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DEPENDÊNCIA QUÍMICA INTRODUÇÃO - A dependência química (DQ) é uma doença crônica e recidivante cuja etiologia tem natureza multifatorial complexa. Muitas pessoas não entendem porque ou como alguém se torna dependente de drogas, muitas vezes com a percepção errônea de que a manutenção do consumo da droga, apesar dos problemas relacionados, é fruto de questões morais ou falta de força de vontade. Na realidade, a dependência é reconhecida exatamente na incapacidade do indivíduo para controlar seu comportamento, e embora a iniciativa de consumir drogas tenha forte componente voluntário, as alterações cerebrais decorrentes desafiam o autocontrole e capacidade de resistir a impulsos muito intensos. - Conceitos relacionados aos transtornos aditivos: Impulsividade – incapacidade de interromper a iniciação de uma ação; ausência de reflexão sobre as consequências de determinado comportamento; incapacidade de adiar recompensa Compulsividade – incapacidade de interromper ações em andamento; ações inapropriadas a situação, mas que persistem e podem levar a consequências indesejáveis. o Hábito (resposta condicionada) – tipo de compulsão, refere-se a uma resposta desencadeada por estímulos ambientais, independente da vontade atual. Exemplo: busca de uma substância em resposta a estar em um local associado ao uso da mesma. - Quanto aos neurocircuitos envolvidos, normalmente o controle volitivo inibitório seria de “cima para baixo” (vindo de diferentes áreas do córtex pré-frontal), mas na impulsividade/compulsividade, o controle vem de “baixo para cima” (vindo do estriado ventral e dorsal, respectivamente. A impulsividade e a compulsividade acontecem por falha de resposta dos sistemas de inibição ou resposta excessiva do estriado → Nos transtornos aditivos, acredita-se que, inicialmente, o uso das substâncias seja ligado a um traço de impulsividade e que, com o tempo, há perda de controle sobre o comportamento, tornando-se algo compulsivo. Ocorrem neuroadaptações e neuroplasticidade por uso abusivo e repetido da substância. Fisiopatologia: - Os mecanismos capazes de produzir e manter a DQ funcionam como um ciclo e são afetados pelo que chamamos de efeitos de reforço positivo e reforço negativo. O reforço positivo pode ser definido como o processo pelo qual um estímulo (no caso, as próprias drogas), quando presente, aumenta a probabilidade de respostas prazerosas. O reforço negativo equivale ao processo pelo qual a retirada de um estímulo negativo (no caso, os estados emocionais negativos ligados à abstinência, em que novo uso da droga propicia alívio), aumenta a probabilidade de respostas prazerosas. - Enquanto o reforço positivo associa-se ao conceito de impulsividade, caracterizada por crescente excitação antes de cometer o ato, o reforço negativo se associa ao conceito de compulsão, caracterizada por ansiedade e estresse antes e alívio de tal estado negativo ao performar o ato, isto é, o uso da substância. - Enquanto a impulsividade é predominante em estágios iniciais da dependência, a combinação desta com a compulsão exerce importante papel em estágios mais avançados, em que o comportamento de consumo passa a ser automatizado e dirigido pelo estado emocional negativo. Uma vez coexistentes, impulsividade e compulsão irão compor o ciclo da DQ, que pode ser entendido em 3 fases: intoxicação, abstinência ou estado emocional negativo e preocupação ou antecipação. Conforme a gravidade da DQ aumenta, estes momentos interagem entre si com intensidade cada vez mais fortes, levando ao estado patológico que desafia as estratégias disponíveis para tratamento. - Nos últimos anos, descobertas nos campos da neurobiologia, neurociência cognitiva e ciências básicas levaram a reavaliações no entendimento da DQ. Apesar de não haver unanimidade nas teorias, alguns aspectos lhes são comuns: déficits em um ou mais processos cognitivos como aprendizagem, motivação, memória, atenção e tomada de decisão; presença de deficiências em