de um determinado Estado. Os cânones referen- tes ao objeto tentam preservar o princípio da segurança jurídica. Os cânones referentes ao sujeito atendem outra necessidade da ci- ência do Direito: a correção da decisão. Nesse ponto é que a teoria do conhecimento desenvolvida no pensamento de Emilio Betti faz uma interseção profunda na ciência do Direito. Ao se preocupar com a correção da decisão, Betti trata do problema crucial da Filo- sofia do Direito: a Justiça. Certo de que a Justiça é conceito dos mais discutidos na Filosofia do Direito, ao elaborar sua teoria Betti se preocupa tanto com a 65(MEGALE, 2005, p. 160). 66Adota-se o princípio da segurança jurídica na perspectiva de SILVA (1996, p. 412): “A segurança jurídica consiste no “conjunto de condições que tornam possível às pessoas o co- nhecimento antecipado e reflexivo das conseqüências diretas de seus atos e de seus fatos à luz da liberdade reconhecida.” Na sua metodologia, Betti apresenta quatro cânones a serem observados pelo intérprete. Ressalte-se que estes não consti- tuem formulações dos dias de hoje: o Direito Romano já os conhecia. Os jurisconsultos e magistrados punham-nos em prática, principalmente fundados em Celso, como se vê no Di- gesto de Justiniano. Paulo igualmente não os desconheceu65. 59 segurança jurídica quanto com a correção da decisão (com a me- dida de Justiça da decisão). Esta segunda questão surge no Direito quando da solução de um conflito social com a determinação da conduta (norma) que possui uma carga axiológica determinante. O sentido da interpretação deve ser extraído do objeto (objetificado na forma representativa) e este deve ser respeitado em sua especificidadee suas características elementares. Como cânones do objeto têm-se: a) Cânone da autonomia (ou da imanência do critério hermenêu- tico): esse cânone tem por escopo consagrar a autonomia do objeto diante do intérprete. Tal autonomia pode ser vista também em rela- ção ao próprio autor da forma representativa indicando que o obje- to é algo distinto do ato de volição de seu criador. Se, por um lado, há uma profunda relação entre o autor da forma representativa e a sua objetivação (a própria forma representativa), por outro, a forma representativa ganha autonomia em relação ao seu criador colocan- do-se no mundo para os demais sujeitos. O cânone da autonomia tem a função de estabelecer a razão ou racionalidade da forma repre- sentativa a partir de sua própria estrutura e existência fenomênica. A importância desse cânone está na relação do intérprete com a forma representativa. Dizer que um objeto (forma representativa) possui uma existência própria com características peculiares e ima- nentes implica em reconhecer que ele possui um sentido que inde- pende unicamente da vontade subjetiva do intérprete. Na verdade, se as formas representativas que constituem o obje- to da interpretação (§1), são essencialmente objetivações de uma espiritualidade, a qual nela foi introduzida, é claro que elas de- vem ser entendidas segundo aquele espírito que está objetivado nelas, segundo aquele pensamento que nelas se tornam reconhe- cível, não ainda segundo um espírito e um pensamento diferente, nem segundo um significado que a pura forma pode ser atribuído, quando se faça abstração da função representativa a qual seve ela respeito aquele espírito e aquele pensamento67. 67(BETTI,1990a,p. 305). 60 Na relação sujeito-objeto o cânone da autonomia possui a função de res- saltar a existência própria do objeto em relação ao sujeito, sem, contu- do, condicioná-lo de forma absoluta. É o sujeito que conhece o objeto. Contudo, tal conhecimento é limitado, objetivamente, por circunstâncias heterônomas ao próprio sujeito. 68(BETTI, 1949, p. 56). 69(BETTI, 1990a, p. 72). O sentido não é algo criado ou construído pelo intérprete ao seu bel prazer, mas algo que deve ser construído a partir do objeto que se está interpretando. Sendo a forma representativa uma objetivação de uma determinada espiritualidade é necessária a observância dessa objetivação para al- cançarmos à compreensão desse objeto. Afasta-se, portanto, do pen- samento voluntarista que conceitua a lei como um ato de vontade. [...] por fim d) uma “discricionariedade” de caráter supletivo ou complementar, que sirva à adaptação e à especificação da norma a variabilidade da fatispecie concreta: exemplo código penal 132-133, e) à esta última discricionariedade, que encontra-se na função juris- dicional, vem comparado a alguém a valorização conduzida com o critério da “noções elásticas” e dos “conceitos de valores”, ou seja, dos critérios dedutíveis da consciência social, em si extrajurídica, mas relevantes pelo tratamento jurídico (6) aos quais referenciam-se as normas jurídicas a serem interpretada e aplicadas (7)68. A concepção voluntarista é essencialmente anti-histórica: considerar o Direito positivo como expressão de uma vontade cada vez exclusi- va e acabada em si mesma, quer dizer por o Direito do lado de fora do fluir contínuo da história, e conseqüentemente, se a história é racionalidade, quer dizer tirar-se a possibilidade de racionaliza-lo69. 