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rEvisão Resumo A presente revisão pretende analisar os mais recentes métodos existentes na Biologia molecular-genética médica, com direcionamento quanto à detecção e ao acompanhamento das diferentes neoplasias ginecológicas. Inicialmente, neste estudo serão discutidos os aspectos básicos e as características celulares importantes, as diversas fases celulares e os métodos de análise existentes para avaliação dos cromossomos e dos genes. São revistos os mais importantes fatores oncogênicos responsáveis pela carcinogênese, bem como a ação dos oncogenes e dos genes supressores dos tumores. Abstract This review intends to analyze the latest existing methods in Molecular Biology-Medical genetics, focusing on the detection and tracking of different gynecological neoplasias. This study will initially discusses basic aspects and important cellular characteristics, as well as the different cellular phases and existing analytical methods for the study of chromosomes and genes. It also reviews the most important oncogenic factors which are responsible for carcinogenesis, as well as the action of oncogenes and tumor-supressing factors. Mauri José Piazza1 Almir A. Urbanetz2 Newton Sérgio de Carvalho3 Palavras-chave Biologia molecular Genética médica Oncogenes Genes supressores dos tumores Keywords Molecular biology Genetics,medical Oncogenes Tumor-supressor genes 1 Professor Titular de Ginecologia do Departamento de Tocoginecologia da Universidade Federal do Paraná Curitiba 2 Professor Titular de Obstetrícia do Departamento de Tocoginecologia 3 Professor Adjunto do Departamento de Tocoginecologia Endereço para correspondência: Mauri José Piazza – Rua Padre Agostinho, 1.923- apto.701 – Tel.:(41) 9995-0005/3338-0101 – CEP 80710-000 – Curitiba (PR), Brasil – e-mail: mpiazza@onda.com.br Os autores declaram inexistência de conflitos de interesse no presente trabalho. Biologia molecular: aspectos básicos da genética: parte I Molecular biology: genetic basic aspects Piazza MJ, Urbanetz, AA, Carvalho NS FEMINA | Novembro 2010 | vol 38 | nº 11576 Introdução As neoplasias constituem o crescimento anormal de massas de tecidos e classicamente foram identificadas como benignas ou malignas dependendo do seu aspecto estrutural e das suas características de crescimento. Muitos dos tumores benignos imitam o aspecto celular do tecido da sua origem, mantendo o aspecto destas células e suas funções. Por sua vez, as células dos tumores malignos passam a exibir uma variabilidade ampla desde os graus bem diferen- ciados até os graus indiferenciados destas neoplasias, passando a apresentar características de invasão local ou mesmo sua disseminação sistêmica com características de metastização a outros sítios-tecidos. O intuito inicial é descrever todas as possíveis características do ciclo celular e os fatores determinantes na etiologia,sejam on- cogenes ou fatores bloqueadores do desenvolvimento tumoral,ou seja genes supressores. A célula Todo o mecanismo de replicação celular é bastante complexo e, durante a sua evolução, a célula passará através de varias fases, começando sempre pela síntese do DNA (Fase S) e culminando na mitose (Fase M). Estes processos de divisão celular são os responsáveis pela criação de células diploides,as quais, originadas de células pre- existentes, sendo denominado mitose. As fases preparatórias e que antecedem as fases S e M são co- nhecidas como fases de intervalo (Gap) G1 e G2, e cada fase do ciclo celular só se iniciará se a fase anterior tiver sido completada. Estas fases de eventos celulares serão controlados por fatores intra e extracelulares. Após a mitose,as células entram numa fase em que não existe a síntese de DNA, que é a interfase sendo esta dividida em G1—S—G2. Na fase G1, ocorre a síntese de proteínas