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Biblioteca online – sem valor comercial. Proibida a venda e a reprodução. 1 Circulação Interna ENSINO DE MATEMÁTICA NA EDUCAÇÃO BÁSICA Biblioteca online – sem valor comercial. Proibida a venda e a reprodução. 2 Sumário RECOMENDAÇÕES AO PROFESSOR .......................................................................................... 5 A CONSTRUÇÃO DO PENSAMENTO INFANTIL ........................................................................ 6 A MATEMÁTICA ONTEM E HOJE E AS PRÁTICAS CORRENTES ........................................... 11 PANORAMA MUNDIAL: RAZÕES PARA A MUDANÇA NO ENSINO DA MATEMÁTICA ...... 12 LETRAMENTO MATEMÁTICO ................................................................................................. 13 OBJETIVOS DA EDUCAÇÃO INFANTIL .................................................................................... 15 HISTÓRICO E OBJETIVOS DA EDUCAÇÃO MATEMÁTICA .................................................... 17 A LINGUAGEM DA MATEMÁTICA .......................................................................................... 19 A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA CRIANÇA E DA APRENDIZAGEM MATEMÁTICA ................. 20 PARÂMETROS PARA O CURRÍCULO DE MATEMÁTICA NA EDUCAÇÃO INFANTIL .......... 21 A MATEMÁTICA NA EDUCAÇÃO INFANTIL: TRAJETÓRIA E PERSPECTIVAS ......... 22 OBJETIVO DA GEOMETRIA NA EDUCAÇÃO INFANTIL ................................................................. 26 SUGESTÕES DE ATIVIDADES PARA O PENSAMENTO GEOMÉTRICO ........................................... 27 GEOMETRIA TOPOLÓGICA .......................................................................................................... 28 A GEOMETRIA EUCLIDIANA ......................................................................................................... 28 A GEOMETRIA PROJETIVA ........................................................................................................... 29 A GEOMETRIA TOPOLÓGICA ....................................................................................................... 29 PROPRIEDADES GEOMÉTRICAS: CORPO, ESPAÇO, OBJETO ........................................................ 30 SUGESTÕES DE ATIVIDADES ............................................................................................... 31 FIGURAS PLANAS ......................................................................................................................... 32 ATIVIDADES PROPOSTAS PARA AS CRIANÇAS ............................................................................. 32 SÓLIDOS GEOMÉTRICOS .............................................................................................................. 34 SUGESTÃO DE ATIVIDADE ........................................................................................................... 34 SIMETRIA ..................................................................................................................................... 35 SUGESTÕES DE ATIVIDADES ........................................................................................................ 35 SIMETRIA E FORMAS GEOMÉTRICAS .......................................................................................... 35 INVESTIGANDO GEOMETRIA: APRENDIZAGENS DE PROFESSORAS DA EDUCAÇÃO INFANTIL ... 36 A LITERATURA INFANTIL E A RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS EM MATEMÁTICA ........................... 39 AS REPRESENTAÇÕES PELO DESENHO ........................................................................................ 40 O QUE MATEMÁTICA TEM A VER COM LEITURA? ...................................................................... 41 IMPORTÂNCIA DOS JOGOS .......................................................................................................... 46 Jogos de cartas ............................................................................................................................ 48 Jogos de tabuleiro ....................................................................................................................... 48 Biblioteca online – sem valor comercial. Proibida a venda e a reprodução. 3 Jogos com alvos: Bolinhas de gude ............................................................................................. 48 Jogos de esconder ....................................................................................................................... 48 Jogos de raciocínio ...................................................................................................................... 48 Algumas considerações ............................................................................................................... 49 AVALIAÇÃO DOS PROJETOS ......................................................................................................... 51 A CRIANÇA DE 0 A 3 ANOS DE IDADE .......................................................................................... 52 A CRIANÇA DE 4 A 6 ANOS DE IDADE .......................................................................................... 52 SOBRE OS CONTEÚDOS ............................................................................................................... 52 SOBRE OS NÚMEROS ................................................................................................................... 53 SOBRE A NOTAÇÃO E ESCRITA NUMÉRICAS ............................................................................... 53 SOBRE AS OPERAÇÕES ................................................................................................................ 53 SOBRE GRANDEZAS E MEDIDAS .................................................................................................. 53 SOBRE ESPAÇO E FORMA ............................................................................................................ 53 O TRABALHO DO PROFESSOR ..................................................................................................... 54 AVALIAÇÃO FORMATIVA ............................................................................................................. 54 COMO COMUNICAR A AVALIAÇÃO NA EDUCAÇÃO INFANTIL? .................................................. 56 CRIANÇAS EM PROJETOS ............................................................................................................. 57 Biblioteca online – sem valor comercial. Proibida a venda e a reprodução. 4 CARACTERIZAÇAÃ O DA ETAPA ESCOLAR Para compreender como se dá o ensino e a aprendizagem da Matemática na Educação Infantil, é preciso conhecer as características do pensamento e da aprendizagem da criança, pois os estímulos que ela recebe nos primeiros anos de vida influenciam seu desenvolvimento e determinam seu sucesso escolar. Para um desempenho competente, o profissional da Educação Infantil deverá ter conhecimento do processo evolutivo da criança e domínio das diferentes formas de representação e utilização do conhecimento lógico e matemático. De acordo com sua Resolução 3 (Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996), o Conselho Nacional de Educação (CNE) definiu normas nacionais para ampliação do Ensino Fundamental para nove anos de duração. A Lei 11.274, de 6 de fevereiro de 2006, altera a redação dos artigos 29, 30, 32 e 87 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9.394, 20 dez.1996), dispondo sobre a duração de nove anos para o Ensino Fundamental, com matrícula a partir dos seis anos de idade. Sendo assim, a Educação Infantil é a primeira etapa da Educação Básica, para crianças de zero a cinco anos de idade. A Educação Infantil deve ser compreendida como instância escolar de trabalho coletivo em que se estabelecem parcerias entre professores, educadores, famílias e comunidade em benefício do atendimento, do bem-estar, da educação e do desenvolvimento integral das crianças. Há que se ter uma compreensão integrada entre o cuidar e o educar, estabelecendo interações de afeto e respeito, fundamentadas em princípios da ética democrática. Constituída de creches e pré- escolas, a EducaçãoInfantil tem caráter educativo próprio e não deve ter a pretensão de substituir a família ou antecipar práticas acadêmicas da escola de Ensino Fundamental. Uma formação integral requer a aproximação entre o afeto e a cognição, a imaginação e a lógica, a linguagem e a cultura, o brincar e o aprender. As instituições de Educação Infantil no Brasil são gratuitas e laicas, isto é, não per- tencem a nenhuma ordem religiosa. São apolíticas e, juntamente com as instituições particulares, compõem o sistema de ensino do município ou do estado brasileiro. As instituições privadas podem ser: particulares, comunitárias, confessionais e filantrópicas. De acordo com o artigo 20 da LDB, as instituições particulares são instituídas e mantidas por uma ou mais pessoas físicas ou jurídicas de direito privado. As comunitárias, por grupos de pessoas físicas ou por uma ou mais pessoas jurídicas, Etapa de ensino Faixa etária prevista Duração Educação Infantil Até 5 anos de idade Creche Até 3 anos de idade Pré-escola 4 a 5 anos de idade Biblioteca online – sem valor comercial. Proibida a venda e a reprodução. 