61 O objeto é objeto enquanto posto ou conhecido pelo sujeito e a coisa em si não é possível conhecer. A autonomia do objeto não está relacionada com a coisa em si, mas com fatores que condicionam o sujeito no conhe- cimento da coisa em si enquanto objeto cognoscível pelo homem. Ao tratar dos limites da interpretação traçados por este cânone, a teoria de Betti se funda na teoria axiológica de Nicolai Hartmann para fazer a conciliação entre a filosofia da consciência de Kant e seu cânone da autonomia. Tal conciliação é relacionada com os concei- tos de objetividade ideal e objetividade real que serão tratados em capítulo seguinte. b) Cânone da Totalidade e Coerência: o cânone da totalidade e da coerência prevê que o processo de interpretação deve observar qual a extensão do objeto que está sendo interpretado. No momento da atividade hermenêutica é necessário observar a dimensão da forma representativa. Betti71 fundamenta esse cânone no Evangelho de São Mateus, 9, 16-1772 informando que a coerência é uma exigência pressuposta a todo processo de compreensão73. Se sujeito e objeto são termos que reciprocamente se implicam e se exigem, mantendo-se heterogêneos, entre os mesmos se es- tabelece uma tensão pluridimensional somente suscetível de ser explicada à luz de uma dialética de implicação-polaridade, que, como será esclarecido oportunamente, insere-se no âmbito da dialética de complementariedade70. 70(REALE, 2000, p. 49). 71(1990a, p. 308). 72Sobre o fundamento bíblico para tal cânone temos: “Ninguém costura um remendo de pano novo numa roupa velha, porque esse pedaço rompe a roupa e o rasgão fica maior. Nem se coloca vinho novo em velhos recipientes de couro, porque do contrário eles arrebentam, o vinho escorre e os recipientes se estragam. Pelo contrário, põe-se vinho novo em recipientes novos e ambos se conservam.” 73“A exigência assim afirmada ou pressuposta poderia ser qualificada como o cânone da totalidade e coerência da consideração hermenêutica. Ele se faz presente na correlação que intercede entre as partes constitutivas do discurso, com em qualquer objetivação do pensamento, e a sua comum referencia a totalidade do qual falem ou ao qual se li- gam: correlação e referência, que tornam possível a recíproca iluminação do significado entre o todo e os elementos constitutivos.”. (BETTI, 1990a, p. 308). 62 74Ordenamento jurídico é observado aqui na perspectiva de BOBBIO (1995, p. 198): A teoria do ordenamento se baseia em três caracteres fundamentais a ela atribuídos: a unidade, a coerência, a completude; são estas três características que fazem com que o Direito no seu conjunto seja um ordenamento e, portanto, um entidade nova, distinta das normas singulares que o constituem. 75(1990a). O cânone da coerência e da totalidade remonta à ideia de círculo hermenêutico que é concebido como uma totalidade orgânica de algo que constitua um determinado objeto da atividade interpre- tativa. Essa totalidade orgânica está ligada pelas partes, existindo, assim, uma relação circular entre o “todo” e as “partes” e vice-versa. O cânone da totalidade e coerência pode ser relacionado, no âmbito do Direito, com a ideia de ordenamento jurídico74 que apresenta as características da unidade, da coerência e da completude. O ordena- mento jurídico deve ser compreendido como um complexo de nor- mas que possuem características peculiares. A ordem jurídica pressu- põe uma organização hierárquica e sistematizada. Em relação ao sujeito (intérprete) Betti75 propõe os seguintes cânones: a) Cânone da atualidade do entendimento: relaciona-se com o in- térprete da forma representativa e com sua capacidade de atualização da forma representativa. A função do cânone da atualidade é chamar o intérprete a refazer o caminho do autor da forma representativa reconstruindo-a e atualizando-a numa atividade intelectual (pensa- mento) e, posteriormente, colocando-a em prática por uma ação (ou aplicação de um sentido normativo). O intérprete, diante da forma representativa, interioriza-a na sua pró- pria experiência por meio de uma transposição do círculo da própria vida espiritual que se dá em virtude da síntese com aquilo que é re- conhecido e reconstruído. O cânone da atualidade possibilita que o intérprete se afaste de uma “objetividade ingênua” (denominação de Betti) que corresponderia a uma objetividade moldada pela
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