Prévia do material em texto
Apostilas Solução - Professor Educação Básica – PEB II 90 Bibliografia para Língua Portuguesa MOISES, Massaud. A LITERATURA PORTUGUESA. São Paulo: Cultrix, 2008. I - Introdução Segundo Massuad Moisés, pela sua posição geográfica no mapa europeu, Portugal como se estivesse empurrado contra o mar, toda a sua histó- ria, literária e não, atesta o sentimento de busca dum caminho que só ele representa e pode repre- sentar. Recebe influências exclusivas e marcantes tanto étnicas como culturais (árabes, germânicas, francesas, inglesas, etc.), e por essa razão gerou uma literatura com características próprias e per- manentes, além da "fatalidade" de ser a Língua Portuguesa seu meio de comunicação, o que ajuda a completar e explicar o quadro. A Literatura Portuguesa reflete essa angústia geográfica: “o escritor português opta pela fuga ou pelo apego a terra, matriz de todas as inquietudes e confidente de todas as dores, centro de inspiração e nutridora de sonhos e esperanças. A fuga dá-se para o mar, o desconhecido, fonte de riqueza algu- mas vezes, de males incríveis e de emoção quase sempre; ou, transcendendo a estreiteza do solo físico, para o plano metafísico, à procura de visuali- zar numa dimensão universal e perene a inquieta- ção particular e egocêntrica”. Para o autor, é uma literatura rica em poetas - Camões, Bocage, Antero, Fernando Pessoa, entre outros - “(...) A poesia é o melhor que oferece a Literatura Portuguesa, dividida entre o apelo metafí- sico, que significa a vivência e a expressão de pro- blemas fundamentais e perenes (a existência ou não de Deus, o ser e o não-ser, a condição humana, os valores do espírito, etc.), e a atração amorosa da terra (representada por temas populares, folclóri- cos), ou um sentimento superficial, feito da confis- são de estados de alma provocados pelos embates amorosos (...)”. A riqueza da poesia contrasta com a pobreza do teatro que somente algumas poucas vezes saiu “do nível medíocre ou meramente razoável” através de Gil Vicente, Garrett e António José da Silva. O romance decai após a morte de Eça de Quei- rós, em 1900. Voltando a viver uma época de es- plendor após 1940, pela quantidade e qualidade de seus autores configura-se no ponto forte da literatu- ra lusa. A crítica literária, como o teatro, pobre, so- mente nos últimos anos começa a despontar com rigor científico. A Literatura Portuguesa nasceu quase simulta- neamente com a nação. Em 1094, Afonso VI, Rei de Leão, um dos reinos em que a Península Ibérica era dividida (os outros: Castela, Aragão e Navarra), casa suas filhas, Urraca com o Conde Raimundo de Borgonha, e Teresa com D. Henrique. Ao primeiro genro, doa uma extensa região de terra correspon- dente à Galiza; ao segundo, o território compreendi- do entre o rio Minho e o Tejo, com o nome de "Con- dado Portucalense". Após a morte de D. Henrique, D. Teresa assume o governo e se aproxima da Galiza. Seu filho, o Infante, Afonso Henriques, rebela-se contra a mãe e inicia uma revolução que culmina com a vitória dos revoltosos, na batalha de S. Mamede, nos arredores de Guimarães e o Infante é declarado seu sobera- no. Porém, somente em 1143, na Conferência de Samora, D. Afonso VII reconhece Afonso Henriques como rei. Portugal está politicamente autônomo. A data utilizada como marco do início da Literatura Portuguesa é 1198 (ou 1189), quando o trovador Paio Soares de Taveirós compõe uma cantiga, Can- tiga de Garvaia, palavra que designava um luxuoso manto de Corte, dedicada a Maria Pais Ribeiro, também chamada A Ribeirinha, favorita de D. San- cho I. Tudo indica que já havia uma atividade literá- ria anterior, porém desaparecida. II - TROVADORISMO (1198-1418) O Trovadorismo Português foi o movimento lite- rário caracterizado por seu caráter popular, sem relação com a cultura da Antiguidade Clássica gre- co-latina. Era uma arte literária simples, voltada para o entretenimento, e devido a essa simplicidade e natureza popular tem a preferência pelo idioma galaico-português em vez de latim, que era a língua da literatura erudita da época. Recebe considerável influência da cultura provençal, através dos artistas nômades oriundos daquela região que chegaram à Península Ibérica naquela época. A lírica trovado- resca teve grande força na França naquela época, e sua influência acabou se espalhando por vários países da Europa. Massaud Moisés destaca quatro teses para a origem da poesia trovadoresca: 1) A tese arábica. Relaciona a poesia trovadoresca à cultura árabe em virtude das invasões mouras à Península Ibérica. 2) A tese popular ou folclórica. Segundo essa linha de estudo a poesia trovadoresca foi uma manifesta- ção literária de “espontânea”, surgido naturalmente a partir das manifestações e cultura do povo da época. 3) A tese médio-latinista. A poesia trovadoresca teria se originado a partir da literatura latina produ- zida na Idade Média. Essa literatura teria chegado à Península Ibérica e influenciado a produção literária local. 4) A tese litúrgica. A poesia trovadoresca surgiu a partir da literatura cristã/sacra da época. Entretanto, parece que nenhuma das teses cita- das acima é suficiente para determinar com certeza a origem da lírica trovadoresca, dando-nos a possi- bilidade de aceitar todas elas de modo conjun- to.Todavia a influência da Provença na poesia tro- vadoresca portuguesa é incontestável e se deu principalmente pelo fato de que muitos dos trovado- res portugueses tiveram certa relação com a Fran- ça. (D. Afonso Henriques e D. Sancho I foram casa- dos com princesas criadas em cortes ligadas à Pro- vença). Além disso, muitos artistas nômades oriun- dos daquela região passaram pela península, e, ainda, as relações comerciais e os movimentos militares (cruzadas) são fatores de influência. Apostilas Solução - Professor Educação Básica – PEB II Bibliografia para Língua Portuguesa 91 O Trovadorismo Português inicia-se em 1189 (ou 1198) com a “Cantiga da Guarvaia” ou “Cantiga da Ribeirinha”, de Paio Soares de Taveirós e se esten- de até 1418, quando Fernão Lopes é nomeado Guarda-mor da Torre do Tombo por D. Duarte. A POESIA TROVADORESCA Na Provença, o poeta era chamado de trouba- dour, cuja forma correspondente em Português é trovador, da qual deriva trovadorismo (que serve de rótulo geral dessa primeira época medieval), trova- doresco, trovadorescamente. O poeta deveria ser capaz de compor, achar os versos e a melodia para sua cantiga. Eram poemas cantados e acompanha- dos por instrumentos musicais e às vezes danças. A poesia trovadoresca classifica-se em: lírico- amorosa e satírica. A primeira divide-se em cantiga de amor e cantiga de amigo; a segunda, em cantiga de escárnio e cantiga de maldizer. O idioma empre- gado era o galego-português, em virtude da então unidade lingüística entre Portugal e a Galiza. CANTIGAS DE AMOR Poesia lírica onde o trovador, de acordo com a “arte de trovar” confessa seu amor por uma dama inacessível aos seus apelos, entre outras razões por ser de classe social mais elevada, geralmente no- bre, enquanto ele era, quando muito, um fidalgo decaído. O poema é um lamento suplicante, os ape- los do trovador “colocam-se alto, num plano de espi- ritualidade, de idealidade ou contemplação platôni- ca”. Trata-se de um fingimento poético, de acordo com as regras de conveniência social e da moda literária vinda da Provença. Retratam um sofrimento interior (coita de amor). Geralmente é o próprio trovador quem confessa seus sentimentos, dirigindo-se em vassalagem e subserviência à dama (mia senhor ou minha senho- ra), e rendendo-lhe o culto que o "serviço amoroso" lhe impunha: as regras do "amor cortês", recebidas da Provença: o trovador teria de mencionar comedi- damenteo seu sentimento (mesura), a fim de não incorrer no desagrado (sanha) da bem-amada; teria de ocultar o nome dela ou recorrer a um pseudôni- mo, e prestar-lhe uma vassalagem que apresentava quatro fases: a primeira correspondia à condição de fenhedor, de quem se consome em suspiros; a se- gunda é a de precador, de quem ousa declarar-se e pedir; entendedor é o namorado; drut, o amante. Segundo Moisés, “(...) O trovador, portanto, su- bordina todo o seu sentimento às leis da Corte amo- rosa, e ao fazê-lo, conhece das dificuldades inter- postas pelas convenções e pela dama no rumo que o levaria à consecução dum bem impossível. Mais ainda: dum' bem (e "fazer bem" significa correspon- der aos requestos do trovador) que ele nem sempre deseja alcançar, pois seria por fim ao seu tormento masoquista, ou início dum outro Maior. Em qualquer hipótese, só lhe resta sofrer, indefinidamente, a coita amorosa”. O sofrimento segue uma ordem crescente, atra- vés das estrofes (cobra ou talho) sendo reforçado no estribilho ou refrão, onde o trovador pode rema- tar cada estrofe, reforçando a angustiante idéia fixa para a qual ele não encontra consolo. Em síntese, nas Cantigas de Amor, o trovador destaca todas as qualidades da mulher amada, colocando-se numa posição inferior (de vassala- gem) a ela. A mulher é colocada num patamar ele- vado, idealizada, em geral por se encontrar em uma posição social superior. As cantigas de amor não possuem variedade temática, sendo a temática mais comum o amor não correspondido. Além disso, re- produzem o sistema hierárquico do feudalismo, pois o trovador passa a ser o vassalo da amada (susera- na) e espera receber um benefício em troca de seus “serviços” (as trovas, o amor dedicado, o sofrimento pelo amor não correspondido). CANTIGAS DE AMIGO As cantigas de amigo focalizam o outro lado da relação amorosa entre ele e uma dama: o fulcro do poema é agora representado pelo sofrimento amo- roso da mulher, em geral pertencente às camadas populares (pastoras, camponesas, etc.). O drama é o da mulher, mas quem ainda compõe a cantiga é o trovador. Massuad Moisés diz que o “(...) trovador vive uma dualidade amorosa, de onde extrai as duas formas de lirismo amoroso próprias da época: em espírito, dirige-se à dama aristocrática; com os sen- tidos, à camponesa ou à pastora. Por isso, pode expressar autenticamente os dois tipos de experiência passional, enquanto ele pró- prio, e enquanto a mulher que por ele desgraçada- mente se apaixona. É digno de nota que essa ambi- güidade, extremamente curiosa ainda como psico- logia literária ou das relações humanas, não existia antes do trovadorismo nem jamais se repetiu de- pois”. O “eu-lírico” (quem fala) é a própria mulher, diri- gindo-se em confissão à mãe, às amigas, aos pás- saros, aos arvoredos, às fontes, aos riachos. O teor da confissão é sempre uma paixão não correspon- dida, mas a que ela se entrega de corpo e alma. Traduz um sentimento espontâneo, natural e primitivo por parte da mulher, e um sentimento don- juanesco e egoísta por parte do homem, que geral- mente está “(...) no fossado ou no bafordo, isto é, no serviço militar ou no exercício de armas. Por isso, a palavra amigo pode significar namorado e amante”. Trata-se de uma poesia de caráter narrativo e descritivo e se classifica de acordo com o lugar geográfica e as circunstâncias em que decorrem os acontecimentos (serranilha, pastorela, barcarola, bailada, romaria, alva ou alvorada - surpreende os amantes no despertar dum novo dia, depois de uma noite de amor). CANTIGAS DE ESCARNIO E DE MALDIZER A Cantiga de Escárnio revela uma sátira que se constrói indiretamente, por meio da ironia e do sar- casmo, usando palavras ambíguas, de duplo senti- do. Na Cantiga de Maldizer, a sátira é feita direta- mente, com agressividade, com palavras chulas e muitas vezes obscenas. Apostilas Solução - Professor Educação Básica – PEB II 92 Bibliografia para Língua Portuguesa Em geral escritas “(...) pelos mesmos trovadores que compunham poesia lírico-amorosa, expressa- vam, como é fácil depreender, o modo de sentir e de viver próprio de ambientes dissolutos, e acaba- ram por ser canções de vida boêmia (...) poesia "forte", descambando para a pornografia ou o mau gosto, possui escasso valor estético, mas em con- trapartida documenta os meios populares do tempo, na sua linguagem e nos seus costumes, com uma flagrância de reportagem viva”. Em geral, cultivadas por jograis de “má vida”, eram acompanhadas pelas soldadeiras (= mulheres a soldo), cantadeiras e bailadeiras, de vida dissoluta que faziam coro com as “chulices” presentes nas letras das canções. CANCIONEIROS Cancioneiros são coletâneas de canções, compi- ladas por ordem e graça de algum mecena ou so- berano. Dos vários cancioneiros que existiram, três merecem destaque: 1) Cancioneiro da Ajuda, composto no reinado de Afonso III (fins do século XIII), o que exclui a contri- buição de D. Dinis (reinou entre 1268 e 1325 e foi chamado Rei Trovador); contém 310 cantigas, qua- se todas de amor; 2) Cancioneiro da Biblioteca Nacional (também chamado Colocci-Brancuti, homenagem a seus dois possuidores italianos, dos quais Brancuti foi o últi- mo), é, uma cópia italiana do século XVI, possivel- mente de original do século anterior; contém 1 647 cantigas, de todos os tipos, e engloba trovadores dos reinados de Afonso III e de D. Dinis; 3) Cancioneiro da Vaticana (o nome lhe vem de ter sido descoberto na Biblioteca do Vaticano, em Roma), também cópia italiana do século XVI, de original do século anterior, inclui 1205 cantigas de escárnio e de maldizer, de amor e de amigo. PRINCIPAIS TROVADORES Moisés destaca como principais trovadores: - João Soares de Paiva, considerado o mais anti- go, nascido em 1141. - Paio Soares de Taveirós, autor da cantiga mais antiga de que se tem registro. - D. Dinis, autor de aproximadamente 140 canti- gas, entre líricas e satíricas. - João Garcia de Guilhade escreveu 54 composi- ções líricas e satíricas. Considerado um dos mais originais trovadores do século XIII. - Martim Codax, trovador da época de Afonso III, escreveu 7 cantigas de amigo, as quais tem o méri- to de constituir as únicas peças da lírica trovadores- ca cuja pauta musical permaneceu até hoje. - Outros trovadores: Afonso Sanches, Aires Cor- pancho, Nuno Fernandes Torneol, Bernardo Bona- val, Aires Nunes, João Zorro, etc. TERMINOLOGIA POÉTICA A poesia medieval utilizava requintados recursos formais, apesar da aparência primitiva, espontânea, e de ser composta para ser cantada, com regras e estruturas peculiares. Cantigas de atafinda ou de maestria, cantigas nas quais ocorre o que chamamos hoje de encadea- mento, ou “enjambement”, que consiste na continu- ação da idéia de um verso no verso seguinte, esta- belecendo uma ligação de sentido entre os versos. Esse esquema de organização das cantigas é con- siderado mais difícil e intelectualizado, por nele não ocorrer o recurso do refrão. Acontece mais comu- mente nas cantigas de amor. Cantigas paralelísticas, cantigas nas quais ocorre o paralelismo, recurso que consiste na repetição de vocábulos, na forma de sinônimos, no decorrer da cantiga. Cantigas de refrão, estrutura típica da poesia po- pular, na qual ocorre a presença do refrão, verso ou par de versos que se repete após cada estrofe (que era chamada de cobra, cobla ou talho, de acordo com a Poética Fragmentária). O recurso do parale- lismo e do refrão ocorre mais freqüentemente nas cantigas de amigo e às vezes de amor. Tenções, também chamadas cantigas dialogadas, por apresentarem diálogos, ou seja, alternância entre as vozes de interlocutores na cantiga. Ocorre principalmente nas cantigas de amigo. Além dos trovadores, havia outros tipos de artis- tas envolvidos nas manifestaçõesartístico-literárias da época, como os segréis, os jograis e os menes- tréis. Simplificando, o trovador era o artista completo: compunha, cantava e podia instrumentar as canti- gas; as mais das vezes, era fidalgo decaído. Jogral era uma designação menos precisa: podia referir o saltimbanco, o truão, o ator mímico, o músico e até mesmo aquele que compunha suas melodias; de classe social inferior, por seus méritos podia subir socialmente e ser classificado como trovador. Se- grel designava um artista de controvertida condição: colocado entre o jogral e o trovador, era o trovador profissional, que ia de Corte a Corte interpretando cantigas próprias ou não, a troco de soldo. Menes- trel era como se chamava o músico e cantor da Corte. NOVELAS DE CAVALARIA O Trovadorismo ainda se caracteriza pelo apare- cimento e cultivo das novelas de cavalaria. Originárias da Inglaterra ou/e da França surgiram a partir das canções de gesta, antigos poemas de temas guerreiros, que em Portugal foram traduzi- dos, com algumas modificações que buscavam adaptar as novelas à realidade de Portugal. Circulava entre a nobreza e, traduzidas do Fran- cês, era natural que na tradução e cópia sofressem voluntárias e involuntárias alterações com o objetivo de adaptá-las à realidade histórico-cultural de Por- tugal. Apostilas Solução - Professor Educação Básica – PEB II Bibliografia para Língua Portuguesa 93 Convencionou-se agrupar as novelas de cavala- ria em três ciclos: 1) ciclo bretão ou arturiano, tendo o Rei Artur e seus cavaleiros como protagonistas; 2) ciclo carolíngio, em torno de Carlos Magno e os doze pares de França; 3) ciclo clássico, referente a novelas de temas gre- co-latinos. As novelas de cavalaria têm uma forte conotação religiosa e eram permeadas por ensinamentos cris- tãos implícitos no enredo das histórias, refletiam o culto à vida espiritual, a busca pela perfeição moral, e a valorização de qualidades como a honra, a bra- vura, a castidade, a lealdade, a generosidade, a justiça entre outras. Chegaram aos nossos dias as seguintes novelas: Amadis de Gaula, História de Merlim, José de Arimatéia e A Demanda do Santo Graal. Amadis de Gaula marca com relevância a ficção da época, através do enredo amoroso e guerreiro, bem ao gosto do gênero, do cavaleiro perfeito, des- truidor de monstros, tímido e heróico, apaixonado e fiel a sua amada Oriana, seguindo o modelo dos cantares de amor. A novela surpreende, sobretudo, pela atmosfera de sensualidade que une o par amo- roso, em especial pelo fato da amada ter-se ofereci- do, gentilmente, antes do casamento. A Demanda do Santo Graal é uma novela místi- ca, tem começo numa visão celestial de José de Arimatéia e no recebimento dum pequeno livro (A Demanda do Santo Graal). José parte para Jerusa- lém; convive com Cristo, acompanha-lhe o martírio da Cruz, e recolhe-lhe o sangue no Santo Vaso. Deus ordena-lhe que o esconda. Tendo-o feito, mor- re em Sarras. O relato termina com a morte de Lan- celote: seu filho, Galaaz, irá em busca do Santo Graal. Conforme Moisés “(...) A Demanda do Santo Graal contém o seguinte: em torno da "távola re- donda", em Camelot, reino do Rei Artur, reúnem-se dezenas de cavaleiros. É véspera de Pentecostes. Chega uma donzela à Corte e procura por Lancelote do Lago. Saem ambos e vão a uma igreja, onde Lancelote arma Galaaz cavaleiro e regressa com Boorz a Camelot. Um escudeiro anuncia o encontro de maravilhosa espada fincada numa pedra de mármore boiando n'água. Lancelote e os outros tentam arrancá-la debalde. Nisto, Galaaz chega sem se fazer anunciar e ocupa a seeda perigosa (= cadeira perigosa) que estava reservada para o ca- valeiro "escolhido": das 150 cadeiras, apenas falta- va preencher uma, destinada a Tristão. Galaaz vai ao rio e arranca a espada do pedrão. A seguir, en- tregam-se ao torneio. Surge Tristão para ocupar o último assento vazio. Em meio ao repasto, os cavaleiros são alvoro- çados e extasiados com a aérea aparição do Graal (= cálice), cuja luminosidade sobrenatural os transfi- gura e alimenta, posto que dure só um breve mo- mento. Galvão sugere que todos saiam à demanda (= à procura) do Santo Graal. No dia seguinte, após ouvirem missa, partem todos, cada qual por seu lado. Daí para frente, a narração se entrelaça, se ema- ranha, a fim de acompanhar as desencontradas aventuras dos cavaleiros do Rei Artur, até que, ao cabo, por perecimento ou exaustão, ficam reduzidos a um peque no número. E Galaaz, em Sarras, na plenitude do ofício religioso, tem o privilégio exclusi- vo de receber a presença do Santo Vaso, símbolo da Eucaristia, e, portanto, da consagração de uma vida inteira dedicada ao culto das virtudes morais, espirituais e tísicas. A novela ainda continua por algumas páginas, com a narrativa do adulterino caso amoroso de Lan- celote, pai de Galaaz, e de D. Ginebra, esposa do Rei Artur. Tudo termina com a morte deste último”. CRONICÕES E LIVROS DE LINHAGEM Além da poesia e das novelas de cavalaria no trovadorismo, ainda foram cultivados outras mani- festações literárias: os cronicões, as hagiografias e os nobiliários ou livros de linhagem. Os cronicões, de pouco valor literário, deram origem à historiografia portuguesa e serviram de material de suporte para Herculano compor sua Portugaliae Monumenta Historica. Crônicas Breves do Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra, Crónica Geral de Espanha (1344), provavelmente elaborada por D. Pedro, Conde de Barcelos, filho bastardo de D. Dinis. As hagiografias (= vidas de santos), escritas em Latim, possuem ainda menos significado literário. Os livros de linhagens eram relações de nomes, especialmente de nobres, com o objetivo de estabe- lecer graus de parentesco que serviam para dirimir dúvidas em caso de herança, filiação ou de casa- mento em pecado (= casamento entre parentes até o sétimo). Ao lado de informações tipicamente genealógi- cas revelam veleidades literárias: nas referências às ligações genealógicas se intercalam, com realismo, colorido e naturalidade, narrativas breves, mas de especial interesse, como a da Batalha do Salado. III – HUMANISMO (1418-1527) Em Portugal, o Humanismo inicia-se quando Fernão Lopes, guarda-mor da torre do Tombo des- de 1418, é encarregado por D. Duarte (filho de D. João I) de “por em crônica as histórias de seus an- tepassados. e ou da sua promoção a Cronista-Mor do Reino, em 1434, e encerra-se em 1527, quando Sá de Miranda regressa da Itália trazendo a medida nova (ou o decassílabo). Pela primeira vez, é demonstrada uma preocu- pação com a História documentada, envolvendo a descrição dos fatos sociais fora dos parâmetros da Corte. OS CRONISTAS: FERNÃO LOPES Autodidata, de origem humilde, foi um dos legítimos representantes do saber popular, embora já no seu tempo um novo tipo de saber começava a surgir: de cunho erudito-acadêmico e humanista. Apostilas Solução - Professor Educação Básica – PEB II 94 Bibliografia para Língua Portuguesa Das várias crônicas que teria escrito sobre os reis portugueses da primeira dinastia (Dinastia de Avis) e do começo da segunda, várias se perderam, só restando três de autoria indiscutível: Crônica d'El- Rei D. Pedro, Crônica d'El-Rei D. Fernando e Crôni- ca d'El-Rei D. João I. Outras, ainda lhe são atribuí- das, como a Crônica do Condestável (publicada em 1526). Decididamente vocacionado para a historiografia, Fernão Lopes tem sido considerado o "pai da Histó- ria" em Portugal. Sua visão abrangente e lúcida de Fernão Lopes torna possível o “nascimento” da His- tória documentada de Portugal compilando fatos como a Dinastia de Avis, a expansão marítima por- tuguesa. Seu valor como historiador reside acima de tudo no fato de procurar ser"moderno", desprezando o relato oral em favor dos acontecimentos documen- tados. Do ponto de vista da forma, o seu estilo repre- senta uma literatura de expressão oral e de raiz popular. Ele próprio diz que nas suas páginas não se encontra a formosura das palavras, mas a nudez da verdade. “(...) nosso desejo foi em esta obra escrever verdade, sem outra mistura, deixando nos bons aquecimentos todo fingido louvor, e nuamente mostrar ao povo, quaisquer contrárias cousas, da guisa que avieram." Fernão Lopes enquadra-se nitidamente nas es- truturas culturais da Idade Média. Todavia, alguns pormenores fazem dele um homem avançado para o seu tempo. Dotado dum estilo maleável, coloquial, primitivo, saborosamente palpitante e vivo, não escondia o seu gosto acentuado pelo arcaísmo, talvez em de- corrência de sua origem plebéia e seu amor ao po- vo, à "arraia-miúda". Fernão Lopes possui incomum sentido plástico da realidade, procurando oferecer ao leitor um ins- tantâneo "vivo", "atual", dos acontecimentos. Incor- porou em sua obra alguns recursos da novela, como por exemplo, nos retratos psicológicos das perso- nagens, a cerrada cronologia, o emprego dos diálo- gos, constituem soluções estruturais que trouxe da novela e caldeou com seu próprio pendor literário. Sua carreira como historiador é provavelmente a mais longa, sendo sucedido por Gomes Eanes de Zurara após a aposentadoria. GOMES EANES DE ZURARA Gomes Eanes de Azurara (ou Zurara) sucedeu a Fernão Lopes e continuou o propósito de escrever a crônica de todos os reis portugueses até àquela data. Escreveu a 3.ª parte à Crônica de D. João I (co- nhecida como Crônica da Tomada de Ceuta, sua obra mais importante), Crônica do Infante D. Henri- que ou Livro dos Feitos do Infante, Crônica de D. Pedro de Meneses, Crônica de D. Duarte de Mene- ses, Crônica dos Feitos de Guiné, Crônica de D. Fernando, Conde de Vila-Real (desaparecida). Iniciador da historiografia da expansão ultramari- na, Azurara não tinha o mesmo talento de Fernão Lopes, escreve numa linha ufanista (que culminará n’ Os Lusíadas). Ao contrário de Fernão Lopes, preocupa-se com pessoas, individualidades, e não com grupos sociais, onde a ação isolada do cavalei- ro predomina sobre à da massa popular e já encon- tramos em sua obra certa influência da cultura clás- sica. Foi sucedido por Vasco Fernandes de Lucena, que nada escreveu apesar de ocupar o cargo mais ou menos 30 anos. RUI DE PINA Quarto cronista-mor, Rui de Pina escreveu nove crônicas a propósito de monarcas da 1.