5 que incluam na sua entidade mantenedora representantes da comunidade. As escolas confessionais são aquelas que atendem orientação confessional e ideologia específica e as filantrópicas são instituídas por pessoas físicas ou jurídicas, que visam atender a comunidade carente sem fins lucrativos. "As instituições de Educação Infantil destinam-se às crianças, brasileiras e es- trangeiras, sem distinção de gênero, cor, etnia, proveniência social, credo político ou religioso, com ou sem necessidades especiais" (MEC, 2006). O professor da Educação Infantil deve compreender essa etapa como meio de construção de uma sociedade mais justa e solidária. Deve compreender a infância como categoria social e histórica, e as crianças como produtoras de cultura e protagonistas da sociedade em que vivem. Deve organizar o trabalho, oportunizando a interação e a colaboração entre as crianças, levando em conta suas necessidades, considerando seus direitos, sua identidade cultural e o caráter lúdico que devem ter todas as atividades desenvolvidas. A caracterização da escola de Educação Infantil é uma conquista histórica que exige constância no exercício e na reflexão para que se supere ora a visão assistencialista, ora a concepção acadêmica herdada da preparação para o Ensino Fundamental. A Educação Infantil visa ao desenvolvimento integral da criança e está voltada às aprendizagens mais espontâneas, significativas e prazerosas. Ocorre em espaços e ambientes apropriados, mais lúdicos e atraentes. Já o Ensino Fundamental se relaciona com as aprendizagens mais científicas. Na Educação Infantil há o consenso de que se deve promover a integração dos as- pectos físicos, emocionais, afetivos, cognitivos e sociais da criança, mas há divergência entre como ou o que fazer para ser desenvolvido cada um desses aspectos. Compreender, conhecer e reconhecer o jeito particular das crianças serem e estarem no mundo é o grande desafio da Educação Infantil e de seus profissionais. Embora os conhecimentos derivados da Psicologia, Antropologia, Sociologia, Medicina etc., possam ser de grande valia para desvelar o universo infantil apontando algumas características comuns de ser das crianças, elas permanecem únicas em suas individualidades e diferenças. (BRASIL, 1998) RECOMENDAÇÕES AO PROFESSOR Compreender o processo de desenvolvimento e de aprendizagem infantil como processos indissociáveis, reconhecer a importância do papel do professor e do grupo como mediadores e a importância das vivências e experiências das crianças com objetos e situações diversas, traz algumas implicações pedagógicas: ■ apresentar às crianças os problemas, situações e materiais que estejam de algum modo relacionados à sua vida cotidiana, pedindo que os identifiquem e os analisem; ■ planejar a prática educativa de modo que, às crianças, sejam oferecidas experiências ricas e ainda não vividas; Biblioteca online – sem valor comercial. Proibida a venda e a reprodução. 6 ■ considerar o contexto sociocultural em que vivem as crianças; ■ partir sempre do que a criança sabe e apresentar situações que lhes permitam avançar; ■ não desvalorizar o que as crianças sabem e aceitar as respostas dadas, respeitando a individualidade de cada criança; ■ aprender a observar qual é o nível da criança com relação aos jogos e aprendizagens, e intervir, facilitando e explicando de forma justa e adequada; ■ sempre diversificar os materiais oferecidos às crianças; ■ não se preocupar em dar mais informações do que as crianças pareçam poder assimilar, pois cada criança assimilará aquilo que pode de acordo com seu nível de desenvolvimento; ■ falar com as crianças de modo adequado para que entendam o que é dito, mas sem modificar as informações; ■ não esperar que a criança amadureça para começar a introduzi-la em algumas aprendizagens mais elevadas; ■ confiar nas ações docentes como agentes de desenvolvimento e aprendizagem que são. A CONSTRUÇÃO DO PENSAMENTO INFANTIL Na primeira e segunda infâncias, ocorrem mudanças visíveis e surpreendentes [...]', intrigantes até, em se tratando de maturação, desenvolvimento e aprendizagem do ser humano. A maturação está ligada ao crescimento dos aspectos físicos, biológicos e evolutivos das pessoas. O desenvolvimento liga-se às funções da linguagem, do raciocínio, da memória e da atenção, por exemplo. Por sua vez, a aprendizagem se relaciona com valores, conhecimentos culturais e sociais e com a mudança de comportamento ou conduta - é o que leva o homem à evolução como ser humano inteligente e social. A capacidade de aprendizagem, memorização, internalização de padrões de comportamento, desenvolvimento de autoconhecimento e construção da identidade pessoal são marcantes, decisivas, nos primeiros anos da infância e, por isso, os adultos, o ambiente, as experiências vividas exercem grande influência na vida da criança. A criança compreende o mundo e o meio em que vive e expressa esse conhecimento por meio de diferentes linguagens (oral, plástica, gestual ou corporal, musical, escrita, virtual) que permeiam a sua precípua atividade de brincar. Por meio das brincadeiras, das vivências, das experiências e interações que ela faz com adultos e outras crianças, acontece a construção do pensamento infantil. A construção de significações, a gênese do pensamento e a constituição de si mesmo como sujeito se fazem graças às interações constituídas com outros parceiros em práticas sociais concretas de um ambiente que reúne circunstâncias, artefatos, práticas Biblioteca online – sem valor comercial. Proibida a venda e a reprodução. 7 sociais e significações. Ao interiorizar formas de interação social já vivenciadas, o indivíduo se apropria de estratégias para memorizar, narrar, solucionar problemas etc. criadas pelos grupos humanos com os quais ele partilha experiências. (OLIVEIRA, 2002) Dessa forma, quanto mais e melhores forem as trocas e interações entre adultos e pares de idades diferentes, qualitativamente melhores serão as experiências, a sociabilidade e a aprendizagem. A afetividade não estará separada da cognição e o estabelecimento de vínculos aparecerá como fundamental no processo de construção coletiva que é a aprendizagem. O pensamento infantil e o tipo de raciocínio que as crianças utilizam é diferente daquele utilizado pelos adultos: é aos poucos que a criança, desde bem pequena, vai tomando conhecimento das complexidades do mundo em que vive. Por meio do jogo simbólico e da linguagem verbal, estreitamente ligada ao desenvolvimento da cognição (capacidade de raciocínio e pensamento), a criança reinventa, brinca e aprende. Por meio de estratégias não verbais, ela constrói uma lógica por meio de ações antes de conseguir construir uma lógica narrativa. O conjunto das abordagens mais clássicas como a behaviorista, a psicométrica, a piagetiana e as mais recentes como a do processamento de informações, a da neurociência cognitiva e a sociocontextual tem nos ajudado a compreender a gênese e o desenvolvimento da cognição em crianças desde bem pequenas. Hoje sabemos que, do ponto de vista do desenvolvimento cognitivo, as capacidades de aprender e lembrar estão presentes até mesmo nas primeiras semanas de vida e que a utilização de símbolos e a capacidade de resolução de problemas podem se desenvolver até o final do segundo ano de idade. Nos três primeiros anos, ou seja, na primeira infância, a compreensão e a utilização da linguagem desenvolvem-se rapidamente. Na segunda infância, que compreende a idade dos 3 aos 6 anos, típica fase de período pré- escolar, a criança é capaz de tornar-se mais independente, vir a ter iniciativa e maior autocontrole, e ampliam-se a linguagem e a memória. Gosta de brincar com jogos ou blocos de encaixe e nos brinquedos do playground por estar em pleno desenvolvimento físico, experimenta as suas novas habilidades motoras; ganha força, equilíbrio e aperfeiçoa sua capacidade de correr, pular, saltar, arremessar etc. É imatura com relação ao pensamento ou aspecto cognitivo, o que faz com que tenha ideias ilógicas para explicar o que ocorre à sua volta. Nessa fase, as brincadeiras envolvem muita imaginação e fantasia. O pensamento é egocêntrico, mas vai aprendendo a lidar com as emoções e com o ponto de vista das outras pessoas. De acordo com a abordagem piagetiana, no estágio pré-operacional, o qual corresponde à segunda infância e que se estenderia aproximadamente dos 2 aos 7 anos, as crianças ainda não seriam capazes de pensar logicamente. O pensamento simbólico sofreria avanços na medida em que a criança fosse cada vez mais compreendendo as identidades, os espaços, a causalidade, a categorização e o número. Nessa perspectiva, Biblioteca online – sem valor comercial. Proibida a venda e a reprodução. 