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O Princípio da Legalidade ou da Reserva Legal no Direito Penal
Autor: Fernando Carlomagno*
 
 
 1. Introdução
 
A democratização das sociedades modernas gerou conseqüências também para o Direito Penal, exigindo-se que este
ramo do Direito, para garantir sua eficácia, se assente em duas pilastras básicas: que sua intervenção seja legalizada e
mínima.
 
Relativamente à intervenção legalizada, trata-se de expressão apta a referir que a intervenção do Direito Penal na
sociedade deve ser amparada no Princípio da Legalidade, único meio de evitar que o poder punitivo seja exercido
arbitrária e ilimitadamente.[1] Portanto, para ser legal, a intervenção deve limitar-se ao direito positivo.
 
O Princípio da Legalidade, desde o Iluminismo do século XVIII, exerce suma importância para o Direito Penal, e se
insere numa lógica em que o poder estatal é restringido, tendo como principal papel garantir direitos mínimos para os
indivíduos, aos quais pode ser imputada a prática de crime somente se lei prévia estabeleceu determinada conduta como
tal, nem lhes pode ser imposta pena também previamente definida.
 
Como preceitua o Prof. Damásio Evangelista de Jesus: “O Princípio da Legalidade (ou de reserva legal) tem
significado político, no sentido de ser uma garantia constitucional dos direitos do homem. Constitui a garantia
fundamental da liberdade civil, que não consiste em fazer tudo o que se quer, mas somente aquilo que a lei permite. À lei
e somente a ela compete fixar as limitações que destacam a atividade criminosa da atividade legítima. Esta é a condição
de segurança e liberdade individual. Não haveria, com efeito, segurança ou liberdade se a lei atingisse, para os punir,
condutas lícitas quando praticadas, e se os juízes pudessem punir os fatos ainda não incriminados pelo legislador”[2]. 
 
Em seu desenvolvimento teórico, destacam-se diversos autores que, com suas formulações, evidenciaram a
possibilidade de se fazer derivar deste princípio vários corolários, destacando-se duas ordens de pensamento: uma,
formulada pelo jurista italiano FERRANDO MANTOVANI[3], que afirma derivarem do Princípio da Legalidade, no
âmbito do Direito Penal, três postulados: a) a reserva legal; b) a determinação taxativa; e, c) a irretroatividade da lei
penal. A esta corrente filiou-se, na própria Itália, FRANCESCO PALAZZO[4] e, entre nós, o insigne LUIZ LUISI.[5]
 
Outra formulação é liderada pelo penalista espanhol REINHART MAURACH[6], propugna que o princípio em
questão se desdobra em quatro postulados: a) nullum crimen, nulla poena sine lege praevia; b) nullum crimen, nulla
poena sine lege scripta; c) nullum crimen, nulla poena sine lege stricta; e, d) nullum crimen, nulla poena sine lege certa.
Entre nós, este esquema foi adotado, entre outros, por FRANCISCO DE ASSIS TOLEDO.[7]
 
 
 
2. FUNDAMENTO CONSTITUCIONAL
 
A estrutura do Estado Democrático de Direito tem sua origem na Constituição Federal, norma esta fundamental
para regulamentar as relações sociais e embasar também as disposições de ordem penal.
 
Assim, o conteúdo do Direito Penal, suas regras punitivas, sanções e bens jurídicos sujeitos a sua proteção
devem estar a ela atrelados.
 
Relevante é a citação da jurista Alice Bianchini, professora da Faculdade de Direito da Universidade de São
Paulo e Doutora em direito penal pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, quando nos elucida que “a
criminalização da conduta deve pautar-se, neste quadro, por processo meticuloso e que jamais pode deixar de
contemplar direitos e garantias inscritos na Constituição”.[8]
 
Seguindo o pensamento moderno, a Constituição Brasileira de 1988, protege as garantias fundamentais
previstas pela Reserva Legal em seu art. 5º, inciso XXXIX onde diz: “Não haverá crime sem lei anterior que o
defina, nem pena sem prévia cominação legal”.
 