ª e 2.ª dinas- tias: Sancho I, Afonso II, Sancho II, Afonso III, D. Dinis, Afonso IV, D. Duarte, Afonso V, e D. João II. Contesta-se a autoria integral dessas crônicas: “as seis primeiras seriam a refundição duma obra con- temporânea cujos originais só muito recentemente foram descobertos (na Biblioteca Pública do Porto e na casa do Cadaval), ou, ainda, calcadas nas crôni- cas perdidas de Fernão Lopes”. Suas crônicas pos- suem valor historiográfico, em especial pelos novos e diferentes dados sobre a sociedade portuguesa de seu tempo e pela sobriedade da linguagem, de in- fluência clássica. A PROSA DOUTRINÁRIA A prosa de caráter religioso girou em torno de traduções de episódios bíblicos, muitas vezes am- pliadas com comentários ou derivações ficcionadas, e de obras de caráter hagiográfico (vidas de san- tos). Escrita pelos monarcas portugueses, a Prosa Doutrinária era direcionada à educação da nobreza objetivando orientá-la no convívio social e no ades- tramento físico para a guerra. Conforme Moisés “O culto do desporto, especialmente o da caça, ocupa o primeiro lugar nessa pedagogia pragmática. As virtudes morais também se lembram e se enalte- cem, mas sempre visando a alcançar o perfeito equilíbrio entre a saúde do corpo e a do espírito”. Destaca: Livro da Montaria, de D. João I, em que se ensina a caça ao porco montes, considerado o desporto ideal para a fidalguia; Leal Conselheiro e Livro da Ensinança de Bem Cavalgar Toda Sela, de D. Duarte: na primeira, recopila e adapta com independência e novidade reflexões filosóficas e psicológicas de várias e con- traditórias fontes, desde Cícero até S. Tomás de Aquino; na outra, faz a apologia da vida ao ar livre, mas não esquece de exaltar as virtudes do espírito, especialmente a vontade; O Livro da Virtuosa Benfeitoria, do Infante D. Pedro, o Regente (nascido em 1392 e morto em 1449, na batalha de Alfarrobeira, era filho bastardo de D. João I), contém a tradução e adaptação da obra De Beneficiis, de Séneca, realizada com a ajuda de Frei João Verba, e que trata das numero- sas modalidades e virtudes do "benefício", sobretu- do na educação dos nobres; Apostilas Solução - Professor Educação Básica – PEB II Bibliografia para Língua Portuguesa 95 Livro de Falcoaria, de Pero Menino, em que se ensina a tratar das doenças dos falcões. Outras obras de destacam, como o Boosco De- leitoso, obra com forte influência de Petrarca nos primeiros capítulos, em que se narra a peregrinação da alma em busca da salvação, etc. A POESIA DO CANCIONEIRO GERAL A poesia portuguesa quatrocentista, do reinado de D. João II e D. Manuel, foi compilada por Garcia de Resende no seu Cancioneiro Geral (1516). São composições escritas em português e castelhano. Contém aproximadamente mil composições, de 286 poetas, cerca de 150 são escritas em Espanhol. A poesia do período se caracteriza pelo divórcio entre a "letra" e a música. O ritmo é alcançado com os próprios recursos da palavra disposta em versos, estrofes, etc., e não com a pauta musical. O Cancioneiro Geral introduziu o emprego do verso redondilha (redondilha menor, com 5 sílabas, e redondilha Maior, com 7 sílabas) e trouxe novida- des temáticas: a influência clássica (Ovídio), o influ- xo italiano (Dante e Petrarca: o lirismo centrado no conhecimento do amor e suas contradições. inter- nas) e o espanhol (Marques de Santilhana, Juan de Mena, Gómez Manrique, Jorge Manrique). Há, ainda, registros de poesia épica, religiosa e satírica. Entretanto, o ponto alto do Cancioneiro Geral é representado pela poesia lírica. Poetas que se destacam no Cancioneiro Geral: João Ruiz de Castelo-Branco representa-se com a "Cantiga sua partindo-se", Garcia de Resende, com as Trovas à Morte de Dona Inês de Castro, graças ao forte sentimento de adesão ao "caso" da amante de D. Pedro, a ponto de possivelmente o poema haver estado presente no espírito de Camões quan- do este desenhou igual episódio em Os Lusíadas, além de Bernardim Ribeiro e Sá de Miranda. O TEATRO POPULAR DE GIL VICENTE Anteriormente a Gil Vicente, o teatro em Portugal consistia na representação de breves quadros reli- giosos alusivos a cenas bíblicas e encenados em datas festivas, como o Natal e a Páscoa. Geralmen- te falados em Latim, eram encenados nas igrejas. Posteriormente, surge o teatro profano, de caráter não religioso. A biografia de Gil Vicente é muito enigmática. Seria ele o ourives autor na famosa cruz de Belém? Nobre arruinado? O enigma continua a possibilitar teses a favor e contra, na busca de esclarecer as incertezas biográficas do grande teatrólogo portu- guês. O concreto é que Gil Vicente mantinha proximi- dade aos integrantes da corte, em especial à rainha D. Maria, cuja homenagem ao nascimento do filho da monarca, mais tarde D. João III, Rei de Portugal, escreveu e interpretou o Auto da Visitação (também conhecido como Monólogo do Vaqueiro), no ano de 1502. Com relação às incertezas da vida do mestre, Saraiva deixa a questão de lado, achando muito mais pertinente destacar o gênio vicentino e sua autenticidade como criador: “Se ele está vivo no meio das múmias que assinalam a história do teatro português, isso se deve certamente ao fato de que ele era Gil Vicente, o grande teatrólogoe não qual- quer outra pessoa”. Com relação a Gil VICENTE não ter estudado formalmente, não ter bebido das fontes clássicas (...) “Seu auto-didatismo possibilitou-lhe as condi- ções de originalidade de sua estrutura artística, dando-lhe uma expressão singular, predispondo-o a representar de maneira objetiva, os valores culturais de seu momento histórico”. Recebeu influências do teatro medieval e tam- bém de Juan Del Encina, dramaturgo castelhano, seu contemporâneo, e pode ser constatada na pin- tura dos quadros sociais ou através de citações direta ao mestre espanhol. Durante trinta e quatro anos de produção drama- túrgica, pontilhados de algumas trovas, sermões e epístolas, ele nos legou 44 peças, sendo a primeira em 1502, com o Monólogo do Vaqueiro e a última Floresta de Enganos, no ano de 1536. No teatro de Gil Vicente, conviveram elementos característicos do medievo e do humanismo. “Em seu teatro desfilava uma verdadeira fauna humana, conforme Saraiva, sendo suas personagens muito mais tipos que se comportam segundo automatis- mos inveterados”. Dentre os ‘tipos’ sociais que desfilam nas peças vicentinas, podemos mencionar como mais recor- rentes: a alcoviteira, o escudeiro pobre, o clérigo corrupto, a viloa casadoira, o almocreve, o sapatei- ro, os pajens etc. Todos são descritos com morda- cidade pelo dramaturgo. Gil Vicente foi autor e ator e suas representa- ções, cheias de improvisos já previstos, são ricas, densas e variadas. Sua galeria de tipos humanos é imensa: o padre corrupto, o cardeal ganancioso, o sapateiro que explora o povo, a beata, o médico incompetente, os aristocratas decadentes, etc. Seus personagens não têm nome - são sempre designados pela profissão, assim registrando os tipos sociais que faziam parte da sociedade da épo- ca. O teatro era sua arma de combate e de denúncia contra a imoralidade. Sua linguagem, bastante sim- ples, espontânea e fluente. Assim como os cenários e as montagens. A relevância das quarenta e quatro peças de Gil Vicente não se exauriu até os nossos dias, fossem elas autos ou farsas, tratassem de temas cotidianos, fantásticos ou religiosos. A genialidade e habilidade de Gil Vicente fizeram dele o maior dramaturgo português de todos os tempos. Trata-se do princípio intemporal que, se- gundo SARAIVA, caracteriza a arte de forma geral. Apostilas Solução - Professor Educação Básica – PEB II 96 Bibliografia para Língua Portuguesa Didaticamente, pode-se dividir em fases o teatro vicentino: a) 1.ª fase, de 1502 a 1514, em que a influência de Juan del Encina é dominante, sobretudo nos primei- ros anos, atenuando-se depois de 1510; b) 2.ª fase, de 1515 a 1527, começando com Quem tem farelos? e terminando com o Auto das Fadas: corresponde ao ápice da carreira dramática de Gil Vicente, com a encenação de suas melhores peças, dentre as quais a Trilogia das Barcas (1517-1518), o Auto da Alma (1518), a Farsa de Inês Pereira (1523), o juiz da Beira (1525); c) 3.ª fase, de 1528, com o Auto da Feira, até 1536, com a Floresta de Enganos, fase em que o dramaturgo intelectualiza seu teatro sob influência do classicismo renascentista. Os temas do teatro vicentino também variam: Teatro tradicional, predominantemente medie- val: são as peças de caráter religioso (Auto da Fé, o Auto da Alma), peças de assunto bucólico (Auto Pastoril Castelhano, o Auto Pastoril Português), as peças de assunto relacionado com as novelas de cavalaria (D.Duardos, Auto de Amadis de Gaula). Teatro atual: caracteriza-se por conter o retrato satírico da sociedade do tempo, em seus vários estratos, a fidalguia, a burguesia, o clero e a plebe (Farsa de Inês Pereira e em Quem tem farelos? (ou Farsa do Escudeiro), ou pelo teatro alegórico-crítico, como a Trilogia das Barcas. Sua obra, compilada por seu filho, Luís Vicente segue a seguinte divisão: 1) Obras de devoção (Monólogo do Vaqueiro, Auto Pastoril Castelhano, Auto da Alma, Auto da Feira, Trilogia das Barcas, etc.); 2) Comédias (Comédia do Viúvo, Comédia de Ru- bena, Divisão da Cidade de Lisboa, Floresta de Enganos); 3) Tragicomédias (Exortação da Guerra, Cortes de Júpiter, Frágoa de Amor; 4) Farsas (Quem tem farelos?, Auto da índia, O Velho da Horta, Inês Pereira, Juiz da Beira, Farsa dos Almocreves, etc.). Segundo o autor, “o teatro de Gil Vicente carac- teriza-se, antes de tudo, por ser rudimentar, primiti- vo e popular, muito embora tenha surgido e se te- nha desenvolvido no ambiente da Corte, para servir de entretenimento aos animados serões oferecidos pelo Rei”. IV – CLASSICISMO (1527-1580) PRELIMINARES O marco inicial do Classicismo português é em 1527, quando se dá o retorno do escritor Sá de Mi- randa de uma viagem feita à Itália, de onde trouxe as idéias de renovação literária e as novas formas de composição poética, como o soneto. O período se encerra em 1580, ano da morte de Luís Vaz de Camões e do domínio espanhol sobre Portugal. Para Massaud Moisés, o Renascimento foi deci- sivo para a Literatura Portuguesa. O Humanismo antecedeu ao Classicismo e preparou o movimento cultural, em especial “pela descoberta dos monu- mentos culturais do mundo greco-latino, de modo particular as obras escritas, em todos os recantos do saber humano, e por uma concepção de vida centrada no conhecimento do homem, não de Deus”. A descoberta do caminho marítimo para as Ín- dias, em 1498 por Vasco da Gama, e dois anos depois o "achamento" do Brasil, permitiram a Portu- gal gozar de um prestígio cultural e econômico, mesmo que momentâneo, no reinado de D. Manuel. Este otimismo ufanista chega ao fim com a bata- lha em Alcácer-Quibir, no ano de 1578, quando morre D. Sebastião e Portugal passa ao domínio espanhol. Sob Felipe II, Camões reflete essa atmos- fera de exaltação épica e desafogo financeiro que cruza as primeiras décadas do século XVI, mas não deixa de refletir também o desalento dos lúcidos perante a efêmera superioridade portuguesa através da fala do Velho do Restelo e do epílogo d’ Os Lu- síadas. Do Classicismo ao teocentrismo medieval, vai opor-se uma concepção antropocêntrica do mundo, em que o "homem é a medida de todas as coisas". Enfatiza-se a imitação dos autores clássicos gregos e romanos da antiguidade: Homero, Virgílio, Ovídio, etc.; uso da mitologia: Os deuses e as musas, inspi- radoras dos clássicos gregos e latinos aparecem também nos clássicos renascentistas (Em Os Lusí- adas: (Vênus) = a deusa do amor e (Marte) o deus da guerra, protegem os portugueses em suas con- quistas marítimas; predomínio da razão sobre os sentimentos: a linguagem clássica não é subjetiva nem impregnada de sentimentalismos e de figuras, porque procura coar, através da razão, todos os dados fornecidos pela natureza e, desta forma ex- pressou verdades universais; linguagem sóbria, simples, sem excesso de figuras literárias; idealis- mo: o classicismo aborda os homens ideais, libertos de suas necessidades diárias, comuns. Os personagens centrais das epopéias (grandes poemas sobre grandes feitos e atos heróicos) nos são apresentados como seres superiores, verdadei- ros semideuses, sem defeitos. amor Platônico: Os poetas clássicos revivem a idéia de Platão de que o amor deve ser sublime, elevado, espiritual, puro, não-físico; busca da universalidade e impessoalida- de. A obra clássica torna-se a expressão de verda- des universais, eternas e despreza o particular, o individual, aquilo que é relativo. O saber concreto, "científico" e objetivo, tende a valorizar-se em detri- mento do abstrato; notável avanço opera-se no campo das ciências experimentais; a mitologia gre- co-latina, esvaziada de significado, passa a funcio- nar apenas como símbolo ou ornamento; em suma: o humano prevalece ao divino. Em 1527, depois de ausente seis anos, Sá de Mirandaregressa da Itália, impregnado das novas idéias. Apostilas Solução - Professor Educação Básica – PEB II Bibliografia para Língua Portuguesa 97 Introduziu, ou colaborou para introduzir o verso decassílabo, o terceto, o soneto, a epístola, a elegi- a, a canção, a ode, a oitava, a écloga, a comédia clássica (escreveu Os Estrangeiros em 1526). Tor- nou-se o principal divulgador do Classicismo, mas o papel de teórico do movimento coube a Antonio Ferreira. A ESTÉTICA CLÁSSICA Para Moisés, o classicismo consistia, antes de tudo, numa concepção de arte baseada na imitação dos clássicos gregos e latinos, considerados mode- los de suma perfeição estética. Imitar não significava copiar, mas criar obras de arte segundo as fórmulas, as medidas, empregadas pelos antigos. Estabelece-se, ou deseja-se, um equilíbrio entre Razão e imaginação, no afã de criar uma arte uni- versal e impessoal. Todavia, a universalidade e a impessoalidade implicavam uma concepção absolu- tista de arte onde provém que os clássicos renas- centistas procurem a Beleza, o Bem e a Verdade, com maiúsculas iniciais, em virtude dessa concep- ção absolutista e idealista de arte. Percebe-se por isso que os clássicos atribuíam à arte objetivos éti- cos, identificados com o Bem e a Verdade. O Classicismo português se inicia e termina com um poeta: Sá de Miranda e Camões. Numa visão de conjunto, este último é o grande poeta, enquanto os demais se colocam em plano inferior, naturalmente ofuscados pelo seu brilho. LUIZ VAZ DE CAMÕES Pouco se conhece da vida de Luís Vaz de Ca- mões. Escritor de dados biográficos muito obscuros, Camões é o maior autor do período. Teria nascido em 1524 ou 1525, talvez em Lisboa, Alenquer, Co- imbra ou Santarém. Pelo seu talento e cultura, teria provocado paixões entre damas da Corte, dentre as quais a lnfanta D. Maria, filha de D. Manuel e irmã de D. João III, e D. Catarina de Ataíde. Por causa desses amores proibidos, é "desterrado" algum tempo para longe da Corte, até que resolve "exilar- se" em Ceuta (1549), como soldado raso. Perde um olho, e regressa a Lisboa. Em 1552, na procissão de Corpus Christi, fere Gonçalo Borges, é preso e solto, em seguida, sob a condição de engajar-se no serviço militar ultramarino. Com efeito, em fim 1553, chega à Índia. Em 1556, dá baixa, e é nomeado "provedor mor dos bens de defuntos e ausentes", em Macau. Ali, teria escrito parte d'Os Lusíadas. Acusado de prevaricação, vai à Goa defender-se, mas naufraga na foz do rio Mecon: salva-se a nado, levando Os Lusíadas mas perdendo sua compa- nheira, Dinamene. Em 1572, Camões publica Os Lusíadas, poema épico que celebrava os recentes feitos marítimos e guerreiros de Portugal. A obra fez tanto sucesso que o escritor recebeu do rei D. Se- bastião uma pensão anual – que mesmo assim não o livrou da extrema pobreza que vivia. Camões mor- re pobre e abandonado, em 10 de Junho de 1580. Escreveu teatro ao modo vicentino (Auto de Filode- mo e El-Rei Seleuco) e ao clássico (Anfitriões), mas sem alcançar maior nível, relativamente à sua poe- sia e aos comediógrafos do tempo. Sua correspon- dência contém valor biográfico ou histórico-literário. A LÍRICA CAMONIANA Camões é grande, dentro e fora dos quadros literários portugueses, por sua poesia. Escreveu versos tanto na medida velha quanto na medida nova. Seus poemas heptassílabos, geral- mente são compostos por um mote e uma ou mais estrofes que constituíam glosas (ou voltas a ele). Os sonetos são a parte mais conhecida da lírica camoniana. As composições líricas de Camões oscilam entre dois pólos: o lirismo confessional, em que o autor dá vazão à sua experiência íntima, e a poesia pura arte, em que pretende transpor os sentimentos e os temas a um plano formal, lúdico. Em outras pala- vras, Camões demonstra, em seus sonetos, uma luta constante entre o amor material, manifestação da sensualidade e do desejo, e o amor idealizado, puro, espiritualizado, capaz de conduzir o homem à realização plena. Isso faz que o poeta abstraia a mulher, ou as mulheres, em favor da Mulher. Camões pinta com o auxílio da Razão o retrato da Mulher, formado da reunião de todas e de nenhuma em particular, por- que subordinado a um ideal de beleza perene e universal. . Nessa perspectiva, o poeta concilia o amor como idéia e o amor como forma, tendo a mulher como exemplo de perfeição, ansiando pelo amor em sua integridade e universalidade. O poeta procura conhecer, conceituar o Amor, o que só consegue realizar lançando mão de antíte- ses e paradoxo. A longa e dramática meditação acerca dos misté- rios do Amor, Camões acrescenta idêntica reflexão a propósito da condição humana. A vida, tema muito mais vasto que o da mulher e o amor, é que agora lhe interessa. Para tanto, porém, o poeta somente conta com o recurso da auto-sondagem, pois em si encontra a súmula da tragédia humana espalhada pelos quatro cantos do mundo. E à proporção que aprofunda a análise, vai reparando que uma espécie de fatalismo, o "fado", o impede mesmo de recorrer ao desespero. A mente se debate num mar de pa- radoxos e pensamentos desencontrados, e não pode interromper o processo nem com a ajuda da desesperação: é o desconserto do mundo. Em síntese, o núcleo da poesia reflexiva de Ca- mões: “a vida não tem razão de ser, e descobri-lo e pensá-lo incessantemente é inútil, além de perigoso, pois apenas acentua quão irremediavelmente mise- rável é a condição humana”. A POESIA ÉPICA DE CAMÕES Os Lusíadas representam a faceta épica da poe- sia camoniana. Considerada o "Poema da Raça", "Bíblia da Nacionalidade", etc., a epopéia constrói a visão do mundo e dos homens quinhentistas portu- gueses, retratando o exato momento em que Portu- gal atingia o ápice de sua evolução histórica. Recorre a todo material produzido por escritores portugueses anteriormente: Fernão Lopes, Gomes Eanes de Zurara, Garcia de Resende e Antonio Ferreira. Apostilas Solução - Professor Educação Básica – PEB II 98 Bibliografia para Língua Portuguesa O cerne da ação desenvolve-se em torno da viagem de Vasco da Gama às Índias. A palavra “lusíada” é um neologismo inventado por André de Resende para designar os portugueses como des- cendentes de Luso (filho ou companheiro do deus Baco). Contém 10 cantos, 1102 estrofes ou estâncias e, portanto, 8816 versos; as estâncias estão organiza- das em oitava-rima, Divide-se em três partes: 1ª parte: Introdução Estende-se pelas 18 estrofes do Canto I e subdivi- de-se em: Proposição: é a apresentação do poema, com a identificação do tema e do herói (constituem as três primeiras estrofes do canto I): o poeta se propõe cantar as façanhas das "armas e os barões assina- lados", isto é, os feitos bélicos de homens ilustres; Invocação: o poeta invoca as Tágides, musas do rio Tejo, pedindo a elas inspiração para fazer o poema. Dedicatória: o poema é dedicado a D. Sebastião, rei de Portugal, que custeou a publicação e uma pen- são vitalícia para seu autor. 2ª parte: Narração - (da estrofe 19 do Canto I até a estrofe 144 do Canto X), o poeta relata a viagem propriamente dita dos portugueses ao Oriente. 3ª parte: Epílogo. É a conclusão do poema (estrofes 145 a 156 do Canto X), onde o poeta pede às mu- sas que o inspiraram para calarem a voz de sua lira, pois está desiludido com uma pátria que já não me- rece as glórias do seu canto. Síntese do poema: quando a ação do poema co- meça (estância 19), as naus estão navegando pelo meio da viagem, em pleno Oceano Indico. No Olim- po, os deuses se reúnem em concílio, para decidir a sorte dos navegantes. Júpiter, Vênus e Marte são favoráveis à sorte dos portugueses e Baco é o opo- sitor ferrenho que fará o que puder para atrapalhar o feito daqueles que ofuscariamsuas façanhas. As agressões são poderosas, porém Vênus está atenta para protegê-los sutilmente. Durante a viagem, onde aportam, Vasco da Gama vai narrando a história dos portugueses, a partir da fundação da pátria, prosseguindo com uma série de episódios históri- cos: o de Egas Moniz, Inês de Castro, a batalha de Ourique, a batalha do Salado, a batalha de Aljubar- rota, a tomada de Ceuta, o sonho profético de D. Manuel, os aprestos da viagem, a fala do Velho do Restelo e a largada; a seguir, o Gama conta a pri- meira parte da viagem, cujas peripécias mais impor- tantes são: o fogo de Santelmo, a tromba marinha, a aventura de Veloso, o Gigante Adamastor, chegada a Melinde. Com a chegada a Calecut, Gama desembarca e é recepcionado pelo Samorim. Enquanto isso, Paulo da Gama recebe a bordo da nau capitania o Catual, a quem comunica o significado das figuras dese- nhadas nas bandeiras; uma última tentativa de Baco é desfeita e os navegantes devem regressar à Pá- tria. Na Ilha dos Amores, os navegantes são favore- cidos pelas ninfas em recompensa do heróico feito praticado. Após grande banquete, Tethys conduz Vasco da Gama ao ponto mais alto da ilha e desvenda-lhe a "máquina do mundo" e o futuro glorioso dos portu- gueses. Partida. Chegada a Portugal. Os Lusíadas representam o espírito novo trazido pela Renascença. A começar do herói, como o título indica, o herói desta epopéia é coletivo, os Lusíadas, ou seja, os filhos de Luso, os portugueses. PAPEL E SIGNIFICADO DA MITOLOGIA EM “OS LUSÍADAS” Camões utiliza a mitologia pagã pelas seguintes razões: - Obedece às regras da epopéia clássica: conter um plano mitológico com os deuses da sua civilização, e tal ato apenas revela o enorme conhecimento e a profunda admiração que Camões nutria pela Anti- guidade Clássica; - Assegura a ação interna do poema épico ao opor deuses e humanos, possibilitando a demonstração de emoções sem por isso enfraquecer o seu poder; - Embeleza a intriga, tornando a obra mais do que um especial relato de viagem, e criando outro ponto de interesse sem, porém, tirar a importância ao pla- no da narração; "enfeita", dando mais emoção à história, tornando-a mais uma espécie de “novela” do que apenas um “relatório”; - Mostra que até mesmo os deuses conseguem exprimir sentimentos como o amor, ódio, inveja e sensualidade; -Glorifica o povo português ao colocá-lo em cená- rios adversos criados pelos deuses, mas que ainda assim conseguem ser superados, criando uma comparação entre a força de ambos; - Evidencia a grandeza dos feitos portugueses co- mo: vencer o mar (Netuno), ultrapassar o gigante Adamastor e vencer as guerras (Marte); - Demonstra que os portugueses enquanto heróis são deuses, pois se tornam "imortais" pelos feitos praticados. Na verdade, o poeta se viu obrigado a colocar maior ênfase naquilo que era marginal ao eixo cen- tral da epopéia, como se pode observar na fisiono- mia de alguns episódios fundamentais: a Ilha dos Amores, os Doze de Inglaterra, Inês de Castro, o Gigante Adamastor, a fala do Velho do Restelo. Essas inovações ressaltam a criatividade de Ca- mões e a edificação duma epopéia renascentista, moderna. SÁ DE MIRANDA Escritor português, natural de Coimbra. De famí- lia fidalga, surge no Cancioneiro Geral de Garcia de Resende (1516), onde colaborou com poesias em português e em castelhano (como era habitual nos escritores da época). Em 1521, fez uma viagem à Itália, lá permanecendo até 1516 onde foi introduzi- do ao Renascimento italiano. Apostilas Solução - Professor Educação Básica – PEB II Bibliografia para Língua Portuguesa 99 Sá de Miranda foi o introdutor, na Literatura Por- tuguesa, do soneto, do terceto, da oitava, de subgê- neros poéticos como a canção, a carta, a écloga e a elegia, do verso decassílabo e da comédia clássica. Sá de Miranda concebeu as primeiras comédias clássicas portuguesas (Estrangeiros e Vilhalpan- dos), embora não tenha sido bem recebido pelo público, habituado aos autos à moda de Gil Vicente. Sá de Miranda deixou uma importante obra episto- lográfica e uma série de éclogas, entre outros tex- tos. A sua obra foi publicada postumamente, em 1595. Influenciou decisivamente escritores, seus contemporâneos e posteriores, como António Fer- reira, Diogo Bernardes, Pero Andrade de Caminha, Luís de Camões, D. Francisco Manuel de Melo ou ainda, mais recentemente, Jorge de Sena, Gastão Cruz e Ruy Belo, entre outros. A HISTORIOGRAFIA DE JOAO DE BARROS João de Barros é geralmente considerado o pri- meiro grande historiador