8 as crianças pré-escolares não conseguiam pensar sobre vários aspectos de uma situação ao mesmo tempo, isto é, não conseguiam descentrar. Isso funcionaria como um limitador ao pensamento das crianças. Outras características do pensamento infantil seriam a irreversibilidade, quando as crianças não compreendem que algumas operações ou ações podem ser revertidas, recuperando a ação original; o raciocínio transdutivo, quando elas não utilizam raciocínio dedutivo ou indutivo e saltam de um detalhe para outro; egocentrismo, quando pensam que todos pensam, percebem e sentem da mesma maneira que elas; animismo, quando atribuem vida a objetos inanimados e, ainda, a incapacidade de distinguir aparência de realidade. Algumas pesquisas revelam avanços com relação ao uso de símbolos pelas crianças, à compreensão de identidades, de causa e efeito e capacidade de classificar. Fato é que essas peculiaridades do pensamento infantil ocorrem e levam educadores a buscar estratégias adequadas para o desenvolvimento da aprendizagem de conceitos para essa criança que é inteligente e ativa. O conhecimento das estratégias do pensamento infantil é imprescindível para que o profissional possa intervir, mediar e colaborar no desenvolvimento do raciocínio da criança. Isso porque a criança vê o mundo de uma maneira bem diferente em relação à maneira do professor. O avanço tecnológico e as neurociências (que se mantêm fora das questões didáticas, mas pesquisam a atividade cerebral e, portanto, a aprendizagem) têm ajudado pedagogos e psicólogos a reverem e reestruturarem algumas pesquisas sobre desenvolvimento, aprendizagem e cognição. Aos três anos, elas já têm senso para relações físicas fundamentais, e podem definir velocidades associando corretamente caminho a percorrer e tempo. Do mesmo modo, compreendem instintivamente o princípio de Arquimedes, segundo o qual um corpo flutuará desde que a sua densidade seja menor que a da água. Até mesmo bebês possuem considerável saber básico. Aos quatro meses de idade, eles distinguem entre quatro ou seis pontos desenhados em um quadro-negro - o primeiro passo para fazer contas. Ainda engatinhando, revelam compreensão matemática quando ordenam seus bichos de pelúcia de acordo com a altura de cada um. Crianças sempre buscam estender essa compreensão intuitiva, mas de forma diferente em relação aos adultos. Aprender fazendo é o primeiro princípio que rege os primeiros anos de vida. De forma sistemática, concentrada e em geral com inabalável coerência, os cientistas mirins efetuam experiências ou toda uma série de tentativas das quais extraem teorias que serão corroboradas ou revistas mediante novas tentativas. Não se trata de negligenciar nenhum dos estudos científicos. É preciso compreendê-los com profundidade, em suas especificidades e motivações, verificando onde houve avanço, onde as teorias se complementam, divergem e se validam. Biblioteca online – sem valor comercial. Proibida a venda e a reprodução. 9 A teoria psicogenética não era destinada à área educacional e tampouco as pesquisas neurocientíficas o são. Contudo, há um ponto em que todas as vertentes teóricas parecem estar de acordo: nos primeiros anos de vida, as crianças aprendem fazendo, discutindo, pensando e interagindo. Como exemplo dessas características, podemos citar as explicações que uma criança dá a alguns fatos. Ao despedir-se de alguém ao telefone, em vez de falar "Adeus" ou "Um beijo", ela beija o telefone, sem se dar conta de que a pessoa com quem está falando não a pode ver. Ou quando, a uma criança que se machucou, perguntamos "Onde foi?", desejando saber o local do ocorrido, e ela responde apontando para a parte do corpo machucada. Com relação às capacidades e quantidades de objetos ou elementos, a criança não reconhece a igual quantidade: a mesma quantidade de líquido colocada em copos de formas diferentes é questionada pela criança, assim como a mesma quantidade de massa de modelar apresentada em uma bola ou em pedacinhos pequenos também é questionada. A criança pode afirmar que aquela que recebeu vários pedaços ganhou mais do que aquela que recebeu um único pedaço maior. É o caso, por exemplo, de algumas das teses de Piaget. Gerhard Friedrich e Gerhard Preiss consideram que"num de seus experimentos mais famosos, Piaget verteu água de um copo largo em outro, mais delgado, diante dos olhos de crianças em idade pré- escolar. A maioria de seus voluntários insistiu que o copo delgado continha mais água - graças ao nível de água mais elevado" (Como o Cérebro Aprende, 2007, p. 7). Piaget atribuiu essa insistência ao fato de as crianças só serem capazes de considerar uma dimensão, negligenciando largura e profundidade. Concluiu que na chamada fase pré- operacional - que se estende até os seis anos de idade - elas não estariam em condições de, ao apreender o mundo, considerar e combinar, de forma sensata, várias informações ao mesmo tempo. Em razão dessa incapacidade para o raciocínio lógico, seria inútil a tentativa de ensinar uma criança em idade pré-escolar a fazer contas. Nesse meio-tempo, no entanto, tornou-se voz corrente que crianças pequenas são sim capazes de efetuar semelhantes operações intelectuais, contanto que aprendam de modo apropriado à sua idade. A APRENDIZAGEM DE CONCEITOS MATEMÁTICOS NA INFÂNCIA SegundoKamii(1996),"otrabalhocomasnoçõeslógico-matemáticasdevedar oportunidade para que as crianças coloquem todos os tipos de objetos, eventos e ações em todas as espécies de relações". Assim, por meio de jogos e situações- -problema que promovam a troca de ideias entre as crianças, deve-se propor atividades em que elas identifiquem semelhanças e diferenças entre elementos, classificando-os, ordenando-os e seriando-os; que façam correspondências, agrupamentos e comparações entre conjuntos e pensem em números e quantidades de objetos que sejam significativos para elas, registrando essas situações de forma espontânea e, depois, também utilizando a linguagem matemática. Biblioteca online – sem valor comercial. Proibida a venda e a reprodução. 10 A base do conhecimento lógico-matemático é constituída pela atuação das crianças sobre os objetos e pelas interações com outras pessoas que possibilitem a sua atuação e o estabelecimento de relações entre os objetos. Na infância, os conteúdos dessa área não devem ser centrados somente nos aspectos mais abstratos ou na linguagem simbólica: é preciso fazer uso da ação, da linguagem verbal acompanhada da ação, e também de outras linguagens figurativas e simbólicas - o processo de abstração ocorre progressivamente. É importante pedir às crianças que expliquem ou somente relatem aquilo que fizeram, como fizeram, como planejaram, se verificaram os resultados, se outros resultados eram possíveis. O professor deve oferecer material rico e variado, propondo situações interessantes e adequadas ao nível de desenvolvimento das crianças, mas sem subestimar suas capacidades. Saber deixar as crianças atuarem e tentarem resolver problemas por si mesmas, colaborando quando for oportuno, será sempre uma boa estratégia. A aprendizagem de conceitos matemáticos não se dá por repetição, memorização ou por meio de uma gradação de conteúdos que vai do mais fácil ao mais difícil. Um conteúdo, seja ele da Matemática ou não, deve ser encaminhado pelo professor como uma totalidade, como um conhecimento que, construído socialmente, faz parte da atividade humana e da vida cotidiana. Não se trata de uma visão utilitarista da Ciência Matemática, mas do encaminhamento para uma aprendizagem com significados. Também não é a partir da simples manipulação de objetos concretos que levamos a criança ao desenvolvimento do pensamento abstrato. A dissociação entre ação física e ação intelectual não existe para a criança ou para aquele que aprende. O concreto é o manipulável e o abstrato é a representação formal do pensamento. Quando a criança está aprendendo, ela atribui sentido à manipulação que realiza, constrói um significado para a sua ação, pois tem uma intenção embutida em sua ação. Da mesma forma, o professor também deve ter a intencionalidade do ensino e da aprendizagem em seu planejamento para esta área. A MATEMÁTICA PRESENTE NA VIDA DA CRIANÇA Todos os dias, a cada momento, nós estamos lidando com os números de uma forma tão natural e corriqueira que nem percebemos. Não precisamos ir à escola para entrarmos em contato com os números, pois eles estão nas horas, na nossa idade, nas datas, nos preços, no dinheiro, no caminho que encurtamos procurando um atalho etc. Em suma, os números estão em nossas vidas, em atividades complexas como as do comércio, divertidas como as de um jogo entre amigos ou em atividades simples - como as que realizamos quando é preciso separar os ingredientes e medidas em uma receita culinária. Da mesma forma, a matemática está presente na vida das crianças: elas pulam espaços nas calçadas, sabem desde bem pequenas mostrar com os dedos a quantidade de seus anos de idade, contam em ordem regressiva para o lançamento de um foguete, observam a velocidade em seus carrinhos e brinquedos de playground como o escorregador e o Biblioteca online – sem valor comercial. Proibida a venda e a reprodução. 11 carrossel, montam quebra-cabeças com muitas peças, experimentam a capacidade de um "baldinho" enchendo-o com areia ou água, sabem reclamar a quantidade de brinquedo repartida injustamente, além de observar os números nos telefones, controles, elevadores e em muitas outras situações. A matemática faz parte da vida e até pode explicá-la. Entretanto, é preciso esclarecer que, se a matemática naturalmente faz parte da vida da criança e também de sua atividade principal - o brincar -, a aprendizagem da matemática não se dá naturalmente. Por si só, os jogos e brincadeiras ou a manipulação de brinquedos não representam um meio de aprendizagem da matemática. Para que ocorra essa aprendizagem, é preciso que o professor planeje, tenha claro o objetivo que deseja alcançar, em quantas e quais etapas. A aprendizagem requer intencionalidade educativa: não basta apenas brincar para saber matemática. A MATEMÁTICA ONTEM E HOJE E AS PRÁTICAS CORRENTES Ensinar Matemática em um mundo predominantemente tecnológico é um desafio. Cercada por preconceitos, essa ciência é tida como difícil, árida, complicada, recebendo injustamente a antipatia dos alunos, tornando-se uma das disciplinas mais temidas. Parte dessa imagem se deve a um equivocado encaminhamento que transmitia a insegurança e o medo de errar sem valorizar a compreensão do processo, o prazer da descoberta. A Matemática é sim uma ciência hipotético-dedutiva que exige abstração de pensamento e formalização em seu desenvolvimento e apresentação, mas não é por isso que desde a Educação Infantil ou as séries iniciais deva-se exigir de crianças pequenas, com raciocínio lógico