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Toxicologia I Toxicologia Social É a área da toxicologia que estuda os efeitos nocivos decorrentes do uso não médico nem terapêutico de fármacos ou drogas, causando danos não somente ao indivíduo, mas também à sociedade. O uso não médico refere-se ao uso de um fármaco prescrito de uma maneira e em período diferentes dos informados na prescrição ou para uma pessoa cujo fármaco não havia sido prescrito. Muitos fatores de riscos estão associados ao uso e dependência de drogas, como fatores ligados aos genes (genética, gênero, transtornos mentais), ao ambiente (lar caótico e abusivo, uso pelos pais, influências, atitudes da comunidade, desempenho escolar ruim), como relacionados à própria droga (via de administração, efeito da droga, uso precoce, disponibilidade e custo), que levam a neuroadaptação do indivíduo e consequente dependência. Existe uma diferença de conceitos entre adição e dependência. Adição é um padrão comportamental de uso abusivo, uso compulsivo, e forte tendência à recaída após interrupção do uso, enquanto que dependência é uma adaptação fisiológica produzida pela administração repetida da droga (tolerância) e apresenta sintomas físicos da retirada da substância. Uso ocasional ou controlado: uso regular, não compulsivo, não interfere nas atividades habituais dos indivíduos; Uso abusivo ou nocivo: padrão mal-adaptado de uso, consequências adversas recorrentes e prejudicial a saúde; Uso compulsivo ou dependência: sem controle do uso da droga, apesar das consequências adversas, droga adquiriu prioridade na vida do indivíduo. Reforço positivo (feeling pleasure): tendência de uma droga que produz prazer a resultar em autoadministração repetida; Abuso (feeling relief): autoadministração de qualquer droga de forma não aprovada culturalmente e que causa consequência adversa; Abstinência: reações psicológicas, comportamentais e fisiológicas à cessação abrupta da droga causadora de dependência. CLASSIFICAÇÃO DAS DROGAS DE ABUSO: OPIÁCEOS: heroína, morfina, codeína. DEPRESSORES DO SNC: etanol, barbitúricos, BDZ. CANABINÓIDES: tetrahidrocanabidiol ESTIMULANTES: cocaína, anfetaminas, nicotina, cafeína. ALUCINÓGENOS: LSD, psilocibina, mescalina. INALANTES: tolueno, n-hexano, acetato de etila. DEPENDÊNCIA E CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS: a dependência é uma doença crônica, incurável e sujeita a recaídas, até mesmo anos após a abstinência, que tem sido caracterizada por comportamento compulsivo para busca e consumo da droga; perda do controle em limitar o consumo; ocorrência de um estado emocional negativo quando o acesso à droga é negado. Para um individuo ser diagnosticado como dependente, deve apresentar três ou mais critérios, ocorrendo durante os últimos 12 meses. TEORIAS DA DEPENDÊNCIA: as primeiras teorias diziam que o comportamento compulsivo se desenvolvia porque os efeitos gratificantes inicialmente produzidos por uma droga facilitaria a instalação da dependência, uma vez que atuariam como reforçadores, motivando a autoadministração desses produtos para obter a recompensa. No entanto, embora o reforço positivo esteja inicialmente relacionado com o desenvolvimento da dependência, o consumo de drogas em longo prazo geralmente resulta na ocorrência de efeitos físicos e psíquicos aversivos quando o uso é interrompido. Como consequência, a droga é consumida de maneira continua, como um meio de evitar as consequências aversivas da abstinência, ou seja, o reforço negativo. Assim, o comportamento compulsivo provavelmente inclui uma mudança gradual de reforço positivo (impulsividade) para reforço negativo (compulsividade). Embora ambas teorias fornecem alguma base para explicar tanto o inicio como a manutenção do comportamento, elas não conseguem explicar totalmente muitos aspectos da dependência, como a retomada de abstinência/recaída após um longo período. Dessa forma, diversas teorias surgiram para explicar de forma abrangente as complexidades da dependência, postulando que o uso prolongado de drogas conduz a uma série de neuroadaptações que contribuem para a natureza duradoura do estado compulsivo. O cérebro e outros tecidos adaptam-se a presença continuada da droga, mobilizando progressivamente processos fisiológicos opostos às alterações causadas por elas, de forma a contrabalançear o efeito, chamada de contra-adaptação às ações agonistas de drogas. Essas alterações tendem a compensar o efeito da droga e produzir um estado funcional aparentemente normal durante a presença dele (tolerância farmacodinâmica). Quando a droga é retirada, as mesmas alterações são origem a uma hiperexcitabilidade (de rebote), porque já não são mais equilibradas pelo efeito da droga. A excitabilidade constitui, portanto, uma síndrome de abstinência, que pode variar desde sonolência, tremores e irritabilidade até alucinações e convulsões tônico-clônicas. Deve ser enfatizado que a tolerância e a síndrome de abstinência são fenômenos resultantes de adaptações fisiológicas reversíveis, que ocorrem como uma consequência natural da exposição a uma droga e que não implicam necessariamente em dependência. A sensibilização também é um modelo de neuroadaptação associado às etapas que permeiam a dependência; é definida como um aumento da resposta às drogas e outros estímulos, após exposição repetida. Segundo a teoria, a exposição repeti- da a drogas de abuso