português. Sua carreira literária iniciou-se muito jovem, com pouco mais de vinte anos, ao escrever um romance de cavalaria, a Crónica do Emperador Clarimundo, donde os Reys de Portugal descendem, dedicado ao soberano e ao príncipe herdeiro Dom João. Como A Demanda do Santo Graal, a novela é dominada por um tom mes- siânico: O advento do império português. Por sugestão de por Dom Manuel I, iniciou a escrita de uma história que narrava os feitos dos portugueses na Índia - as Décadas da Ásia (Ásia de Ioam de Barros, dos feitos que os Portuguezes fize- ram na conquista e descobrimento dos mares e terras do Oriente). Enquanto historiador e lingüista, João de Barros merece a fama que começou a correr logo após a sua morte. As "Décadas" são não só um precioso manancial de informações sobre a história dos por- tugueses na Ásia, mas, principalmente o início da historiografia moderna em Portugal e no Mundo. Obras de João de Barros: Crónica do Imperador Clarimundo, Rhopica pneuma ou Mercadoria Espiri- tual , Grammatica da Língua Portuguesa com os Mandamentos da Santa Madre Igreja, Diálogo da Viciosa Vergonha, Diálogo sobre Preceitos Morais, Diálogo Evangélico sobre os Artigos da Fé, Panegí- ricos: de D. João III e da Infanta D. Maria , Décadas da Ásia. Volumes I a IV entre outros. A LITERATURA DE VIAGENS Quanto à literatura de viagens é importante res- saltar o objetivo maior: transmitir a beleza deslum- brante das descobertas de novas esferas e paisa- gens. Dessa forma, nascem os relatos de viagens, roteiros, diários ou equivale, "reportagens" do mun- do que se alargava incrivelmente. Exemplos do gênero: História Trágico-Marítima, coletânea de relatos e naufrágios ocorridos nos séculos XV, XVI e XVII, organizada por Bernardo Gomes de Brito. As crônicas de viajantes como Francisco Álva- res, autor da Verdadeira Informação das Terras do Preste João (Abissínia); Fernão Cardim, autor dos Tratados da Terra e Gente do Brasil. Fernão Mendes Pinto é o maior representante do gênero e autor de uma das obras mais significativas do século XVI e de toda a literatura de viagens de qualquer tempo: Peregrinação (tudo começa em águas Portuguesas continentais, quando a caravela em que vai o narrador de Lisboa a Setúbal é aprisi- onada por piratas Franceses. Daí para frente, se- gue um rol de complicadas e pitorescas aventuras pelo Oriente). Fernão Mendes Pinto deixou um relato vivo e saboroso duma quase mítica experiência humana por terras e gentes da África e Ásia. O CONTO Segundo Massaud Moisés, “(...) o conto, de re- mota e vaga origem, cujas primeiras manifestações se localizam nas Mil e Uma Noites, foi pouco apre- ciado em Portugal antes do Romantismo’. O primei- ro nome que merece ser lembrado historicamente é o de Gonçalo Fernandes Trancoso, que escreveu breves narrativas de fundo moral, logo publicadas sob o título de Contos e Histórias de Proveito e E- xemplo. O êxito que de imediato conheceu não se alterou durante o século XVII, inclusive no Brasil, especialmente no Nordeste, onde passaram a cha- mar-se de "estórias de Trancoso" as narrativas po- pulares de imaginação e exemplo moral. Numa prosa desataviada, coloquial, ingênua, Trancoso mistura o sobrenatural com o real sem medo à inverosimilhança,aproveitando-se da tradi- ção oral e dos ensinamentos de contistas espa- nhóis, como D. Juan Manuel, e italianos, como Boccaccio, autor do conhecido Decamerone, do inglês Geoffrey Chaucer, autor de The Canterbury Tales, entre outros. A NOVELISTICA A novelística segue o espírito da cavalaria, que ainda teimava em subsistir em Portugal. A matéria cavaleiresca, que tinha sido cultivada na Idade Mé- dia, agora se nacionaliza e se aportuguesa, uma vez que surgem novelas de autores portugueses e de espírito português. Caracteriza-se por tentar manter vivo um ideal de vida próprio da Cavalaria medieval, mas adaptada ao Renascimento. O individualismo bélico cede lugar à guerra coletiva, aos torneios, em flagrante concessão ao aprimoramento operado na confecção de armas e às novidades em matéria de tática mili- tar. Já não se considerando como valoroso e digno de admiração o cavaleiro que luta mas o que ama. Embora de larga circulação na Espanha e Itália, em Portugal a novela bucólica e sentimental é re- presentada por Menina e Moça (ou Saudades, 1554), de Bernardim Ribeiro. Ao mistério que envol- ve a vida do escritor, é preciso acrescentar a dúvida que ainda paira sobre a identidade da novela. A narrativa divide-se em duas partes, a primeira com trinta e um capítulos, a segunda com cinqüenta e oito. Seu caráter bucólico e sentimental se revela pelo tom melancólico e pessimista que varre toda a novela. Duas são as interlocutoras, a Menina e Moça, que funciona como narradora, e a Senhora idosa. Apostilas Solução - Professor Educação Básica – PEB II 100 Bibliografia para Língua Portuguesa Ao contrário das novelas de cavalaria em que o protagonista é sempre o cavaleiro, a narrativa de Bernardim tem como centro de interesse a mulher e sua psicologia amorosa: evidente prenúncio da psi- cose romântica. O TEATRO CLÁSSICO O teatro clássico, quando comparado com o vigor, o brilho e a espontaneidade do teatro vicenti- no é secundário. De inspiração clássica (Plauto, Terêncio e Sêneca) teve como expoentes: Sá de Miranda (Os Estrangeiros, Os Vilhalpandos), Antonio Ferreira (A Castro, Bristo e Cioso), Jorge Ferreira de Vasconcelos (Aulegrafia, Eufrosina, Ulissipo). Merece destaque A Castro (Tragédia de D. Inês de Castro - publicada em 1587), de Antonio Ferrei- ra, que é a primeira tragédia clássica em português e uma verdadeira obra-prima no gênero. V – BARROCO (1580-1756) Em 1578, quando Dom Sebastião desaparece na batalha de Alcacer-Quibir é chegado o ocaso me- lancólico da pátria portuguesa. O barroco em Portu- gal desenvolve-se entre 1580 quando Portugal perde sua autonomia política, passando a integrar o reino da Espanha e vai até 1756 com a fundação da Arcádia Lusitana – uma academia poética -, e tem início um novo estilo: o Arcadismo. Moisés afirma que o movimento barroco, iniciado na Espanha e introduzido em Portugal durante o reinado filipino, corresponde a uma profunda trans- formação cultural, cujas raízes constituem ainda objeto de discussão e divergência. Para ele, o Barroco procurou conciliar o espírito medieval, considerado de base teocêntrica, e o es- pírito clássico, renascentista, de essência pagã, terrena e antropocêntrica. Entendendo que conhe- cer é identificar-se com, assimilar o objeto ao sujei- to, parece evidente que a dicotomia barroca (corpo e alma, luz e sombra, etc.) corresponde a dois mo- dos de conhecimento. cultismo e conceptismo: 1. Cultismo ou gongorismo - valorização de for- ma e imagem, jogo de palavras, uso de metáforas, hipérboles, analogias e comparações. Manifesta-se uma expressão da angústia de não ter fé. 2. Conceptismo ou quevedismo - valorização do conteúdo/conceito, jogo de idéias através do racio- cínio lógico. Há o uso da parábola com finalidade mística e religiosa. PADRE ANTONIO VIEIRA Nasceu em Lisboa e viveu no Brasil. Adquiriu prestígio junto à Corte por ser o confessor real. Per- seguido pela Inquisição por defender os judeus, volta ao Brasil onde passa a combater a escravidão dos indígenas e, com outros jesuítas, é expulso do Maranhão. Preso pela Inquisição, é proibido de pregar e condenado à prisão domiciliar. Sua atuação política, intimamente associada à sua obra, centralizou-se na defesa dos judeus, negros e índios. A obra do padre Vieira compreende: a) Cartas, sermões e obras de profecia (de inte- resse documental), Vieira trata de diversos assuntos relacionados à sua atuação e à questões políticas do momento em que vivia no Brasil). b) Sermões. O sermão consistia em interpretar o texto sagrado citado à cabeça do sermão. Segundo a exegética tradicional, o texto tinha quatro sentidos: o sentido literal ou histórico, o alegórico (maneira velada de manifestar uma verdade da fé), o moral (ensinamento sobre como se comportar na vida), o anagógico, relativo à outra vida. Os sermões vieirianos seguem a estrutura clás- sica tripartida: Intróito (ou exórdio), em que o orador declara o plano a utilizar na análise do tema em pauta: desenvolvimento (ou argumento), em que se apresentam os prós e os contras da proposição e os exemplos que os abonam; peroração, em que o orador finaliza a prédica conclamando os ouvintes à prática das virtudes que nela se enaltecem. Dono de uma linguagem dramática, ainda hoje a leitura dos sermões demonstram o autor e ator cheio de vigor e que surpreende a cada passo pelas respostas paradoxais que dá às perguntas que ele próprio faz ao texto pregado e a si mesmo. Uma das virtudes da eloqüência de Vieira é a chamada “propriedade”, ou a arte de encontrar as palavras mais próprias para o que se quer significar. A mais famosa criação da sua imaginação é a teoria do quinto império do mundo, sob a égide do rei de Portugal, que seria inaugurado com a segunda vin- da de Cristo a Terra e com a chegada do messias dos judeus: “seria D. João IV, quem estava destina- do a derrotar definitivamente os turcos e reconduzir os judeus dispersos no mundo à sua terra de ori- gem, a Palestina.” O quinto império tem a ver com a crença na missão providencial dos Portugueses (equivalente à dos Hebreus no seu tempo). A dou- trina do quinto império, tal como é tratada por Vieira, especialmente na sua obra incompleta História do Futuro, tem um lado prático: obter o regresso a Por- tugal dos judeus fugidos e seus capitais. Sua imaginação verbal, e o estilo de pensar, com os seus paradoxos, aproximam o Padre Antonio Vieira de Fernando Pessoa, que o considerava seu mestre e “imperador da língua portuguesa”. D. FRANCISCO MANUEL DE MELO Deixou uma obra vastíssima em português e em castelhano, repartida por todos ou quase todos os gêneros cultivados na época, até agora só parcial- mente publicados. Suas poesias são em parte cas- telhanas, em parte portuguesas, ao gosto gongóri- co. Escreveu, ainda, nas duas línguas tratados mo- rais, o mais célebres dos quais é a Carta de Guia de Casados, muito apreciada em Portugal, porque é a expressão mais completa de um certo modelo por- tuguês de vida conjugal. Deu a sua contribuição ao teatro com O Fidalgo Aprendiz, ao gosto vicentino, mas com personagens suas contemporâneas. So- bre o Brasil escreve: “paraíso de mulatos, purgató- rio de brancos e inferno de negros”. Apostilas Solução - Professor Educação Básica – PEB II Bibliografia para Língua Portuguesa 101 PADRE MANUEL BERNARDES Nasceu em Lisboa e compôs sua obra no silên- cio claustral. Sua existência e sua obra opõem-se às do Padre António Vieira. Era um contemplativo e místico por natureza, e as obras que escreveu, re- fletem essa condição e sua fé inquebrantável: “es- creveu suas obras com os olhos voltados para o plano transcendente, embora não se esquecesse de os dirigir igualmente para os seussemelhantes, dentro e fora dos mosteiros”. Deixou Nova Floresta (5 vols), Pão Partido em Pequeninos, Luz e Calor, Exercícios Espirituais, Últimos Fins do Homem, Armas da Castidade, Ser- mões e Práticas (2 vols, 1711), Estímulo prático para seguir o bem e fugir o mal. Segundo Moisés, o Padre Manuel Bernardes tornou-se um autêntico modelo da prosa literária seiscentista através da linguagem, conceptista, ele- gante, espontânea e precisa. A HISTORIOGRAFIA. A HISTORIOGRAFIA ALCOBACENSE Observa-se nítida regressão na historiografia seiscentista. É o que se nota claramente no caso da "historiografia alcobacense", assim chamada por ser escrita por algumas gerações de sacerdotes do Mosteiro de Alcobaça. Na obra coletiva, intitula-se Monarquia Lusitana, está presente uma concepção medieval e imaginosa da História, pois “seus autores não temeram incluir tudo quanto era fábula e mitologia relacionada com a história de Portugal, a começar de Adão e Eva, ao mesmo tempo que davam por verdadeiros docu- mentos apócrifos, ou inventavam-nos quando ne- cessários ao panorama que pretendiam oferecer”. FREI LUIS DE SOUSA Antes de entrar para a vida religiosa, chamava- se Manuel de Sousa Coutinho. Nasceu em Santa- rém, por volta de 1555, e faleceu em 1632. Depois de prestar serviços a Filipe II em Espanha, regressa a Portugal e casa-se com D. Madalena de Vilhena, viúva de D. João de Portugal, desaparecido em Alcácer-Quibir com D. Sebastião. Anos mais tarde, quer a lenda que um peregrino vem ter a Lisboa para dizer a D. Manuel que o primeiro marido de D. Madalena ainda é vivo em Jerusalém. A morte da filha do casal apressa a execução dum propósito anterior, e ambos tomam hábito, ele no Convento de S. Domingos de Benfica, onde assume o nome por que é conhecido, e ela, no do Sacramento. Essa história inspirou Garrett na composição de sua tra- gédia Frei Luís de Sousa, obra-prima no teatro ro- mântico. Escreveu: Vida de D. Frei Bartolomeu dos Mártires, História de São Domingos Particular do Reino, Conquistas de Portugal e Anais de D. João III. Contrariamente aos processos empregados em Alcobaça, Frei Luís de Sousa compõe sua obra com rigor e severidade na interpretação dos fatos e do- cumentos. Linguagem castiça, fluente, plástica, evitou os excessos barrocos, procurou a sobriedade na variedade, e acabou sendo um modelo da me- lhor prosa do século XVII. A EPISTOLOGRAFIA Durante o século XVII, a epistolografia ganhou fisionomia literária autônoma, como exercício literá- rio, onde o epistológrafo imaginava um destinatário qualquer ou dirigia-se a uma audiência fictícia. SÓROR MARIANA ALCOFORADO Nasceu em Beja e ingressa no Convento de Nossa Senhora da Conceição em sua cidade natal. Conhece e enamora-se por Chamilly, oficial Fran- cês servindo em Portugal durante as guerras da Restauração e quando ele volta para a França tro- caram correspondência e suas cartas são publica- das como “Lettres Portugaises”, sem declarar o nome do destinatário e o tradutor. No texto das cartas vinha o nome da remetente: Mariana. As cartas retratam segundo Moisés, “a sincera, franca e escaldante confissão duma mulher que se desnuda interiormente para o amante cínico, ingrato e ausente, com fúria de fêmea abandonada, sem qualquer rebuço ou pudor. (...) As Cinco Cartas de Amor, escritas por uma mulher, que alcança dizer com rara precisão os seus transes íntimos (via de regra mantidos ocultos ou disfarçados pelo comum das mulheres), ganham maior relevo ainda como documento "humano" e literário precisamente por- que não visavam à publicação nem a ser encaradas como peça literária (...)”. A POESIA BARROCA A poesia barroca corresponde mais ao culto da forma, do verso, que da essência, do conteúdo, do sentimento, da emoção lírica, ao contrário da litera- tura doutrinária e moralista. A poesia barroca em Portugal apresenta-se em poetas isolados e em antologias organizadas com idêntico espírito ao que presidiu à compilação dos cancioneiros medievais. A "Fenix Renascida" e o "Postilhão De Apolo" são as duas antologias mais importantes da poesia seiscentista em Portugal. O TEATRO DO SÉCULO XVIII Após Gil Vicente, o teatro português decai, ape- sar das obras e do empenho de alguns escritores como o Fidalgo Aprendiz, de D. Francisco Manuel de Melo, voltando a brilhar com o surgimento de Antônio José da Silva, alcunhado "o judeu". Nascido no Rio de Janeiro em 1705, criou um novo tipo de teatro. Sua primeira peça, A Vida do Grande D. Quixote de la Mancha e do Gordo San- cho Pança. Em “Guerras do Alecrim e Manjerona”, ele critica e satiriza “os fidalgos pretensiosos que galanteiam as primas aperaltadas no rebuscado estilo gongóri- co enquanto de caminho apalpam os braços roliços das criadas”. Antonio José satiriza o costume e, através dele, a sociedade lisboeta nos começos do século XVIII. Apostilas Solução - Professor Educação Básica – PEB II 102 Bibliografia para Língua Portuguesa Escreveu ainda: Esopaida ou Vida de Esopo, Encantos de Medéia, Anfitrião ou Júpiter e Alcmena, Labirinto de Creta, Precipício de Faetonte, além de outras peças que lhe tem sido atribuídas, como a Ninfa Siringa, e a novela O Diabinho da Mão Fura- da. Suas peças recebem o nome de óperas, pois eram acompanhadas de música e de canto. ARCADISMO (1756-1825) As primeiras manifestações anti-barrocas vem de longe: já na Fénix Renascida começaram a apare- cer notas satíricas contra alguns exageros barrocos e em 1756 é fundada a Arcádia Lusitana (símile da Arcádia Romana, fundada em Roma, em 1690), por iniciativa de Antonio Dinis da Cruz e Silva, Manuel Nicolau Esteves Negrão e Teotónio Gomes de Car- valho. A Arcádia Lusitana vigora até 1774. Seu lema - inutilia truncat - desejam testemunhar seu repúdio às "coisas inúteis" que adornavam pe- sadamente a poesia barroca, o objetivo é restaurar a autêntica poesia clássica. Assim, empreendem uma espécie de viagem no tempo, em busca das fontes originárias do Classicismo, aceitam o pasto- ralismo e a poesia camoniana, por coincidirem com o ideal que eles, os árcades, pretendem realizar. Vão em busca da Antiguidade greco-latina, na ideal e mitológica Arcádia, região grega de pastores e poetas vivendo em meio a uma natureza sempre idílica, localizam seus sonhos de plenitude poética. Trata-se de um exílio voluntário, uma vida em "torre- de-marfim". Segundo Moisés “é com base no mito da Arcádia que erguem suas doutrinas (...) procuram realizar obra semelhante à dos clássicos antigos (...) imita- rão dos modelos greco-latinos (...) elogio da vida simples, sobretudo em face da natureza, no culto permanente das virtudes do espírito; fuga da cidade para o campo (fugere urbem), pois a primeira é con- siderada foco de mal-estar e corrupção; desprezo do luxo, das riquezas e de todas as ambições que enfraquecem o homem; elogio da vida serena, plá- cida, pela superação estóica de todos os apetites menores; elogio da velhice como exemplo desse ideal tranqüilo da existência, da aurea mediocritas; elogio da espontaneidade primitiva, pré-civilizada; por outro lado, o gozo pleno da vida, minuto a minu- to, na contemplação da beleza e da natureza, pres- supõe certo epicurismo, que equilibra as tendências estóicas do movimento; por fim, a incidental presen- ça da Virgem Maria se explica por sua condição de neoclássicos católicos. Seguem os modelos antigos (defendem a sepa- ração de gêneros, a abolição da rima, o emprego de metros simples, o despojamento do poema, a impor- tância da mitologia), ao mesmo tempo em que pro- curam aproveitar-se da orientação racionalista de teóricos do tempo. Para que o "fingimento" poético seja completo, imaginam-se vivendo num mundo habitado por deu- ses e ninfas, numa natureza e num tempo absolu- tamente fictíciose adotam pseudônimos pastoris. POETAS DA ARCÁDIA LUSITANA Os poetas da Arcádia Lusitana são figuras meno- res em comparação com os poetas de outras esco- las portuguesas. António Dinis da Cruz e Silva, cujo pseudônimo arcádico era Elpino Nonacriense, foi juiz durante o inquérito em torno da Inconfidência Mineira, escre- veu Poesias (6 vols.), Metamorfoses (doze) em que o poeta mitifica a natureza brasileira, misturando realidade observada com imaginação e lenda. His- sope, poema herói-cômico em que faz a sátira do espírito feudal, escolástico e clerical. Pedro Antonio Correia Garção, ou Córidon Eri- manteu, mesclando a influência clássica com a qui- nhentista, nos legou: Obras Poéticas, Discursos Acadêmicos (proferidos nas reuniões da Arcádia Lusitana onde espelha suas principais idéias acerca das doutrinas arcádicas). O principal de sua obra é o teatro, para o qual escreveu a comédia Teatro Novo, e a comédia de costumes intitulada Assem- bléia ou Partida. A NOVA ARCADIA Fundada em 1790 por Domingos Caldas Barbo- sa tem como companheiros Belchior M. Curvo Se- medo, J. S. Ferraz de Campos e Francisco J. Bin- gre, Bocage, José Agostinho de Macedo, Luís Cor- reia França e Amaral, Tomás Antonio dos Santos e Silva, e outros. Predominou na Nova Arcádia a ora- tória e a poesia, desaparecendo divergências inter- nas, sobretudo entre Macedo e Bocage, em 1794. OS DISSIDENTES Outras arcádias existiram como a Arcádia Portu- ense, a Arcádia Conimbricense e os Árcades de Guimarães, além Arcádia Ultramarina, organizada em Minas Gerais, por Cláudio Manuel da Costa. Paralelamente, alguns poetas renegaram a Ar- cádia (como Bocage), ou fundaram outras agremia- ções para combatê-la (como Filinto Elísio, líder do Grupo da Ribeira das Naus), enquanto outros cria- ram obra autônoma, de onde o nome "dissidentes" ou "independentes", que por suas características podem ser classificados como pré-românticos, es- pecialmente a José Anastácio da Cunha, a Marque- sa de Alorna e Bocage. Filinto Elísio, pseudônimo arcádico do Pe. Fran- cisco Manuel do Nascimento é considerado o último legítimo árcade. Freqüentou a roda literária da mar- quesa de Alorna. Foi um dos autores da “guerra dos poetas”, ao lado do chamado “grupo da Ribeira das Naus”. Preceptor da futura Marquesa de Alorna e de sua irmã, cai na desgraça da Inquisição e evade-se para Paris, onde vive até o fim da vida e publica sua obra poética: Versos de Filinto Elísio. Pré-romântico pelo tom confessional de alguns poemas exerceu notável influência em vida e depois da morte, inclusive em Garrett. Em posição semelhante se coloca a Marquesa de Alorna (Leonor de Almeida de Portugal Lorena e Lencastre), adotou o pseudônimo de Alcipe. Apostilas Solução - Professor Educação Básica – PEB II Bibliografia para Língua Portuguesa 103 Importante pela vida que levou e pela atividade sócio-literária que exerceu, inclusive por influência à obra de Alexandre Herculano. Sua poesia, publi- cada em 1844, Obras Poéticas, oscila entre o culto dos clássicos e o dos românticos. BOCAGE O maior poeta do século XVIII português foi Ma- nuel Maria de Barbosa du Bocage, concorrente de Camões na vida e na obra. Foi membro da Nova Arcádia, teve uma vida aventurosa e inquieta, que ele próprio comparou com a de Camões, de quem admirava o lado “romântico” (avant la lettre) da sua vida e obra. Bocage foi talvez o autor dos melhores sonetos da língua portuguesa depois do seu mode- lo, foi também grande repentista e improvisador em assembléias e tornou-se efetivamente o autor mais popular e mais lembrado em Portugal até hoje, tal- vez por certa facilidade de verso e por certa vulgari- dade de situações em que se apresenta. Os român- ticos consideraram-no seu precursor e Herculano resumiu, provavelmente, um juízo coletivo quando escreveu que Bocage trouxe a poesia dos salões para a praça pública. Morre na miséria e arrependi- do pela vida desregrada que levou. Seu pseudôni- mo arcádico era Elmano Sadino, formado com as letras do seu prenome e do rio Sado, que banha Setúbal, sua terra natal. Em sua vida, Bocage publi- cou Idílios Marítimos recitados na Academia das Belas-Artes de Lisboa e as Rimas. Postumamente, Obras Poéticas e Verdadeiras Inéditas Obras Poéti- cas. Segundo Moisés “existem dois Bocages: o que o vulgo fixou através de anedotas, verdadeiras al- gumas e falsas outras, mas todas raiando na obs- cenidade grosseira, e o que a tradição literária nos legou. Este é que importa, pois o primeiro segue trajetória secundária e infensa a qualquer configura- ção, visto o povo atribuir-lhe todos os ditos picantes que, não tendo paternidade conhecida, devem for- çosamente pertencer a alguém. (...) O segundo Bocage escreveu uma vasta obra poética fracionada em dois sectores fundamentais: o satírico e o lírico. Quanto ao primeiro, Bocage alcançou ser estrela de primeira grandeza, ao lado dum Gregório de Matos, graças ao temperamento agressivo, impulsivo, cor- tante, amparado no dom da improvisação feliz e certeira. Contudo, a sátira ocupa lugar menos rele- vante em sua obra, seja porque de cunho pessoal e bilioso, seja porque dura tanto quanto o aconteci- mento que lhe dá causa e sentido”. VII – ROMANTISMO (1825-1865) O Romantismo é a expressão literária e plástica da consciência burguesa. Acredita no progresso, porque o progresso foi a mola econômica da bur- guesia; entoa o canto da liberdade, porque para o burguês parece evidente que a liberdade não é se- não o exercício do poder por ele próprio; exalta o sentimento contra a barreira das convenções, por- que o sentimento é ele e as convenções são as sobrevivências das barreiras sociais que ainda se opõem à sua caminhada triunfal; inventa a alma do povo, ou o espírito nacional, porque se considera o legítimo representante desses mitos; reinventa a história porque a história lhe permite reconstituir um pergaminho coletivo e apresentar-se como sendo ele o verdadeiro nobre, o representante das gera- ções que, durante séculos, desbravaram o caminho da liberdade. O romantismo português normalmente é associ- ado à revolução liberal de 1834. Essa revolução representa um corte com a tradição, pois confiscou os bens da nobreza, da Igreja e aboliu as ordens religiosas. Era necessário criar uma nova literatura, com novas formas e novos temas, para uma nova sociedade, uma vez que os românticos da primeira geração ainda estavam muito ligados aos árcades. Garrett e mesmo Herculano, ambos conheceram “in loco” o novo gosto literário, porque foram força- dos a emigrar para a Inglaterra, como refugiados políticos. Antônio Feliciano de Castilho procurou mostrar-se ao corrente da moda romântica em o- bras como A Noite do Castelo, de cenário afetada- mente medieval. Didaticamente, costuma-se dividir o romantismo em três