O inciso II do art. 5º da Constituição Federal consagrou o Princípio da Legalidade nos seguintes termos:
“ninguém será obrigado a fazer ou a deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.
 
O Princípio da Legalidade também está explicito no art. 37º, caput, da CF, que estabeleceu a vinculação de todo
o agir administrativo público à legalidade.
 
A obrigação de estar subordinado o poder público ao Princípio da Legalidade ganhou força e consolidação,
principalmente, na já clássica lição de Meirelles:
 
“A legalidade, como princípio de administração, (Constituição da República Federativa do Brasil - 1988, art.37,
caput), significa que o administrador público está, em toda a sua atividade funcional, sujeito aos mandamentos da lei,
e às exigências do bem-comum, e deles não se pode afastar ou desviar, sob pena de praticar ato inválido e expor-se à
responsabilidade disciplinar, civil e criminal, conforme o caso”.
 
 
 
3. FUNDAMENTO LEGAL
 
No dizer do Professor Julio Fabbrini Mirabete, em comentários ao artigo 1o, do Código Penal, assinala que:
“O artigo define o Princípio da Legalidade, a mais importante conquista de índole política, norma básica do
Direito Penal Moderno, inscrito como garantia constitucional...”
 
Confira-se a propósito as seguintes ementas:
 
“Ação Penal. Ilegalidade patente e evidenciada pela mera exposição dos fatos, demonstrando ausência de
qualquer indício que sustente a acusação. Trancamento por falta de justa causa. Possibilidade: -É possível o
trancamento da ação penal por falta de justa causa, quando a ilegalidade é patente e evidenciada pela mera exposição
dos fatos, demosntrando ausência de qualquer indício que sustente a acusação”[9].
 
“A prestação de serviços à comunidade por estar expressamente prevista em Lei como forma de condicionar o
sursis não ofende o Princípio da Reserva Legal. – A opção, que não incide no pecado denominado bis in idem,
encontra respaldo no art. 78, § 1o do Código Penal sendo diferente da pena prevista e cominada ao delito. –Recurso
defensório a que se nega provimento”[10].
 
Cumpre aqui realçar que o Princípio da Legalidade apresenta corolários, ou garantias de sua inviolabilidade,
desdobrando-se, então, em quatro funções garantidoras:
Lex Praevia ou Lei Anterior
Lex Scripta ou Lei Escrita
Lex Stricta ou Lei Estrita
Lex Certa ou Lei Certa 
 
 
 
4. “LEX PRAEVIA” – Lei Anterior
 
A lei anterior, como preconiza o Professor Osvaldo Palotti Junior, “projeta-se em duas frentes: significa que ‘a lei
que institui o crime e a pena deve, ser anterior ao fato que se deve punir’ e ‘proíbe a retroatividade da lei penal que
crie figuras delituosas novas, ou agrave, de qualquer maneira, a situação do acusado’. Alcança, também, as medidas
de segurança”.
 
Como não se pode punir de acordo com a vontade própria de cada um, a lei institui que a pena de um crime
específico deve ser preposta ao fato que deve ser punido e que “só a lei em seu sentido estrito pode criar crimes e
penas criminais”[11].
 
4.1 A Medida Provisória e o Direito Penal
 
Antecedendo a Medida Provisória, existia o Decreto-Lei. Este último foi substituído pelo primeiro por ser
considerado uma figura diversa no Processo Legislativo. A Constituição Federal de 1988, pelo art. 62º, substitui o
decreto-lei pela medida provisória e, esta, não recebeu limites objetivos para sua edição e exigindo apenas uma certa
“urgência e relevância”, podendo ser baseada em princípios genéricos e pouco confiáveis.
 
Medida provisória é uma espécie de “lei delegada” condicionada à expressa aprovação do Congresso Nacional.
Tal medida, por não ser considerada lei antes de sua aprovação pelo Congresso, não pode delinear o que seja crime ou
pena criminal ( art. 5º, inciso XXXIX ).
 
Medida Provisória não é lei, mas mesmo admitindo-se ter ela força de lei, não é capaz de versar sobre matéria da
importância e responsabilidade como é o Direito Penal, não podendo, portanto, criar tipos penais ou prescrição de
penas.
 