processos cognitivos, relacionados ao sistema neural e de neurotransmissão; e dificuldades nos processos de autocontrole, caracterizado pelo desequilíbrio entre a sobrevalorização da recompensa pelo uso da dependencia quimica droga e enfraquecimento dos sistemas de controle. Durante a evolução da DQ, observa-se a persistência de memórias mal-adaptativas associadas, que podem manter a busca pelo uso de drogas e promover as recaídas por hábitos inconscientes. Acontece um distúrbio de aprendizagem com a formação de fortes memórias instrumentais que relacionam ações e se expressam com respostas difíceis de serem controladas frente a certos elementos do ambiente. Estímulos que previamente à DQ eram considerados neutros, como por exemplo o hábito de tomar café antes do surgimento da dependência de nicotina, se tornam associados, através de processos cerebrais de condicionamento, e passam a influenciar o comportamento de recaída. Dessa forma, respostas condicionadas podem ser entendidas como comportamentos involuntários, induzíveis por “dicas” ambientais, e que acompanham a cronicidade da doença. Neurobiologia: - Nossa compreensão sobre os substratos neurobiológicos para os efeitos de reforços positivo e negativo das drogas de abuso foi iniciada desde a primeira identificação do sistema de recompensa cerebral (SRC) ou auto-estimulação intracraniana. O SRC é uma estrutura cerebral responsável pelas sensações prazerosas e, portanto, pelo aprendizado que pode dar origem à repetição de um comportamento, sendo ativado “naturalmente” por atividade sexual e alimentação, por exemplo (ações ligadas à sobrevivência), e de forma “artificial” mais intensa, como quando são consumidas drogas de abuso. O principal neurotransmissor que atua neste processo é a dopamina (DA) e o trato que essencialmente compõe esse sistema é o mesolímbico-mesocortical, em que neurônios são projetados da área tegmentar ventral para o córtex pré-frontal e hipocampo (funções psíquicas superiores) e para o núcleo accumbens, que por sua vez também está conectado à amígdala e participam da composição do sistema límbico (emoções). - O SRC funciona a partir do nível de sensibilidade para todas as drogas de abuso, cujo limiar pode ser modulado através da plasticidade sináptica, ou seja, conforme ocorrem os episódios de intoxicação e uso compulsivo, a sensibilidade aos efeitos tende a diminuir, provocando progressão na intensidade (quantidade e frequência) do uso e contribuindo para o desenvolvimento da DQ. - Por várias décadas, o comportamento causador das dependências foi visto como consequência de alterações do sistema de neurotransmissão dopaminérgica, ligado à capacidade das substâncias psicoativas de abuso em interferirem na liberação e recaptação de DA no complexo circuito neural ligado ao SRC, especificamente do corpo estriado. Entretanto, esta visão pouco contribuiu para a descoberta de novos tratamentos e futuras pesquisas são necessárias para melhor compreender a maneira como cada substância causa essas alterações dopaminérgicas – que podem estar implicadas com a maior liberação, direta ou indireta, de DA, modulação da sua recaptação nas fendas sinápticas, disponibilidade de seus receptores ou uma combinação destas variáveis em diferentes níveis. Fatores neuroquímicos: - Com exceção do álcool, pesquisadores identificaram neurotransmissores específicos ou receptores de neurotransmissores envolvidos com a maioria das substâncias de abuso. Alguns pesquisadores baseiam seus estudos nessas hipóteses. Os opioides, por exemplo, atuam sobre receptores opioides. Um indivíduo com atividade opioide endógena muito baixa (p. ex., baixas concentrações de endorfinas) ou com atividade excessiva de um antagonista de opioides endógeno pode correr risco de desenvolver dependência de opioide. Mesmo em um indivíduo com funcionamento normal de receptores endógenos e concentração de neurotransmissores,o uso prolongado de uma substância de abuso específica pode, por fim, modular sistemas de receptores no cérebro de