e de RNA, na fase S há duplicação do DNA e no final desta fase já houve a duplicação do DNA celular. Na fase G2,a célula se prepara para a mitose e contem cópias idênticas de cromossomos. A fase M começa com a disposição e condensação central dos cromossomos, adotando aspecto filamentar, sendo visíveis a microscopia. As células que não tem atividade proliferativa por longo período se mantém na fase G0, mas poderão manter ou retomar sua atividade proliferativa por estímulos apropriados ou sob ação de outros elementos ambientais. Os processos de proliferação celular são habitualmente iniciados pela ligação de fatores de crescimento a receptores específicos situados as vezes na membrana plasmática ou mesmo outras vezes em sites intracelulares. São conhecidos inúmeros fatores de crescimento e foram determinados como possuidores de ações especificas, tais como o PDGF (fator de crescimento derivado de plaquetas), EGF (fator de crescimento epidérmico), TGF-beta (fator de crescimento de transformação beta), FGF (fator de crescimento fibroblástico), fator de crescimento tipo insulina I, Interleucina II e eritropoitina1,2 (B). Todos os eventos celulares que foram induzidos pelos fatores de crescimento condicionam mudanças intracelulares em 2 grupos de proteínas, que são as quinases proteicas dependentes das ciclinas (CDK) e as ciclinas propriamente ditas3 (B). Estes complexos de ativação e desativação induzem a resposta e o estabelecimento do ciclo celular, sendo que na fase S ocorre um aumento intracelular da ciclina A. O processo CDK- ciclina B,também denominado fator promotor de maturação,é o respon- sável pela regulação da passagem da célula de G2 para mitose. Como atuantes contra a multiplicação celular existem diver- sos fatores que são conhecidos como inibitórios à proliferação, como sejam o interferon beta, o TNF (fator de necrose tumoral) e o TGF-beta (fator de transformação de crescimento beta), que poderão suprimir a resposta celular. Outro mecanismo regulatório do ciclo celular são os ini- bidores de CDK, formado por grupo de proteínas da família Kip/Cip,proteínas p21, p27 e p57,que induzem o bloqueio do complexo CDK-ciclinas. Apoptose é um processo ativo, normal e fisiológico que cul- minará na morte celular. Esta situação é condicionada e induzirá uma remodelação tecidual, sendo essencialmente uma resposta imunológica. Histologicamente,a apoptose celular caracteriza-se por uma desagregação celular com condensação de cromatina e degradação intranuclear. Difere do processo de necrose celular quando nesta situação ocorre edema celular, bem como lesões da membrana celular com aumento da sua permeabilidade,edema das mitocôndrias,ruptura do DNA e do RNA e degradação proteica pela liberação de hidrolases lisosomais. Esta degradação enzimática induz intensa reação inflamatória nos tecidos vizinhos e resultará em necrose celular. A apoptose poderá ser induzida por genes supressores de tumores,oncogenes ou mesmo linfócitos citotóxicos como o CD8-T. Senescência Celular — as células se duplicam até um número finito de vezes cujo limite estabelecido tornou-se conhecido como “limite de Hayflick”4 (B). Este processo é regulado pela perda dos telomeros dos cromossomos e,quando isto acontece, a célula entra num pro- cesso de senescência ou mortalidade. Apesar disto, existem linhagens celulares que “escapam” deste estagio e são capazes Biologia molecular: aspectos básicos da genética: parte I FEMINA | Novembro 2010 | vol 38 | nº 11 577 de se replicarem e proliferarem indefinidamente e poderão ser consideradas imortalizadas.O essencial nesta circunstancia é a manutenção do comprimento do telomero, induzido pela reativação das telomerases.Devido a isto foi evidenciado que em 90% dos tumores humanos há manutenção ou aumento da expressão da telomerase. Metodos de análise 