ainda em evolução, esses aspectos que estão acima de suas ca- pacidades, pois as regras dedutivas são construídas aos poucos, em etapas, nas interações que as crianças realizam. Para que as crianças vejam a Matemática com mais tranquilidade e segurança, é preciso respeitar as características do pensamento infantil e oportunizar experiências, relações, construções, formulação de hipóteses. Uma das necessidades dos alunos e de forma geral da comunidade escolar é saber por que é preciso estudar Matemática. Nesse sentido, o professor deverá aproximar ao máximo os conteúdos da realidade vivida pelos alunos. O cotidiano está repleto de situações matemáticas e isso demanda uma atitude renovadora da prática pedagógica adotada. O que antigamente surtia efeito já não corresponde às necessidades ou interesses dos alunos. O avanço tecnológico introduziu na vida um novo sistema de agir e pensar. Computadores, calculadoras, televisões, localizadores monitorados por satélite, telefones celulares, antenas parabólicas e diversos utensílios domésticos com grande sofisticação modificaram as exigências com relação ao ensino. Hoje é preciso saber o contexto, a função, para que serve, as relações, a complexidade. Os cálculos básicos, repetitivos, podem ser feitos pelas máquinas de calcular, pelos computadores. Assim, as práticas para um consistente ensino da matemática podem estar pautadas em propostas Biblioteca online – sem valor comercial. Proibida a venda e a reprodução. 12 que se complementem, envolvendo a resolução de problemas, a modelagem, a etnomatemática, a história da matemática, os jogos matemáticos e o uso do computador. Por meio da resolução de problemas, o aluno tem a oportunidade de criar hipóteses e testá-las. Por meio da modelagem o aluno pode vir a conhecer melhor a utilidade da Matemática no dia a dia das pessoas. A etnomatemática reconhece e valoriza os conceitos construídos pelos alunos fora da escola, estando relacionada à forma como diferentes grupos sociais utilizam os conhecimentos da área. O conhecimento da construção histórica do saber matemático motiva e elucida a construção de conceitos que eventualmente se revelam os mesmos entre os alunos: observando como a Matemática se desenvolveu ao longo da história, consegue-se compreendê-la melhor e, muitas vezes, as crianças percorrem os mesmos passos que a humanidade percorreu na construção dessa ciência. O uso do computador reforça a ideia de que Matemática não é uma ciência pronta e acabada, mas em construção, e ela tem seus estudiosos como agentes dessa construção. Os jogos matemáticos, por seu turno, trazem como proposta o desenvolvimento do raciocínio lógico-matemático e espacial, a estimativa e o cálculo mental. PANORAMA MUNDIAL: RAZÕES PARA A MUDANÇA NO ENSINO DA MATEMÁTICA A educação é a peça fundamental na era da globalização. No panorama mundial, é o nível de ensino que vem definindo países como ricos ou pobres. Quanto maior a instrução, maior a produção, os ganhos e a humanização da sociedade como um todo. Comparado a outros países emergentes, o Brasil apresenta os piores indicadores na área da educação, apesar de seus gastos serem semelhantes aos desses países. Com relação à qualidade do ensino de Matemática, o Brasil fica abaixo de México, China e Rússia, ocupando o último lugar de acordo com o relatório Global Competitiveness do Fórum Econômico Mundial. No Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), do qual o Brasil é convidado a participar, o resultado na área da Matemática deixa o Brasil em 40.° lugar - isto é, em último. Essa avaliação teve como objetivo investigar se os alunos, ao fim do ensino básico, adquiriram conhecimentos e habilidades matemáticas básicas e essenciais para uma efetiva participação na vida em sociedade. O Pisa avaliou o desempenho dos estudantes em quatro áreas da Matemática: espaço e forma (incluindo fenômenos espaciais, geométricos e propriedades das figuras); transformações e relações (envolvendo relações entre variáveis e suas representações, incluindo equações); quantidade (incluindo relações quantitativas e modelos); incerteza (envolvendo probabilidade e estatística). Biblioteca online – sem valor comercial. Proibida a venda e a reprodução. 13 Ocorre que a concentração dos investimentos na Educação Superior agrava a má condição da Educação Básica - da qual a Educação Infantil, etapa considerada decisiva para a aprendizagem e a formação humana, faz parte. A ONG Ação Educativa realizou pesquisa com amostragem de 200 brasileiros, de 15 a 64 anos, com o objetivo de verificar os índices do alfabetismo matemático no país. Os resultados dessa pesquisa revelam que: 2% dos brasileiros não conseguem identificar os números, não leem preços de produtos, horários e números de telefone; 29% entendem os números como horários e preços, mas não sabem fazer cálculos como adição e subtração; 46% conseguem resolver problemas matemáticos simples, que exigem apenas um cálculo, e entendem relações de proporção entre os números, mas têm dificuldades com tabelas e gráficos; 23% conseguem resolver problemas numéricos que exigem vários tipos de cálculos, mostrando familiaridade com gráficos, tabelas e mapas. Os pesquisadores concluem que, apesar dos números estarem em todos os lugares, poucos conseguem trabalhar com eles. "Menos de um em cada quatro brasileiros consegue fazer cálculos necessários ao dia a dia. É muito pouca gente. Isso mostra o baixo nível educacional da população." (Vera Masagão - secretária executiva da ONG Ação Educativa.) Esses dados revelam a necessidade de uma mudança no ensino da Matemática. Alfabetizar matematicamente já não basta: é preciso levar os alunos a maiores níveis de proficiência para a compreensão e possibilidades de resolução dos problemas e situações matemáticas no contexto do mundo atual. A criança precisa ser encaminhada nesse aprendizado, tendo em vista objetivos que a levem ao letramento matemático. LETRAMENTO MATEMÁTICO Para dar conta da diversificação e da crescente sofisticação das demandas de leitura e escrita, ser apenas alfabetizado não é suficiente. O letramento matemático leva em conta o papel social da matemática, além de todas as habilidades voltadas para a quantificação, a ordenação, a compreensão e a leitura de gráficos, tabelas, medidas, proporções e a realização de tarefas que envolvam a matemática. Ser letrado envolve ser capaz de resolver e compreender, sem dificuldade, quaisquer problemas ligados à área. Significa fazer uso dos conhecimentos e habilidades relativas à matemática. E isso é mais do que perceber a sua existência nas inúmeras situações do dia a dia e o fato de o homem dela necessitar para o desenvolvimento social e tecnológico. Ser letrado não diz respeito somente à área da linguagem, para comunicar-se bem, para ler e escrever: é preciso compreender números em relação, tabelas, gráficos e dados comparados. Biblioteca online – sem valor comercial. Proibida a venda e a reprodução. 14 Na Educação Infantil é que se inicia o letramento matemático, pois antes de lidar com situações formais da área e situações tipicamente escolares, a criança já faz uma leitura e um esforço para compreender os papéis sociais do número e de outras questões ligadas à área como, por exemplo, as medidas, as grandezas, os espaço e as formas. O Indicador Nacional de Alfabetismo Funcional (Inaf) mediu algumas habilidades matemáticas da população brasileira. A classificação desse indicador para traçar o perfil do conhecimento que as pessoas têm de matemática em nosso país é a seguinte: analfabetismo absoluto - pessoas que não conseguem realizar operações básicas com números como ler o preço de um produto ou anotar um número de telefone; nível 1 (alfabetismo rudimentar) - pessoas que leem números em contextos específicos como preço, horário, números de telefone etc.; nível 2 (alfabetismo básico) - pessoas que demonstram dominar completamente a leitura de números, resolvem operações usuais envolvendo soma, subtração e até multiplicação, recorrem facilmente à calculadora, mas não possuem a capacidade de identificar a existência de relação de proporcionalidade; nível 3 (alfabetismo pleno) pessoas que controlam uma estratégia na resolução de problemas mais complexos, com execuções de uma série de operações relacionadas entre si, apresentando familiaridade com mapas e gráficos e não apresentando dificuldades em relação à matemática. (Disponível em: <www.ipm.org.br>) Na Educação Infantil, as crianças são letradas matematicamente porque aprendem a registrar e relacionar números e quantidades, aprendem as funções sociais do número e a resolução de problemas, aprendem sobre medidas e grandezas, formas e espaço, fazem estimativas, montam tabelas, comparam resultados etc. ATIVIDADES DE CONCLUSÃO: A Educação Infantil é um direito de toda criança e uma obrigação do Estado (artigo 208, IV da Constituição Federal). Como etapa de ensino, deve ser compreendida como instância escolar de trabalho coletivo em que se estabelecem parcerias entre professores, educadores, famílias e comunidade em benefício do atendimento, do bem-estar, da educação e do desenvolvimento integral das crianças. Nessa perspectiva, como deve ser organizado o trabalho na Educação Infantil? Biblioteca online – sem valor comercial. Proibida a venda e a reprodução. 