Celso de Mello Filho coloca-se contra a possibilidadede edição de medida provisória em matéria penal,
afirmando que:
 
“a privação, mesmo cautelar, da liberdade individual, a tipificação de novas entidades delituosas e a cominação
de penas não podem constituir objeto de medidas provisórias, em face, até, da irreversibilidade das situações geradas
por essa espécie normativa”[12].
 
Igualmente, Alberto Silva Franco afirma que:
 
“com tais características, pode a medida provisória servir de instrumento normativo adequado à abordagem da
disciplina penal? A resposta à indagação só poderá ser negativa. Tal como o decreto-lei, a medida provisória ocupa
um lugar de inferioridade, em relação à lei em sentido estrito. Não se argumente com o fato de que o texto
constitucional relativo à medida provisória não sofre nenhuma restrição em seu raio de incidência. O dispositivo não
pode ser interpretado isoladamente, mas deve ser submetido a uma interpretação sistemática para a qual contribuem
outros princípios constitucionais tais como o da legalidade e da separação de poderes”[13].
 
 
 
5. “LEX SCRIPTA” – Lei Escrita
 
A função de garantia da Lei Escrita dispensa extenso comentário, pois, como a própria denominação assevera, só
pode ser considerado crime o que está escrito por lei anterior.
 
5.1 Os costumes e o Direito Penal
 
A palavra “costume” deriva do latim consuetudo, inis. No português, na verdade, chega pela forma consuetumine
(em vez de consuetudine), “tendo ocorrido a delíquio do ditongo protônico e a do i postônico, após o que, no grupo
mn o n se assimilou ao m e o m dobrado simplificou-se”[14].
 
Consuetudo, em sua natureza essencial, tinha o sentido próprio de costume, hábito, ou em outras palavras, tudo o
que se estabelece por força do hábito ou do uso.
 
É comum sabermos que é o costume a fonte mais antiga do direito, e as próprias tentativas de codificações, na
Idade Antiga, não passavam de uma reunião dos costumes. No Direito Romano, as palavras mores e consuetudo
aparecem muitas vezes no Corpus Juris Civilis. Gustavo Hugo e Savigny (gigantes historiadores) observaram, em
relação ao costume, que tanto o direito pretoriano ou jus honorarium em Roma quanto a common law britânica se
fundamentaram fora do raio da ação legislativa.
 
Mas, o que é costume? Este é um conjunto de comportamentos que todas as pessoas do lugar onde vige tal regra
de comportamento, obedecem de forma homogênea, pois, está pressuposta ao costume a convicção de sua
obrigatoriedade.
 
O costume possui dois elementos principais:
 
Elemento Objetivo – é a uniformidade da prática dos atos;
 
Elemento Subjetivo – opnio juris et necessitatis – É o consenso geral da necessidade jurídica da conduta
repetida.
 
Depois de saber o que é costume, devemos observar qual a importância deste nas normas penais incriminadoras.
Retomando, “não há conduta criminosa sem lei anterior, mas não que inexista causa de exclusão do injusto ou da
culpabilidade sem lei. Além das causas excludentes previstas no jus scriptum, o costume, como fonte secundária ou
formal mediata, pode criar outras”[15].
 
Partindo do princípio de que apenas a lei pode criminalizar condutas – Lex Scripta – Lei Escrita – só pode ser
considerado crime o que estiver escrito por lei anterior, podemos chegar à conclusão de que era inadmissível levar em
consideração as regras do direito costumeiro para a fundamentação ou agravação da pena. Erro fatal. Não podemos
supor que o direito costumeiro esteja completamente desvinculado do campo penal. Ele possui uma grande
importância no esclarecimento do conteúdo dos tipos penais.
 
No antigo direito português, o direito costumeiro teve uma atuação de grande importância, manifestando-se sob
diversas formas como os costumes propriamente ditos, os foros (imunidades e privilégios), as façanhas (julgados e
decisões de juízes municipais), as respostas (pareceres de jurisconsultos) e os estilos (regras sobre a ordem dos
processos, fixadas pela Casa de Suplicação de Lisboa).
 