1. Análise dos cromossomos No momento atual, a citogenética não está restrita apenas à descrição de diversas síndromes ou a detecção de possíveis anomalias em fase pré-natal, mas possui,pelos métodos de Bio- logiaMolecular, a condição de prever, determinar e acompanhar também as mais diversas neoplasias e ou fenomenos genéticos desde a sua origem. Exemplos clássicos das primeiras determinações foram a ocorrência de anomalias cromossômicas como a translocação do protooncogene abl, translocado do cromossomo 9 para o 22 que foi determinado como sendo um fator indutor para o aparecimento da leucemia mieloide crônica. Outras anormalidades cromossômicas evidenciadas foram ao nível do cromossomo 13q14 causador de uma anormalidade gênica que predisporia ao surgimento dos retinoblastomas tendo impor- tância também para o surgimento do linfoma de Burkitt. Entre as técnicas básicas para o estudo dos cromossomos, a essencial compreende o estudo de culturas de sangue-leucócitos que são induzidos pela fito-hemoaglutinina à divisão mitótica. Essa divisão mitótica deverá posteriormente ser interrompida pela colcemida, análogo da colchicina, e na sequência estas células serão tratadas com solução hipotônica de cloreto de potássio, que induz um aumento do volume celular, e tais células assim distendidas depois serão fixadas e colocadas em laminas para análise e fotografias dos cromossomos. Outro método que é a Hibridização in situ utilizada para determinar a localização de cada cromossomo e a distribuição dos genes dentro da sua banda. As laminas serão preparadas do mesmo modo como anteriormente descrito, e o DNA do núcleo é hibridizado, isto é, vai se tentar acoplar a sondas específicas, as quais poderão ou não ser radioativas. A hibridização in situ fluorescente conhecida como FISH (fluorescence in situ hybridization) utiliza anticorpos marcados com substancias que emitem fluorescência colorida,sendo este um método não radioativo. Com estes métodos, é possível determinar a sequência gêni- ca em um cromossomo metafásico e ou o sinal fluorescente no núcleo ou na mitocôndria. A perda de material genético poderá refletir a presença de genes supressores de tumores, enquanto que o ganho deste material poderá representar a presença de oncogenes dominantes. Também a Hibridização Genômica Comparativa (CGH - comparative genomic hybridization) permite uma análise genômica mais ampla e total. Estas alterações são caracterizadas com diferentes corantes marcadores e a região que foi deletada na amostra não sofrerá hibridização para os cromossomos aí locali- zados, causando na amostra controle um excesso de corante. Assim deste modo,poderá ser evidenciada uma anormalidade cromossômica neste sitio. Recentes avanços técnicos, tem permitido o estudo de seg- mentos do genoma pela técnica de microarranjos (microarrays). Esta técnica permite um aumento na resolução e na eficiência, sendo um método com boa reprodutibilidade.Atualmente,são disponibilizados e usados comercialmente microarranjos oligonu- cleotídicos ou com nucleotideos polimórficos. Os microarranjos são utilizados na detecção e quantificação de ácidos nucleicos (RNAm na forma de cDNA ou DNA genômico) provenientes de amostras biológicas,as quais são postas a hibridizar com o DNA fixado no arranjo. Pela sua alta performance técnica, pode- se determinar a expressão diferencial de milhares de genes em um único experimento. Seu uso tem permitido uma conveniente análise de diferentes tipos histológicos de tumores, seus estágios e sua comparação com tecidos normais. Estas comparações permitem identificar genes de expressão aberrante existentes em tumores,quando comparados com áreas normais 2. O estudo dos genes A caracterização do gene que se está estudando e dos seus produtos proteicos torna-se cada vez mais essencial. O desenvolvimento de técnicas