15 OBJETIVOS DA EDUCAÇAÃ O INFANTIL E DA EDUCAÇAÃ O MATEMAÁTICA OBJETIVOS DA EDUCAÇÃO INFANTIL A Educação Infantil, como primeira etapa da Educação Básica, representa hoje uma conquista para a sociedade. Desde a promulgação da Constituição Federal em 1988 e de todas as outras leis - Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - produzidas em prol de uma nova conduta social, muito se tem feito para assegurar à criança tudo o que lhe é de direito. As crianças são cidadãos plenos de direito e, de acordo com a ética democrática, pretende-se que todas sejam incluídas nos sistemas sociais de educação, saúde, esporte, cultura, lazer, segurança pública, proteção jurídica. A inclusão da criança nos sistemas sociais e civis, a proteção de seus direitos e da infância e suas especificidades constituem um novo paradigma para a Educação Infantil. Trata-se da defesa da infância em sua totalidade; da busca da realização daquilo que foi preconizado pelo novo ordenamento legal. Os direitos infantis fazem parte do rol de conhecimentos do professor. São objetivos da Política Nacional de Educação Infantil, entre outros: ■ Integrar as instituições de Educação Infantil aos sistemas de ensino por meio de autorização e credenciamento dos Conselhos Municipais e Estaduais de Educação. ■ Fortalecer as relações entre as instituições de Educação Infantil e as famílias e/ou responsáveis pelas crianças matriculadas nessas instituições. ■ Garantir o acesso de crianças com necessidades educacionais especiais. ■ Garantir recursos financeiros para a manutenção e o desenvolvimento da Educação Infantil. ■ Expandir o atendimento educacional às crianças, visando alcançar as metas do Plano Nacional de Educação e dos planos estaduais e municipais. ■ Assegurar a qualidade do atendimento em creches, entidades equivalentes e pré- escolas. ■ Garantir a realização de estudos, pesquisas e diagnósticos da realidade da Educação Infantil no país para orientar e definir políticas públicas para a área. ■ Garantir espaços físicos, equipamentos, brinquedos e materiais adequados nas instituições de Educação Infantil, considerando as necessidades educacionais especiais e a diversidade cultural. ■ Ampliar os recursos orçamentários do Programa Nacional de Alimentação Escolar. ■ Garantir que todas as instituições de Educação Infantil elaborem, implementem e avaliem suas propostas pedagógicas, considerando as diretrizes curriculares Biblioteca online – sem valor comercial. Proibida a venda e a reprodução. 16 nacionais, bem como as necessidades educacionais especiais e as diversidades culturais. ■ Assegurar a participação das professoras e professores no processo de elaboração, implementação e avaliação das propostas pedagógicas das instituições de Educação Infantil. ■ Assegurar a valorização das professoras e professores de Educação Infantil, promovendo sua participação em Programas de Formação Inicial para professores em exercício, garantindo, nas redes públicas, inclusão nos planos de cargos e salários do magistério. ■ Garantir, nos programas de formação continuada para professoras e professores de Educação Infantil, os conhecimentos específicos da área de Educação Especial, necessários para a inclusão, nas instituições de Educação Infantil, de alunos com necessidades educacionais especiais. ■ Garantir a valorização dos funcionários não docentes que atuam na Educação Infantil. ■ Assegurar que estados e municípios elaborem e/ou adequem seus planos e educação em consonância com a legislação vigente. ■ Fortalecer parcerias para assegurar, nas instituições competentes, o atendimento integral à criança, considerando seus aspectos físico, afetivo, cognitivo-linguístico, sociocultural, bem como as dimensões lúdica, artística e imaginária. (Política Nacional de Educação Infantil, 2006.) Assim, vemos que a ação pedagógica não está desvinculada de nenhum dos aspectos que constituem a escola infantil. Para o desenvolvimento do pensamento e da educação matemática, todas as estratégias que objetivam a melhoria da educação devem ser explicitadas ao professor. Vale ressaltar que o Plano Nacional de Educação, Lei 10.172/2001, meta n.° 15, estabeleceu a extinção das classes de alfabetização e determinou a incorporação das crianças ao Ensino Fundamental. Essa medida amplia o atendimento na escola de Educação Infantil e recoloca as crianças em suas etapas de ensino correspondentes. A Educação Infantil é uma etapa extremamente importante para o desenvolvimento integral do ser humano, pois é nessa fase que se concentra o grande potencial de aprendizagem de uma pessoa. O ensino da matemática, como ação pedagógica, está relacionado também aos parâmetros básicos de infraestrutura para instituições de Educação Infantil, porque o espaço físico constitui-se em uma forma silenciosa de educar. De acordo com Antônio VinaoFrago, o espaço escolar não é apenas um cenário onde se desenvolve a educação, mas sim "uma forma silenciosa de ensino" (FRAGO, 1995, p. 69). A escola infantil precisa ser funcional, segura, alegre e permitir que as crianças brinquem, aprendam, explorem, interajam e convivam de forma prazerosa e harmoniosa. Biblioteca online – sem valor comercial. Proibida a venda e a reprodução. 17 HISTÓRICO E OBJETIVOS DA EDUCAÇÃO MATEMÁTICA Antigamente, a Matemática para crianças em idade pré-escolar tinha como ideia central o ensino de atividades pré-numéricas - isto é, exercícios voltados para a lógica. O conhecimento que as crianças tinham sobre números era desconsiderado. Dessa forma, o trabalho na pré-escola era centrado nos aspectos lógicos do número. Equivocadamente, essa ideia foi baseada na teoria piagetiana, pois não se tratava de uma transposição didática da psicogenética para as salas de aula. A teoria piagetiana elucidou e contribuiu para o entendimento de como a criança pensa e aprende. Nas décadas de 1940 e 1950, a concepção de aprendizagem que permeava o ensino previa a memorização, os exercícios e a repetição. Os conteúdos eram estruturados linearmente, sendo compostos de verdades inquestionáveis pelos alunos. O surgimento de uma didática da Matemática se deu pela aproximação e o desenvolvimento da psicologia cognitiva, que tinha como grande estudioso o suíço Jean Piaget. Nas décadas de 1960 e 1970, surgiu a matemática moderna, que tinha como eixo a teoria dos conjuntos. Entretanto, embora já não se baseasse apenas na repetição e na memorização, essa concepção de aprendizagem deixou de considerar o processo individual de construção da inteligência proposto por Piaget. Na prática escolar, a teoria dos conjuntos era encaminhada por professores sem o aprofundamento necessário para considerá-la uma teoria abstrata e complexa. Dessa forma, o ensino da Matemática apresenta, tanto na matemática tradicional como na matemática moderna, um caráter estruturalista e de linearidade. Ao longo dos anos de 1970, era prática comum retardar o acesso à escrita na educação escolar para que a criança antes amadurecesse.Introduzia-se os elementos notacionais de um modo imposto e artificial. Hoje temos claro aquelas ideias obscurecidas do passado. A escrita não surge para representar aquilo que a criança não conseguia mais transmitir por meio do desenho. A criança pode fazer notações e representações. Entretanto, com relação a qualquer registro gráfico, que é geralmente muito valorizado, é preciso que se verifique a sua real necessidade e o interesse da criança em fazê-lo. Com o avanço dos estudos sobre a relação entre professor e aluno e sobre o objeto do conhecimento, assim como o avanço das teorias histórico-sociais desenvolvidas por Vygotsky e colaboradores, a educação passou a contar com um novo conceito para explicar a aprendizagem: a zona de desenvolvimento proximal, "que é a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar através da solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes"(VYGOTSKY, 1991, p. 94-95). O primeiro nível, o de desenvolvimento real, é o nível de desenvolvimento das funções mentais da criança sobre ciclos já completados. É aquilo que elas conseguem fazer por si mesmas. Crianças com níveis iguais de desenvolvimento mental apresentam capacidades de aprendizagem diferentes. Isso foi o que evidenciou a diferença entre idade mental e idade biológica. Diz Vygotsky sobre os anos da idade cronológica: essa diferença entre doze e oito ou entre nove e oito, é o que nós chamamos Biblioteca online – sem valor comercial. Proibida a venda e a reprodução. 18 a zona de desenvolvimento proximal. Ela é a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar através da solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes. (VYGOTSKY, 1991, p. 97, grifos do autor) Nesse sentido, Piaget e Vygotsky, embora percorrendo diferentes caminhos, apresentam teorias que buscam a constituição da inteligência e do pensamento. Para aprender sobre numeração as crianças devem lidar com números, e a ação do professor deve considerar como ponto referencial o conhecimento que a criança já possui, o conhecimento que a criança leva para a escola. Assim, professores devem passar a considerar os níveis de ajuda e intervenção mediadora para que a aprendizagem ocorra. A matemática deve ser desafiadora, possibilitando o trabalho coletivo e o confronto de diferentes pontos de vista. A visão deixa de ser a de uma área com conteúdos prontos e acabados para ser a de uma ciência em constante construção e evolução. Qualquer situação de aprendizado começa muito antes delas frequentarem a escola. Qualquer situação de aprendizado com a qual a criança se defronta na escola tem sempre uma história prévia. Por exemplo, as crianças começam a estudar aritmética na escola, mas muito antes elas tiveram alguma experiência com quantidades - elas tiveram que lidar com operações de divisão, adição, subtração, e determinação de tamanho. Consequentemente, as crianças têm a sua própria aritmética pré-escolar, que somente