forma que a presença da Circuito dopaminérgico mesolímbico – via final de recompensa: - Toda substância que pode levar à adição aumenta a dopamina no estriado ventral (também conhecido como nucleus accumbens). Desde realizações intelectuais até o orgasmo, muitas situações liberam dopamina na via mesolímbica (“barato natural”), mas as substâncias de abuso (e comportamentos, tais como jogos patológicos, uso da internet, compras e glutonaria) causam essa liberação de dopamina de uma maneira mais explosiva e prazerosa que aquela ocorrida naturalmente. O problema é que essas substâncias podem dar início a uma cascata de neuroadaptação na alça do estriado ventral, que migra para o estriado dorsal. Deste modo, o “barato” inicial produzido pelo primeiro uso impulsivo de uma substância leva a abstinência, fissura e preocupação em obter a substância e, então, um ciclo vicioso se instala com uso abusivo, adição, dependência e abstinência. substância exógena é necessária para manter a homeostase. Um processo de nível de receptor dessa natureza pode ser o mecanismo para o desenvolvimento de tolerância no SNC. Contudo, tem sido difícil demonstrar modulação de liberação de neurotransmissor e funcionamento de receptores de neurotransmissores, e pesquisas recentes se concentram nos efeitos das substâncias sobre o sistema de segundo mensageiro e sobre a regulação de genes. Vias e neurotransmissores: - Os principais neurotransmissores possivelmente envolvidos no desenvolvimento de abuso e dependência de substância são os sistemas opioides, de catecolamina (particularmente dopamina) e de ácido γ-aminobutírico (GABA). Os neurônios dopaminérgicos na área tegmentar ventral são particularmente importantes. Esses neurônios se projetam para as regiões cortical e límbica, especialmente para o nucleus accumbens. Essa via provavelmente está envolvida com a sensação de recompensa e pode ser o mediador principal dos efeitos de substâncias como anfetamina e cocaína. O locus ceruleus, o maior grupo de neurônios adrenérgicos, provavelmente medeia os efeitos dos opiatos e dos opioides. Essas vias foram chamadas coletivamente de circuito de recompensa do cérebro. QUADRO DE DEPENDÊNCIA QUÍMICA Etiologia: - O modelo dos transtornos por uso de substâncias é o resultado de um processo no qual múltiplos fatores interagem e influenciam o comportamento do uso de drogas e a perda de discernimento com relação a decisões sobre a utilização de uma determinada substância. Embora as ações de uma droga específica sejam fundamentais no processo, não se presume que todos os indivíduos que se tornam dependentes de determinada droga experimentem seus efeitos de maneira similar ou que sejam motivados pelo mesmo conjunto de fatores. Ademais, presume-se que diferentes fatores possam ser mais ou menos importantes em estágios diferentes do processo. Dessa forma, a disponibilidade da droga, sua aceitação social e a pressão dos pares podem ser os determinantes principais da experimentação inicial, mas outros fatores, como personalidade e biologia individual, provavelmente sejam mais importantes para o modo pelo qual os efeitos de determinada droga são percebidos e o grau em que o seu uso repetido produz alterações no sistema nervoso central (SNC). Ainda outros fatores, incluindo as ações específicas da droga, podem ser determinantes primários da progressão do uso para dependência, enquanto outros podem influenciar a probabilidade de que o uso de drogas (1) conduza a efeitos adversos ou (2) ao sucesso da recuperação de dependência. - Afirmou-se que a adição é uma “doença cerebral”, em que os processos cruciais que transformam o comportamento de uso voluntário de drogas em uso compulsivo são alterações na estrutura e neuroquímica no cérebro do usuário de droga. Atualmente, há evidências suficientes que indicam que essas alterações realmente ocorrem em regiões relevantes do cérebro. A pergunta que não foi respondida e que causa perplexidade é se tais alterações são tanto necessárias quanto suficientes para explicar