Quando o costume opera como causa supralegal, de atenuação da pena, constitui fonte também de direito penal.
Nesta hipótese o costume não fere o Princípio da Legalidade por não piorar a situação do agente.
 
Reconhece-se que o direito consuetudinário sempre foi fonte de benefício ao cidadão. Mas para que o direito
costumeiro se torne legal, são necessários certos requisitos, como por exemplo: reconhecimento e vontade da maioria
absoluta e que a norma costumeira atue como direito vigente.
 
 
6. “LEX STRICTA” – Lei Estrita
 
A Lei Estrita, conforme nos ensina o Professor Osvaldo Palotti Junior, também projeta-se em duas frentes:
“restringe a criação de tipos penais e a cominação de sanções apenas à lei, considerada em seu sentido mais estrito, e
veda o uso da analogia para estender...”
 
6.1 A Analogia e o Direito Penal
 
Analogia, no campo jurídico, é uma forma de suprir lacunas da lei. Para sua aplicação é necessária a inexistência
de uma norma legal especifica e, por isso, baseia-se na semelhança.
Utilizar o princípio analógico é proibido para fundamentar ou agravar a pena.
 
Baseando-se uma situação particular em lei, a analogia é aplicada para a mesma argumentação a outra situação
particular. É uma sanção que se dá do particular para particular.
Observa-se a existência de dois tipos de sistema analógicos:
Analogia da Lei – “Parte-se de um preceito legal isolado”[16]
 
Analogia do Direito – “Parte-se de um conjunto de normas, extraem-se delas o pensamento fundamental ou os
princípios que as informam para aplicá-los a caso omisso”[17].
 
No direito penal, é viável que se distinguir dois subtipos de analogia: A analogia in malan parten e a analogia in
bonan partem. A primeira tenta agravar a pena em pressupostas hipóteses não abrangidas pela lei. Já a segunda, ao
contrário de sua antecessora, é contra a utilização das mesmas hipóteses. De modo geral, a primeira afeta
maleficamente a situação do acusado, enquanto a segunda apenas lhe traz benefícios.
 
A coexistência da lex praevia e da lex scripta juntas com a lex stricta, impede a aplicação da analogia in malan
parten, mas não intervém na aplicação da in bonan parten, pois, esta tem como pilar principal a eqüidade. Segundo
Bettiol em Instituições de direito e de processo penal, “a proibição do procedimento analógico em matéria penal há
que assinalar limites precisos. Recai sobre todas as normas incriminatórias e todas as que (mesmo eximentes) sejam
verdadeiramente excepcionais... Quaisquer outras normas do Código Penal são suscetíveis de interpretação
analógica”, ou seja, a analogia pressupõe falha, não tendo aplicação quando o texto legal estiver claro que a mens
legis deseja excluir a argumentação analógica determinados em casos semelhantes.
 
Podemos notar, finalmente, que a utilização da analogia é admissível no processo penal como podemos observar
em um acórdão do Supremo Tribunal Federal que diz: “I. O art. 3º, do C.P.Penal, admite expressamente a aplicação
analógica e o suplemento dos princípios gerais de Direito. II. Não viola a Constituição Federal, nem discrepa de
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, o acórdão que condena o querelante vencido a indenizar os honorários
do advogado que defendeu vitoriosamente o querelado”.
 
 
7. “LEX CERTA” – Lei Certa
 
A Lei não deve deixar margem a dúvidas, não deve fazer uso de normas muito abrangentes e nem valer-se de
tipos incriminadores genéricos.
 
O corolário da Lei Certa exige que a lei penal seja clara, de pronta compreensão, de fácil entendimento. A Lei
deve ser facilmente acessível a todos e não só aos juristas.
Somente assim será capaz de cumprir sua função pedagógica e motivar o comportamento humano.
 
Atualmente, face à “inflação legislativa”, nem todos tem condições de conhecer as leis penais o que pressupõe a
necessidade do conhecimento da dogmática jurídica, fato este que infelizmente acaba por diminuir a funçãopedagógica da pena.
 