psicólogos míopes podem ignorar. (VYGOTSKY, 1991, p. 94-95) Além de aprenderem, pensarem e discutirem sobre o sistema de numeração e sobre as relações numéricas, as crianças devem ser capazes de compreender algumas situações matemáticas no dia a dia. A exploração do espaço e da forma amplia-se, não se reduz unicamente ao estudo de formas geométricas. A criança constrói sua noção de espaço a partir de explorações que faz a partir do próprio corpo. Segundo o Referencial Nacional para a Educação Infantil, a abordagem da matemática na Educação Infantil tem como finalidade proporcionar oportunidades para que as crianças desenvolvam a capacidade de "estabelecer aproximações a algumas noções matemáticas presentes no seu cotidiano como contagem, relações espaciais etc" (MEC, 1998). E para o aprofundamento do trabalho com crianças maiores de três anos, é prevista a criação de oportunidades para que sejam capazes de: • reconhecer e valorizar os números, as operações numéricas, as contagens orais e as noções espaciais como ferramentas necessárias no seu cotidiano; • comunicar ideias matemáticas, hipóteses, processos utilizados e resultados encontrados em situações-problema relativas a quantidades, espaço físico e medida, utilizando a lin- guagem oral e a linguagem matemática; • ter confiança em suas próprias estratégias e na sua capacidade para lidar com situações matemáticas novas, utilizando seus conhecimentos prévios. (BRASIL, 1998) Para que tais objetivos se cumpram, o professor pode promover brincadeiras que envolvam situações matemáticas como, por exemplo, simular compras no mercado, promover uma feira, organizar um salão de beleza para bonecas, montar um estacionamento e um lava-car de carrinhos, uma lanchonete, confecção de roupas e Biblioteca online – sem valor comercial. Proibida a venda e a reprodução. 19 diversas outras representações simbólicas da vida real. Nesse tipo de exploração as crianças aplicam os conhecimentos matemáticos que vão adquirindo. A LINGUAGEM DA MATEMÁTICA A linguagem matemática foi desenvolvida para facilitar a comunicação do conhecimento matemático entre as pessoas. Entretanto, quando abusamos do uso de símbolos e não nos preocupamos em trabalhar a sua compreensão, clareando o seu significado, conseguimos o efeito contrário: dificultamos o processo de aprendizagem da matemática. Frequentemente, o excesso de simbologia cria dificuldades desnecessárias para o aluno, chegando até mesmo a impedir que ele compreenda a ideia representada pelo símbolo. Por exemplo, a apresentação precoce e inadequada do símbolo que representa a fração (V2, 3A % etc.) pode prejudicar a compreensão do conceito de fração. Gerada por uma apresentação inadequada da linguagem matemática, essa dificuldade é bastante lamentável - afinal de contas, tal linguagem foi desenvolvida justamente com a intenção oposta. Conhecer a origem de certos símbolos pode ajudar o professor a compreendê-los. Nas civilizações da Antiguidade (babilônios, gregos, chineses, romanos etc.), cada povo utilizava palavras e símbolos próprios para representar os números. Os babilônios, por exemplo, desenvolveram uma escrita dos números que, embora bastante sofisticada, usava basicamente um único sinal em forma de cunha (escrita cuneiforme). Durante a Idade Média (séculos V a XIV, aproximadamente), os livros de ma- temática eram praticamente desprovidos de símbolos. As ideias eram expressas por extenso, usando-se principalmente o latim. Hoje, esse período é denominado fase retórica da linguagem matemática. Naquela época, a subtração era indicada pela palavra latina minus. Com o tempo, os copistas passaram a abreviar as palavras e minus foi substituída pela sua inicial com um traço em cima. Mais tarde, passou-se a usar apenas o traço para indicar a subtração. O sinal que usamos hoje para indicar a adição tem uma história parecida. A palavra latina et corresponde ao nosso e, indicando adição: dezoito é dez e oito (dez mais oito). O sinal de adição (+) é uma derivação da letra t da palavra et. E é comum ouvir que a Matemática é uma área de linguagem abstrata, de difícil compreensão, e que não admite erros. Entretanto, é uma área de enorme valor e possui linguagem própria. Assim, a linguagem matemática apresenta diferentes níveis de elaboração e mesmo a linguagem não profissional pode admitir termos e registros complexos, dependendo da competência dos seus usuários. Por vezes, a linguagem matemática já foi comparada ao estudo de línguas estrangeiras, pois não é uma linguagem praticada nas ruas, mas no meio acadêmico e escolar. Segundo Eleonora Brum e Adair Nacarato, A linguagem matemática pode e deve ser estimulada a partir de diferentes meios: oral, escrito, pictórico, gestual, mas os escritos são muito importantes, uma vez que podem ser retomados pelo professor e discutidos com a criança, tanto individualmente como em grupo. Esses registros, quando realizados a partir de atividades de jogo, promovem a reflexão do professor a respeito de sua prática, permitindo-lhe conhecer os diferentes caminhos que a criança busca para expressar seu raciocínio. (BRUM; NACARATO, 2007) Biblioteca online – sem valor comercial. Proibida a venda e a reprodução. 20 A matemática não se resume à linguagem, ela é um conhecimento, por isso, na Educação Infantil é importante deixar a criança agir. As crianças não vão para a escola infantil para se prepararem para a educação acadêmica e formal do Ensino Fundamental, período em que, gradativamente, farão uso de uma linguagem matemática cada vez mais formal. A respeito dos registros das crianças, é preciso ter claro o que é representação e o que é notação. Para tanto, Lee e Karmiloff-Smith (1996) esclarecem que, [...] frequentemente, o termo representação é usado para se referir aos desenhos das crianças. Na verdade, é preciso distinguir representação de notação. Representação se refere ao que é interno à mente, e notação, ao que é externo. Representação reflete como o conhecimento é construído na mente e notação estabelece o suporte das relações entre um referente e um signo. Notações não são meramente cópias idênticas, nem externalizações ilimitadas de representações internas. Notações têm suas próprias e singulares propriedades que refletem a relação dinâmica interativa entre notação e representação. (p. 26) Diante da complexidade do conhecimento matemático e do desenvolvimento da cognição humana, quanto mais liberdade para aprender tiver a criança, maiores serão os benefícios. A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA CRIANÇA E DA APRENDIZAGEM MATEMÁTICA O conhecimento matemático trazido e percebido pelos alunos é advindo de contextos significativos. É o conhecimento social, real e necessário na vida cotidiana das pessoas, sem fragmentações, cortes ou segregações. Por isso, os conteúdos matemáticos - sistema de numeração, grandezas e medidas, espaço e forma - ocorrem simultaneamente, aparecem relacionados à sua função social. O professor deve ser capaz de definir atividades tendo em vista os objetivos gerais da Educação Infantil, pois a aprendizagem é significativa quando se compreende e conhece a sua aplicabilidade. Para tanto, é preciso conhecer a infância. Em entrevista sobre a infância, ao ser questionado sobre o significado das culturas infantis e sobre por que utiliza o termo infâncias, Miguel Arroyo (2006, p. 3-4) nos recorda que o ser humano não nasce pronto: ele é construído em um processo longo que acompanha a vida toda. A partir de determinantes biológicos e das concepções culturais, vão sendo criadas as diversas temporalidades, cada uma com suas especificidades. A infância é uma dessas temporalidades, como o são a adolescência, a juventude, a vida adulta e a velhice. São tempos em que o ser humano está em um dado momento da construção de sua mente, das suas faculdades superiores, assim como de seus valores e de sua ética. Tais temporalidades variam de acordo com cada povo e cultura. Em um ambiente rural, por exemplo, provavelmente a infância será mais curta, na medida em que as condições sociais e culturais determinam a duração da infância. Determinam a duração, as maneiras de viver esses tempos e o imaginário que se tem sobre eles. Desde o livro clássico de Philippe Áries na década de 1960, chamou-se a atenção para o fato de que a infância não é sempre a mesma, ela passa por temporalidades diferentes e, historicamente, ela se constrói como um tempo diferenciado. Uma coisa é a infância nos tempos mais primitivos e a outra a infância na Idade Medieval. [...] Passamos por tempos diversos na vida, então temos que respeitar a infância em suas especificidades. Temos que ter um currículo para a formação da adolescência, dentro dessa especificidade que é ser adolescente. [...] As imagens românticas da infância se quebraram. É hora de preparar os professores para lidar com a infância real. As diversidades de classe são muito mais fortes: se até agora falamos em infância, quando vemos as diversidades de classe vamos ter que Biblioteca online – sem valor comercial. Proibida a venda e a reprodução. 