o comportamento de uso de drogas. Há quem alegue que esse não é o caso, que a capacidade de indivíduos dependentes de drogas de modificar seu comportamento de uso em reação a reforços positivos ou contingências aversivas indica que a natureza da adição é mais complexa e exige a interação de múltiplos fatores. - A Figura 20.1-3 ilustra como diversos fatores podem interagir no desenvolvimento da dependência de drogas. O elemento central é o próprio comportamento de uso. A decisão de usar uma droga é influenciada por situações sociais e psicológicas imediatas, bem como pela história mais remota do indivíduo. O uso da droga dá início a uma série de consequências que podem ser recompensadoras ou aversivas e que, por meio de um processo de aprendizado, podem resultar em uma probabilidade maior ou menor de que o comportamento seja repetido. No caso de algumas drogas, o uso também dá início a processos biológicos associados a tolerância, dependência física e (ausente na figura) sensibilização. Por sua vez, a tolerância pode reduzir alguns dos efeitos adversos da droga, permitindo ou requerendo o uso de doses maiores, o que pode, então, acelerar ou intensificar o desenvolvimento de dependência física. Além de determinado limiar, as qualidades Por que nem todas as pessoas que fazem uso de SPA se tornam adictas a elas? Fatores genéticos estão envolvidos; Algumas substâncias parecem ser intrinsicamente mais causadoras de adição que outras; Alguns indivíduos tem um temperamento mais impulsivo que outros; Sistema de recompensa geneticamente disfuncional (processos que transformam o comportamento de uso voluntário em uso compulsivo são alterações na estrutura e bioquímica do cérebro do usuário); Experimentação inicial – disponibilidade da droga, aceitação social e pressão dos pares. aversivas de uma síndrome de abstinência proporcionam um motivo recorrente distinto para novo uso da droga. A sensibilização dos sistemas motivacionais pode aumentar a saliência de estímulos relacionados à droga. Diagnóstico: Critérios para transtornos relacionados ao uso de substâncias segundo o DSM-V: - Um padrão mal-adaptativo de uso da substância, levando a prejuízo ou sofrimento clinicamente significativo, manifestado por 2 (ou mais) dos seguintes critérios, ocorrendo a qualquer momento no mesmo período de 12 meses: 1) A substância é frequentemente consumida em maiores quantidades ou por um período mais longo do que o pretendido. 2) Existe um desejo persistente ou esforços mal-sucedidos no sentido de reduzir ou controlar o uso da substância. 3) Muito tempo é gasto em atividades necessárias para a obtenção da substância, na utilização ou na recuperação de seus efeitos. 4) Fissura, desejo intenso ou urgência em consumir a substância (craving). 5) Uso recorrente da substância resultando em fracasso para cumprir obrigações importantes relativas a seu papel no trabalho, na escola ou em casa. 6) O uso da substância continua, apesar de problemas sociais ou interpessoais persistentes ou recorrentes causados ou exacerbados pelos seus efeitos. 7) Importantes atividades sociais, ocupacionais ou recreativas são abandonadas ou reduzidas em virtude do uso da substância. 8) Uso recorrente da substância em situações nas quais isto representa perigo físico. 9) O uso da substância continua, apesar da consciência de ter um problema físico ou psicológico persistente ou recorrente que tende a ser causado ou exacerbado pelo uso. 10) Tolerância, definida por qualquer um dos seguintes aspectos: a) necessidade de quantidades progressivamente maiores da substância para adquirir a intoxicação ou efeito desejado; b) acentuada redução do efeito com uso continuado da mesmaquantidade da substância. 