fases: a) 1ª fase (de 1825 a 1838): momento, ainda, em que atuam os valores neoclássicos. São represen- tantes dessa fase Almeida Garret, Alexandre Hercu- lano e Antônio Feliciano de Castilho. b) 2ª fase (de 1838 a 1860): há, então, a incorpora- ção do chamado movimento ultra-romântico. Camilo Castelo Branco é seu principal representante. c) 3ª fase (de 1860 a 1865): fase de transição para o Realismo. Tem como representantes Júlio Dinis e João de Deus. Além das características gerais (individualismo e subjetivismo, ânsia de liberdade, culto da natureza, idealização da mulher, insatisfação ou “mal do sécu- lo”, etc.), convém destacar que o Romantismo por- tuguês caracteriza-se por um retorno ao passado. Os escritores portugueses procuram ambientar seus romances na Idade Média, tentando recuperar ide- ais de hora e coragem. Esta tendência dá forte cu- nho nacionalista às obras do Romantismo portu- guês, pois ao evocar o passado, exalta-se a Pátria, cultuam-se as tradições lusitanas. Trata-se da evo- caçãosaudosista de um passado de glórias. O PRIMEIRO MOMENTO DO ROMANTISMO O primeiro "momento" romântico, que se desen- volve mais ou menos entre 1825 a 1838. O Roman- tismo foi introduzido em Portugal por Almeida Gar- ret, com a publicação, em 1825, do poema Camões, obra que, apesar de não representar fielmente os ideais românticos, traz consigo algumas caracterís- ticas deste movimento literário. GARRETT O Romantismo, em Portugal, teve como marco a publicação do poema “Camões”, de Almeida Gar- rett, em 1825, a partir do exílio, na Inglaterra e pos- teriormente na França. Garrett, através destas cir- cunstâncias, parece ter compreendido a necessida- de de existir um novo gênero de relações entre o escritor romântico e o novo público, isto é, os espec- tadores do escritor passam a ser o povo e burguesi- a, e a sua obra a maneira de chegar até este. Se- gundo Garrett, o novo público desejava assuntos sentimentais e focados na recuperação do naciona- lismo posto de lado pela cultura clássica. O seu principal modelo literário é Filinto Elísio. Apostilas Solução - Professor Educação Básica – PEB II 104 Bibliografia para Língua Portuguesa Em Camões, poema narrativo em torno de um herói byroniano, Garret canta as amarguras e a saudade da pátria. As descrições remetem ao cená- rio romântico, os versos brancos (não rimados). Já no prefácio, o autor afirma o seu nacionalismo e declara não ser clássico, nem romântico, repudian- do, tanto as regras de Aristóteles e Horácio, como a imitação de Byron, anunciado seguir apenas "o co- ração e os sentimentos da natureza". Em “D. Branca”, obra contemporânea de “Ca- mões”, reconta a história em verso de uma infanta portuguesa raptada pelo último rei mouro, introdu- zindo ingredientes exóticos, folclóricos e mágicos, orientais e medievais. A obra Viagens na minha terra, em seu conjunto, narram um passeio pelas paisagens portuguesas. Obra híbrida em que impressões de viagem, de arte, paisagens e costumes se entrelaçam com uma novela romântica sobre fatos contemporâneos do autor e ocorridos na proximidade dos lugares descri- tos. A naturalidade da narrativa disfarça a complexi- dade da estrutura desta obra, em que alternam e se entrecruzam situações discursivas, estilos, narrado- res e temas muito diversos, em especial críticas sociais e políticas. Garrett inovou também na poesia. Em Flores sem fruto e Folhas caídas, introduz a espontaneidade e a simplicidade como em "Pesca- dor da barca bela", pela proximidade com a poesia popular ou das cantigas medievais. A liberdade métrica, o vocabulário corrente, o ritmo e a pontua- ção são marcas de sua obra. Garrett empenhou-se intensamente na renova- ção do teatro em Portugal, objetivando uma produ- ção de qualidade que elevasse o gosto e a cultura do povo. Sua vocação pela dramaturgia está repre- sentada pelas obras: Um Auto de Gil Vicente, O Alfageme de Santarém, Frei Luís de Sousa, D. Fili- pa de Vilhena, além das comédias, Falar verdade a mentir, Profecias do Bandarra, Um Noivado no Da- fundo, entre outras. Frei Luís de Sousa é indubita- velmente o que melhor realiza o seu ideal de sobri- edade artística, combinando o fato da tragédia clás- sica e a atualidade do drama familiar, permanece ainda hoje um texto modelar da literatura dramática nacional. É, segundo Saraiva, “um dos pontos mais altos atingidos pela Literatura Portuguesa”. ALEXANDRE HERCULANO Alexandre Herculano nasceu em Lisboa, em 1810. De família modesta, não pode fazer curso universitário, entretanto, fez vários cursos entre os quais o curso de Diplomática na Torre do Tombo, onde conhece a Marquesa de Alorna. Herculano exilou-se na Inglaterra e na França, criando polêmica com o clero, por participar da lutas liberais. Em 1836, inicia sua carreira de prestígio intelec- tual com a publicação d’ A Voz do Profeta. Nos anos seguintes, inicia a publicação de suas obras de fic- ção: as Lendas e Narrativas, O Bobo, o Monge de Cister. É a fase mais intensa de sua atividade literária, e política, na defesa das idéias liberais. Interpretan- do com desassombro e espírito crítico alguns fatos da história de Portugal, como a batalha de Ourique, cujo aspecto lendário destrói com sólida argumenta- ção, acaba provocando enérgica reação do clero. Junto com Garrett, foi um intelectual que atuou bas- tante nos programas de reformas da vida portugue- sa. Herculano é o verdadeiro teorizador do Roman- tismo em Portugal. Pensava que uma revolução política e social se devia refletir na literatura. Assim, na ficção de Herculano, prevalece o caráter histórico dos enredos voltados para a Idade Média, enfocan- do as origens de Portugal como nação, temas de caráter religioso e na sua obra não-ficcional, reno- vou a historiografia, introduzindo o conflito de clas- ses sociais para explicar a dinâmica da história. Segundo Moisés, “Alexandre Herculano é diame- tralmente oposto a Garrett em todos os aspectos: personificação da sobriedade, do equilíbrio, do rigor crítico; espírito germânico, dir-se-ia, enquanto o outro é latino, sobretudo francês. A obra de Hercu- lano reflete-lhe o temperamento e o caráter: mante- ve-se imperturbável na posição de homem que ape- nas se julga convicto das idéias que defende depois de longa e cuidadosa meditação. Daí sua intransi- gência e sua indignação diante da pouca receptivi- dade de suas idéias”. Suas principais obras são: poesia (A Vox do Profeta, mais adiante incluído na Harpa do Crente), romances (O Bobo, O Monge de Cister, Eurico, o Presbítero), contos (Lendas e Narrativas), historio- grafia (História de Portugal, História da Origem e Estabelecimento da Inquisição em Portugal, Portu- galiae Monumenta Historica). Impõe-se observar que o forte de Herculano era a historiografia, por se identificar com o mais íntimo de seu temperamento e formação, e a tal ponto que tudo quanto escreveu reflete essa afinidade e pre- disposição. Para Massaud Moisés, “embora romântica pelos temas, a poesia de Herculano caracteriza-se por uma contensão que jamais cede a qualquer impulso para o derramado. Antes, solene, hierática, teatral, majestosa, é mais poesia pensada que sentida, denotadora duma inautêntica inclinação para o gê- nero: tendo-a cultivado apenas nos anos juvenis (...). De sua poesia merece algum destaque o poe- ma "A Cruz Mutilada", onde perpassa, apesar de tudo, muito pensamento sem emoção, além de sub- sistir a tendência para o declamatório altissonante”. Em sua essência, Herculano era demasiado histori- ador para se entregar a uma visão poética do mun- do e dos homens: faltava-lhe a necessária imagina- ção transfiguradora da realidade sensível, e sobeja- va-lhe o espírito crítico e a erudição. ANTONIO FELICIANO DE CASTILHO Castilho nasceu em Lisboa, em 1800 e aos seis anos, acometido de sarampo, fica praticamente cego para o resto da vida. Com a ajuda de seu ir- mão Augusto Frederico de Castilho, faz o curso secundário e ingressa na Faculdade de Cânones de Coimbra. Apostilas Solução - Professor Educação Básica – PEB II Bibliografia para Língua Portuguesa 105 Publica as Cartas de Eco e Narciso e A Primave- ra e se torna figura central da Sociedade dos Ami- gos da Primavera, organizada em sua homenagem. Em 1865, provoca a Questão Coimbrã com sua carta-posfácio ao Poema da Mocidade, de Pinheiro Chagas. Cercado de glória e do carinho de seguido- res fiéis, falece em 1875, em Lisboa. A carreira poética de Castilho inicia-se sob a égide do Arcadismo, especialmente de Bocage, quando escreve Cartas de Eco e Narciso, A Prima- vera e Amor e Melancolia. Em 1836, publica suas obras sob a influência romântica: A Noite do Castelo e Os Ciúmes do Bardo, seguidos mais adiante de Escavações Poéticas. O SEGUNDO MOMENTO DO ROMANTISMOO segundo "momento" romântico, que se desen- volve mais ou menos entre 1838 e 1860, diverge segundo Moisés, do anterior: desfeitos os laços arcádicos que inibiam os escritores do tempo, entra um período que corresponde ao pleno domínio da estética romântica. Soares de Passos nasceu no Porto, de família burguesa, vê-se obrigado a trabalhar no balcão do armazém paterno enquanto faz seus estudos. Vai estudar Direito em Coimbra, onde funda O Novo Trovador. Já formado recolhe-se no seu quarto me- ses a fio, indiferente a tudo, inclusive à poesia, em virtude da tuberculose adquirida nos tempos da faculdade. Soares de Passos reuniu suas composições num volume, Poesias, onde se entrega a um negro pes- simismo, a um desalento derrotista, próprio de quem sente a morte próxima e cultiva sua presença, um tanto por morbidez, um tanto por "literatura": é a poesia da decomposição, do cemitério, como em "O Noivado do Sepulcro." Segundo Herculano, o poeta estaria “destinado a ser o primeiro poeta lírico português deste século”. Soares de Passos constitui a encarnação perfeita do "mal-do-século", pois viveu segundo Moisés, “na própria carne os desvarios de que se nutria sua fértil imaginação de tuberculoso narcisista e misantropo, sua vida e sua obra espelham claramente o prazer romântico da fuga, fuga, no caso, das responsabili- dades concretas do mundo social”. CAMILO CASTELO BRANCO Camilo transita do Ultra-Romantismo para um Naturalismo coerente com suas tendências de cro- nista da sociedade burguesa da segunda metade do século XIX. Reflete a angústia do ideal romântico e o desmontar das novas correntes ideológicas de origem Francesa. A biografia de Camilo é uma no- vela camiliana. Filho bastardo, órfão de pai e mãe desde a infância, ficou aos cuidados de parentes religiosos em Trás-os-Montes, onde foi iniciado no latim e conheceu a literatura dos seiscentistas e onde, também, “aprendeu a caçar bichos e rapari- gas, iimpulsivo participou de guerrilhas miguelistas. Batia-se com freqüência em jornais e duelos por amores e por rixas literárias. Viveu amores passa- geiros e escândalos pessoais até seu grande ro- mance da vida real, quando conheceu Ana Plácido. Ela fugiu do marido para viver com ele, o que era neste tempo um escândalo passível de ação judiciá- ria. O casal passa algum tempo como fugitivos, escondendo-se de terra em terra, até que os dois amantes se vêem forçados a entregar-se à prisão, onde Camilo escreveu seu romance “Amor de Per- dição”. Julgados e absolvidos, posteriormente se casaram. Por fim, a cegueira, o levou a matar-se. Na vastíssima produção de Camilo, é possível distinguir o romance-folhetim, à maneira de Eugênio Sue ou Alexandre Dumas: Mistérios de Lisboa, Livro Negro do Padre Dinis; o romance do amor trágico: Amor de Perdição; o romance-sátira: A Queda de Um Anjo, O Que Fazem Mulheres; o romance de costumes aldeãos: Novelas do Minho, Brasileira de Prazins; o romance histórico: O Judeu, O Olho de Vidro; o romance naturalista, que caricaturou: n’A Corja e n’O Eusébio Macário. O pensamento mais profundo dos enredos cami- lianos pode talvez considerar-se como tipicamente pré-romântico. Quem quer que se interponha no caminho dos amantes aparece sob uma capa de ridículo ou de odioso. A mulher de todas as condi- ções é quase sempre o anjo adorável, capaz de todas as abnegações e sacrificada ao egoísmo, à vaidade ou ao simples capricho masculino. Os he- róis dos seus romances, freqüentemente, são ma- nequins que vestem sentimentos emprestados pelo autor, e a sua vida psicológica desenvolve-se de maneira forçada e incoerente. Camilo é talvez o único escritor português da estirpe de Balzac. No entanto, falta-lhe objetividade e o espírito analítico que caracterizam o escritor realista. Tende a oscilar entre o lirismo e o sarcas- mo. Freqüentemente, em vez de retrato, faz carica- tura. Não é por acaso que a expressão “novela ca- miliana” é freqüentemente usada, em vez de ro- mance de Camilo: a diferença entre um e outro é que na novela camiliana a ação é uma sucessão de acontecimentos independente da dimensão tempo, que tem grande importância no romance de Dickens ou de Balzac. O TERCEIRO MOMENTO DO ROMANTISMO Esse período é marcado pela presença de auto- res como os poetas João de Deus, Tomás Ribeiro, Bulhão Pato, Xavier de Novais e Pinheiro Chagas, e do romancista Júlio Dinis. João de Deus foi um lírico de vibração interior ficando à margem das marcas do tempo e do meio. Mantendo-se fiel até o fim a um desígnio estético e humano que lhe transcendia a vontade e a vaidade. Contemplativo por excelência, sua poesia é a dum "exilado" na terra a mirar coisas vagas e por vezes a se deixar estimular concretamente. Cultiva os mes- tres Tomás Antonio Gonzaga, Camões, Dante, Pe- trarca e a Bíblia. Entre suas obras, destacam-se Campos de Flores. Manuel Pinheiro Chagas teve em Castilho seu grande mestre. Seu Poema da Mocidade motivou a Questão Coimbrã, começo da batalha entre român- ticos e realistas, em virtude da apresentação escrita por Castilho, onde tece elogios aos ultra-românticos e critica os jovens que começam a fazer a literatura realista. Apostilas Solução - Professor Educação Básica – PEB II 106 Bibliografia para Língua Portuguesa Júlio Dinis Os seus enredos ambientam-se entre o meio mercantil do Porto ou a vida doméstica no campo em casa de proprietários-lavradores. Nos romances ambientados no Porto como “Uma Família Inglesa”, a ação gira em torno da praça, onde pululam o grande e o pequeno comerciante, o guarda-livros, o rapaz dos recados, o caixeiro, o capitalista reforma- do, o rico filho-família herdeiro de uma grande firma. Quando nos transporta para a aldeia como em “As Pupilas do Senhor Reitor”, “A Morgadinha dos Canaviais”, “Os Fidalgos da Casa Mourisca”, o am- biente é mais convencional: a casa do lavrador a- bastado, pintada de maneira muito vaga, com cores frescas, novas, e principalmente o coração dos me- xericos da terra: a venda, onde se reúnem os lavra- dores, o brasileiro, o morgado decadente, o candi- dato a deputado e, de passagem, a beata da aldeia ou a criada do Senhor Abade, o ambiente burguês do proprietário ou ao solar do velho fidalgo. Seus tipos são magistralmente caracterizados com uma leve formação caricatural e humorística, o que não exclui a ternura. Júlio Dinis deu um passo decisivo na nossa pro- sa de ficção ao criar em Portugal o gênero burguês e moderno por excelência, o romance “contemporâ- neo”, amparado certamente por um público que tivera tempo de amadurecer desde os primeiros ensaios do romance histórico. O TEATRO NA ERA ROMÂNTICA O teatro português retorna no romantismo, gra- ças ao esforço despendido por Garrett, a grande figura da época. Com seu dinamismo e imaginação reformou o gênero através de suas obras de feição nacional e de alto sentido patriótico, uma das quais é obra-prima da dramaturgia Portuguesa e européia, o Frei Luís de Sousa. VIII – REALISMO (1865-1890) Nos anos seguintes a 1860, o Romantismo entra em declínio e sofre os primeiros ataques por parte da nova geração que surge, os rebeldes estudantes de Coimbra. Em 1861, Antero de Quental funda a Sociedade do Raio, com cerca de duzentos estudantes de Co- imbra, com o objetivo de instaurar a aventura do espírito no seio do convencionalismo acadêmico e político. Num gesto de ousadia, Antero em 1862, escolhido para saudar o Príncipe Humberto da Itália, exalta a Itália livre e Garibaldi, então ferido em com- bate. Empolgados pelas novas idéias revolucionárias, Teófilo Braga publica dois volumes de versos, a Visão dos Tempos e as Tempestades Sonoras, e Antero edita as Odes Modernas. Enquanto isso, no ultra-romantismo, Pinheiro Chagas escreve o Poema da Mocidade e Castilho, seu mestre nas Letras, escreve emum posfácio onde exalta o fiel discípulo e critica os jovens de Coimbra, em especial Antero e Teófilo, afirmando que lhes falta talento e gosto refinado. Estava armada a polêmica, que passou a cha- mar-se Questão Coimbrã: uma intensa polêmica em torno do confronto literário entre os ultra românticos liderados por Castilho e os jovens estudantes de Coimbra, cujo líder era Antero de Quental, iniciada após a publicação do livro Poema da Mocidade, de Pinheiro Chagas, onde Castilho escreve um posfá- cio ironizando os jovens de Coimbra com o título "Bom senso e Bom gosto". Os jovens reagem: Ante- ro escreve o folheto "A Dignidade das Letras e as Literaturas Oficiais", Teófilo de Braga escreve o folheto "Teocracias Literárias". Ramalho Ortigão e Camilo Castelo Branco destacam-se na defesa de Castilho. Esta polêmica durou meses, com freqüen- tes publicações críticas de ambos os lados, termi- nou com a vitória dos ideais da Geração de 1870, o que provocou uma autêntica renovação cultural e a afirmação do realismo. Mais tarde, este grupo com alguns acréscimos promove, em 1871, As Conferências Democráticas do Cassino Lisbonense, objetivando colocar Portu- gal na modernidade, “estudando as condições de transformação política, econômica e religiosa da sociedade portuguesa". Com a Questão Coimbrã, estava definida a crise de cultura que inicia o Realismo em Portugal. POESIA DA ÉPOCA DO REALISMO A poesia do Realismo retoma o prestígio lírico de Bocage e Camões seguindo várias direções: a po- esia "realista", a poesia do quotidiano, a poesia metafísica e a poesia de aspiração parnasiana. Sem se confundir com o Parnasianismo, teve caráter revolucionário, serviu como arma de combate, de ação, em suma, poesia "a serviço" da causa realis- ta. Entre os poetas destacam-se Guerra Junqueiro, Gomes Leal, Antero de Quental, Teófilo Braga e outros. A POESIA METAFÍSICA: ANTERO DE QUENTAL Contrapondo-se à poesia, a poesia metafísica ou transcendental busca responder às indagações que a consciência do homem formula: "que sou?", "por que sou?", "de onde vim?", "para onde vou?", "que é que vale?", "por que a morte?", etc. Nessa época, esse gênero de poesia encontra o seu mais alto representante, Antero de Quental, porém continua presente em Fernando Pessoa, Mário de Sá- Carneiro, José Régio, Miguel Torga e outros. Para Moisés, “a poesia metafísica nasceria sem- pre como uma via de escape à angústia geográfica histórica e cultural em que vive o homem português, encurralado num território diminuto entre o continen- te europeu e o Oceano Atlântico, a sonhar glórias perdidas no século XVI”. De educação católica e de família conservadora, de caráter profundamente religioso, sofreu um pro- fundo abalo ao encontrar-se num meio onde pene- travam idéias e leituras que confrontavam sua cren- ça tradicional. Crente na razão e na justiça, como o tinha sido na fé, questionou e promoveu marchas e protestos contra a academia, a sociedade, a literatura. Apostilas Solução - Professor Educação Básica – PEB II Bibliografia para Língua Portuguesa 107 A publicação de seus primeiros versos confirma- lhe o renome e insinua-lhe um caminho para o futu- ro. Publica em 1865 uma obra intitulada Odes Mo- dernas, em cujo prefácio declara que “a Poesia é a voz da Revolução” e o poeta é o arauto do futuro que, juntamente com as Tempestades Sonoras e a Visão dos Tempos, de Teófilo Braga, publicadas no ano anterior, desencadeiam a revolução literária chamada Questão Coimbrã. Em 1871, organiza as Conferências do Casino Lisbonense e nos anos seguintes, procura instalar em Portugal o pensamento socialista. Desiludido, afasta-se do convívio social, imerso em seu drama e na meditação das idéias igualitárias que idealizara concretizar, já sentindo os sintomas duma misterio- sa moléstia que o acompanhará até o fim dos dias. Antero viveu uma vida torturada procurando concili- ar idéias opostas, entretanto não obteve resultados concretos uma vez que sua vocação seguia para a contemplação ou para a especulação metafísica, e não para o combate ativo. Suicida-se em 11 de setembro de 1891, com dois tiros na boca, desalentado, deprimido, sentindo fechadas as portas que o conduziria de regresso aos mitos da infância. Antero cultivou a poesia e a prosa polêmica e filosófica. No primeiro caso, temos: Odes Modernas (1865), Primaveras Românticas. Versos dos Vinte Anos (1871), Sonetos Completos (1886), Raios de Extinta Lux (1892). No segundo, seus escritos estão coligidos em três volumes: Prosas (1923, 1926, 1931). Para a compreensão do caso anteriano, ain- da possuem interesse as Cartas de Antero de Quental (1921), as Cartas Inéditas de Antero de Quental a Oliveira Martins (1931) e as Curtas a An- tonio de Azevedo Castelo Branco (1942). Segundo Moisés, a poesia de Antero é para sen- tir e compreender ao mesmo tempo, pois só assim, vendo as duas formas de conhecimento fundidas, é possível entender e julgar seu autor, um dos maio- res ícones poéticos de Portugal, ao lado de Ca- mões, Bocage e Fernando Pessoa. A PROSA REALISTA. O ROMANCE No Realismo, o romance abandona o esquema do Romantismo, segundo o qual a prosa de ficção era baseada na intriga e visava ao entretenimento, e passa a ser obra de combate e arma de ação re- formadora da sociedade burguesa dos fins do sécu- lo XIX, ressurgindo como instrumento de ataque e demolição. Procurando mostrar os erros básicos da mentalidade romântica, o romance realista (e o na- turalista) propõe-se a desmascarar que os três po- deres sobre os quais se apoiava o estilo de vida em moda no Romantismo, não tinham mais consistên- cia e força suficientes para resistir ao impacto das novas descobertas científicas e filosóficas da se- gunda metade do século XIX. Em síntese, a Bur- guesia, como classe social dominante, a Monarquia, como classe imperante e reinante, e o Clero, como força ideológica desse organismo social, não eram capazes de transformar-se e adaptar-se aos novos tempos. A esse intento reformador se juntava a preocupação de criar obra artística, o que implicava em considerar o romance com muita seriedade. A criação artística não se fazia mais em clima de febre ou de fogosa inspiração. O trabalho estético passa a ser encarado como sendo tão demorado e paciente quanto o científico, nos laboratórios ou nas pesquisas de campo. Por isso, o entrecho, a intriga, é sempre, ou quase sempre, comum, trivial, girando em torno do casamento frustrado e do conseqüente adultério. O valor do romance está nessa análise e na intriga e na preocupação com o estilo. O grande expoente foi Eça de Queirós. EÇA DE QUEIRÓS José Maria Eça de Queirós nasceu na Póvoa de Varzim, estuda Direito em Coimbra, liga-se a uma ruidosa geração acadêmica, conhece Antero e inicia sua carreira literária com a publicação de folhetins, mais tarde reunidos sob o título de Prosas Bárbaras. Não participa diretamente da Questão Coimbrã, porém mais tarde liga-se ao grupo do Cenáculo e participa das Conferências do Cassino Lisbonense em 1871. Eça de Queirós tornou-se um dos maiores pro- sadores em Língua Portuguesa, sendo considerado por Massaud Moisés um divisor de águas lingüístico entre a tradição e a modernidade. Cultivou o roman- ce, o conto, o jornalismo, a literatura de viagens e a hagiografia. Moisés organiza sua rica produção em três fa- ses: a) A primeira fase, de indecisão, preparação e pro- cura, traz um escritor ainda jovem e romântico, co- meça com Prosas Bárbaras, e termina em 1875, com a publicação de O Crime do Padre Amaro. Pertencem ainda a essa fase: Prosas Bárbaras, O Mistério da Estrada de Sintra, As Farpas. b) A segunda fase onde o autor adere às teorias do Realismo passa a escrever obras de combate às instituições vigentes (Monarquia, Igreja, Burguesia). São romancescomprometidos com a geração de 1870 e traçam um retrato da sociedade Portuguesa contemporânea, erguido em linguagem original, plástica, já impregnada daquelas qualidades carac- terísticas de seu estilo: naturalidade, fluência, vigor narrativo, precisão, "oralidade" além de certo lirismo melancólico, da sátira e a ironia. Pertencem a esta fase: O Crime do Padre Amaro, O Primo Basílio, A Relíquia e Os Maias. c) A terceira e última fase da carreira de Eça de Queirós onde o escritor resolve erguer uma obra de sentido construtivo, fruto da dolorosa consciência de ter investido inutilmente contra o burguês e a famí- lia. Ao derrotismo e pessimismo analítico da etapa anterior, sucede um momento de otimismo, de es- perança e fé, mas tendo por base o culto dos valo- res da Alma e do Espírito. A Ilustre Casa de Rami- res, A Correspondência de Fradique Mendes e A Cidade e as Serras. “Prosas Bárbaras” exibe o mais fantasmagórico romantismo, em que os seres da Natureza se trans- figuram e antropomorfizam. Eça faz um levanta- mento, uma análise crítica da sociedade portuguesa do seu tempo. Em “O Crime do Padre Amaro”, o foco é a vida de uma cidade provinciana e a influên- cia