21 falar em infâncias. Porque uma coisa é ser criança em uma favela, com o pai desempregado, com uma mãe que tem que sair cedo para poder trazer comida para casa, ser uma criança de seis anos que cuida do irmãozinho de dois. Essas infâncias são muito diversas das infâncias de classe média, das infâncias da elite. (ARROYO, 2006, p. 3-4) O professor deve encaminhar o seu trabalho com a matemática de acordo com os conhecimentos específicos da infância, pois a característica da infância é a brincadeira: a brincadeira (o jogo) é o meio pelo qual a criança aprende acerca do mundo e também o meio pelo qual ela aprenderá matemática. PARÂMETROS PARA O CURRÍCULO DE MATEMÁTICA NA EDUCAÇÃO INFANTIL Um dos aspectos mais importantes para a formação de um currículo de ensino e aprendizagem na área da matemática é a superação de uma perspectiva linear e estruturalista dos conteúdos da área. As crianças aprendem em situações diversas e nem sempre a aprendizagem obedece à regra que vai do mais simples ao mais complexo, já que as crianças observam tudo ao seu redor, interagem, questionam, criam, comparam e refletem sobre o que aprendem. Para a definição de um currículo, deve-se levar em conta as características da etapa de ensino, a metodologia adequada. Segundo o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil, a seleção e a organização dos conteúdos matemáticos representam um passo importante no planejamento. Para tanto, deve-se levar em conta que: aprender matemática é um processo contínuo de abstração no qual as crianças atribuem significados e estabelecem relações com base nas observações, experiências e ações que fazem, desde cedo, sobre elementos do seu ambiente físico e sociocultural; a construção de competências matemáticas pela criança ocorre simultaneamente ao desenvolvimento de inúmeras outras naturezas diferentes e igualmente importantes, tais como comunicar-se oralmente, desenhar, ler, escrever, movimentar-se, cantar etc. Desse modo, o conhecimento matemático não pode ser tratado de forma desvinculada da realidade. Os projetos de trabalho, com áreas do saber integradas, constituem-se em um meio eficiente para a abordagem do conhecimento matemático com crianças em idade pré-escolar. Segundo Jodete Bayer Gomes Füllgraf (2006, p. 27), o conceito de currículo não corresponde a uma condição universal, natural, como algo sempre igual, homogêneo e de significado óbvio: ele é social e historicamente construído, tendo sido crivado por diferentes concepções teóricas ao longo da história. A realidade educacional apresenta diversos modelos de enquadramento curricular, de modo que as expressões propostas pedagógicas, currículos, Projeto Político Pedagógico, regimento escolar e diretrizes pedagógicas, ora aparecem com o mesmo significado, ora se diferenciam. Kramer (2001) destaca que "currículo é palavra polissêmica, carregada de sentidos construídos em tempos e espaços distintos. Sua evolução não obedece a uma ordem cronológica, mas se deve às contradições de um momento histórico, assumindo, portanto, vários significados ao mesmo tempo". Muitos estudos que discutem propostas pedagógicas e currículo desvelaram uma realidade infinita e ímpar, na qual o processo educativo só pode ser observado de uma forma multifacetada. Segundo GimenoSacristán (1998), a realidade do currículo não se Biblioteca online – sem valor comercial. Proibida a venda e a reprodução. 22 mostra em suas modelagens documentais, ou seja, nos projetos pedagógicos, mas na interação de todos os contextos educativos que compõem as práticas. Essa polissemia permite inferir a necessidade de um modelo pedagógico alicerçado em práticas cotidianas que respeitem as necessidades de desenvolvimento da criança. A MATEMÁTICA NA EDUCAÇÃO INFANTIL: TRAJETÓRIA E PERSPECTIVAS (LIMA, 2006) Os estudos atuais sobre o ensino da Matemática na Educação Infantil levam em consideração tanto as especificidades dos conteúdos a ensinar quanto a maneira pela qual os alunos aprendem e atribuem sentido aos conhecimentos matemáticos veiculados socialmente. O Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (Recnei) e as publicações de pesquisadores como Guy Brousseau, Gérard Vergnaud, Anne Sinclair, Patrícia Sadovsky, Ana Cristina Rangel, entre outros, propõem que para as crianças construírem conhecimento é preciso que vivenciem múltiplas situações significativas em contextos adequados e tenham oportunidade para fazer reflexões sobre suas produções, interagindo com outros, crianças e/ou adultos, tanto para explicitar sua forma de pensar como para confrontar formas de resolução. Nessa perspectiva, desde a Educação Infantil, a criança aprende matemática a partir das ações que produz para a resolução de uma situação, ou seja, quando compara, discute, pergunta, cria, amplia ideias e percebe que o erro faz parte do seu processo de construção do conhecimento. Essas ações investigativas geram na criança o desejo de responder a uma pergunta interessante, ajustar-se às regras de um jogo, seguir as estratégias socializadas por um colega, entre outros procedimentos. Nas décadas de 1940 e 1950, a concepção de aprendizagem que permeava o ensino era fundamentada na psicologia empirista. Nessa perspectiva, a aprendizagem reduzia-se à memorização, à exercitação e à repetição. Os conteúdos seguiam uma sequência linear, eram estruturados a partir de uma lista de temas e verbalizados pelo professor como um conjunto de verdades imutáveis. Mediante avanços dos estudos da psicologia cognitiva, inspirados, especialmente, na psicologia genética, difundida por Jean Piaget, a ênfase anterior dada à linguagem desloca-se para a ação. [...] A associação da teoria piagetiana com a ação pedagógica gerou dificuldades de interpretação pelos professores, pois não ficava claro para esses profissionais que o processo de desenvolvimento cognitivo exige ações mentais que demandam tempo para possibilitar a efetiva construção do conhecimento pela criança. Biblioteca online – sem valor comercial. Proibida a venda e a reprodução. 23 Nas décadas de 1960 e 1970, surge a matemática moderna com o grupo Bourbaki, tendo como eixo a teoria dos conjuntos. A concepção de aprendizagem, segundo esse grupo, não acontece mais pela repetição e pela manutenção de verdades. Entretanto, as tentativas de mudança no ensino-apren- dizagem, com a difusão da matemática moderna, não levaram em conta as considerações sobre o processo de construção da inteligência propostas pela teoria construtivista de Piaget. Os professores, por não terem aprofundado, nos processos de formação, o estudo sobre a teoria dos conjuntos, não a concebiam como uma teoria abstrata, que necessitava para sua compreensão do uso de noções lógicas complexas. Diante disso, tratavam a teoria dos conjuntos com características muito concretas, e acabavam ensinando os conteúdos de forma linear, semelhante à concepção tradicional, seguindo uma sequência rígida. Em face do exposto, o ensino tanto na matemática tradicional como na matemática moderna apresenta um caráter estruturalista. No entanto, os novos rumos para o ensino dessa área apontam para uma atenção especial a estudos sobre os processos de desenvolvimento do indivíduo, bem como sobre a relação professor-aluno-objeto de conhecimento. Com os estudos de Vygotsky e seus colaboradores, que se centraram nas leis do desenvolvimento e do processo de ensino-aprendizagem, a partir da teoria sócio- histórico-cultural, é lançado um conceito básico para a educação: a zona de desenvolvimento proximal (ZDP) que "é a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar através da solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes". Assim, na organização de sua prática, o professor deve considerar a ZDP das crianças para mediar o processo de ensino-aprendizagem a partir das necessidades do grupo, e, dessa forma, estruturar seu trabalho prevendo níveis de ajuda que possibilitem os avanços de todas as crianças. Em consonância com esse conceito básico de Vygotsky sobre a ZDP e os novos estudos sobre ensino-aprendizagem da matemática, realizados por pesquisadores da didática e divulgados pela publicação dos Referenciais Curriculares Nacionais, faz-se necessário repensar o papel do professor e, mais especificamente, da inter-relação professor-aluno- saber no âmbito escolar. A partir dos estudos de Brousseau, pertencente à corrente da didática matemática francesa, é lançada a ideia de ser implementado no processo de ensino-aprendizagem um contrato didático que funcionará como um regulador dos intercâmbios entre o professor e o aluno, delimitando de- veres e direitos em um espaço de referência compartilhado: a sala de aula. Nesse contrato, as relações que as crianças e os professores mantêm com o saber estariam delineadas previamente. Logo, todas as situações propostas em classe teriam um papel desafiador, por possibilitarem confrontações de pontos de vista e evidenciarem seu efeito no trabalho coletivo do Biblioteca online – sem valor comercial. Proibida a venda e a reprodução. 