de hibridização para estudo do DNA e do RNA possibilitou a identificação de genes e das suas funções. Também a simplificação progressiva das diversas técnicas,tem possibilitado a detecção de oncogenes ou genes supres- sores tumorais, os quais são essenciais na avaliação de neoplasias em todos os sítios do organismo e assim propor novas medidas e estratégias até mesmo direcionadas à sua terapêutica. Dentre estas novas técnicas desenvolvidas enumeramos: • Extração do DNA pela digestão enzimática da membrana e das proteínas celulares presentes, obtendo-se o DNA puri- ficado. • Clivagem por enzima de restrição, onde são determinadas a sequência especifica de bases na hélice dupla de DNA e o DNA da própria, que não é degradado. Piazza MJ, Urbanetz, AA, Carvalho NS FEMINA | Novembro 2010 | vol 38 | nº 11578 • Clonagem em associação a uma outra enzima, dita DNA ligase, consegue-se ligar o fragmento de DNA a um vetor. Este vetor faz o transporte do DNA para dentro de uma célula procariota(hospedeira), que tem uma velocidade de reprodução celular acelerada.Assim deste modo, serão obti- dos inúmeros fragmentos de DNA que poderão auxiliar na detecção de mutações e na expressão e sequenciamento de proteínas. • “Southern Blot” é um método usado para a determinação de sequências especificas de DNA,se está ou não presente em determinada amostra. O gel aonde foi feita a eletroforese do DNA é tratado com solução alcalina de hidróxido de sódio com o intuito de induzir a desnaturação da dupla fita do DNA, que por sua vez é separado em fitas simples. Na sequência, uma membrana de nitrocelulose é posta sobre o gel e o DNA vai se ligar a ela. Esta membrana será tratada a seguir com uma sonda hibridizadora que é uma molécula de DNA conhecida-idêntica ou complementar àquela se- quência que se quer determinar. Conhecendo-se os pontos onde a amostra de DNA foi clivada, é possível dizer em que trechos a sequência procurada estará ou não presente. • “Northern Blot” direciona-se para estudar a expressão gênica,isto é, evidenciar se determinado gene de um genoma é ou não transcrito em RNA e quantificá-lo.O uso de sondas hibridizadoras poderão ser feitas de DNA ou RNA, mas neste procedimento o ácido nucleico que está fixo a membrana é uma coleção de fragmentos de DNA isolados, e a sonda será RNA extraído de um tecido marcado radioativamente. • Reação em cadeia de polimerase é uma técnica que induz uma amplificação de uma sequência conhecida a partir de pequena quantidade de DNA. A enzima responsável por esta replicação é a DNA polimerase,que usa uma molécula de DNA de fita simples como molde para a síntese de uma fita complementar. Durante esta síntese,é necessário a presença de desoxinucleotídeos trifosfatados (dNTPs) e cátions de magnésio que são cofatores da DNA polimerase. Para a replicação do DNA in vitro, é essencial que este seja desnaturado, ou seja,que as fitas duplas sejam separadas em fitas simples. Toda esta técnica direciona-se a detecção de possíveis mutações e doenças hereditárias, sequenciamento de genes, determinação de paternidade e na medicina forense. • Transcrição reversa seguida de reação em cadeia da polime- rase é usada para a detecção de RNAs mensageiros, isto é, os correspondentes aos genes celulares expressos. Na primeira fase, a enzima transcriptase reversa induz o RNA mensageiro (mRNA) a ser convertido em DNA complementar (cDNA), e este é amplificado por uma PCR. Esta técnica tem permitido determinar translocações cromossômicas que são responsáveis por sarcomas ou leucemias • Sequenciamento ou sequenciação de DNA consiste numa série de métodos bioquímicos com intuito de determinar a ordem das bases nitrogenadas tipo adenina (A), guanina (G), citosina (C) e timina (T) na molécula de DNA. Entre estes métodos constam o de Maxams & Gilbert5 (B) que é um método