11) Abstinência, manifestada por qualquer dos seguintes aspectos: a) síndrome de abstinência característica para a substância; b) a substância é consumida para aliviar ou evitar sintomas de abstinência. - A classificação da gravidade do transtorno baseia-se na quantidade de critérios acima preenchidos pelo indivíduo, sendo: (1) leve, na presença de 2-3 sintomas, (2) moderada, na presença de 4-5 sintomas e (3) grave, na presença de 6 ou mais sintomas. Avaliação inicial para uso/abuso de SPA: - Pontos importantes: Não existe uso seguro de substâncias O uso e a dependência de álcool e outras drogas são pouco diagnosticados O que ocorre com mais frequência é a abordagem das complicações clínicas A demora em fazer o diagnóstico piora o prognóstico Existe uma deficiência no conhecimento e na formação dos profissionais sobre o assunto - A abordagem nos serviços básicos de saúde: deve ser clara, simples, breve, flexível e ampla; e apenas ao final focar nos hábitos do indivíduo em relação ao uso das SPA. A minoria dos indivíduos com problemas relacionados ao uso de drogas busca ajuda, por isso o momento da avaliação inicial é muito especial. RED FLAGS PARA USO PROBLEMÁTICO DE SPA Sintomas Sinais físicos Distúrbio do sono Tremor leve (sugestivo de uso de diferentes substâncias) Depressão Pressão arterial lábil (sugestiva de síndrome de abstinência de álcool, nicotina e cocaína) Ansiedade Hipertensão arterial Humor instável Taquicardia e/ou arritmia (uso de estimulantes ou sd de abstinência) Irritabilidade exagerada Aumento do fígado Alteração de memória e da percepção de realidade Irritação nasal (sugestiva de inalação de cocaína ou de uso de droga fumada) Faltas frequentes ao trabalho ou compromissos sociais Irritação nas conjuntivas (sugestiva de uso de maconha, álcool, nicotina, crack) Problemas gastrintestinais Odor de álcool, maconha ou nicotina História de trauma e acidentes frequentes Síndrome da higiene bucal (disfarce do odor de álcool ou tabaco) Disfunção sexual Uso frequente de colírio ocular - Comportamentos frequentemente encontrados em familiares: Codependência – familiares afetados pelo uso das substancias de outro membro da família. As expressões coadição e, mais comumente, codependência são usadas para designar os padrões comportamentais de membros da família que foram afetados significativamente pelo uso ou adição a substância de outro membro da família. As expressões têm sido utilizadas de diversas formas, e não há critérios estabelecidos para codependência. Facilitação – a facilitação foi uma das primeiras características identificadas (e de maior consenso) da codependência ou coadição. Por vezes, familiares acham que têm pouco ou nenhum controle sobre os atos facilitadores. Seja devido a pressões sociais para proteger e dar apoio aos familiares, seja devido a interdependências patológicas, ou a ambos, o comportamento facilitador costuma resistir à modificação. Outras características da codependência incluem a falta de vontade de aceitar a noção de adição como doença. Os familiares continuam a agir como se o comportamento de uso de substância fosse voluntário e intencional (ou até mesmo por birra), e o usuário se preocupa mais com álcool e drogas do que com os membros da família, o que resulta em sentimentos de raiva, rejeição e fracasso. Além desses sentimentos, os familiares podem se sentir culpados e deprimidos porque o adito, na tentativa de negar a perda de controle sobre as drogas e para Transtorno por uso de substâncias = Dependência comportamental – padrões de uso patológico Dependência física – efeitos físicos de múltiplos usos; tolerância Dependência psicológica – desenvolvimento do hábito (presença de um desejo intenso/fissura contínuo ou intermitente pela substância para evitar um estado disfórico). desviar o foco de preocupação de seu uso, frequentemente tenta colocar a responsabilidade pelo uso em outros membros da família, os quais costumam parecer dispostos a aceitar toda a culpa ou parte dela. Negação – familiares, assim como os próprios usuários de substâncias, costumam agir como se o uso de substância que causa problemas evidentes não constituisse um problema real, ou seja, sucumbem à negação. Os motivos para a relutância em aceitar o óbvio variam. Às vezes, a negação serve à autopreservação, no sentido de que, se os familiares