24 grupo sobre suas ideias iniciais e o desenvolvimento dos saberes individuais de cada criança. Retomando o enfoque sócio-histórico-cultural difundido por Vygotsky e seus seguidores, "a educação é uma fonte que promove o desenvolvimento, precisa então ser coerente, organizada e oportuna". Daí o compromisso do professor em promover um processo de ensino-aprendizagem, concebendo o aluno como um ser singular, buscando conhecer as necessidades e potencialidades de cada criança e organizando sua prática educativa a partir da resolução de problemas. Como aponta Vergnaud, pesquisador da didática francesa, as concepções dos alunos são moldadas por situações que se encontram em contextos significativos. Daí a relevância de o tratamento de todos os conteúdos matemáticos - sistema de numeração, grandezas e medidas, e espaço e forma - acontecer simultaneamente e estar conectado com sua função social. Vale ressaltar que o professor deve saber que objetivos os alunos devem atingir e que atividade deve propor em função das metas traçadas para a Educação Infantil no que se refere a cada conteúdo, a fim de que possa possibilitar conexões entre eles. No tocante ao sistema de numeração, as crianças precisam conhecer a sucessão oral dos números; estabelecer relações entre eles: estar entre, um mais que, um menos que; reconhecer a sucessão escrita; iniciar a comparação de escritas numéricas e reconhecer as funções do número. Segundo Sinclair, é preciso considerar que os números são usados no cotidiano com diferentes funções comunicativas: os números de telefones, documentos, cartões bancários têm a função de codificar; nas receitas, balança, fita métrica, a função é de medir; já no elevador aparece para ordenar, e, nas embalagens, quando expressam o número de objetos que contêm, apresentam a função de quantificar. Ao identificar essas quatro funções do número, é possível perceber uma inter-relação entre estas e os diferentes conteúdos. Logo, ao trabalhar as grandezas e as medidas, as ações devem visar à relação do número com a função de medir, com o uso pelas crianças de diferentes estratégias para comparar grandezas, efetivando as primeiras aproximações com medidas de comprimento, peso, volume e tempo, por meio de unidades convencionais e não convencionais. Diante disso, o professor pode organizar boas situações de aprendizagem na Educação Infantil a partir de oficinas matemáticas: simulação de salão de beleza, sapataria, lanchonete, consultório médico e ateliê de costura. No entanto, para possibilitar aprendizagens significativas, é necessário que seja construído um ambiente favorável com materiais que são utilizados no contexto real desses diferentes estabelecimentos comerciais. Além das oficinas, os conhecimentos matemáticos podem ser acionados pelo trabalho com jogos: baralho, pega-varetas, dominós, do resgate de músicas infantis (Mariana Biblioteca online – sem valor comercial. Proibida a venda e a reprodução. 25 conta um; Um, dois, três indiozinhos) e de brincadeiras como esconde-esconde, coelhinho sai da toca, bem como a marcação do tempo por meio de calendários e experiências com dinheiro. Quanto ao processo de construção relacionado ao espaço e às formas, as situações devem visar ao estabelecimento de relações espaciais nos deslocamentos, que podem ser organizadas por meio da comunicação oral e da reprodução de trajetos considerando elementos do entorno como pontos de referência. Além disso, devem ser estabelecidas relações espaciais também entre objetos e em objetos. As relações espaciais entre objetos podem ocorrer com a descrição e a interpretação da posição de objetos e pessoas em determinados espaços. No caso do estabelecimento de relações espaciais em objetos, é de fundamental importância que o professor organize situações para que as crianças iniciem os desenhos de construção, antecipem a própria ação para a conquista dos resultados esperados, modifiquem o produzido em função da ação do outro ou de resistências do objeto. No trabalho com as figuras geométricas, devem ser oportunizadas atividades em que as crianças descrevam as figuras a partir das formas que estão ao seu redor no cotidiano. Por conseguinte, é necessário, desde a Educação Infantil, abandonar a perspectiva linear na organização curricular para o ensino da matemática, do simples para o complexo, pois o processo de construção do conhecimento das crianças acontece a partir da sua interação com diferentes situações investigativas, como foram apresentadas neste artigo. Dessa forma, é a partir das comparações, das discussões, dos questionamentos, das criações, das socializações de ideias que as crianças põem em jogo o que aprenderam e têm oportunidade de refletir sobre essas aprendizagens. ATIVIDADES DE CONCLUSÃO: De acordo com o Referencial Nacional para a Educação Infantil, a abordagem da Matemática tem como finalidade, para as crianças menores, o estabelecimento de algumas noções matemáticas presentes no seu cotidiano. O que é proposto para o aprofundamento do trabalho, nessa área, com crianças maiores de três anos? Biblioteca online – sem valor comercial. Proibida a venda e a reprodução. 26 GEOMETRIA NA EDUCAÇAÃ O INFANTIL OBJETIVO DA GEOMETRIA NA EDUCAÇÃO INFANTIL • A geometria é uma ciência que estuda o espaço físico? • Como se aprende geometria? Na Educação Infantil, a geometria não está restrita à nomeação de figuras, pois está voltada para o desenvolvimento das competências espaciais das crianças. Desde que nasce, a criança está em contato com o mundo por meio da visão, da audição, do tato, do movimento. Antes mesmo de falar, a criança já explora o espaço e as formas presentes, já interpreta o ambiente no qual está inserida. Em grande parte, as suas primeiras experiências no mundo são de caráter espacial. No entanto, ao longo do tempo, a maioria dos currículos escolares não deu a devida importância a essas experiências da criança. Assim, ao se falar em geometria, é comum imaginar atividades de reconhecimento de formas geométricas - como o quadrado, o retângulo, o círculo e o triângulo. Os professores preocupam-se com a nomeação, o desenho e a pintura dessas formas, considerando que isso é o principal conteúdo da área. Felizmente, a prática pedagógica nas escolas tem ido além, explorando o conhecimento e os modos pelos quais a criança conhece o espaço em que vive. Quando chega à escola, a criança traz muitas noções de espaço porque se movimenta, explora, experimenta, troca, descobre. O desenvolvimento da noção de espaço ocorre de forma progressiva, iniciando-se com o conhecimento e a percepção de si mesmo, do espaço ao seu redor e do espaço-mundo, para depois chegar ao espaço representado em forma de desenhos, mapas, croquis, maquetes, representações planas etc. Desse modo, a percepção do espaço pela criança é marcada por três etapas essenciais: a do vivido, a do percebido e a do concebido. De acordo com Smole (2003), o espaço vivido refere-se ao espaço físico, vivenciado por meio do movimento e do deslocamento apreendido pela criança em brincadeiras e atividades que permitem percorrer, delimitar ou organizar esse espaço. O espaço percebido é aquele que não precisa mais ser experimentado fisicamente para que a criança possa lembrar-se dele. O espaço concebido surge quando existe a capacidade de estabelecer relações espaciais entre elementos somente por meio de suas representações, como é o caso de figuras Biblioteca online – sem valor comercial. Proibida a venda e a reprodução. 27 geométricas, mapas, plantas e diagramas. Esse processo reafirma o fato de que, na Educação Infantil, a geometria não pode ser estática e nem se restringir às atividades de identificação de figuras geométricas. O principal objetivo do desenvolvimento do pensamento geométrico é que as crianças possam perceber um pouco mais do que a aparência das figuras - por exemplo, o fato de um quadrado fazer parte de um cubo e de que há figuras redondas que não são necessariamente circulares: a cabeça de uma pessoa é arredondada, mas não é um círculo. Assim, a geometria é um campo que pode oferecer melhor oportunidade de relacionamento com a matemática como o estudo do espaço no qual a criança vive, e também contribui para aprendizagem de números e medidas, pois estimula a criança a observar, perceber semelhanças e diferenças, identificar regularidades. As pesquisas de Dina e Pierre Van Hiele sobre figuras e formas (SMOLE, 2003) revelaram que a maioria dos alunos desenvolve seus conhecimentos geométricos em diferentes níveis de complexidade, desde o reconhecimento visual de uma figura até a capacidade de lidar com os axiomas geométricos. Axiomas são métodos que a matemática usa para construir-se como ciência por meio de método experimental. As crianças da escola infantil estariam no nível da visualização de um todo sem que as figuras e as formas fossem compostas por partes ou propriedades. Então, as suas primeiras noções geométricas devem ocorrer pela manipulação e a exploração de diversos modelos e formas geométricas - e, partir daí, o vocabulário, a identificação e a construção serão desenvolvidos. Para Van Hiele, somente a partir desse primeiro nível é possível passar ao nível da análise das propriedades das figuras e objetos. A concretização deve ser feita por desenhos, textos coletivos, construção de livros de formas, modelagem com massa etc. SUGESTÕES DE ATIVIDADES PARA O PENSAMENTO GEOMÉTRICO ■ Propor questionamentos por meio das figuras das páginas de um livro que contenha as formas geométricas - quadrado, círculo, triângulo, retângulo, paralelogramo e outros. - Quem já viu essa figura antes? - Alguém sabe o nome dela? Biblioteca online – sem valor comercial. Proibida a venda e a reprodução. 28 - O que existe em nossa sala de aula com a mesma forma? ■ Com papel picado, e aproveitando para trabalhar as cores, pedir para as crianças montarem uma figura semelhante à forma mostrada e determi¬nada pelo professor. ■ Junto com as crianças, contar as pontas das formas geométricas propostas em aula - triângulo, quadrado etc. - e comparar a um círculo, fazendo os devidos questionamentos sobre o assunto. ■ Compartilhar as atividades das aulas de Educação Artística, promovendo uma exposição geométrica com sólidos geométricos e planos. ■ Montar uma maquete que reproduz uma parte da casa onde a criança vive, destacando a forma geométrica do cômodo e dos objetos. GEOMETRIA TOPOLÓGICA Antes de caracterizar a topologia faz-se necessário caracterizar sinteticamente as geometrias euclidiana e projetiva para a compreensão da geometria topológica. A GEOMETRIA EUCLIDIANA Refere-se às transformações que mudam somente a posição do objeto e, portanto, conservam-se
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