clerical. Apostilas Solução - Professor Educação Básica – PEB II 108 Bibliografia para Língua Portuguesa Em “O Primo Basílio”, fortemente influenciado pela obra “Madame Bovary”, tem por enredo uma família supostamente típica de Lisboa: a mulher casada, “sem formação moral e sem outra cultura além da leitura de romances românticos, que lhe abrem uma fuga para o tédio da vida conjugal”. A obra critica a deficiente educação feminina e uma literatura que exalta os valores romanescos e pinta com cores atraentes o adultério. Em “Os Maias”, o enredo trata de uma elite ca- paz de diagnosticar os males da pátria. O grupo que convive no palácio do Ramalhete é, provavelmente, um auto-retrato da geração de 70 na fase da desilu- são: dois irmãos que não se conhecem, filhos de uma paixão romântica e fatal, acabam por encon- trar-se em Lisboa e por ter amores incestuosos. É uma variante da história de Édipo. “A Correspondência de Fradique Mendes” é a estória de uma personagem cosmopolita e que ma- nifesta as suas opiniões em cartas literárias por vezes satíricas dirigidas a vários destinatários. “A Ilustre Casa de Ramires”, é uma obra constru- ída em dois planos: um heróico, que conta os feitos de um Ramires medieval, novela que está escre- vendo um Ramires contemporâneo, acomodado com a mediocridade e se corrompe ao solicitar os votos dos vizinhos para se eleger deputado. Enquanto escritor, Eça se mantém extraordinari- amente vivo e atuante no espírito de grande massa de leitores ainda hoje. Está entre os mais lidos em Língua Portuguesa: aí reside, sem dúvida, seu grande e imperecível mérito. IX – SIMBOLISMO (1890-1915) ORIGENS DO SIMBOLISMO Para Massaud Moisés, as origens remotas do movimento simbolista devem ser procuradas no Romantismo: o primeiro é uma espécie de continua- ção do segundo, mas com algumas características próprias. As origens próximas do Simbolismo estão na França, na obra de Baudelaire que inicia um pro- cesso de modernização da poesia, ressuscitava o culto do vago em troca do culto da forma e do des- critivo. O Simbolismo surge como reação às correntes materialistas e cientificistas da sociedade industrial do início do século XX. Os simbolistas, negando os parnasianos, aboliram o culto à forma de suas com- posições. Concorre para a formação da atmosfera simbo- lista uma série de influências estéticas e filosóficas: Baudelaire, que os simbolistas acolhem como a um mestre, por seu espírito rebelde e original, inimi- go da moral e da poesia convencionais, sacerdote de cultos satânicos que desvendavam mundos inte- riores e exteriores até então insuspeitados. A Filosofia do Inconsciente, de Hartmann, que explicava o mundo pela existência dum espírito inconsciente que tudo regia onipotentemente. A filosofia de Schopenhauer, centrada sobre a idéia de que o mundo é uma "representação". A invasão de novas teorias idealistas e metafísi- cas, do romance russo pleno de misticismo, e da música de Wagner, a aliança com a poesia e a mú- sica. A pintura impressionista, adquirindo luminosida- de e fixando estranhas paisagens que logo se as- semelham aos ideais simbolistas. CARACTERÍSTICAS DO SIMBOLISMO O Simbolismo tem início em Portugal com a pu- blicação de Oaristo (que em grego significa "Diálogo intímo"), de Eugênio de Castro e vai até 1915, com a publicação da Revista Orpheu. A poesia simbolista está ligada à idéia de deca- dência, daí seu primeiro nome ter sido Decadentis- mo. Os simbolistas buscavam integrar a poesia na vida cósmica, usando uma linguagem indireta e figurada. Essa corrente literária deu atenção exclusiva à matéria submersa do "eu", explorando-a por meio de uma linguagem pessimista e musical, na qual a carga emotiva das palavras é ressaltada; a poesia aproxima-se da música usando aliterações. Além disso, podemos destacar as seguintes característica do Simbolismo: Misticismo e espiritualismo: Os simbolistas ne- gam o espírito científico e materialista dos realis- tas/naturalistas, valorizando as manifestações místi- cas e mesmo sobrenaturais do ser humano. Subjetivismo: Os simbolistas terão maior interesse pelo particular e individual do que pelo geral e uni- versal. A visão objetiva da realidade não desperta mais interesse, e sim a realidade focalizada sob o ponto de vista de um indivíduo. Tentativa de aproximar a poesia da música: para conseguir aproximação da poesia com a música, os simbolistas lançaram mão de alguns recursos, como a aliteração, por exemplo. Expressão da realidade de maneira vaga e im- precisa. Ênfase na sugestão: Um dos princípios básicos dos simbolistas era sugerir através das palavras sem nomear objetivamente os elementos da reali- dade. Ênfase no imaginário e na fantasia; Percepção intuitiva da realidade: Para interpretar a realidade, os simbolistas se valem da intuição e não da razão ou da lógica. INTRODUÇÃO E EVOLUÇÃO DO SIMBOLISMO EM PORTUGAL A introdução do Simbolismo em Portugal deveu- se a Eugénio de Castro e à publicação de seu pri- meiro livro de poesia, Oaristos, em 1890. Compu- nha-se de 15 poemas, antecedidos de um manifesto em forma de prefácio sobre a nova tendência. Apostilas Solução - Professor Educação Básica – PEB II Bibliografia para Língua Portuguesa 109 De suma importância, esse prefácio constitui a plataforma doutrinária do Simbolismo português, definindo forma e conteúdo. O vocabulário dos Oa- ristos é escolhido e variado, apresentando inclusive vocábulos raros. Os poetas portugueses receberam o nome de "nefelibatas" (pessoas que andam nas nuvens) e o nefelibatismo tornou-se uma espécie de adaptação Portuguesa do Decadentismo e do Simbolismo Francês. EUGÊNIO DE CASTRO Sua obra recebe influência de sua estada na França, inaugura o Simbolismo português com Oa- risto, cuja técnica é baseada na poesia de Paul Ver- laine. Segundo Massaud Moisés, apesar de fazer uso de prefácios polêmicos e agressivos para inserir os pressupostos da estética simbolista em seus livros, revela uma tendência inata para o equilíbrio clássi- co, para a contenção e para o formalismo de tradi- ção. Essa tendência vai substituindo de forma gra- dativa a postura simbolista. A produção literária de Eugênio de Castro apre- senta versos livres, vocabulário erudito, pessimismo e ambigüidade nos temas trabalhados (blasfêmias- liturgia; ocultismo-catolicismo). Suas principais obra são: Oaristo (1890), Horas (1891), Silva e Interlúdio (1894). ANTÔNIO NOBRE Publica sua obra mais importante, Só, uma cole- tânea depoemas em que utiliza uma linguagem coloquial, para voltar ao passado, à infância. Res- taura uma hipersensibilidade, um forte sentimento de tristeza e de completa inadaptação ao mundo. Suas descrições são preenchidas por ambientes vagos ou nebulosos, razão pela qual é chamado de “poeta crepuscular”, isto é, voltado para as horas de recolhimento. A produção literária de Antônio Nobre apresenta vocabulário simples, temas coloquiais, apego a ter- ra, às raízes populares, descrição de seu exílio pari- siense e egocentrismo. Suas principais obras são: Só (1892), Despedidas (1902), Primeiros Versos (1921) e Alicerces (1983). CAMILO PESSANHA Pessanha, estudioso da civilização chinesa, mor- reu em Macau. É considerado o maior simbolista português. Alguns de seus poemas foram publicados na revista Centauro em 1916, graças ao interesse e esforço de João de Castro Osório. Mais tarde, em 1920, conseguindo outras composições às quais reuniu as já publicadas, publicou Clepsidra. O nome da obra significa relógio movido à água. Suas composições trabalham temas sentimen- tais, apresentam uma musicalidade marcante e uma postura de resignação diante da adversidade. Esse quadro compõe imagens fugidias, carregadas de pessimismo, e transitoriedade da vida. X – SAUDOSISMO (1910-1915) No ano de 1910 surgiu, em Portugal, a revista mensal "A Águia", dirigida por Teixeira Pascoaes. O objetivo dessa revista era ressuscitar a Pátria Por- tuguesa a partir do saudosismo, ou seja, por uma espécie de retomada das tradições do País. Movi- mento literário, essencialmente poético, introduzido através do movimento "Renascença Portuguesa", fundada por Jaime Cortesão, Álvaro Pinto, Teixeira de Pascoaes e Leonardo Coimbra, cujo órgão de divulgação foi a revista "A Águia". Pascoaes (mentor do grupo), afirmou que "o movimento da Renascença Portuguesa se realizaria dentro da Saudade revelada, dentro dela Portugal, sem deixar de ser Portugal, poderá realizar os maio- res progressos de qualquer natureza." Assim, o Saudosismo foi encarado como uma atitude perante a vida que definia a "alma nacional" em todo o seu idealismo transcendentalista. Pascoaes, apoiado por Leonardo Coimbra, pre- conizou um Portugal agrário, uma organização mu- nicipalista e uma Igreja independente, e identifica o Saudosismo como sendo um Sebastianismo escla- recido, revelado pelos novos poetas. Fernando Pessoa, colaborador da "A Águia", afirma que os poetas saudosistas anunciam o pen- samento da "futura civilização européia", que cor- responderia à "civilização lusitana", e é neste clima de exaltação sebastianista que escreve "Mensa- gem". António Sérgio e Raul Proença acusam Pascoa- es de "utópico e passadista, fechado num lusitanis- mo xenófobo, provinciano, incompatível com o mo- derno espírito europeu", gerando bastante polêmica no seio do grupo. Quanto ao tipo de linguagem, os Saudosistas preferem uma expressão mais tradicional e clássica ("verso escultural" de Pascoaes), não se preocu- pando muito com a análise do subconsciente. Por ser um momento de transição, uma vez que em 1915 surge a revista "Orpheu", marco inicial do Modernismo português, esse período também pode ser classificado como Pré-Modernismo. O Modernismo em Portugal é difícil de ser estrutu- rado. Massaud Moisés adota a seguinte divisão: Pri- meiro Momento ou Orphismo e Segundo Momento ou Presencismo. As duas outras fases são classifi- cadas como Neo-realismo e Surrealismo. Os escritores da fase Neo-realista repudiam a literatura psicológica e propõem uma literatura de caráter social, muito próxima à praticada pelos auto- res Realistas. Já os escritores da fase Surrealista são influen- ciados pelas teorias de Andre Breton, idealizador do Surrealismo. Devido a todas estas circunstâncias, o ano de 1940, quando o grupo da Presença se desin- tegrou, é considerado o término do período Moder- nista em Portugal. Apostilas Solução - Professor Educação Básica – PEB II 110 Bibliografia para Língua Portuguesa XII – ORFISMO (1915-1927) O Modernismo em Portugal tem início oficial no ano de 1915, quando um grupo de escritores e artis- tas plásticos, (Mário de Sá-Carneiro, Raul Leal, Luís de Montalvor, Almada Negreiros, o brasileiro Ronald de Carvalho e Fernando Pessoa) lança o primeiro número da "Orpheu", revista trimestral de literatura. Esses jovens artistas, também conhecidos como Orfistas, foram influenciados pelo Futurismo de Ma- rinetti, pelos ensinamentos de Martin Heidegger, que colocava a existência individual como determi- nação do próprio indivíduo e não como uma deter- minação social. Os objetivos principais dos orfistas eram: - Chocar a burguesia com sua obra irreverente (po- esias sem metro, exaltando a modernidade); - Tirar Portugal de seu descompasso com a van- guarda do resto da Europa. Portanto, os traços marcantes da Geração Or- pheu são as tendências futuristas (exaltação da velocidade, da eletricidade, do "homem multiplicado pelo motor"; antipassadismo, antitradição, irreverên- cia). Agitação intelectual, "escandalizar o burguês", o moderno como um valor em si mesmo. O primeiro número da revista Orpheu, publicado em Abril de 1915, causa grande polêmica graças a críticas violentas, encontradas nos poemas "Ode triunfal" de Álvaro de Campos (Heterônimo de Fer- nando Pessoa) e "Manucure" de Mário de Sá- Carneiro. O segundo e último número da revista foi lança- do em julho de 1915, com conteúdos bem mais futuristas. O terceiro número chegou a ser planeja- do, mas não foi editado por causa do suicídio de Mário de Sá-Carneiro, responsável pelos custos da revista. Os orfistas foram influenciados pelos vários ma- nifestos de vanguarda europeus e, apesar do pre- coce desaparecimento da "Orpheu", a revista deixou uma rica herança, uma vez que surgiram várias outras revistas. Ainda nesse primeiro momento do Modernismo português, surgiram as figuras de Aquilino Ribeiro e Florbela Espanca, nomes de destaque na Literatura Portuguesa, que não tiveram ligação com nenhum dos momentos modernistas. Para o professor de Literatura Portuguesa Mas- saud Moisés, esses dois poetas são enquadrados em um momento literário que classifica como "Inter- regno". FERNANDO PESSOA Nascido em Lisboa, Fernando Pessoa perdeu o pai aos cinco anos de idade. Em 1896, a família se transfere levada pelo segundo marido de sua mãe, para a cidade de Durban, na África do Sul. Lá, cursa o secundário, cedo revelando seu pendor para a literatura. Em 1903, ingressa na Universidade do Cabo. Entra em contato com os grandes escritores da língua portuguesa. Impressiona-se sobremaneira com os sermões do Padre Antônio Vieira e a obra de Cesário Verde. Para situar Pessoa na história da literatura oci- dental, é necessário colocá-lo ao nível de Dante, Shakespeare, Goethe, Joyce. Ele é o único poeta português que pode comparar-se a Camões. Apesar da obra de Fernando Pessoa representar uma literatura inteira, não teve, em vida, o reconhe- cimento que merecia. Viveu modestamente, em relativa obscuridade. Em vida, teve apenas dois livros publicados: alguns poemas em inglês e Mensagem. Pessoa, em 8 de março de 1914, faz surgir seus heterônimos (cada um dos quais tem um estilo e uma atitude que os distingue dos demais), escre- vendo de uma só vez, os 49 poemas de O Guarda- dor de Rebanhos, de Alberto Caeiro. Escreve tam- bém os seis poemas de Chuva Oblíqua, que assina com seu próprio nome. Fernando Pessoa ortônimo (ele-mesmo), seguia os modelos da poesia tradicional portuguesa, usa o verso tradicional, rimado, admiravelmente musical. Poeta introvertido e meditativo, anti-sentimental, refletia inquietações e estranhezas que questiona- vam os limites da realidade da sua existência e do mundo. A temática de Pessoa ortônimo giraem torno da identidade perdida; da consciência do absurdo da existência, revela tensão sinceridade/fingimento, consciência/inconsciência, sonho/realidade, duali- dade e oposição sentir/pensar, pensamen- to/vontade, esperança/desilusão), anti- sentimentalismo (intelectualização da emoção, es- tados negativos (solidão, cepticismo, tédio, angús- tia, cansaço, desespero, frustração), inquietação metafísica (dor de viver) e auto-análise. Autor de Mensagem, um conjunto de poemas de inspiração ocultista e épico-messiânica, de exalta- ção ao sebastianismo denota certo desalento, uma expectativa ansiosa de ressurgimento nacional, revela uma faceta misteriosa e espiritual do poeta, manifestada também nas suas incursões pelas ci- ências ocultas. É o único livro publicado pelo autor nas vésperas da sua morte, em 1934. Os heterônimos são concebidos como individua- lidades distintas da do autor, com biografia e horós- copo próprios. Traduzem a consciência da fragmen- tação do eu, reduzindo o eu “real” de Pessoa a um papel que não é maior que o de qualquer um dos seus heterônimos na existência literária do poeta. Alberto Caeiro é o Mestre, inclusive do próprio Pessoa ortônimo. Nasceu e morreu em Lisboa, tu- berculoso, embora tenha vivido a maior parte de sua vida no campo, numa quinta no Ribatejo, onde fo- ram escritos quase todos os seus poemas. Para Caeiro, “o único sentido íntimo das coisas é não terem sentido íntimo nenhum”, o poeta nega qual- quer forma “de religiosidade, qualquer coisa em si”. Não desempenhava qualquer profissão e teria ape- nas a instrução primária. Apostilas Solução - Professor Educação Básica – PEB II Bibliografia para Língua Portuguesa 111 Caeiro era, segundo ele próprio, “o único poeta da natureza”, procurando viver a exterioridade das sensações e recusando a metafísica, isto é, recu- sando saber como eram as coisas na realidade, conhecendo-as apenas pelas sensações, pelo que pareciam ser. Adotou o verso livre. Caeiro escreve numa linguagem simples com o vocabulário limitado de um poeta camponês pouco ilustrado. Procura perceber as coisas como elas são, sem refletir sobre elas e sem atribuir a elas significados ou sentimentos humanos. Em perfeita consonância com sua busca de simplicidade e es- pontaneidade. São da sua autoria as obras O Guardador de Rebanhos, O Pastor Amoroso e os Poemas Incon- juntos. Ricardo Reis nasceu no Porto, foi educado num colégio de jesuítas, ou seja, recebeu uma educação clássica (latina), formado em medicina nunca exer- ceu a profissão. Dedicou-se ao estudo do helenis- mo, isto é, o conjunto das idéias e costumes da Grécia antiga e adota Horácio como seu modelo literário. Sua formação clássica reflete-se em sua obra (nível formal, temas tratados) e na própria lin- guagem que utiliza, de um purismo exacerbado. Apesar de ser formado em medicina, não exerci- a. Dotado de convicções monárquicas, emigrou para o Brasil após a implantação da República. Ca- racterizava-se por ser um pagão intelectual lúcido e consciente (concebia os deuses como um ideal humano), limitava-se a viver o momento presente, evitando o sofrimento (“Carpe Diem”) e aceitando o caráter efêmero da vida. Álvaro de Campos nasceu em Tavira e era um homem viajado, formado em engenharia mecânica e naval na Escócia e, numas férias, fez uma viagem ao Oriente (de que resultou o poema “Opiário”). Viveu em Lisboa, dedicou-se à literatura, intervindo em polêmicas literárias e políticas. É da sua autoria o “Ultimatum”, manifesto contra os literatos instala- dos da época. Até com Pessoa ortônimo polemizou. Defensor ferrenho do modernismo era o cultor da energia bruta e da velocidade, da vertigem agressi- va do progresso, sendo a Ode Triunfal um dos me- lhores exemplos, evoluindo depois no sentido de um tédio, de um desencanto e de um cansaço da vida, progressivos e auto-irônicos. Representa a audácia suprema a que Pessoa se permitiu (experiências futurista e até no campo da ação político-social). A trajetória poética de Álvaro de Campos está compreendida em três fases: a primeira, da morbi- dez e do torpor, é a fase do "Opiário" (oferecido a Mário de Sá-Carneiro e escrito enquanto navegava pelo Canal do Suez, em março de 1914), a segunda fase, mais mecanicista, é onde o Futurismo italiano mais transparece, é nesta fase que a sensação é mais intelectualizada. A terceira fase, do sono e do cansaço, aquela que, apesar de parecer um pouco surrealista, é a que se apresenta mais moderna e equilibrada ("Não sou nada. / Nunca serei nada. / Não posso querer ser nada. / À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo."). É nessa fase em que se enquadram: "Lisbon Revisited", "Apontamento", "Poema em Linha Reta" e "Aniversário", que trazem, respectivamente, como características, o inconformismo, a consciência da fragilidade humana, o desprezo ao suposto mito do heroísmo e o enternecimento memorialista. Seus poemas são marcados pela oralidade e pela prolixidade que se espalha em versos longos, próximos da prosa. Despreza a rima e a métrica regular. Segundo Moisés, a temática dos heterônimos só pode classificar-se como metafísica: o que é a reali- dade daquilo a que chamamos realidade? Há algum significado nas coisas, além do seu simples ser? Que espécie de coisa se manifesta no que supomos ser a nossa consciência? “O que em mim sente está pensando”: este verso é uma das chaves para com- preendê-la. O pensar é já a forma que toma o sentir, independentemente de doutrinas com as quais o sentimento da realidade seja contrastado. O que interessa, escreveu ele a propósito de outro poeta, não são os sentimentos, mas o uso que se faz de- les. MÁRIO DE SÁ-CARNEIRO Um dos escritores portugueses mais identificado com a obra de Pessoa, de quem foi amigo. Projetou e editou conjuntamente com os seus amigos, em especial Fernando Pessoa, a revista Orpheu. Sofrendo de crises depressivas, sentimentais e financeiras do poeta (já por várias vezes tinha escri- to a Fernando Pessoa comunicando o seu suicídio), Sá-Carneiro suicida-se, com vários frascos de es- tricnina, a 26 de abril de 1916, num Hotel de Nice, suicídio esse descrito por José Araújo, que Mário Sá-Carneiro chamara para testemunhar a sua mor- te. Deixou a Fernando Pessoa a indicação de publi- car a obra que dele houvesse, onde, quando e co- mo melhor lhe parecesse. O delírio e a confusão dos sentidos, marcas da sua personalidade, sensível ao ponto da alucinação, com reflexos numa imagística exuberante, definem a sua procura de exprimir o inconsciente e a disper- são do eu no mundo. Como escritor, Mário de Sá-Carneiro demonstra, na fase inicial da sua obra, influências do decaden- tismo e até do saudosismo, numa estética do vago, do complexo e do metafísico. Escreveu algumas das páginas mais importantes da Literatura Portuguesa: A Confissão de Lúcio (novela), Dispersão (poesia), Princípio (coetânea de contos) Indícios de Ouro (póstumo) e Cartas a Fer- nando Pessoa (reunidas em dois volumes). JOSÉ DE ALMADA NEGREIROS O escritor e pintor José de Almada Negreiros levou mais longe algumas tendências implícitas no futurismo: textos e atitudes de provocação do con- formismo burguês e de academismo literário. “No- me de Guerra” é um dos grandes textos narrativos de toda a Literatura Portuguesa. A maior parte do livro trata das relações entre um homem e uma mu- lher. Apostilas Solução - Professor Educação Básica – PEB II 112 Bibliografia para Língua Portuguesa Conta a estória na linguagem dos “rapazes” de Lisboa com uma desenvoltura elegante, sem buscar aparentemente efeitos de estilo, mas com achados inesperados e felizes, resultantes justamente da vontade com que se juntam numa frase natural coi- sas desencontradas habitualmenteno pensamento. Almada manifesta neste seu romance uma forte vocação teatral. Orpheu abriu caminho a outras revistas igual- mente efêmeras, e dez anos depois, em Coimbra, para a revista Presença, que duraria de 1927 a 1940 e com a qual a Literatura Portuguesa vai defi- nitivamente libertar-se da tutela do século XIX e do simbolismo de escola. À frente da revista encon- tram-se notáveis poetas: José Régio, Casais Mon- teiro, Miguel Torga e Antônio de Navarro. XIII – O PRESENCIALISMO (1927-1940) O segundo momento Modernista surgiu da he- rança deixada pelo orphismo. A revista literária "Presença", que teve o primeiro exemplar publicado 1927, foi o meio divulgador das idéias desse grupo, também conhecido como presencismo. Dentre os seus principais colaboradores, desta- cam-se as figuras de José Régio, Adolfo Rocha, João Gaspar Simões, Miguel Torga, Irene Lisboa, entre outros. Além de dar continuidade às idéias do orphismo e de eleger os membros desse período como "mes- tres", os presencistas pregavam uma literatura mais intimista e artística, ou seja, a literatura defendida por esse grupo estava voltada para uma análise interior e para a introspecção. Recebeu críticas e dissidências em virtude de exageros do individualismo e do esteticismo. A revista Presença foi, em Portugal, o principal veículo divulgador das principais obras e escritores europeus da primeira metade do século. No ano de 1940, em plena Segunda Guerra Mundial, o grupo da Presença encerra suas ativida- des e considera-se encerrando também o Moder- nismo em Portugal. XIV – NEO-REALISMO (1940-1974) Movimento literário do qual fizeram parte, entre outros, Alves Redol, Manuel da Fonseca, Afonso Ribeiro, Joaquim Namorado, Mário Dionísio, Vergílio Ferreira, Fernando Namora, Mário Braga, Soeiro Pereira Gomes ou Carlos de Oliveira. Desenvolveu-se num contexto histórico-social conturbado (crise econômica, totalitarismo, guerra civil espanhola e o início da Segunda Guerra Mun- dial) e encontrou como elemento aglutinador deter- minante para a definição dos seus objetivos, a po- lêmica com os intelectuais da revista Presença, fechados, segundo os neo-realistas, “num egotismo e esteticismos estéreis”. As revistas Seara Nova, Sol Nascente e O Diabo difundiram seus objetivos (o pensamento marxista, as concepções do materialismo diabético e a rejei- ção do socialismo utópico). O neo-realismo tem no romance brasileiro nor- destino, os modelos para uma literatura de denúncia social e de intenção pedagógica, marcada pelo forte anseio de atingir uma transformação histórica que resultaria da consciencialização de um destinatário que deveria incluir proletariado e campesinato. O marco de afirmação da estética neo-realista, respectivamente, nos domínios da poesia e da pro- sa, a edição, entre 1941 e 1944, do Novo Cancio- neiro e a publicação de Gaibéus, por Alves Redol, em 1939. Na ficção, destacam-se romances que encon- tram um fio condutor em algumas características como "o primado da objetividade [...], tendência para a exteriorização consumada pelo privilégio de certos espaços normalmente de inserção rural (Ribatejo, Alentejo, Gândara), valorização de personagens de clara incidência socioeconômica, representação dinâmica de processos de transformação histórico- social", conjugados com "uma concepção de ro- mance que acentuava a necessidade de verossimi- lhança e cunho documental de que deveria revestir- se". (Esteiros, de Soeiro Pereira Gomes, Uma Casa na Duna, de Carlos de Oliveira, Cerromaior, de Ma- nuel da Fonseca, Vagão J, de Vergílio Ferreira, ou Casa da Malta, de Fernando Namora). Quanto à poesia neo-realista caracterizada pela denúncia e de ação que preside à ficção, combina- do com um otimismo que decorre da confiança nas possibilidades de transformação que a fraternidade humana pode alcançar encontra a sua especificida- de num sentido de imanência e num consciente equilíbrio precário entre a esfera da subjetividade e a esfera coletiva. (João José Cochofel, Joaquim Namorado, Carlos de Oliveira, Mário Dionísio ou Manuel da Fonseca). CARACTERÍSTICAS DO ROMANCE NEO-REALISTA PORTUGUÊS 1. A ação do romance neo-realista normalmente é aberta, sem progresso dramático linear, composta em geral por uma acumulação de fatos, de quadros panorâmicos, ligados entre si pelo narrador e pela homogeneidade de situações que são muitas vezes encaradas como símbolos. 