acreditarem na existência de um problema com álcool ou drogas, eles passam a ser responsáveis. - Objetivos da avaliação inicial – obtenção de informações básicas como o padrão de consumo e a presença de critérios de dependência: frequência de uso, quantidade, via de administração, último uso, sinais e sintomas de intoxicação ou síndrome de abstinência, gravidade do padrão de consumo (se impacta outras áreas da vida) e motivação para a mudança. Realizar o diagnóstico ou encaminhamento para aprofundamento do diagnóstico em centro especializado, evitar técnicas de confronto e definir seguimento (intervenção mínima no serviço básico de saúde ou encaminhar para serviço especializado). Tratamento: - Alguns indivíduos que desenvolvem problemas relacionados a substâncias se recuperam sem tratamento formal, especialmente quando vão ficando mais velhos. No caso de pacientes com transtornos menos graves, como adição de nicotina, intervenções relativamente breves costumam ser tão eficazes quanto tratamentos mais intensivos. Como essas intervenções breves não mudam o ambiente, não alteram mudanças cerebrais induzidas por drogas nem fornecem novas habilidades, uma mudança na motivação do paciente (alteração cognitiva) provavelmente tem o melhor impacto sobre o comportamento de uso de drogas. No caso de indivíduos que não têm essa reação ou cuja dependência é mais grave, várias intervenções descritas a seguir parecem ser eficazes. Vale distinguir entre procedimentos ou técnicas específicas (p. ex., terapia individual, terapia familiar, terapia em grupo, prevenção de recaída e farmacoterapia) e programas de tratamento. - A maioria dos programas utiliza uma quantidade específica de procedimentos e envolve várias especialidades profissionais, bem como indivíduos não profissionais que têm habilidades especiais ou experiência pessoal com o problema com substância que está sendo tratado. Os melhores programas de tratamento combinam procedimentos e disciplinas específicos que satisfazem as necessidades de cada paciente após uma avaliação criteriosa. - Nenhum sistema de classificação é geralmente aceito, seja para os procedimentos específicos usados em tratamento, seja para programas que usam uma variedade de combinações de procedimentos. Essa falta de terminologia padronizada para categorizar procedimentos e programas constitui um problema, mesmo quando o campo de interesse é delimitado do âmbito de problemas com substâncias em geral para o tratamento relacionado a uma única substância, como álcool, tabaco ou cocaína. Exceto em projetos de pesquisa atentamente monitorados, mesmo as definições de procedimentos específicos (p. ex., aconselhamento individual, terapia em grupo e manutenção com metadona) tendem a ser tão imprecisas que normalmente não se pode inferir nem sequer que tipos de intervenções são aplicados. Ainda assim, com finalidade descritiva, afirma-se que programas costumam ser agrupados de forma ampla com base em uma ou mais de suas características mais evidentes: se o programa se destina apenas a controlar abstinência aguda e as consequências de uso recente de drogas (desintoxicação) ou se está voltado para uma alteração comportamental de longo prazo; se o programa faz amplo uso de intervenções farmacológicas ou não; e se o programa se baseia em psicoterapia individual, Alcoólicos Anônimos (AA) ou outros programas de 12 passos, ou princípios de comunidade terapêutica. Por exemplo, órgãos governamentaisde financiamento público recentemente categorizaram programas de tratamento para dependência de drogas como (1) manutenção com metadona (principalmente ambulatorial); (2) programas ambulatoriais sem fármacos; (3) comunidades terapêuticas; ou (4) programas de internação de curta duração. - Nos casos de dependência moderada a severa, encaminhar o paciente ao serviço especializado. Intervenção breve – intervenções psicossociais que apresentam eficácia baseada em evidências. Técnicas usadas na entrevista motivacional e terapia cognitivo-comportamental. 