de clivagem química e o de Sanger e cols.6 (B), que é um método de replicação enzimática com interrupção controlada.Ele consiste na adição de nucleotídeos modificados (didesóxiribonucleotídeos) que impedem o crescimento de um fragmento de DNA em replicação pela DNA polimerase. Os fragmentos resultantes desta reação são submetidosa uma ele- troforese de alta resolução, e a sequência de bases da cadeia do DNA que foi sintetizada é lida a partir de auto-radiograma de 4 terminadores (A,C,G,T) provenientes destas 4 reações. No entanto, na atualidade, com o sequenciamento automá- tico do DNA onde se empregam oligonucleotídeos ou ddNTP’s (“terminadores”) marcados com fluoresceína, o emprego de marcadores radioativos está entrando em desuso. Diversas tecnicas para a detecção das mutações Várias alternativas tem sido efetuadas através de diferentes técnicas para determinar deleções, inserções ou substituições de nucleotídeos que induzem mutações, podendo assim condicionar a doenças, entre elas o câncer. Elas estão fulcradas em técnicas de mobilidade eletroforética,susceptibilidade à clivagem com enzimas de restrição e mesmo a detecção de desalinhamento com proteínas específicas e, com isto, a produção de proteínas truncadas. São elas: 1. Single-Stranded Conformational Polymorfism of PCR Products (PCR-SSCP) possibilita determinar os polimorfismos em DNA de fita simples,sendo esta técnica de alta sensibilidade e consequentemente determina mais de 80% das mutações presentes em fragmentos menores que 300bp7 (B). 2. PCR Heteroduplex é um método que permite determinar as deleções ou inserções de modo mais fácil e rápido. O produto de PCR é desnaturado por aquecimento e o pareamento das fitas é feito em temperatura ambiente, e a seguir aplica-se gel de poliacrilamida. Esta técnica baseia-se na mobilidade eletroforética entre a dupla fita homoduplex e a dupla fita heteroduplex que,por possuírem uma inserção ou deleção, não são totalmente complementares8 (B). Biologia molecular: aspectos básicos da genética: parte I FEMINA | Novembro 2010 | vol 38 | nº 11 579 3. Clivagem por Enzima de Restrição (RFLP – Restriction Fragment Length Polymorfism) as enzimas de restrição digerem o DNA em sítios específicos daquele fragmento amplificado pela PCR. Esta mutação poderá estar dentro do sitio de restrição e a enzima não será capaz de fazer seu reconhecimento. Se a mutação criar um novo sítio de restrição, os fragmentos originados serão menores em relação ao DNA normal. Esses fragmentos de DNA serão separados pelo seu peso molecular através do gel de poliacrilamida9 (B). 4. Protein Truncation Test é um teste de alta sensibilidade para analise de fragmentos grandes e maiores que 600 bp.O mesmo auxilia na análise de genes onde a maioria das mutações leva a formação de um códon de parada precoce com a criação de proteínas truncadas10,11 (B). Carcinogênese Os processos biológicos geradores dos tumores dependerão de um processo de iniciação e de promoção que, a partir daí, gerarão a proliferação celular. No processo de iniciação está o primeiro estágio da carcino- gênese que condiciona mudanças irreversíveis no DNA celular. Estes agentes poderão ser químicos, físicos ou mesmo virais. A atividade dos agentes químicos causarão distorção do DNA, mas tais mudanças estarão sujeitas a dose e ao tempo de atuação deste agente, bem como do órgão envolvido. Entre os agentes químicos carcinogênicos, citamos as aminas aromáticas, nitrosaminas, clorocarbonados, agentes alquilantes, hidrazinas e diversos metais pesados como o cobalto, cromo e o níquel. Entre os agentes físicos que também são carcinógenos referimos as radiações ionizantes, como os raios ultravioletas e o raio X, que produzem mutações do DNA. A promoção é a segunda fase da carcinogênese e envolve uma série de mudanças celulares que resultam na