 
8- O PRINCÍPIO DA LEGALIDADE OU DA RESERVA LEGAL
 
O homem, consciente de seus Direitos, buscou um princípio que controlasse a punição penal por parte do Estado,
evitando assim, arbitrariedades e abusos do poder punitivo.
 
A busca de tal princípio constituiu-se em um longo processo histórico. Era necessária, para a existência de tal
princípio, uma abertura política, que sempre foi negada nos regimes totalitários ou nos monocráticos.
 
Somente com um dos principais ideais do Iluminismo, a igualdade, o Direito Penal recebeu um caráter menos
cruel, impondo ao Estado, limites às suas intervenções na liberdade de seus cidadãos.
 
Após a difusão da “Igualdade” é que finalmente nasceu o princípio tão procurado, que foi intitulado: Princípio
da Legalidade ou da Reserva Legal. Respondendo às expectativas, este princípio nada mais é que uma efetiva
limitação ao poder punitivo estatal, onde ninguém é privado de suas vontades senão em virtude da lei.
 
Na realidade, utilizar a palavra “Princípio” para designar a Reserva Legal é errôneo; “princípios” só existem nas
ciências exatas, enquanto nas ciências sociais, como o Direito, utiliza-se a palavra “fundamento”.
 
Fundamentos são bases gerais sobre as quais as instituições do direito são construídas e que em um determinado
momento histórico informam o conteúdo das normas jurídicas de um Estado.
 
Mas, por razões sistemáticas, adota-se o vocábulo “princípio” que tem curso geral em toda literatura jurídica.
 
O Princípio da Legalidade ou da Reserva Legal, de um lado representa um marco avançado do Estado de Direito,
que procura adequar os comportamentos individuais ou estatais, às normas jurídicas legais. Nesse sentido, o Princípio
da Legalidade é de importância relevante, pois, estabelece as distinções entre o Estado constitucional e o absolutista,
este anterior à Revolução Francesa e período de grande arbítrio. Com o primado da lei, que presume-se seja a
expressão da vontade coletiva, cessa o privilégio da vontade caprichosa do detentor do poder.
 
O Princípio da Legalidade contrapõe-se a quaisquer tendências de exagero personalista dos governantes. Opõe-se
a todas as formas de poder autoritário, desde o absolutista, contra o qual irrompeu, até as manifestações messiânicas
típicas dos países subdesenvolvidos. É o antídoto natural a um poder oligárquico, pois tem como base, a soberania
popular. É um princípio de afirmação da cidadania.
 
De modo geral, pelo Princípio da Reserva Legal, nenhum fato pode ser considerado crime se não existir uma lei
que o enquadre no adjetivo “criminal” e, nenhuma pena pode ser aplicada, se não houver sanção pré-existente e
correspondente ao fato.
 
Ainda, transcrevendo o posicionamento do festejado Francisco de Assis Toledo:
 
“O Princípio da Legalidade constitui uma real limitação ao poder estatal de interferir na esfera das liberdades
individuais”.
 
Tal princípio possui dois pesos e duas medidas. A Reserva Legal permite aos particulares a liberdade de agir e
todas as limitações, positivas ou negativas, deverão estar expressas em leis. Entretanto, aos agentes públicos, o
mesmo princípio se torna adverso. A liberdade de agir encontra sua fonte legítima e exclusiva nas leis e, se não
houver leis proibindo campo de movimentação, não há liberdade de agir. O Estado, na ausência das previsões legais
para seus atos, fica obrigatoriamente paralisado e impossibilitado de agir. A lei para o particular significa "pode
fazer assim" enquanto para o poder público significa "deve fazer assim".
 
É ainda de ser considerada a observação de Diógenes Gasparini no sentido de que o Princípio da Legalidade
desdobra seus alcances a toda a atividade estatal, não somente à atividade de administração pública: “Observe-se que
o Princípio da Legalidade não incide só sobre a atividade administrativa. É extensivo, portanto, às demais atividades
do Estado. Aplica-se, pois, à função legislativa, salvo nos países de Constituição flexível, onde o Poder Legislativo
pode livremente, alterar o texto constitucional. O Legislativo, no caso, é também poder constituinte, como ocorre na
Inglaterra. Aplica-se ainda à atividade jurisdicional. Assim, não pode o Judiciário comportar-se com inobservância da
lei. Seu comportamento também se restringe aos seus mandamentos. O mesmo se pode dizer das cortes de contas.
Em suma, ninguém está acima da lei”.
 