5 sessões com duração entre 5-45 minutos Destinada a indivíduos com problemas relacionados a substâncias, principalmente álcool, mas que não tem critérios diagnósticos de dependência. Objetivos: facilitar o diagnóstico precoce, diminuir o consumo de risco, prevenir problemas ligados ao consumo, prevenir o desenvolvimento de quadros mais severos e encaminhar pacientes com quadros mais graves para serviços especializados. - Intervenção breve: Individuo precisa reconhecer os problemas associados ao uso da SPA Consultas mensais de curta duração Metas: uso de baixo risco = redução do consumo; uso de alto risco ou dependência = abstinência total Feedback – comunicação do resultado da avaliação Responsabilidade – ênfase na autonomia do paciente e sua responsabilidade nas decisões tomadas e compromisso com a mudança Orientações – informações técnicas oferecidas ao paciente Alternativas – opções de tratamento disponíveis Empatia – postura empática, solidária e compreensiva Autoeficácia – facilitar a confiança de seu paciente em seus recursos e em seu sucesso - Política Nacional de Redução de Danos 005 (RAPS – Rede de Atenção Psicossocial): Conjunto de serviços de saúde direcionados ao atendimento de pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso abusivo de álcool e outras drogas Objetiva a redução dos danos provocados pelo consumo de álcool e outras drogas e a promoção de cuidado e de qualidade de vida aos usuários e seus familiares Liberdade do usuário de manter o uso das SPA e garantia de assistências pelos serviços sociais e de saúde A abstinência não é o único objetivo, é necessário lidar com as diferentes possibilidades e escolhas do individuo Inicialmente o foco era a prevenção de ISTs ÁLCOOL - O alcoolismo está entre os transtornos psiquiátricos mais comuns observados no mundo ocidental. Problemas relacionados ao álcool nos Estados Unidos contribuem para 2 milhões de ferimentos a cada ano, incluindo 22 mil mortes. Nos últimos anos, tem-se observado aumento de pesquisas clinicamente relevantes sobre abuso e dependência de álcool, incluindo informações sobre influências genéticas específicas, curso clínico dessas condições e o desenvolvimento de tratamentos novos e proveitosos. - O álcool é uma droga potente que causa alterações tanto agudas quanto crônicas em quase todos os sistemas neuroquímicos. Dessa forma, o abuso de álcool pode produzir sintomas psicológicos temporários graves, incluindo depressão, ansiedade e psicoses. Em longo prazo, níveis cada vez maiores de consumo de álcool podem produzir tolerância, bem como adaptação do corpo tão intensa que a interrupção do uso pode precipitar uma síndrome de abstinência normalmente caracterizada por insônia, evidência da hiperatividade do sistema nervoso autônomo e ansiedade. Portanto, em uma avaliação adequada dos problemas de vida e sintomas psiquiátricos em um paciente, o profissional deve considerar a possibilidade de que a situação clínica reflete os efeitos do álcool. - Os diagnósticos psiquiátricos mais comumente associados aos transtornos relacionados ao álcool são transtornos relacionados a outra substância, transtorno da personalidade antissocial, transtornos do ao álcool apresentam um índice de suicídio acentuadamente mais elevado do que a população em geral. Transtorno da personalidade antissocial: Relata-se com frequência uma associação entre transtorno da personalidade antissocial e transtornos relacionados ao álcool. Alguns estudos sugerem que o transtorno da personalidade antissocial é particularmente comum em homens com transtorno relacionado ao álcool e que pode antecedê-lo. Outros estudos, no entanto, sugerem que o transtorno da personalidade antissocial e transtornos relacionados ao álcool são entidades completamente distintas, não havendo uma relação causal. Transtornos do humor: Aproximadamente 30 a 40% dos indivíduos com um transtorno relacionado ao álcool satisfazem os critérios diagnósticos para transtorno depressivo maior em algum momento da vida. Depressão é mais comum em mulheres