2. As personagens são quase sempre coletivas, grupos antagônicos constituídos, de um lado, por representantes do capital e, de outro, por conjuntos de trabalhadores agrícolas e de operários oprimidos pelo capital, localizados em zonas bem determina- das: o regionalismo alentejano, temas citadinos e outros ligados à burguesia rural (O Dia Cinzento de Mário Dionísio, Anúncio de Alves Redol, Casa da Duna e Pequenos Burgueses de Carlos de Oliveira, Fuga de Faure da Rosa). 3. As personagens são tipos de uma classe. Se há um protagonista que merece destaque, é por ser o mais atingido entre a multidão ou por refletir as rea- ções do todo. Diante dos fatores materiais e das forças sociais que as bloqueiam, as personagens neo-realistas não esboçam qualquer atitude de espi- ritualidade. 4. O autor observa as situações com neutralidade, coloca os protagonistas em seu ambiente, deixa-os agir e viver uma vida real. Depois faz jornalismo, reportagem, entretanto analisa e interpreta fatos escolhidos em virtude de determinado objetivo. Apostilas Solução - Professor Educação Básica – PEB II Bibliografia para Língua Portuguesa 113 5. Os neo-realistas minimizam o cuidado da forma, colocando na fala das personagens a linguagem popular regional. Leva o diálogo muitas vezes a assumir funções narrativas. Emprega frases curtas, bem adaptadas ao pensamento conciso que o do- mina, tende para a substantivação do real, usa mo- deradamente o adjetivo. XV – SURREALISMO (1947-1974) Surgido de um grupo de poetas liderados por André Bretón, na França, o surrealismo torna-se um movimento artístico que defendia a volta a um primi- tivismo infantil. É um movimento que pretendia ma- nifestar espontaneidade de ordem racional ou mo- ral. Pretendeu definir uma prática artística alternati- va à tradicional. Este movimento pretendia também que os artis- tas mostrassem o pensamento de maneira livre, espontânea e irracional, levado além da realidade (fantasia, sonho). A pintura pode ser considerada a principal mani- festação artística do surrealismo. O movimento divide-se em duas vertentes. Uma mantém o caráter figurativo, mas produz formas inusitadas a partir da distorção ou justaposição de imagens conhecidas. É comum figuras que “flutuam” no quadro ou que estabelecem uma nova proporção entre objetos e pessoas. Um exemplo é “A persis- tência da Memória”, de Salvador Dali. Os artistas da outra vertente radicalizam o automatismo psíquico, para que o inconsciente se expresse livremente, sem controle da razão. O surrealismo atrai alguns escultores. Em Portugal, o Surrelismo é concepção de litera- tura baseada nos conteúdos oníricos e do inconsci- ente, predomina a “escrita automática” - automatis- mo verbal e escrito, ilogismo, livre associação de idéias e de palavras, além da modificação das estru- turas da realidade. Massaud Moisés destaca alguns representantes do Grupo Surrealista de Lisboa: Antônio Pedro, José Augusto França, Alexandre O’Neill, Mário Ce- sariny de Vasconcelos e outros como Natália Corre- a, Henrique Rasques Pereira, Artur do Cruzeiro Seixas, Antonio José Forte, Fernando Alves dos Santos e Isabel Meyrelles. XVI – TENDENCIAS CONTEMPORÂNEAS I – (1950-1970) Massaud Moisés destaca alguns escritores que, embora não filiados a nenhum grupo, são influenci- ados pelas tendências em voga (Neo-realismo, Sur- realismo e às tendências contemporâneas).Ressal- ta a importância das revistas literárias, em torno das quais se congregaram algumas das vozes literárias da atualidade. O autor destaca a obra e acrescenta minibiogra- fias dos poetas Rui Cinatti, José Blanc Portugal, Tomaz Kim e António Ramos Rosa, Raul de Carva- lho, Sebastião da Gama, Albano Martins, Fernando Guimarães, Fernando Echevarria, Alberto de Lacer- da, Luís Amaro, José Terra e Hélder Macedo. XVI – TENDENCIAS CONTEMPORÂNEAS – (GERAÇAO DE 70) A denominada geração de 70 é a prova cabal da efervescência cultural que dominou a Literatura Portuguesa permitindo o surgimento de uma conste- lação de poetas e prosadores inspirados, provavel- mente em função dos ares de liberdade política trazidos pela revolução de abril de 1974, que pôs fim a um regime fascista que durava desde os anos 20. O autor destaca vários autores, tanto a poesia como a prosa de ficção, dentre os quais na poesia experimental, figuras como E.M. de Melo e Castro, Ana Hatherly e Salette Tavares. Simultaneamente às correntes de vanguarda, Moisés não deixou de assinalar a presença nos anos 60 de uma nova onda neorrealista, reunindo nomes bem conhecidos como Fernando de Assis Pacheco, José Carlos de Vasconcelos e Manuel Alegre. Moisés enfatiza o nome de Vasco Graça Moura, poeta erudito, estudioso das formas da poesia, ro- mancista, autor de ensaios e peças teatrais, cuja obra transita com facilidade pelas formas tradicio- nais como a sextina e o soneto, assim como prática à intertextualidade, dialogando com poetas canoni- zados como Camões, Dante, Shakespeare entre outros. AGUSTINA BESSA-LUÍS Agustina Bessa-Luís é um dos nomes consagra- dos na Literatura Portuguesa contemporânea. Estreou-se como romancista em 1948, com a novela Mundo Fechado, tendo desde então mantido um ritmo de publicação pouco usual nas letras por- tuguesas, contando até ao momento com mais de meia centena de obras. Consagrada internacionalmente, representa Por- tugal junto a diversos órgãos culturais em diversos países. A consagração vem em 1954, com o romance A Sibila. Agustina é senhora de um estilo absoluta- mente único, paradoxal e enigmático. Sua obra, de caráter pessoal, possui grandeza e luz próprias, alheia a influências estrangeiras ou mesmo portu- guesas de caráter introspectivo, marcada por uma imaginação fecunda e pelo senso de observação e análise. Empreende a fusão entre o regionalismo e o universalismo na análise psicológica das persona- gens, cujas peculiaridades desvenda aos poucos. Vários dos seus romances foram já adaptados ao cinema pelo realizador Manoel de Oliveira, de quem é amiga e com quem tem trabalhado de perto. Estão, neste caso, Fanny Owen ("Francisca"), Vale Abraão e As Terras do Risco ("O Convento"), para além de "Party", cujos diálogos foram igualmente escritos pela escritora. É também autora de peças de teatro e para televisão.Em 2004, recebe, aos 81 anos, o Prêmio Camões, o mais importante prêmio literário da língua portuguesa. Apostilas Solução - Professor Educação Básica – PEB II 114 Bibliografia para Língua Portuguesa Principais obras: Os incuráveis; A muralha; O Sermão do Fogo; As relações humanas; Os quatro rios; Canção diante de uma porta fechada; A dança das espadas, com destaque para A sibila, sua obra- prima. JOSÉ DE SOUSA SARAMAGO José de Sousa Saramago nasceu em 1922, em Azinhaga, autodidata, possui apenas o curso indus- trial. Iniciou-se na literatura como poeta, em 1966, mas cultivou também a crônica e o teatro, além da prosa de ficção (romance), o melhor de sua obra. No plano político-social, ideologicamente ligado à esquerda militar em defesa dos trabalhadores, con- tra a opressão capitalista e identificação com as camadas populares. Recebeu em 1998, o Prêmio Nobel de Literatura, o primeiro para um autor da língua portuguesa. É escritor, roteirista, jornalista, dramaturgo e poeta. Também ganhou o Prêmio Camões, o mais importante prêmio literário da lín- gua portuguesa. Saramago é considerado o responsável pelo efetivo reconhecimento internacional da prosa em língua portuguesa, sendo o autor português mais conhecido da literatura contemporânea, traduzido para várias línguas. O seu livro Ensaio Sobre a Ce- gueira (Blindness, em inglês) foi adaptado para o cinema e lançado em 2008, produzido no Japão, Brasil e Canadá, dirigido por Fernando Meirelles. Características da obra: ironia sutil, fina; estilo vigoroso, vivo, marcado pela síntese de diferentes níveis lingüísticos, lembrando as características do Barroco (língua culta, erudita, mesclada à lingua- gem oral, popular; uso de arcaísmos; preferência por parágrafos longos, muitas vezes ocupando pá- ginas seguidas; frase desenvolta, elástica, expri- mindo sutilezas de forma e de sentido; eliminação da pontuação convencional; emprego da vírgula como principal sinal de pontuação; narrativa ora ágil, fluente, ora lenta, intrincada, de acordo com a intenção do narrador. Retoma na ficção a história de Portugal, entre- tanto através de uma visão crítica da história e da atualidade de Portugal; da atualização da visão histórica de Camões, Antônio Vieira e Alexandre Herculano; numa perspectiva diferente da de Ale- xandre Herculano (para Saramago, a história é viva, e está sempre se modificando). Considera que o século mais importante para Portugal não é o XVI (expansão ultramarítima), mas o XVIII, por causa do ouro do Brasil - a euforia e o excesso de deslumbramento teriam influenciado a decadência portuguesa posterior. A abrangência temática de sua obra vai da Idade Média aos pro- blemas do homem português contemporâneo, refle- tindo sobre temas universais e atemporais (as con- tradições das relações humanas; a solidão, a falta de) solidariedade, o amor, a incomunicabilidade do ser humano; a opressão dos poderosos sobre as camadas mais humildes; o papel do povo na cons- trução da história da sociedade. Suas principais obras são: Jangada de pedra; Memorial do Conven- to; O Ano da morte de Ricardo Reis; O Evangelho segundo Jesus Cristo; Ensaio sobre a cegueira; Todos os nomes, entre outras. QUESTÕES: Os textos abaixo se referem à questão 1 Texto I Cantiga dos olhos que choram (À maneira de Garcia de Resende) A meu corpo perguntara (pois que triste nada achara mais do que eu): “Esses olhos tão-somente “por que choram tristemente, “corpo meu? “Não tem lágrimas a boca “que tanta palavra louca “disse a alguém; “e o coração tão coitado, “de tanta coisa alongado “não nas tem; “nem as há na mão dorida “que teve na despedida “tanto dó... “Por que assim só os olhos choram? “Por que é que as lágrimas moram “neles só?...” É que os olhos são janelas e há duas meninas nelas, sempre em vão. É que as meninas-dos-olhos Nos olhos e só nos olhos É que estão... (Guilherme de Almeida) Texto II Cantiga, partindo-se Senhora, partem tão tristes meus olhos por vós, meu bem, que nunca tam triste vistes outros nenhuns por ninguém. Tam tristes, tam saudosos, tam doentes da partida, tam cansados, tam chorosos, da morte mais desejosos cem mil vezes que da vida. Partem tam tristes os tristes, tam fora d’esperar bem, que nunca tam tristes vistes outros nenhuns por ninguém. (Garcia de Resende) 1) Uma das conceituações para “intertextualidade” seria a “influência de um texto sobre outro que o toma como ponto de partida, e que gera a atualiza- ção do texto citado”. O primeiro dos textos acima é de um poeta moder- nista e o segundo pertence ao “Cancioneiro Geral”, da poética trovadorista. É correta, a propósito, a seguinte observação : a) O texto I teria influenciado o texto II, já que am- bos tratam da mesma temática e exploram a ima- gem dos olhos como agentes da tristeza. b) A “atualização” do texto II se daria, entre outras razões,pela utilização, no texto I, de métrica e vo- cabulário próprios do “Cancioneiro”. Apostilas Solução - Professor Educação Básica – PEB II Bibliografia para Língua Portuguesa 115 c) Não se pode afirmar a existência de intertextuali- dade nesse caso, já que o enfoque temático é dife- rente. d) A forma como os olhos são tratados, nos dois poemas, é razão suficiente para afastar, no caso, a idéia de intertextualidade. e) Ao escolher o subtítulo para o seu poema, o autor do texto I pretendeu reverenciar a figura do autor do texto II, sem qualquer propósito de “atualização”. 2) (FUVEST) Aponte a alternativa correta em rela- ção a Gil Vicente: a) Compôs peças de caráter sacro e satírico. b) Introduziu a lírica trovadoresca em Portugal. c) Escreveu a novela Amadis de Gaula. d) Só escreveu peças em português. e) Representa o melhor do teatro clássico portu- guês. 3) (FESL-SP) Em Os Lusíadas, Camões: a) narra a viagem de Vasco da Gama às Índias. b) tem por objetivo criticar a ambição dos navegan- tes portugueses que abandonam a pátria à mercê dos inimigos para buscar ouro e glória em terras distantes. c) afasta-se dos modelos clássicos, criando a epo- péia lusitana, um gênero inteiramente original na época. d) lamenta que, apesar de ter domado os mares e descoberto novas terras, Portugal acabe subjugado pela Espanha. e) tem como objetivo elogiar a bravura dos portu- gueses e o faz através da narração dos episódios mais valorosos da colonização brasileira. 4) ESAL-MG - Assinale a alternativa que contém características incompatíveis com o estilo de época conhecido por Barroco: a) contradições, sobrenatural humanizado, céu e terra ligados. b) gosto pela polêmica, pelo panfleto, colisão de cores e excesso de relevos. c) sentido de universalidade, racionalismo e objeti- vidade. d) as coisas, pessoas e ações não são descritas mas apenas evocadas e refletidas através da visão das personagens. e) largo sentimento de grandiosidade e esplendor, de pompa e grandeza heróica, expressos na ten- dência ao exagero e nos hiperbólico. 5) Segundo alguns críticos, as obras de Eça de Queirós possuem um talento raro para combinar a ironia e a sátira com certo lirismo melancólico, o que lhes dá graça e sutileza, apesar do tom caricato de que se revestem algumas passagens, por demais exemplares da hipocrisia social a ser denunciada. São romances de tese, isto é, que denunciam a hipocrisia social, do escritor: a) O Crime do Padre Amaro; O Primo Basílio; Os Maias. b) A Ilustre Casa de Ramires; Prosas Bárbaras; O Primo Basílio. c) O Crime do Padre Amaro; O Primo Basílio; Prosas Bárbaras. d) O Crime do Padre Amaro; As Farpas; Prosas Bárbaras. e) A Relíquia; Os Maias; A Cidade e as Serras. 6) (UM-SP) A respeito de Fernando Pessoa, é in- correto afirmar que: a) não só assimilou o passado lírico de seu povo, como refletiu em si as grandes inquietações huma- nas do começo do século. b) os heterônimos são meios de conhecer a com- plexidade cósmica impossível para uma só pessoa. c) Ricardo Reis simboliza uma forma humanística de ver o mundo do espírito da Antigüidade Clássica. d) junto com Mário de Sá-Carneiro, dirige a publica- ção do segundo número de Orpheu, em 196. e) a Tabacaria, de Alberto Caeiro, mostra seu dese- jo de deixar o grande centro em busca da simplici- dade do campo. 7) (FUVEST) “Já vai andando a récua dos homens de Arganil, acompanham-nos até fora da via as infelizes, que vão clamando, qual em cabelo, o doce e amado esposo, e outra protestando, o filho, a quem eu tinha só para refrigério e doce amparo desta cansada já velhice minha, não se acabavam as lamentações, tanto que os montes de mais perto respondiam, quase movidos de alta piedade (...)” (José Saramago, Memorial do Convento) Em muitas passagens do trecho transcrito, o narra- dor cita textualmente palavras de um episódio de Os Lusíadas, visando criticar o mesmo aspecto da vida de Portugal que Camões, nesse episódio, já critica- va. O episódio camoniano e o aspecto criticado são, respectivamente: a) O Velho do Restelo; a posição subalterna da mulher na sociedade tradicional portuguesa. b) Aljubarrota; a sangria populacional provocada pelos empreendimentos coloniais portugueses. c) Aljubarrota; o abandono dos idosos decorrente dos empreendimentos bélicos, marítimos e suntuá- rios. d) O Velho do Restelo; o sofrimento popular decor- rente dos empreendimentos dos nobres. e) Inês de Castro; o sofrimento feminino causado pelas perseguições da Inquisição. GABARITO 1 - B 2 - A 3 - A 4 - C 5 - A 6 - E 7 - C Apostilas Solução - Professor Educação Básica – PEB II 116 Bibliografia para Língua Portuguesa SCHNEUWLY, Bernard; DOLZ, Joaquim. GÊNEROS ORAIS E ESCRITOS NA ESCOLA. Campinas/São Paulo: Mercado de Letras, 2004. PARTE I – OS GÊNEROS DO DISCURSO E A ESCOLA 1 - GÊNEROS E TIPOS DE DISCURSO: CONSIDERAÇÕES PSICOLÓGICAS E ONTOGENÉTICAS O texto aborda os aspectos psicológicos da a- prendizagem, ou seja, a forma como pessoas a- prendem, e seus aspectos ontogenéticos, isto é, o desenvolvimento da capacidade de um indivíduo de adquirir conhecimentos desde a concepção até a idade adulta. Em síntese, seria obter respostas às seguintes questões: o que aprendemos nas trocas com outros indivíduos, nas relações sociais, pode interferir em nosso desenvolvimento? Ou o desenvolvimento das pessoas é um fato biológico, independente das rela- ções sociais? Se for um fato biológico, algumas pessoas são mais dotadas do que outras, já nascem com uma capacidade inicial que outras não possu- em? Se forem, podemos concluir que algumas pes- soas nascem com "dom" para certas aprendizagens e outras não? Essa reflexão sobre aprendizagem - da aprendi- zagem x desenvolvimento - que ocorre naturalmen- te, se aplica à capacidade de aprender dos indiví- duos em qualquer disciplina e em relação à apren- dizagem da escrita questionamos: O que se apren- de socialmente interfere no desenvolvimento cogni- tivo? Aprender gêneros textuais amplia nossas ca- pacidades de linguagem? Gêneros e o desenvolvimento da linguagem O desenvolvimento se dá por continuidade e por ruptura: Gêneros primários e secundários. Aproximando essa visão instrumental do gênero à concepção de gênero de Bakhtin, os autores refle- tem sobre como se dá a articulação do gênero a uma situação concreta e como se dá o processo de transformação profunda no desenvolvimento da linguagem com a entrada da criança na escola e que vai se estender por toda a escolaridade. Resu- midamente, o que ele diz é o seguinte: a) “Os gêneros primários nascem na troca verbal espontânea. Estão fortemente ligados à experiência pessoal. Eles se aplicam a uma situação, à qual estão ligados de maneira quase indissociável, por assim dizer automática, sem real possibilidade de escolha [...] é uma relação inconsciente e involuntá- ria”. Podem-se definir as seguintes dimensões para os gêneros primários: - Troca, interação, controle mútuo pela situação; - Funcionamento imediato do gênero com entidade global controlando todo o processo, como uma só unidade; - Nenhum ou pouco controle metalingüístico da a- ção lingüística em curso; - Utilizado pela criança nas múltiplas praticas de linguagem. b) “Os gêneros secundários não são espontâneos. Seu desenvolvimento, sua apropriação implica em outro tipo de intervenção nos processos de desen- volvimento, diferente do necessário para o desen- volvimento dos gêneros primários”. Eles introduzem uma ruptura importante na medida em que não estão mais ligados de maneira imediata a uma situ- ação de comunicação; “sua forma é freqüentementeuma construção complexa de vários gêneros cotidi- anos [...] tratados como sendo relativamente inde- pendentes do contexto imediato”. Em decorrência disso, sua apropriação não pode se fazer direta- mente partindo de situações de comunicação con- cretas e precisas. Os gêneros secundários não re- sultam “direta e necessariamente da esfera de moti- vações já dadas do aprendiz, da esfera de suas experiências pessoais, mas de um outro mundo que tem motivações mais complexas”. Para os gêneros secundários, atribuiríamos às seguintes dimensões: - Modos diversificados de referência a um contexto lingüisticamente criado; - Modos de desdobramento do gênero. Se os meios de referência a um contexto lingüisticamente criado caracterizam, por assim dizer, os gêneros secundá- rios do interior, asseguram sua coesão interna e sua autonomia em relação ao contexto, outros meios asseguram do exterior, seu controle, sua avaliação, sua definição. c) “A aparição de um novo sistema – o dos gêneros secundários, não anula o precedente, nem o substi- tui [...] mesmo sendo diferente, o novo sistema a- póia-se sobre o antigo em sua elaboração, mas assim fazendo, transforma-o profundamente.” d) Dessa forma, os gêneros primários são os ins- trumentos de criação dos gêneros secundários nu- ma passagem que se dá num processo, ao mesmo tempo, de continuidade e ruptura. Continuidade porque a passagem para um novo sistema pressu- põe toda a experiência vivida na apreensão do sis- tema anterior e ruptura porque as condições de produção dos gêneros de um e de outro sistema são diferentes: os gêneros primários se desenvol- vem no ambiente natural das relações cotidianas e estão diretamente ligados à situação de enunciação, e os gêneros secundários são autônomos em rela- ção à situação imediata de enunciação e, por isso, são, em geral, adquiridos em ambiente formal, a escola. A escola é, portanto, o lugar institucional em que se opera a passagem de um sistema para outro. Na operacionalização dessa passagem, o traba- lho com a noção de gênero é uma ferramenta didá- tica interessante na medida em que os aprendizes já carregam um conhecimento sobre os gêneros, incorporado “ao menos como representação difusa ou confusa, às vezes, antes mesmo de sua entrada na escola”. Apostilas Solução - Professor Educação Básica – PEB II Bibliografia para Língua Portuguesa 117 Para concluir, os autores propõem algumas hipó- teses sobre tipos e gêneros de textos. Eis algumas hipóteses sobre tipos de textos: a) psicologicamente um tipo de texto é o resultado de uma ou de várias operações de linguagem, efe- tuadas no curso do processo de produção; b) essas operações podem, em especial, dizer res- peito às seguintes dimensões: - definição da relação à situação material de pro- dução, tendo como possibilidades uma relação de implicação ou uma relação de autonomia; -definição de uma relação enunciava com o dito, tratado como disjunto pertencente a um outro mundo, lingüisticamente criado, ou tratado como conjunto, pertencente a esse mundo; -provavelmente a isso se somam decisões sobre os modos de geração de conteúdos (como ten- tamos mostrar com Joaquim Dolz 1987), que po- demos descrever, por exemplo, referindo-nos aos tipos de seqüencialidade distinguidos por Adam(1992); c) levando-se em conta o que foi dito anteriormen- te, fazemos ainda a hipótese suplementar de que essas operações não se tornam disponíveis de uma só vez, mas que se constroem no curso do desen- volvimento. Segundo os autores, os tipos de textos – ou, psicologicamente falando, as escolhas discursivas que se opera em níveis diversos do funcionamento psicológico de produção – seriam, portanto, cons- truções ontogenéticas necessárias à autonomização dos diversos tipos de funcionamento e, de modo mais geral, da passagem dos gêneros primários aos gêneros secundários. Portanto, constituiriam, dito de outra maneira, construções necessárias para gerar uma maior heterogeneidade nos gêneros, para ofe- recer possibilidades de escolha, para garantir um domínio mais consciente dos gêneros, em especial daqueles que jogam com a heterogeneidade. Po- demos, de fato, considerá-los como reguladores psíquicos poderosos, gerais, que são transversais em relação aos gêneros. 