O Princípio da Legalidade, porém, não impede que o legislador crie tipos penais que vão contra a eqüidade e
sanções que ajam de má fé. Por isso, coexiste com a Reserva Legal, outro importante princípio: O Princípio da
Intervenção Mínima.
 
Esse último princípio, também conhecido como ultima ratio, limita o poder incriminador do Estado, tornando
algum ato “criminoso” somente se este prejudicar algum bem jurídico e, se outros meios de controle social não sejam
suficientes para a tutela desse bem. Por isso o Direito Penal é conhecido como ultima ratio, ou seja, a última medida
punitiva.
 
Convém aqui destacar o Caráter Subsidiário ou Acessório do Direito penal:
 
- As normas penais são normas excepcionais aplicadas onde não há outra possibilidade de conservação da
segurança, da paz e da ordem social. O Direito Penal somente deve ser empregado para a proteção de bens jurídicos
de forma subsidiária, como ultima ratio, reservando-se para aqueles casos em que seja o único meio de evitar um mal
ainda maior.
 
Além dos ilícitos penais, há os civis e administrativos, com suas respectivas sanções. Caso estas se provem
insuficientes, são então utilizadas as sanções penais. Aí está a subsiariedade ou acessoriedade do Direito Penal: onde
a proteção dos outros ramos do Direito estiver ausente, for falha ou insuficiente e se a lesão ou exposição a perigo do
bem jurídico for relevante e grave, pode e deve o legislador lançar o manto do Direito penal como ultima ratio
regum.
 
Diego Manoel Luzón Peña cita que o ilustre doutrinador Günther Jakobs propõe restrições à intervenção penal,
quando se deduzir pela inexistência do merecimento: “por exigência de pena ou exigência de proteção penal
entende, conforme o pensamento da subsiariedade, que uma pena é necessária se não existe nenhum outro meio
eficaz menos lesivo; apesar da existência de necessidade de pena, uma conduta pode não ser merecedora dela
quando, e porque, uma pena significaria uma reação desproporcionadamente grave frente à mesma. Assim, de
acordo com a concepção de Günther, o merecimento de pena supõe um limite adicional à exigência ou necessidade
de pena”[18]
 
Ainda no dizer de Cezar Roberto Bitencourt em seu livro Manual do Direito Penal – Parte Geral: “Resumindo,
antes de utilizar o Direito Penal deve-se esgotar todos os meios extrapenais de controle social[FC1]”.
 
Os legisladores da atualidade têm abusado na aprovação de novas Leis Penais, causando uma “inflação
legislativa” o que fez o Direito Penal perder sua força de inibição.
 
Os mesmos legisladores, a fim de evitar o inchaço das leis, tentam seguir as seguintes regras básicas:
 
· Princípio da Fragmentariedade - O Direito Penal deve sancionar apenas condutas mais graves praticadas
contra bens mais importantes;
 
Convém aqui destacar o Caráter Fragmentário do Direito Penal:
 
- O crime é sempre um fato ilícito para todo o Direito, porém, nem todo fato ilícito agrega todos os elementos
necessários para subsumir-se a um fato típico penal. Somente alguns, os mais graves, são alcançados pelo Direito
Penal.
O Direito Penal encerra um sistema descontínuo de ilícitos decorrentes da necessidade de criminalizá-los, por ser
este o meio indispensável de tutela jurídica[19]. Este ramo do Direito ocupa-se somente de fragmentos das ações
proibidas e de alguns bens jurídicos protegidos, que são os mais importantes. O princípio é o de somente castigar com
sanção penal, atos extremos, visíveis no mundo exterior e que vulneram bens fundamentaispara a vida em sociedade.
 