pode torna-las mais apetitivas, ou seja, mais atraentes para alguns indivíduos suscetíveis. Cientistas cunharam o termo “saliência do incentivo” para um processo que significa “querer a droga”, que envolve aumento da motivação para a procura. Esse atributo está relacionado com neuroadaptações críticas que levam os sistemas de recompensa cerebrais a se tornarem hipersensíveis aos efeitos das drogas, em geral efeitos euforizantes. Além disso, supõe- se que a sensibilização dos sistemas neurais leve a um padrão compulsivo de procura pela droga, a partir do qual o individuo passa a “querer” e “necessitar” a droga, independente de “gostar” dela. Uma característica interessante desse fenômeno é que é duradouro, podendo persistir por até um ano após a interrupção do consumo. Outra teoria postula que o uso continuado de uma droga acarreta um desvio patológico do ponto de ajuste de recompensa do usuário, como também a desregulação do sistema de recompensa do cérebro. Ou seja, o uso da droga produz um desequilíbrio no sistema de recompensa cerebral, e os processos alostáticos individuais (capacidade para restabelecer a estabilidade ou homeostase) não conseguem ser mantidos, resultando na perda de controle sobre o consumo da droga e no uso compulsivo. A sensibilização aumentada e a contra-adaptação do sistema recompensa parecem constituir o centro desse desvio na regulação homeostática hedônica. ESTÁGIOS DA DEPENDÊNCIA: nem todos os usuários de drogas de abuso se tornam dependentes. Há uma grande diferença entre o usuário e o dependente. Indivíduos escolhem começar a usar drogas pelos mais diversos motivos e, no início, essa é uma decisão voluntaria. Mas há um ponto em que o usuário se torna dependente; essa fronteira não é nítida e varia conforme o indivíduo. Nesse ponto, o usuário perde a capacidade voluntaria de controlar o consumo. Assim, uma vez cruzada essa linha invisível da dependência, a capacidade de retorno a um consumo ocasional ou controlado é definitivamente perdida pelo indivíduo. 1) FASE DO REFORÇO AGUDO/USO DA DROGA: há contato esporádico e recreacional com a droga, em que o individuo gosta dos efeitos dela, representa um processo de aprendizagem da recompensa que a droga proporciona. Nesse estágio, a dopamina e os receptores opioides são determinantes nas ações reforçadoras agudas de psicoestimulantes e opiáceos, respectivamente. 2) FASE DE ESCALAÇÃO/DEPENDÊNCIA: nessa fase, mais intensa e com aumento na frequência de contato, o uso escalonado da droga ocorre em alguns indivíduosque apresentam alterações neuroquímicas e funcionais especificas. Conforme a dependência progride, surgem efeitos neuroadaptativos. 3) FASE DE ABSTINÊNCIA/RECAÍDA: na última etapa, há perda do controle do uso e a ausência da droga passa a ser deplorável e insustentável. TOLERÂNCIA: muitas drogas, quando consumidas repetidamente, dão origem ao fenômeno de tolerância, ou seja, ocorre diminuição no efeito, a despeito da dose era mantida, ou torna-se necessário um aumento de dose para alcançar-se o mesmo grau de efeito. Existem vários tipos de tolerância: a) Tolerância inata ou natural: refere-se à sensibilidade determinada geneticamente (ou falta de sensibilidade) a uma droga que é observada na primeira vez em que é administrada. Isso significa que o organismo já nasce com um potencial de tolerância predeterminado. b) Tolerância farmacodinâmica: refere-se à necessidade de doses maiores de drogas no sitio de ação para obtenção de efeitos de mesma intensidade e duração que os obtidos originalmente devido às alterações adaptativas dos sistemas afetados por esses agentes. c) Tolerância farmacodinâmica aguda ou taquifilaxia: é a tolerância farmacodinâmica que se desenvolve rapidamente a partir da utilização de doses excessivas e repetidas em um curto espaço de tempo. d) Tolerância farmacocinética: também chamada de metabólica, está relacionada com alterações farmacocinéticas após utilização repetida, de forma que apenas concentrações reduzidas estão presentes no sangue e, subsequentemente, nos sítios de ação. É consequência da indução de sistemas existentes no fígado, principalmente P-450. Como resultado, torna-se necessário administrar uma dose maior para manter a concentração eficaz da droga no sangue e no cérebro pelo mesmo período. e) Tolerância reversa ou sensibilização: refere-se a um aumento da resposta ao efeito de uma droga após administração repetida dela. f) Tolerância cruzada: fenômeno em que a tolerância a determinado agente químico implica também na tolerância a outro. Pode ser tanto farmacodinâmica (propriedades farmacológicas semelhantes entre os agentes, como por ex.: etanol e barbitúricos) quanto metabólica (indução enzimática de um agente químico provoca a biotransformação de uma série de substâncias nunca antes administradas, por ex.: etanol e barbitúricos). g) Tolerância condicionada: desenvolve-se mediante administração do fármaco/droga na presença de um estimulo ambiental conhecido (ex.: odor da preparação da droga, visão da seringa, etc). Esses estímulos sinalizam a presença da droga e as adaptações fisiológicas no organismo do usuário começam a ocorrer mesmo antes de a substância alcançar seu sitio alvo. Se a droga é sempre precedida do mesmo estímulo, a resposta adaptativa pode ser aprendida e esse fato previne a manifestação total dos efeitos da substância.
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