2- GÊNEROS E PROGRESSÃO ORAL E ESCRITA ELEMENTOS PARA REFLEXÕES SOBRE UMA EXPERIÊNCIA SUÍÇA Currículo e progressão Os autores trabalham com a concepção de currí- culo por oposição à de programa escolar. Enquanto programa escolar supõe um foco maior sobre a matéria a ensinar, é recortado segundo a estrutura interna dos conteúdos, no currículo, esses mesmos conteúdos disciplinares são definidos em função das capacidades do aprendiz e das experi- ências a ele necessárias e, além disso, os conteú- dos são sistematicamente elaborados em relação aos objetivos de aprendizagem e aos outros com- ponentes do ensino. Citando Coll, os autores dizem que as principais funções de um currículo são: a) Descrever e explicitar o projeto educativo (as intenções e o plano de ação) em relação às finali- dades da educação e às expectativas da sociedade; b) Fornecer um instrumento que oriente as práticas dos professores; c) Levar em conta as condições nas quais se reali- zam essas práticas; d) Analisar as condições de exeqüibilidade, de mo- do a evitar uma descontinuidade excessiva entre os princípios e as restrições colocadas pelas situações de ensino. Um currículo para o ensino da expressão deveria fornecer aos professores, para cada um dos níveis de ensino, informações concretas sobre os objetivos visados pelo ensino, sobre as práticas de linguagem que devem ser abordadas, sobre os saberes e habi- lidades implicados em sua apropriação. Entre os diversos componentes do currículo, a organização temporal do ensino é um problema complexo, difícil de resolver. É preciso que nos lem- bremos de que as decisões relativas à ordem tem- poral que se deve seguir no ensino situam-se es- sencialmente em dois níveis: a) progressão interciclo: divisão dos objetivos gerais entre os diferentes ciclos do ensino obrigató- rio; b) progressão intraciclo: seriação temporal dos objetivos e dos conteúdos disciplinares em cada ciclo. As propostas de progressão curricular propõem agrupamentos de gêneros Narrar, Expor, Argumen- tar, Instruir e Relatar, organizados pelas semelhan- ças que as situações de produção dos gêneros de cada um dos agrupamentos possuem. No agrupamento Narrar, são colocados os gêne- ros da cultura literária ficcional, como contos, len- das, romances, fábulas, crônicas. A situação de produção desses gêneros sempre envolve a ficção e a criação. No agrupamento Expor, estão agrupados os gêneros científicos e de divulgação científica, e os didáticos constituídos para o ensino das diversas áreas de conhecimento. Estão nesse agrupamento os artigos científicos de todas as áreas do conheci- mento, os relatos de experiências científicas, as conferências, os seminários, textos explicativos dos livros didáticos, os verbetes de enciclopédia e ou- tros afins. A situação de produção desses gêneros sempre envolve a necessidade de divulgar um co- nhecimento resultante de pesquisa científica. No agrupamento Instruir ou Prescrever, figuram os gêneros com manuais de instrução de diferentes tipos, as bulas de remédio, as receitas culinárias, as regras de jogo, os regimentos e estatutos e todos os demais gêneros cuja função é estabelecer formas corretas de proceder. Apostilas Solução - Professor Educação Básica – PEB II 118 Bibliografia para Língua Portuguesa A situação de produção desses gêneros sempre envolve a necessidade de informar como deve ser o comportamento daqueles que vão usar um equipa- mento oumedicamento ou realizar um procedimen- to. No agrupamento Relatar, estão os gêneros rela- cionados com a memória e a experiências de vida, como memórias literárias, diários íntimos, diários de bordo, depoimentos, reportagens, relatos históricos, biografias e outros semelhantes. Nas situações de produção desses gêneros, está a necessidade de contar alguma coisa que realmente ocorreu, o que torna os relatos diferentes das narrativas, que são ficcionais. No agrupamento Argumentar, ficam os gêneros que têm origem nas discussões sociais de assuntos polêmicos, que provocam controvérsias. Estão nes- se agrupamento as cartas de solicitação, cartas de leitor, cartas de reclamação, os debates políticos, os artigos de opinião jornalísticos, os editoriais e outros semelhantes. Nas situações de produção desses gêneros, existem questões polêmicas que estão sendo discutidas em sociedade, e que exigem dos autores um posicionamento e a defesa desse posi- cionamento. Os agrupamentos podem facilitar a escolha de gêneros adequados para cada série do Ensino Fun- damental, possibilitando uma progressão em espiral para seu ensino. A expressão "progressão em espi- ral" significa que podemos criar eixos no planeja- mento do ensino de gêneros, um eixo para cada agrupamento. Criados os eixos, é possível escolher os mais adequados de cada agrupamento para ca- da série, retomando gêneros do mesmo agrupa- mento a cada ano que passa, para que os alunos possam ampliar, gradativamente, o domínio das capacidades de narrar, argumentar, expor, instruir e relatar. Contra o soliptismo Construção conjunta intencional É fundamental que se considere a relação exis- tente entre a aprendizagem e o desenvolvimento. Vygotsky propõe uma concepção segundo a qual a aprendizagem é condição prévia necessária às transformações e qualitativas que se produzem ao longo do desenvolvimento. Para Vygotsky, “a a- prendizagem humana pressupõe uma natureza social específica e um processo por meio do qual as crianças acedem à vida intelectual daqueles que a cercam”, portanto, contra o soliptismo do sujeito – o sujeito não pode estar só sem ver o pólo ativo que representa sua relação com os outros. Tanto a a- prendizagem incidental – advinda acessoriamente no curso da realização de uma ação, quanto a a- prendizagem intencional – em que o sujeito está implicado numa situação que visa a um efeito, fre- qüentemente se realiza por meio institucional são construções sociais. No que diz respeito às praticas de linguagem, sua apropriação começa no quadro familiar, mas certas práticas, em particular aquelas que dizem respeito à escrita e oral formal, realizam- se essencialmente em situação escolar, na nossa sociedade, graças ao ensino, por meio do qual os alunos conscientizam-se dos objetivos relativos à produção e à compreensão. Neste caso, mais ainda que em outras aprendi- zagens, a cooperação é fator determinante das transformações e dos progressos que ocorrem. Concluindo, os autores propõem a organização de uma progressão temporal do ensino, construída sobre a base de um agrupamento de gêneros e levando em conta os diferentes níveis de operações de linguagem. Trata-se de uma proposta provisória de um currí- culo aberto e negociado: a) Aberto, pois não recobre a totalidade das ativi- dades possíveis em expressão oral e escrita; não pode antecipar todos os problemas de aprendiza- gem e, assim, os professores devem adaptá-lo em função de situações concretas de ensino. b) Negociado, pois esse caráter aberto de um cur- rículo pede contínuos ajustes não somente no nível local, mas também no de progressão interciclos e intraciclos e porque diferentes atores participam nas diferentes fases de elaboração e de ajuste. A progressão curricular resultante da estratégia discutida acima ainda deverá ser testada: entrar nas práticas e ser avaliada do ponto de vista da validade didática. 3 – OS GÊNEROS ESCOLARES – DAS PRÁTICAS DE LINGUAGEM AOS OBJETOS DE ENSINO Neste capítulo, os autores defendem que o gêne- ro é utilizado como meio de articulação entre as práticas sociais e os objetos escolares — mais par- ticularmente, no domínio do ensino da produção de textos orais e escritos. A Idéia será abordada em três etapas: a noção de gênero em relação à de prática de linguagem e de atividade de linguagem; seu funcionamento no quadro escolar e o caminho melhor é conhecer e precisar este funcionamento. Práticas, gêneros e atividades de linguagem Se considerarmos a apropriação do conhecimen- to historicamente construído, veremos que há uma relação intrínseca entre a noção de prática social (que diz respeito ao funcionamento da linguagem) com a de atividade (esta mais centrada na constru- ção interna da linguagem, ou seja, nas capacidades necessárias para produzir e compreender a lingua- gem). A apropriação diz respeito tanto a uma quanto a outra, na medida que a aprendizagem que conduz à interiorização das significações de determinada prática social implica levar em conta suas caracte- rísticas, além das aptidões e capacidades iniciais do aprendiz. Práticas de linguagem Com relação às práticas de linguagem, o concei- to visa às dimensões particulares do funcionamento da linguagem em relação às práticas sociais em geral, tendo a linguagem como mediadora em rela- ção a estas últimas. Apostilas Solução - Professor Educação Básica – PEB II Bibliografia para Língua Portuguesa 119 Segundo Bautier, as práticas sociais “são o lugar de manifestações do individual e do social na lin- guagem”, portanto, as práticas de linguagem pres- supõem tanto dimensões sociais como cognitivas e lingüísticas do funcionamento da linguagem numa situação de comunicação particular e em sua análi- se as interpretações feitas pelos agentes de situa- ção são essenciais. Essas interpretações dependem da identidade social dos atores, das representações que têm dos usos possíveis da linguagem e das funções que eles privilegiam. Sua natureza é heterogênea e os papéis, ritos, normas e códigos, que são próprios à circulação discursiva, são dinâmicos e variáveis. A relação dos atores com as práticas de lingua- gem também varia, e a distância que pode separá- los ou aproximá-los têm efeitos importantes nos processos de apropriação. Estudar o funcionamento da linguagem como práticas sociais significa analisar as diferenciações e variações, em função de sistemas de categoriza- ções sociais à disposição dos sujeitos observados. Atividade de linguagem As atividades de linguagem funcionam como uma interface entre o sujeito e o meio, e responde a um motivo geral de representação-comunicação. Tem sempre origem nas situações de comunica- ção e se desenvolve em zonas de cooperação soci- al determinadas e, sobretudo, atribui às práticas sociais um papel determinante na explicação de seu funcionamento. De acordo com Dolz, Pasquier e Bronckart, uma ação de linguagem consiste em produzir, compre- ender, interpretar e/ou memorizar um conjunto or- ganizado de enunciados orais ou escritos (um tex- to). Toda ação de linguagem demanda diversas ca- pacidades da parte do sujeito: a) adaptar-se às características do contexto e do referente (capacidades de ação); b) mobilizar modelos discursivos (capacidades dis- cursivas); c) dominar as operações psicolingüísticas e as unidades lingüísticas (capacidades lingüístico- discursivas). Gêneros de linguagem É através dos gêneros que as práticas de lingua- gem se materializam nas atividades dos aprendizes. Para definir gênero como suporte de uma atividade de linguagem, três dimensões parecem essenciais: 1. os conteúdos e os conhecimentos que são enun- ciados por meio dele; 2. os elementos das estruturas comunicativas e semióticas partilhadas pelos textos reconhecidos comopertencentes ao gênero; 3. as configurações específicas de unidades de linguagem, traços, em especial, da posição enuncia- tiva de enunciador e dos conjuntos particulares de seqüências textuais e de tipos discursivos que for- mam sua estrutura. O gênero, portanto, é um megainstrumento que dá suporte para a atividade, nas situações de co- municação, e uma referência para aos aprendizes. A escola sempre trabalhou com os gêneros, pois toda forma de comunicação cristaliza-se em formas de linguagem específicas. Seu objetivo, no contexto escolar, é ensinar os alunos a escrever, a ler e a falar. A escola é eminentemente lugar de comunicação e as situações escolares são ocasiões de produ- ção/recepção de textos, com seus pontos fortes e fracos. Os autores fazem uma análise sobre os pontos fortes e fracos dos gêneros em virtude da importân- cia dos mesmos para o desenvolvimento da lingua- gem. PONTOS FORTES PONTOS FRACOS - Necessidade de criações de objetos escolares para um ensi- no/aprendizagem eficaz; - Pensamento em progressão. - Progressão como processo linear, do sim- ples para o complexo, definido através do obje- to descrito; - Abordagem pura- mente representacional, não comunicativa. - Leva muito em conta a particularidade das situações escolares e utilização destas; - Importância do sen- tido da escrita; - Tônica na autonomia dos processos de a- prendizagem nestas situações. - Não leva em conta explicitamente e não utiliza modelos exter- nos; - Não modelização das formas de lingua- gem e, portanto, ausên- cia de ensino. - Evidencia as contri- buições das práticas de referência; - Importância do sen- tido da escrita; - Insistência na di- mensão comunicativa e na variedade das situa- ções. - Negação da particu- laridade das situações escolares como lugares de comunicação que transformam as práticas de referência; - Ausência de reflexão sobre a progressão e desenvolvimento. PARTE II PLANEJAR O ENSINO DE UM GÊNERO 4 – SEQÜÊNCIAS DIDÁTICAS PARA O ORAL E O ESCRITO Como ensinar a expressão oral e escrita? Se, hoje em dia, existem várias pistas para responder a essa questão, nenhuma satisfaz, simultaneamente, as seguintes exigências: - Permitir o ensino da oralidade e da escrita a partir de um encaminhamento, a um só tempo, semelhan- te e diferenciado; - Propor uma concepção que englobe o conjunto da escolaridade obrigatória; Apostilas Solução - Professor Educação Básica – PEB II 120 Bibliografia para Língua Portuguesa - Centra-se, de fato, nas dimensões textuais da expressão oral e escrita; - Oferecer um material rico em textos de referên- cia, escritos e orais, nos quais os alunos possam inspira-se para suas produções; - Ser modular, para permitir uma diferenciação do ensino; - Favorecer a elaboração de projetos de classe. Sem pretender, de forma alguma, cobrir a totali- dade do ensino de produção oral e escrita, ele fun- damenta no seguinte postulado: é possível ensinar a escrever textos e a exprimir-se oralmente em situ- ações públicas, escolares e extra-escolares. Criar contextos de produção precisos, efetuar atividades ou exercícios múltiplos e variados: é isso que permitirá aos alunos apropriarem-se das no- ções, das técnicas e dos instrumentos necessários ao desenvolvimento de suas capacidades de ex- pressão oral e escrita, em situações de comunica- ção diversas. O procedimento a ser seguido é “Seqüência Didática”. Uma seqüência didática é um conjunto de ativi- dades escolares organizadas, de maneira sistemáti- ca, em torno de um gênero textual oral ou escrito. Tem como principal característica: - Ajudar o aluno a dominar melhor um gênero de texto – escrever e falar de maneira adequada; A estrutura de base de uma seqüência didática po- de ser representada pelo seguinte esquema: Exemplificando: a. apresentação de situação ‘– descrição da tarefa de expressão oral ou escrita que os alunos deverão realizar. 1ª. Dimensão - projeto coletivo de produção - de manei- ra bastante explícita para que eles compreendam a situ- ação de comunicação e como devem agir, que proble- mas deverão resolver. Nesta dimensão, deve-se respon- der às questões: Qual é o gênero que será abordado? A quem se dirige a produção? Que forma assumirá a pro- dução? Quem participará da produção? 2ª. Dimensão – dos conteúdos – preparar e selecionar os conteúdos que serão trabalhados na produção do texto. É vital que o aluno perceba sua importância des- ses conteúdos e com quais irá trabalhar. b. produção inicial – os alunos elaboram o primeiro texto inicial oral ou escrito. A primeira produção tem papel regulador, tanto para o aluno como para o profes- sor. Ao professor permite avaliar as capacidades adquiri- das e ajustar as atividades e os exercícios, adaptando as seqüências às necessidades dos alunos, revendo e rees- truturando o trabalho. c. os módulos – o formato modular, constituídos de várias atividades ou exercícios, oferecem ao aluno os instrumentos necessários para esse domínio, que se apresenta das dificuldades mais simples às mais com- plexas. Devem-se observar os módulos – o formato mo- dular, constituídos de várias atividades ou exercícios, oferecem ao aluno os instrumentos necessários para esse domínio, que se apresenta das dificuldades mais simples às mais complexas. Deve-se observar os níveis produção de textos: Representação da situação de co- municação. - para quem se dirige, qual a finalidade, sua posição enquanto autor ou locutor e do gênero visado. Elaboração dos conteúdos. Buscar, elaborar ou criar conteúdos diferem muito em função dos gêneros: técni- cas de criatividade, discussões, debates e tomada de notas, citando apenas os mais importantes. Planejamen- to do texto. A estrutura do texto depende da finalidade que se deseja atingir ou do destinatário visado. Cada gênero é caracterizado por uma estrutura mais ou menos convencional. Realização do texto. Envolve a escolha da linguagem: utilizar um vocabulário apropriado a uma dada situação, variar os tempos verbais em função do tipo e do plano do texto, recorrer aos organizadores textuais para estruturar ou introduzir argumentos no texto. d. produção final – o aluno pode por em prática os conhecimentos adquiridos (O que aprendi? O que resta a fazer?) Serve para regular e controlar a revisão e a re- escrita e avaliar os progressos realizados no transcorrer do trabalhado; o professor, medir os progressos alcan- çados. A produção final serve, também, para uma avalia- ção de tipo somativo, que incidirá sobre os aspectos trabalhados durante a seqüência. Orientação metodológica: O trabalho com a escrita e oralidade tem suas especificidades: possibilidade de revisão, observa- ção do próprio comportamento e de textos de refe- rência, trabalha com seqüências e atividades de estruturação da língua em uma perspectiva textual, explorar questões de gramática e sintaxe (ortografi- a, revisão ortográfica, escolhas lexicais, etc.), o agrupamento de gêneros e a progressão entre as séries/ciclos. (ver quadros abaixo) Concretizar uma proposta na forma de material didático é por vezes, correr o risco de torná-la está- tica ou mesmo vê-la desviada dos princípios sobre os quais se apóia. É por essa razão que é importante insistir ainda em alguns pontos de ordem metodológica. Apre sen- ta- ção da situ- ação ... Pro du- ção fi- nal Pro du- ção Ini- cial M ó d ul o 1 M ó d ul o 2 M ó d ul o n Apostilas Solução - Professor Educação Básica – PEB II Bibliografia para Língua Portuguesa 121 No materialproposto, as seqüências não devem ser consideradas como um manual a ser seguido passo a passo. Para o professor, a responsabilidade é efetuar escolhas, e em diferentes níveis. Quadro 1 Domínios sociais de comunicação Domínios sociais de comunicação ASPECTOS TIPOLÓGICOS Capacidades de linguagem domi- nantes Exemplos de gê- neros orais e escritos Cultura literária ficcional NARRAR Mimesis da ação através da cria- ção de intriga Conto maravilhoso Fábula Lenda Narrativa de aven- tura Narrativa de ficção científica Narrativa de e- nigma Novela fantástica Conto parodiado… Documentação e memoriza- ção de ações humanas RELATAR Representação pelo discurso de experiências vividas, situadas no tempo Relato de experi- ência vivida Relato de viagem Testemunho Curriculum vitae Notícia Reportagem Crônica esportiva Ensaio biográfi- co… Discussão de problemas sociais controversos ARGUMENTAR Sustentação, refutação e nego- ciação de toma- das de posição Texto de opinião Diálogo argumen- tativo Carta do leitor Carta de reclama- ção Deliberação infor- mal Debate regrado Discurso de defe- sa (adv.) Discurso de acu- sação (adv.) Transmissão e construção de saberes EXPOR Apresentação textual de diferen- tes formas dos saberes Seminário Conferência Artigo ou verbete de enciclopédia Entrevista de especialista Tomada de notas Resumo de textos "expositivos" ou explicativos Relatório científico Relato de experi- ência científica Instruções e prescrições DESCREVER AÇÕES Regulação mútua de comportamen- tos Instruções de montagem Receita Regulamento Regras de jogo Instruções de uso Instruções Quadro 2 Seqüências didáticas para expressão oral e es- crita: modelo Agru- pamen- to Ciclo 1ª – 2ª 3ª – 4ª 5ª – 6ª 7ª- 8ª – 9ª Narrar 1.O livro para comple- tar 1.O conto maravi- lhoso 2.A narrati- va de aventu- ra 1.O conto do porque e do como 2.A narrati- va de aventu- ra 1. A paródia de conto 2. A narrati- va de ficção científica 3. A novela fantástica Relatar 1. O relato de experi- ência vivida* (Apre- sentação em áu- dio) 1. O teste- munho de uma experi- ência vivida 1. A notícia 1. A nota biográfica 2. A repor- tagem radio- fônica* Argu- mentar 1. A carta de solici- tação 1. A carta de respos- ta ao leitor 2. O debate regra- do* 1. A carta de leitor 2. A apre- senta- ção de um roman- ce* 1. A petição 2. A nota crítica de leitura 3. O ponto de vista 4. O debate público* Transmi- tir conhe- cimentos 1. Como funcio- na? (Apre- sentação de um brinque- do e de seu fun- ciona- mento) 1. O artigo enci- clopé- dico 2. A entre- vista radio- fônica* 1. A exposi- ção escrita 2. A nota de síntese para apren- der 3. A exposi- ção oral* 1. A apre- sentação de documentos 2. O relató- rio científico 3. A exposi- ção oral* 4. A entre- vista radio- fônica* Regular compor- tamentos 1. A receita de cozi- nha* (Apre- sentação em áu- dio) 1. A descri- ção de um itinerá- rio* 1. As regras de jogo 5 se- qüências (sendo 2 orais) 8 se- qüên- cias (sendo 3 orais) 9 se- qüên- cias (sendo 2 orais) 13 seqüên- cias (sendo 4 orais) Apostilas Solução - Professor Educação Básica – PEB II 122 Bibliografia para Língua Portuguesa 5 – PALAVRA E FICCIONALIZAÇÃO: UM CAMINHO PARA O ENSINO DA LINGUAGEM ORAL O texto trabalha com questões formuladas atra- vés de pesquisa a professores sobre as representa- ções habituais do oral e do ensino sobre oralidade. Embasado em fundamentações teóricas, o autor conclui que toda atividade de linguagem complexa supõe uma ficcionalização, uma representação in- terna, cognitiva, da situação de interação social. É necessário que se faça uma representação abstrata que se ficcionalize a situação. Ela se revela como uma operação geradora da “forma do conteúdo” do texto: ela é o motor da construção da base de orien- tação da produção, colocando certas restrições sobre a escolha de um gênero discursivo. Assim, conclui o autor, há ficcionalização nos gêneros complexos a serem trabalhados em sala de aula. A particularidade do oral em relação à escrita reside no fato de que essa ficcionalização deve se articular com uma representação do aqui e agora, gerenciada simultaneamente, graças especialmente a meios de linguagem que são o gesto, a mímica, a corporalidade, a prosódia. Palavra, implicação mate- rial e corporal na situação de produto de linguagem e ficcionalização, a necessidade de construir, ao mesmo tempo, uma representação da situação abs- trata, constituem os dois vetores a partir dos quais se constroem as novas capacidades de linguagem. O fato de que essa construção não pode ocorrer sem uma intervenção mais ou menos maciça da escrita mostra o poder desse instrumento e prova que é necessário que se forje uma concepção dialé- tica dos diferentes aspectos do ensino da língua materna. 6 – O ORAL COMO TEXTO: COMO CONSTRUIR UM OBJETO DE ENSINO De acordo com os autores, apesar de a lingua- gem oral estar bastante presente no cotidiano das salas de aula, nas rotinas, nas leituras, na correção de exercícios, ela não é ensinada a não ser inciden- talmente, durante atividades diversas e pouco con- troladas. O paradoxo, entretanto, consiste na análise de que o oral está presente nas duas pontas do siste- ma escolar: na pré-escola e nos primeiros anos do ensino fundamental, onde os professores consoli- dam os usos informais da linguagem e no ensino superior onde se requer um domínio da palavra em público (jornalista, advogado, empresários, profes- sores, etc.). O oral como objeto de estudo não poderia ser incluído entre as duas pontas? Inicialmente, os autores apresentam e discutem aspectos indubitavelmente relacionados à lingua- gem oral, por sua materialidade fônica, como a pro- dução sonora vocal, a voz como suporte acústico da fala através da articulação de vogais e consoantes, as sílabas, os fatos prosódicos, a música, a entona- ção, acentuação e ritmo, as falas espontâneas, os meios não-lingüísticos da comunicação oral, etc., até chegarem à interação entre o oral e o escrito. Dolz & Schneuwly acrescentam que nos gêneros orais será necessário também considerar alguns meios não-lingüísticos que, durante “a interação comunicativa, vêm confirmar ou invalidar a codifica- ção lingüística e/ou prosódica e mesmo, às vezes, substituí-la”. Entre esses meios não-lingüísticos destacamos: - meios paralingüísticos: qualidade da voz, melo- dia, ritmo, risos, sussurros, respiração etc.; - meios cinésicos: postura física, movimentos de braços ou pernas, gestos, olhares, mímicas faciais etc.; - posição dos locutores: ocupação de lugares, espaço pessoal, distâncias, contato físico etc.; - aspecto exterior: roupas, disfarces, penteado, óculos, limpeza etc.; - disposição dos lugares: lugares, disposição, iluminação, disposição das cadeiras, ordem, ventila- ção, decoração etc. Dessa forma, na análise de um texto oral de um dado gênero que se tornará objeto de ensino, deve- remos verificar o seu contexto de produção, a sua organização textual, as marcas lingüísticas e os meios não-lingüísticos que o caracterizam, para que assim possamos ensinar ao aluno em que situações poderão usar esse gênero, como estruturá-lo, qual linguagem e postura utilizar, ou seja, poderemos levá-lo a desenvolver as capacidades de linguagem e as capacidades não-verbais de que ele precisará para participar plenamente das situações comunica- tivas. Essas capacidades de linguagem são de três tipos, segundo Dolz & Schneuwly:capacidade de ação que será desenvolvida com o trabalho com a situação de produção; capacidade discursiva, com a organização textual; e capacidade lingüístico- discursiva, com os aspectos lingüístico-discursivos. Prosseguem os autores afirmando que na esco- la, para que se possa fazer um bom trabalho com os gêneros de modo geral, e com os orais mais especi- ficamente, será necessário, construir um modelo didático do gênero, ou seja, um levantamento de suas características no nível do contexto de produ- ção, da organização textual, da linguagem e dos meios não lingüísticos. A construção desse modelo requer a análise de vários exemplares desse gênero, a consulta a textos de especialistas que discorrem sobre ele, além da consulta aos autores desses gêneros. Partindo des- sas informações, conseguiremos fazer um modelo didático que contemplará a situação de produção desse gênero, sua organização textual, seus aspec- tos lingüístico-discursivos, seus meios não- lingüísticos. Essas características nos indicarão as dimen- sões ensináveis do gênero estudado e nos mostra- rão também que outros recursos podem ser neces- sários para que o aluno aprenda a agir por meio desse gênero. Apostilas Solução - Professor Educação Básica – PEB II Bibliografia para Língua Portuguesa 123 Por exemplo, ao se trabalhar com seminários, requer além do ensino da apresentação em si mes- mo, como ler os textos e pesquisar para fundamen- tar a apresentação de cada um dos seminaristas; como fazer as transparências / slides, sinopse para distribuir ao público; como organizar o tempo antes do seminário, para que o grupo pudesse se reunir para fazer as leituras e pesquisas, distribuir as tare- fas, verificar os recursos técnicos, treinar a apresen- tação para adequação do tempo etc. Feito esse modelo didático, as intervenções es- colares devem ser organizadas em seqüências di- dáticas, ou seja, um conjunto de atividades elabora- das a partir de um modelo didático que visa levar o aluno ao domínio de um gênero e ao desenvolvi- mento. Enfim, o papel da escola é levar os alunos a ultrapassar as formas de produção oral cotidianas para confrontá-las com outras formas mais institu- cionais, mediadas, parcialmente reguladas por res- trições exteriores. PARTE III – PROPOSTAS DE ENSINO DE GÊNEROS Os textos da última parte do livro “Gêneros orais e escritos na escola” (“7 – Em busca do culpado. Metalinguagem os alunos na redação de uma narra- tiva de enigma”, “8 – A exposição oral” e “9 – Relato da elaboração de uma seqüência: o debate público”) relatam atividades práticas, elaboradas a partir de um gênero, orais ou escritas, e utilizando como mo- delo a sequenia didática comprova a tese dos auto- res da obra de que se aprende a escrever a partir da apropriação dos utensílios da escrita, no sentido vygotskiano de que essa apropriação permite trans- formar a relação com o próprio processo psíquico da produção de linguagem. A análise do produto texto, ao longo dos três capítulos, mostrou que um trabalho com seqüências didáticas em torno de gênero textual determinado tem conseqüências muito produtivas nos textos dos alunos. O papel do professor na seqüência didática é importantíssimo em todos os momentos. Ainda mais que é ele que pode, pelo menos em parte, definir o sentido dado a uma seqüência numa determinada turma. Esse papel fica ainda mais difícil de definir, à medida que compreende, no ensino do oral, duas dimensões que é preciso administrar simultanea- mente: a de criar uma situação de comunicação interessante para o aluno (por exemplo, debate sobre as classes mistas diante de uma câmara de vídeo, sendo que a gravação realizada poderá ser vista por outras salas) e a de ensinar, ou seja, de- senvolver tão eficazmente quanto possível as capa- cidades de argumentação dos alunos, dando-lhes instrumentos para fazê-los e avaliando tais capaci- dades. Para permitir aos professores assumir o melhor possível um papel tão complexo como o seu, os autores orientam, nos encontros de formação, dois aspectos essenciais: 1. As diferentes atividades e trabalhos levados a efeito ao longo da seqüência ganham em relação ao projeto global que a classe realiza. Para chegar a isso, cada etapa de trabalho termina numa síntese, construída em interação com os alunos, na qual o que foi feito é resumido em forma de regras ou de constatações. Isso permite compreender, localmen- te, o sentido do que foi realizado; ao mesmo tempo, essa síntese cria a ligação com o projeto global no qual a turma estará envolvida; cria os meios para melhor argumentar. 