Logo, a fragmentariedade é um critério para a criminalização de condutas, que é deduzido do princípio da
intervenção mínima do Direito Penal: limitando a criminalização somente à proteção de bens relevantíssimos, os
ilícitos penais não abrangem a totalidade da área da ilicitude, constituindo apenas fragmentos desta. E sendo a reação
penal a ultima ratio, ela não pode ultrapassar, na qualidade e na quantidade da sanção, o dano ou o perigo causado
pelo crime[20]. A fragmentariedade não representa, de forma alguma, deliberada lacunosidade na tutela de certos
bens e valores, mas sim, o limite necessário para evitar um totalitarismo pernicioso à liberdade.
 
“Se a intervenção do Direito Penal só se faz diante da ofensa de um bem jurídico, nem todos os bens jurídicos se
colocam a tutela específica do Direito Penal. Do ângulo penalístico, bem jurídico é aquele que esteja a exigir uma
proteção especial, no âmbito da norma penal, por se revelarem insuficientes, em relação a ele, as garantias
oferecidas pelo ordenamento jurídico em outras áreas extrapenais”[21].
 
O fundamento básico da atuação do Direito Penal, deve se limitar, no plano de um Estado de Direito, aos bens
jurídicos fundamentais que venham a ser tutelados constitucionalmente, o que não quer dizer que se remete à
Constituição a elaboração das figuras típicas penais, mas estas devem ser informadas e corresponder à tutela de um
bem, consagrado pela Constituição.
 
“O minimalismo penal legitima-se unicamente por razões utilitárias, que são a prevenção de uma reação formal
ou informal mais violenta contra o delito, quer dizer, para o Direito Penal mínimo o fim da pena seria a minimização
da reação violenta contra o delito. Esse Direito Penal se justificaria como instrumento apto a impedir a vingança”.
[22] 
 
· Princípio da Culpabilidade - É obrigatório provar a culpa do acusado de cometer um ato considerado
criminoso;
 
· Princípio da Humanidade - Nenhuma pena de privação à liberdade deve atentar contra a dignidade do punido;
 
· Princípio da Irretroatividade da Lei Penal – Este princípio diz que a lei que retroage, em caso de conflito de
leis penais, é a mais favorável ao réu. Em síntese é o princípio da retroatividade da lei penal mais benigna;
 
· Princípio da Adequação Social – Rege que serão penalizadas apenas condutas que possuem uma certa
relevância social. Deste princípio pode deduzir que algumas condutas, mesmo que não sendo consideradas corretas a
olhos subjetivos, não constituem delitos;
 
· Princípio da Insignificância ou de Bagatela, que estudaremos separadamente.
 
8.1 Princípio da Insignificância ou de Bagatela:
 
Este princípio foi salientado pela primeira vez por Claus Roxin em 1964 e o repetiu em sua obra Política
Criminal y Sistema Del Derecho Penal.
 
Pela adequação típica, o Direito Penal, só pode intervir em casos que ocorram lesões jurídicas de uma gravidade
relevante a bens jurídicos e, não tornar de tipo penal fatos de lesões leves, que possuam, uma “pequeníssima
relevância material”[23].
 
O crime possui uma estrutura jurídica de alta complexidade, pois, deve-se anexar a ofensa contra o bem jurídico
a outras circunstâncias de importância tão igual quanto tal ofensa.
 
Tomando por base a visão subjetiva da importância de cada “bem”, o direito protege aqueles considerados, na
visão jurídica, “dignos de proteção” e os intitula como “bens jurídicos”.
 
Mas quais são os bens jurídicos protegidos? Bem, em sentido abrangente, bens jurídicos são tudo o que nos
apresenta como digno, necessário, útil e valioso. Segundo Lalande em sua obra Vocabulaire technique et critique de
la philosophie, “est objet de satisfaction ou d’approbation dans n´import quel ordre de finalité: parfait en son genre,
favorable, réussi, utile a quelque fin...” (é objeto de satisfação ou de aprovação, não importando em qual ordem de
finalidade: perfeita em seu gênero, favorável, bem executado, útil a qualquer fim), ou seja, são coisas reais ou ideais
dotados de um valor social relevante.
 
Este princípio, ao permitir que não ingressem fatos de relevância material banal no Direito Penal, impede que
haja um inchaço maior nos foros penais de todo o planeta.
 