proliferação e expansão das células. Estes mecanismos celulares proliferativos dependerão de fatores hormonais e de crescimento tumoral, com estimulo da atividade de fatores de transcrição e da ação gênica. O efeito marcante será alterando a reprodução celular, ou produzindo expansão clonal das células já iniciadas. Assim é que a exposição a diversos agentes químicos e ambientais poderão induzir o desenvolvimento de diversas neoplasias ginecoló- gicas, como sendo principalmente os tumores ovarianos tipo neoplasias das células da granulosa. Tais agentes químicos em associação aos estrogênios, por exemplo, tem importância na gênese de neoplasias tipo adenocarcinoma do endométrio. Estes agentes assim caracterizados são nominados como “promoters” de neoplasias. Carcinogênese viral Experimentos realizados desde 1990, quando se procedeu a inoculação de extratos celulares provindos de células cancerosas em animais sadios,evidenciaram a possibilidade de desenvol- vimento de neoplasias. Este fenômeno foi demonstrado em leucemias e sarcomas de aves e,posteriormente,também em ratos, quando determinou-se ser RNA de um retrovirus. Estes retrovirus entram nas células hospedeiras por absorção ou por endocitose via receptores específicos situados na superfície ce- lular dos receptores. Outros tipos de retrovirus de ação crônica e lenta com um período de latência prolongado foram demonstrados como sendo agentes mutagênicos. O papilomavirus de Shope extraído de ver- rugas de coelhos e o SV40, um papovavirus que é encontrado em macacos,são agentes virais causadores de neoplasias em animais. Na espécie humana,é bastante controverso,mas muito importante na atualidade, os diversos tipos de HPV que são relacionados à carcinogênese ginecológica. O HPV pertence a familia papovavirus e o seu DNA é epiteliotrófico, sendo que mais de 80 tipos já foram identificados através de métodos de hibridização. Oncogenes e genes supressores dos tumores Na gênese das neoplasias,tem se evidenciado distúrbios ge- néticos na sua origem e estes são essencialmente condicionados por mutações gênicas. As alterações das expressões gênicas é que contribuem para o desenvolvimento destas neoplasias, mas estas mudanças são tempo-dependentes. A configuração da progressão em vários estádios,tem mostrado que estes tumores originam-se na sequência de uma hiperplasia, displasia, carcinoma in situ e carcinoma invasor. Assim é que o câncer humano representa o ponto final de um longo processo que envolve diversas alterações celulares caracterizadas no genótipo ou no fenótipo. Os tumores humanos sólidos são geralmente de origem monoclonal, isto é, todas as células provem de uma única célula progenitora, e implicando deste modo que essas células sejam geneticamente idênticas. As alterações genéticas nas células cancerosas vão depender basicamente da ação dos oncogenes e da não ação dos que são genes supressores dos tumores. As proteínas codificadas pelos oncogenes são vistas como tendo um comportamento estimu- lador e aquelas codificadas pelos genes supressores tem efeito inibitório ao desenvolvimento tumoral. Genes supressores dos tumores são genes encontrados nos genomas das células normais e que são os responsáveis pela Piazza MJ, Urbanetz, AA, Carvalho NS FEMINA | Novembro 2010 | vol 38 | nº 11580 produção de proteínas relacionadas ao controle negativo do crescimento celular. O desequilíbrio entre esses dois tipos de genes poderá levar ao desencadeamento do crescimento anormal de linhagens celulares e ao surgimento de neoplasias. Muitas vezes,estas mutações dos genes supressores dos tu- mores alteram a sequência de bases e a codificação das proteínas é truncada, o que induz vários tipos de mutações. Outras eventualidades são as microdeleções ou inserções de um ou mais nucleotídeos, ou mesmo grandes deleções do genoma, onde