do que em homens com esses transtornos. Vários estudos relataram que ela provavelmente ocorre em pacientes com transtornos relacionados ao álcool que apresentam um consumo diário elevado e história familiar de abuso de álcool. Indivíduos com transtornos relacionados ao álcool e transtorno depressivo maior correm grande risco de tentativa de suicídio e provavelmente apresentam outros diagnósticos de transtornos relacionados a substâncias. Alguns profissionais recomendam terapia com fármacos antidepressivos para sintomas depressivos que persistem após 2 a 3 semanas de sobriedade. Acredita-se que pacientes com transtorno bipolar tipo I corram risco de desenvolver um transtorno relacionado ao álcool; eles podem usar a substância como automedicação para seus episódios maníacos. Alguns estudos demonstraram que pessoas com ambos os diagnósticos, de transtorno relacionado ao álcool e transtorno depressivo, apresentam concentrações de metabólitos de dopamina (ácido homovanílico) e de ácido γ- aminobutírico (GABA) no líquido cerebrospinal (LCS). Transtornos de ansiedade: Muitos indivíduos usam álcool devido a sua eficácia para aliviar a ansiedade. Embora a comorbidade entre transtornos relacionados ao álcool e transtornos do humor seja amplamente identificada, um fato menos conhecido é que 25 a 50% de todos os indivíduos com transtornos relacionados ao álcool também satisfazem os critérios diagnósticos para um transtorno de ansiedade. Fobias e transtorno de pânico são diagnósticos comórbidos particularmente frequentes nesses pacientes. Há dados que indicam que o álcool pode ser usado como tentativa de automedicar sintomas de agorafobia ou fobia social, mas um transtorno relacionado ao álcool provavelmente antecede o desenvolvimento de transtorno de pânico ou transtorno de ansiedade generalizada. Suicídio: A maioria das estimativas da prevalência de suicídio entre indivíduos com transtornos relacionados ao álcool varia de 10 a 15%, embora o uso de álcool em si possa estar envolvido em um percentual muito mais elevado de suicídios. Alguns pesquisadores questionam se o índice de suicídio entre indivíduos com transtornos relacionados ao álcool é tão elevado quanto os números sugerem. Fatores que foram associados a suicídio entre indivíduos com transtornos relacionados ao álcool incluem a presença de um episódio depressivo maior, sistemas deficientes de apoio psicossocial, uma condição médica grave coexistente, desemprego e morar sozinho. Tratamento: Abordar emergências clínicas e psiquiátricas sempre O alcoolismo costuma assumir “vida própria” – as possíveis causas para o problema são diluídas nos efeitos de álcool sobre o SNC e pelos anos em um estilo de vida alterado Abordagens psicoterápicas baseadas no aqui e agora - Intervenção: (1) aumentar a motivação para o tratamento, (2) explanar sobre os efeitos do álcool e seus prejuízos e (3) envolver a família no tratamento. - Desintoxicação ambulatorial ou hospitalar, a depender das condições físicas do paciente, comorbidades e padrão de consumo. - Reabilitação: (1) fazer esforços contínuos para aumentar e manter níveis de motivação para abstinência, (2) ajudar o paciente a se readaptar a umestilo de vida sem o álcool e (3) prevenir recaídas. - Medicamentos: Tratamento da síndrome de abstinência com benzodiazepínicos, se necessário Tratamento da comorbidade psiquiátrica Não há recomendação formal para o uso de psicotrópicos no tratamento do alcoolismo Dissulfiram (anti-etanol): o Apresentação: 250 mg o Mecanismo de ação: inativa a enzima acetaldeido-desidrogenase, responsável pela conversão do acetaldeido em ácido acético, levando ao acúmulo do acetaldeído no organismo o Aversivo; reação de sensibilização ao álcool → efeitos quando associado ao álcool: náuseas, vômitos, cefaleia, taquipneia, precordialgia, queimação na face e epigastralgia Naltrexona: o Apresentação: 50 mg o Mecanismo de ação: antagonista opioide puro, tornando o hábito de beber menos prazeroso
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