 Conforme entendimento jurisprudencial expressados pelos seguintes julgados:
 
 “Roubo. Aplicação do Princípio da Bagatela. Descabimento: -Diante da gravidade do crime de roubo, descabe
a aplicação do Princípio da Bagatela”[24].
 
 “Crime de Bagatela. Furto. Aplicação do Princípio da Insignificância quando o bem subtraído representa uma
utilidade para o seu proprietário. Inadmissibilidade. Consideração do pequeno valor da res na dosimetria da pena.
Necessidade: -É inadmissível a aplicação do Princípio da Insignificância se o bem furtado representa uma utilidade
para seu proprietário, mesmo quando de menor expressão econômica, sendo certo, portanto, que o furto de bagatela
constitui crime, devendo o pequeno valor do objeto material atuar somente na fixação da pena”[25].
 
 “Estelionato privilegiado. Réu primário e prejuízo ínfimo da vítima. Princípio da Insignifucância.
Inaplicabilidade. Concessão do privilégio. Necessidade: -Em sede de estelionato, mesmo sendo ínfimo o prejuízo
sofrido pela vítima e o crime praticado por agente primário, é incabível o Princípio da Insignificância, devendo ser
concedido ao réu o privilégio previsto no art. 171, § 1o, do CP”[26].
 
 “Princípio da Insignificância. Subtração de coisa estragada, abandonada no quintal da vítima. Desinteresse na
persecução penal. Aplicação. Necessidade: -Aplica-se o Princípio da Insignificância, ensejando a absolvição do
agente que subtrai coisa estragada, abandonada no quintal da propriedade da vítima, pois, ainda que mensurável o
valor patrimonial da peça, ela perdeu o significado econômico para o ofendido que se desinteressou da persecução
penal quanto a ela”[27]. 
 
 
9 – CONCLUSÃO
 
O Direito Penal é o meio mais contundente e incisivo, dentre todos os ramos do direito, de controle social, visto
atingir a sanção penal, um dos valores fundamentais do homem, ou seja, a liberdade. 
 
É clara a preocupação dos doutrinadores penalistas no que diz respeito à temerária amplitude do Direito Penal,
ao mesmo tempo em que predomina a certeza de que ela deve ser mínima e restringir-se à estrita legalidade.
 
Quanto à legalidade da intervenção, nota-se que esta vem ocorrendo progressivamente, ainda que por força de
movimentos, como é o caso da Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948. O princípio da legalidade é
hoje observado nas legislações da maioria dos países, principalmente nas constitucionais, e o Poder Judiciário tem se
mostrado eficiente na sua observância. A segurança jurídica, somente é alcançada quando o homem conhece
antecipadamente a reação do Estado para uma sua determinada conduta. Só há liberdade se, além da consciência
interna, houver o conhecimento da norma. Aquele que ignora como há de se conduzir e de se comportar, não pode
conduzir-se livremente. Não há liberdade sem ciência prévia da ilicitude.
 
Quanto à intervenção mínima, esta parece ainda muito distante. É muito mais fácil e econômico para o Estado o
recurso à criminalização do que educar para determinadas condutas e incentivar sua prática. Muito embora a plena
concordância entre os especialistas do Direito Penal com relação à intervenção mínima, o que se vê na prática é um
movimento inverso.
 
Visa-se, portanto, que os novos tipos penais surjam somente quando forem estritamente necessários, pois a
criminalização de condutas de pouca relevância se afasta dos fundamentos do Estado Democrático de Direito e,
portanto, do Direito Penal Ideal.
 
A solução das crises sociais, ao contrário do que se pensa e do que muitas vezes é pregado pela própria
sociedade, não está na introdução desmedida de sanções penais nosistema, até porque o Direito Penal não deve ter
função meramente simbólica ou promocional, mas sim, instrumental, cuja finalidade é apenas recriminar a conduta
daquele que viola bem relevante, além de prevenir comportamentos delituosos.
 
Portanto, intervenção legalizada e intervenção mínima, são as características essenciais e das quais deve
revestir-se o Direito Penal para ser catalogado como Direito Penal Ideal e Democrático. 
 
 
 
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