ocorre a perda destes genes supressores dos tumores. Já de há muito está demonstrado que as alterações gênicas são capazes de induzir proliferações ou mesmo neoplasias malignas. Esta ativação dos oncogenes poderá se suceder a custa de vários mecanismos, sendo que em tumores sólidos e o mais comum pela amplificação e superexpressão de diversas proteí- nas. Alguns oncogenes poderão também se tornar resistentes à inativação quando afetados por situações mutantesespecificas ou quando estes oncogenes são translocados de um cromosso- mo para outro. Estes então, sob a ação de uma sequência de fator(es) de promoção(ões) (promoter), poderão induzir uma superexpressão destes genes. Também durante o processo de carcinogênese a manutenção do alelo-específico silencioso do oncogene é perdido, resultando assim num aumento da expressão deste. Atualmente,são conhecidos cerca de 100 diferentes tipos de oncogenes e um numero sensivelmente menor de genes su- pressores de tumores.No entanto,nem todos estão relacionados Gene Localização cromossômica Função Cânceres hereditários Cânceres esporádicos RB1 13q14 regula ciclo celular Retinoblastoma Osteosarcoma Retinoblastoma-sarcomas WT1 11p13 fator de transcrição Tumor de Wilms Tumor de Wilms TP53 17p13 fator de transcrição Síndrome de Li-Fraumeni APC 5q21-q22 Transdução de sinal Polipose adenomatosa familiar Neoplasias gástricas ou colorretais VHL 3p26-p25 Alongamento de transcrição Síndrome de V. Hippel Lindau Neoplasias renais MSH2 2p21-3p21 Reparo do DNA Câncer colorretal c/ não polipose Câncer colorretal e endometrial MLH1 7p22-2p21 PMS2 MSH6 BRCA1 17q12-21 Reparo do DNA Fator de transcrição Neoplasia mama-ovário Neoplasia ovário rara BRCA2 13q12 Reparo do DNA Fator de transcrição Neoplasia mama-ovário Neoplasia ovário rara NF1 17q11 Regulador negativo do RAS Neurofibromatose - DPC4 18q21 Sinalizador do TGF-beta - Tumor do pâncreas CDKN2A 9p21 Regulador negativo da ciclina D Melanoma Diversos PTEN 10q24 Fosfatase Síndrome de Cowden Diversos Tabela 1 – Genes supressores de tumores e suas relações com diversos cânceres humanos a tumores humanos. Muitos dos conhecimentos pertinentes aos oncogenes foram obtidos de inicio em estudos de retrovírus e eles poderão induzir um maior risco de transformações neoplásica por meio de 2 mecanismos. O primeiro seria pela integração de uma sequência gênica viral no genoma do hospedeiro ou então deixá-lo sobre o controle de fortes elementos regulatórios do genoma viral.O segundo processo é pela recombinação ou troca de segmentos de DNA entre o genoma viral e a célula sadia,fazendo com que o genes celulares passem a ser regulados pelos promotores virais. Em células normais, a ativação dos oncogenes poderá se suceder por mutação, rearranjo gênico ou amplificação gênica. Atualmente,é conhecido que a inativação de genes supressores dos tumores é uma situação bem mais comum do que a inativa- ção dos oncogenes. No entanto, com os esforços direcionados ao conhecimento exato das sequências gênicas, a identificação de mutações das proteinoquinases permitirá que novos oncogenes sejam identificados. Entre os oncogenes temos: 1. Fatores de crescimento dos peptídeos e seus receptores estão situados nos espaços extracelulares,os quais poderão induzir um aumento em cascata de todos os mecanismos dos recep- tores situados na membrana celular. É postulado que diversos tipos de cânceres secretariam diversos tipos de fatores de crescimento que interagiriam com os receptores celulares locais e aumentariam, deste modo,a sua proliferação, de modo autócrino. Biologia molecular: aspectos básicos da genética: parte I FEMINA | Novembro 2010 | vol 38 | nº 11 581 Os receptores da membrana celular ligam-se a fatores de cres- cimento dos peptídeos e estas agregações e arranjos dos receptores induzem ativação intracelular das tirosino-quinases12 (B). 2. Família dos receptores dos fatores de crescimento epidér- mico é uma importante família de receptores de fatores de crescimento transmembrana que têm merecido inúmeras pesquisas nas ultimas décadas. O EGF (epidermic growth factor) é um fator de crescimento peptídico constituído de 53 aminoácidos,e a maioria destes receptores são proteínas transmembranicas,com um domínio externo ao qual se liga o fator de crescimento e um domínio citoplasmático com propriedades de tirosina-quinase. Estes EGF tem sido demonstrados em diversas neoplasias da cabeça, pescoço, pulmões e também em neoplasias epidér- micas da vulva. Embora as expressões do EGF sejam diversas nos diferentes tipos de neoplasias, eles não são preditores do comportamento clínico destas..Em algumas neoplasias,como seja a neoplasia de pequenas células dos pulmões,tem sido desenvolvidos inibidores específicos do EGF tal como a gefitinibina e a erlotnibina, que parecem ser eficazes para o seu tratamento. A justificativa para o efeito anti-EGF seria caracterizado como um “choque oncogenico”, onde tais subs- tâncias teriam a capacidade de induzir altos níveis celulares de efeito apoptótico, com conveniente resposta clínica13-15 (B). 3. Fatores de transdução extranucleares: existindo uma in- teração entre os fatores de crescimento peptídicos e seus receptores,ocorre a transmissão de estímulo mitogênico ao núcleo. Muitos destes sinais envolvem a fosforilação de proteinas por enzimas conhecidas como quinases, proteína- quinase C,AKT2 que estão envolvidas no estimulo prolife- rativo celular. Em contrapartida a atividade regulatória das quinases é procedida pelas fosfatases que agem de modo oposto pela remoção de fosfatos16 (B). 4. Fatores regulatórios nucleares são fatores encontrados dentro dos núcleos,cuja ação é ativar genes que induzem a replicação celular do DNA e culminam na mitose. Assim é que varias destas proteínas nucleares se ligam ao DNA. Nesta classe de proteínas, estão representadas os on- cogenes c-myc, c-fos e c-jun. Já foram evidenciados como tendo participação destes oncogenes no desenvolvimento do linfoma de Burkitt, no neuroblastoma e nos carcinomas de pequenas células dos pulmões17-19 (B). 5. RAS são proteínas que representam outra classe de moléculas que estão envolvidas nos sinais de crescimento estimulatório da membrana celular diretamente para o núcleo. Estas proteínas RAS são moléculas com 21-kD que localizam-se no interior das membranas celulares e sua ação é catalizadora, tendo a capacidade de induzir a troca da guanosina 5’-trifosfato em guanosina 5’-difosfato. Mutações nesta família de proteínas estão presentes em mais de 1/3 das neoplasias sejam em cânceres gastrointestinais ou do endométrio (KRAS, HRAS e NRAS)20-23 (B). Oncogenes Produtos Classe sis Cadeia beta de PGDF Fator de crescimento hst2 Homólogo de FGF Fator de crescimento int-2 Homólogo de FGF Fator de crescimento erb-1,B2,B3 Receptor p/EGF Receptor de FGF fms Receptor p/CFS-1 Receptor de FGF rãs Proteína lig. GTP Proteína Transd. Sinal abl Proteína tirosina-quinase Proteína Transd. Sinal myc Fator Reg. Transcrição Fator Nuclear fos Fator Reg. Transcrição Fator Nuclear jun Fator Reg. Transcrição Fator Nuclear Tabela 2 - Ação dos oncogenes 1 Alberts B, Bray D, Lewis J, Raff M, Roberts K. The cell division cycle. In: Molecular Biology of the Cell. New York: Garland Publishg Inc. 1994. p. 863-909. 2. Sandberg AA. The chromosomes and the cell cycle. In: Koss LG,editor.. Diagnostic cytology and its Histopathologic Bases. Philadelphia: JB Lippincott Co; 1992. p. 154-92. 3. Grana X, Reddy EP. Cell cycle control in mammalian cells. Role of cyclins,cyclin dependent quinases (CDKs) growth suppressor genes and cyclin-dependent kinase inhibitors (CKIs). 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