2. Como elaborar essas sínteses? Como capacitar o trabalho sobre a oralidade que é tão fugidia? Qual é o estatuto da escrita no ensino da oralidade? Es- sas questões difíceis foram inúmeras vezes coloca- das nos encontros de preparação. O trabalho de- senvolvido nesses encontros permitiu delinear al- gumas respostas. a) Ensinar o oral implica em desenvolver o hábito de registrar, para ter o traço das produções dos alunos, assim como na escrita que, naturalmente, deixa traços duráveis. O registro permite escutar-se, reescutar os outros, observar, analisar, criticar-se, fazer proposta para melhora dos outros. Esse tipo de trabalho implica, necessariamente, um trabalho em grupo, um procedimento que não permite o si- lêncio absoluto, nem o trabalho solitário de cada um no seu canto. Muitas vezes, os professores relata- ram, após terem realizado a seqüência, que o traba- lho com o oral era mais cansativo, precisamente pelo fato de que a gestão da sala de aula tornava-se mais diferenciada, mais intangível, mais interativa. b) O trabalho de observação e de análise não é possível sem a ajuda da escrita: é necessário anotar as observações para lembrar-se delas ou para transmiti-las aos outros. Mesmo que a escrita não seja o mediador do processo de ensino- aprendizagem do oral, acaba por se construir num instrumento muitas vezes indispensável. c) A escrita é particularmente importante quando se trata de capitalizar as construções à medida que a seqüência avança e que ela funciona como memó- ria externa, controlável. Entretanto, passar pelo escrito permite colocar em comum o que foi apren- dido, facilita uma construção coletiva e progressiva das aprendizagens e explicita as exigências às quais ao fim da seqüência os alunos deverão res- ponder. Em síntese, os autores apresentam três papéis essenciais do professor no desenvolvimento do trabalho conforme relatado acima: • o de explicitar as regras e constatações, por meio das observações e análises das gravações efetuadas, utilizando, parcimoniosamente, a escrita como instrumento; • o de intervir pontualmente, em momentos esco- lhidos, para lembrar as normas que é preciso ter em conta e para avaliar a produção dos alunos; • o de dar um sentido às atividades levadas a efei- to na seqüência, situando-as em relação ao projeto global da classe. Apostilas Solução - Professor Educação Básica – PEB II 124 Bibliografia para Língua Portuguesa QUESTÕES 1) Assinale a alternativa correta. Segundo os auto- res do livro “Gêneros orais e escrito na escola”, as principais funções de um currículo são: a) Descrever e explicitar o projeto educativo (as intenções e o plano de ação) em relação às finali- dades da educação e às expectativas da sociedade; b) Fornecer um instrumento que oriente as práticas dos professores; c) Levar em conta as condições nas quais se reali- zam essas práticas; d) Analisar as condições de exeqüibilidade, de mo- do a evitar uma descontinuidade excessiva entre os princípios e as restrições colocadas pelas situações de ensino. e) Todas as alternativas estão corretas. 2) Apenas uma das alternativas abaixo nãocontem- plam os estudos sobre gêneros textuais, conforme Schneuwly e Dolz. a) É através dos gêneros, orais ou escritos, que as práticas de linguagem se materializam nas ativida- des dos aprendizes. b) A escola sempre trabalhou com os gêneros, pois toda forma de comunicação cristaliza-se em formas de linguagem específicas. Seu objetivo, no contexto escolar, é ensinar os alunos a escrever, a ler e a falar. c) A escola é eminentemente lugar de comunicação e as situações escolares são ocasiões de produ- ção/recepção de textos, especificamente de produ- ção e recepção de textos orais, com seus pontos fortes e fracos. d) Uma seqüência didática é um conjunto de ativi- dades escolares organizadas, de maneira sistemáti- ca, em torno de um gênero textual oral ou escrito. e) Toda atividade de linguagem complexa supõe uma ficcionalização, uma representação interna, cognitiva, da situação de interação social. 3) As propostas de progressão curricular, segundo Joaquim Dolz e Bernard Schneuwly, propõem agru- pamentos de gêneros organizados pelas semelhan- ças que as situações de produção dos gêneros de cada um dos agrupamentos possuem. Consideran- do as afirmativas abaixo, assinale a alternativa cor- reta. I. No agrupamento Narrar, são colocados os gêne- ros da cultura literária ficcional, como contos, len- das, romances, fábulas, crônicas. A situação de produção desses gêneros sempre envolve a ficção e a criação. II. No agrupamento Expor, estão agrupados os gêneros científicos e de divulgação científica, e os didáticos constituídos para o ensino das diversas áreas de conhecimento. A situação de produção desses gêneros sempre envolve a necessidade de divulgar um conhecimento resultante de pesquisa científica. III. No agrupamento Instruir ou Prescrever, figu- ram os gêneros cuja função é estabelecer formas corretas de proceder. A situação de produção des- ses gêneros sempre envolve uma expectativa em relação a comportamento do receptor. IV. No agrupamento Relatar, estão os gêneros rela- cionados com a memória e a experiências de vida. Nas situações de produção desses gêneros está a necessidade de contar alguma coisa que realmente ocorreu, o que torna os relatos diferentes das narra- tivas, que são ficcionais. V. No agrupamento Argumentar, ficam os gêneros que têm origem nas discussões sociais de assuntos polêmicos, que provocam controvérsias. Assinale a alternativa correta: a) As alternativas I, II, III e IV estão corretas. b) As alternativas II, III, IV e V estão corretas. c) As alternativas I, III, IV e V estão corretas. d) Todas as alternativas estão corretas. e) n.d.a. 4) Segundo Dolz & Schneuwly, no trabalho com os gêneros orais será necessário considerar aspectos que, durante “a interação comunicativa, vêm confir- mar ou invalidar a codificação lingüística e/ou pro- sódica e mesmo, às vezes, substituí-la”. Assinale a alternativa incorreta. a) meios lingüísticos: qualidade da voz, melodia, ritmo, risos, sussurros, respiração etc.; b) meios cinésicos: postura física, movimentos de braços ou pernas, gestos, olhares, mímicas faciais etc.; c) posição dos locutores: ocupação de lugares, espaço pessoal, distâncias, contato físico etc.; d) aspecto exterior: roupas, disfarces, penteado, óculos, limpeza etc.; e) disposição dos lugares: lugares, disposição, iluminação, disposição das cadeiras, ordem, ventila- ção, decoração etc. GABARITO 1 - E 2 - C 3 - D 4 - A Apostilas Solução - Professor Educação Básica – PEB II Bibliografia para Língua Portuguesa 125 SOUZA, Mauro Wilton de (org.). SUJEITO, O LADO OCULTO DO RECEPTOR. São Paulo: Brasiliense, 1995. Sujeito, o lado oculto do receptor, escrito em 1994, é uma coletânea dos textos sobre os assun- tos tratados em um seminário na USP, um novo olhar lançado sobre a recepção na comunicação. Traz dois textos extremamente teóricos, referência sobre as novas tendências e estudos que serviram de base à pesquisa sobre a recepção. Os outros textos analisam em torno do novo enfoque a produ- ção midiática, às vezes fazendo um histórico sobre o que já se discutiu e apresentando novos enfoques teóricos. RECEPÇÃO: UMA QUESTÃO ANTIGA EM UM PROCESSO NOVO RECEPÇÃO E COMUNICAÇÃO: A BUSCA DO SUJEITO (Mauro Wilton de Souza) O autor, professor da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo, onde leciona na graduação, na pós-grduação, além de atuar co- mo pesquisador do Núcleo de Pesquisas sobre Re- cepção. Neste texto, ele propõe reflexões a respeito das questões relacionadas ao receptor e à comunica- ção, tomando como ponto de referência as seguin- tes questões “quem é, afinal, o homem no processo de comunicação social contemporâneo? Onde se colocar para melhor visualizá-lo?”. Inicialmente, ele faz uma introdução sobre o assunto-tema, explicita o novo lugar do receptor na comunicação onde ele passa a ser considerado como sujeito, parte do processo comunicacional. Fazendo uma retrospectiva sobre os caminhos percorridos (entre 1950 e 1980), o autor situa o final dos anos 50, o início dos primeiros trabalhos ligados ao sujeito e à comunicação no Brasil, assim como o princípio das primeiras intervenções do meio aca- dêmico brasileiro com estudos inicialmente nas á- reas de ciências sociais e humanas, e mais tarde nas escolas de comunicação. Nesse período, os modelos importados para a comunicação estavam situados em dois paradigmas básicos: o positivista e o marxista, razão pela qual não permitiram uma produção nacional mais autô- noma. Modelo norte-americano funcionalista de análise da comunicação O modelo norte-americano funcionalista de aná- lise em comunicação, que surge com a expansão das agências norte-americanas de publicidade e dos institutos de pesquisa e opinião pública e se sustentava no trabalho com o indivíduo, e não com a massa, porém recusa a análise das causas soci- ais em nível estrutural, preservando e sustentando a lógica do sistema sócio-econômico de produção. Assim, em nível empírico, o sujeito da comunica- ção é uma peça que dá suporte à ordem do sistema social; nível teórico, ele é a própria ordem do siste- ma social funcionando. É a fase hipodérmica norte- americana. Teoria da dependência Teoria gerada nos anos 60, onde os meios de comunicação impunham uma reificação ao sujeito, mantendo não apenas os padrões econômicos, tecnológicos e culturais, como também os de lin- guagem e os estilos de concepção da vida pessoal e da social. Essa teoria procurava explicitar como as rela- ções dos países centrais com os periféricos iam além de questões econômico-financeiras, mas en- volviam tecnologia, cultura, saber e concepções de vida. Nesse contexto, os meios de comunicação eram concebidos como agentes desse processo cabendo a nós resgatar o receptor dessa reificação impingida pelo sistema, mediante sua conscientização para lutar contra a dominação do Estado capitalista, alia- do aos interesses estrangeiros. Esse paradigma materialista é reforçado pela instalação do regime militar nos país. Essa concepção histórica da relação homem– sociedade vai se desdobrar na teoria crítica. Modelo frankfurtiano (indústria cultural) Entre as décadas de 60 e 80, o modelo frankfur- tiano, em especial a concepção de “indústria cultu- ral” apontava a não-linearidade na relação de domi- nação entre as sociedades capitalistas desenvolvi- das e subdesenvolvidas. A racionalidade técnica, base da modernidade, acaba se transformando em principal instrumento de dominação. O mercado é o eixo explicativo do sistema, onde comunicação e cultura interagem. No nível teórico, o receptor era a razão técnica; no empírico, o sujeito reificava-se em indivíduo/ objeto/ mercadoria/ instrumento. Estruturalismo Segundo Habermas,se a razão técnica não ha- via dado respostas ao processo de dominação, de- ver-se-ia buscar outra forma de uso da razão, a razão comunicativa (teoria da ação comunicativa). O sujeito, sendo deslocado do homem para a estrutura, gerava o sujeito como “estrutura estrutu- rante”, trazendo a necessidade de estudos sobre esse sujeito, seu funcionamento, sua linguagem e seus códigos, cujos desdobramentos se tornaram fundamentais para o pós-modernismo e para os pensadores do pós-68. Na produção teórica e empírica em comunica- ção, entre os anos 50 e 80, percebe-se o movimen- to pendular entre o individual e o social, e a decor- rente dificuldade em identificar o receptor nesse processo, pois não se abdicou do social nem se resgatou o receptor como indivíduo. Apostilas Solução - Professor Educação Básica – PEB II 126 Bibliografia para Língua Portuguesa Neste contexto, foi inevitável surgirem crises, rupturas e buscas de alternativas. Pós-modernismo Sob a ótica pós-moderna, o receptor é por um lado sujeito-indivíduo – que desbrava a si mesmo, e por outro sujeito-social, ou seja, o consumidor soci- al. Trata-se de uma visão focada na negação dos parâmetros que sustentavam teorias generalizantes e marcoexplicativas, como o marxismo e a psicaná- lise freudiana. Embora não se constituíram como um grupo de estudiosos ou uma corrente de pensamento, alguns autores se destacam por suas contribuições ao es- tudo das novas práticas contemporâneas. São os pensadores que constituíram o movimento pós-68, entre os quais Souza destaca: - Touraine – trabalha os movimentos sociais como formas mediadoras do encontro do homem como ator social; - Maffesoli – destaca o lugar crescente das novas tribos urbanas na definição do tempo presente; - Bourdieu – pesquisa como as desigualdades so- ciais se reproduzem na cultura; - Deleuze – coloca a filosofia na costura dos frag- mentos que fazem a diferença da linguagem do homem moderno; - Foucault – escava nos fundamentos científicos da história do pensamento social as bases do saber que se constrói nas micro-unidades da vida social; - Guttari – inter-relaciona psicanálise e tecnologia como eixos explicativos das formas contemporâ- neas do desejo. Essas várias tendências, bem diferentes entre si, em geral, apresenta as seguintes considerações em comum: - são voltadas para o espaço do cotidiano de pes- soas e grupos sociais; - lidam com a fragmentação da vida social e indivi- dual; - buscam capturar as contradições, desigualdades de diferenças sociais; - pesquisam os condicionantes da relação do sujeito com o mundo moderno, admitindo a interdisciplina- ridade como caminho. Uma terceira vertente, a do marxista Antonio Gramsci, vai investigar a negociação e o exercício do poder político nas modernas sociedades, desta- cando os interlocutores do processo de negociação política nas classes sociais e identificando os espa- ços dessa negociação, redirecionando a relação entre ideologia e cultura. Além disso, buscam no âmbito da comunicação os condicionantes do sujei- to, as mediações que vão além do determinismo entre emissor e receptor, sujeito e objeto. O descompasso entre o conhecimento epistemo- lógico, as posturas teórico-metodológicas e as práti- cas de vida geram desdobramentos. Na esfera teórica, a explicação da sociedade atual passa pela primazia da razão ou por uma nova lógica, ligada à sensibilidade. Da mesma forma, passam por dificuldades as questões ligadas ao papel da comunicação na vida social. Portanto, não se pode falar de um conhecimento contínuo e linear nessa área de estudo, mas de pistas sobre as ques- tões em curso. Na esfera da ideologia e da cultura, está a reto- mada do estudo sobre o sujeito, na admissão da pluralidade e da diversidade de lógicas, que seguem práticas específicas e remetem a novas interpreta- ções. A partir destas últimas correntes, o receptor co- meça a ser visto como em situações e condições, e cada vez mais a comunicação busca na cultura a forma de compreendê-lo. É o fim da rígida concepção de lógica social sis- têmica que fazia da cultura uma entidade macro, pouco explicativa no reconhecimento de práticas empíricas. Volta-se ao estudo do sujeito, em especial na América Latina, analisando-se as culturas populares em sua interação com a cultura de massa. Dessa forma, é possível perceber que não existe mais um cenário único de Terceiro Mundo, possível de ser compreendido apenas sob a ótica de uma lógica global, pois existem realmente diversos Ter- ceiros Mundos. Uma análise apenas sob a ótica do mercado também se mostra falha, pela ampliação da sociedade de serviços e pelos espaços ocupa- dos pelos movimentos sociais, políticos e religiosos, que criam novos agentes sociais advindos não so- mente da estrutura de mercado, mas também de outras práticas de vida. Esses desenvolvimentos chegariam à própria comunicação, vista agora não como veículos, mas no processo em que os veículos atuam o que dá a essa comunicação um lugar social, de parceiro da vida. Uma forma de captar também o que foge à expressão do lógico; o que, na sociedade excede à ordem da razão institucional. Os meios não existem isolados, nem as pessoas se expõem a eles isoladamente: compõem uma prática conjugada. A intermídia está tanto na esfera da produção quanto na do consumo. É preciso reconhecer a diversidade de gêneros, linguagens e formatos presentes na interação entre a produção e o consumo, é preciso identificar o mundo das imagens estáticas, como a imprensa escrita, trabalhadas por analogia, no caso dos rá- dios e dos discos, imagens em movimento ou ainda a interação entre imagem, escrita e eletrônica. É preciso pensar a tecnologia não somente como fonte de informações, mas também como aquela que sugere velocidade, está na vida das pessoas e na maneira de ser do mundo e das coisas. Apostilas Solução - Professor Educação Básica – PEB II Bibliografia para Língua Portuguesa 127 Dessa forma, a comunicação deixa de ser ape- nas representação e se torna interação enquanto componente do processo social. A partir da consideração de novas formas de subjetivação no meio social, surge um novo prisma de estudo: - Cotidiano: a comunicação e a cultura vivem no mundo plural das práticas cotidianas, nos modos de viver e fazer. Como as pessoas encontram elos para relacionar-se consigo mesmas, como se vêem a si mesmas e como constroem sua identidade de sujeito. - Popular: elaboração e reelaboração das práticas sociais e dos conteúdos da comunicação de massa. Como trabalhar com a subjetividade numa socieda- de em que o indivíduo já não existe mais, é simula- cro de si mesmo? - Meios de comunicação: espaços de processos de construção de valores grupais, não apenas como expressão do sentido dado pelo produtor ou recep- tor, mas no processo em que ocorre. Enfim, a satu- ração dos meios de comunicação e de informação nos dias atuais não levaria à impossibilidade de construção da subjetividade, que pode vir a ser uma “subjetividade saturada”? O caminho dos estudos de comunicação, princi- palmente nos países da América Latina, está dei- xando um pouco de lado suas vinculações com a sociologia e a política, e se ocupando das ligações dessa comunicação com o mundo plural das práti- cas culturais cotidianas, mas não somente na busca das significações e usos sociais e sim com uma visão de cultura, de como a comunicação pode ser vista com base nessas práticas. Os meios de comu- nicação são, na verdade, o lugar onde a sociedade é simbolizada, por um lado ela é refletida, e por outro são apresentados aos sujeitos os padrões e as possibilidades de ser. O termo “recepção” em si se torna insuficiente, pois traduz visõesde um sujeito que, em determi- nado momento, é tido como “receptor” e em outros como “construtor” e “colaborador” das mensagens. A ruptura da trajetória generalizadora para uma percepção mais ligada ao processo, na qual o sujei- to começou a ser “visto”, surgiu a partir do momento em que a visão do sujeito-objeto passou a não fun- cionar mais, pois os desejos desses sujeitos se tornaram o ponto de mudança nesse olhar que pas- sou a admitir vários ângulos, visualizando tanto o sujeito/indivíduo como suas relações. Segundo Mar- tin-Barbero, “o emissor e o receptor se situam (...) não tanto com relação a um canal, a um meio, po- rém em relação a necessidades e problemas”. AMÉRICA LATINA E OS ANOS RECENTES: o estudo da recepção em comunicação social JESÚS MARTÍN-BARBERO Jesús Martín-Barbero é um dos mais instigantes pesquisadores latino-americanos da atualidade. Seus trabalhos versam sobre o fenômeno da comu- nicação massiva, embora ele se dedique a outras questões como a configuração das cidades e a e- mergência dos novos sujeitos sociais. Para Martín-Barbero, os países latino- americanos vivem com muita freqüência movimen- tos pendulares, esquecendo muito rapidamente tudo que se recuperou em determinado momento e às vezes até a complexidade de nossa sociedade. É um dos pioneiros no tema da recepção em comuni- cação. Para ele, a recepção não é só uma etapa no interior do processo de comunicação, mas um de rever e repensar os estudos e a pesquisa em comu- nicação, o processo inteiro da comunicação. Significa, portanto, explodir o modelo mecânico, hegemônico atualmente nos estudos da comunica- ção onde não há verdadeiros atores nem intercâm- bios. Neste contexto, comunicar é fazer chegar a informação, onde a recepção é o ponto de chegada daquilo que já está concluído. Esta concepção epistemológica condutista está centrada no emissor, enquanto ao receptor caberia apenas reagir aos estímulos do emissor. Esta con- cepção está intimamente relacionada a outra, a iluminista, onde educação era a transmissão de conhecimento para que nada sabia. O receptor era um depósito vazio que receberia conhecimentos originados e produzidos em outro lugar. Segundo o autor, dos anos 60 até pouco tem- po atrás, o que percebemos na AL é a contradição entre dois elementos: a politização absoluta da aná- lise das mensagens e a despolitização, a dissocia- ção do receptor que é pensado apenas individual- mente. O receptor não é vítima manipulada como quer a visão de crítica social de esquerda, que vê o domi- nador politicamente, mas vê o receptor individual- mente, isoladamente. Esta contradição, este descompasso configura- se, segundo Barbero, no ângulo novo por onde de- vemos rever e repensar o processo da comunicação em nossos países, culturas e sociedades. Mediações da recepção: - A heterogeneidade da temporalidade. Requer a- tenção às temporalidades diferentes de cada grupo dentro de uma mesma sociedade, em um mesmo país, em uma mesma região. - As fragmentações sociais e culturais: o que faz com que as pessoas se juntem e se reconheçam ou não? Aqui, significando as tradicionais e estruturais divisões sociais. Ex: divisão entre a informação e a cultura dirigidas para os que tomam decisões na sociedade e a informação e a cultura dirigida às massas. Essa divisão reforça a divisão entre os que detêm o poder e a imensa maioria a quem os meios de comunicação se dirigem. - Um novo organizador perceptivo, um reorganiza- dor das experiências sociais: os diferentes sensori- um: elite x popular, sexo, idade, público x privado, etc. Os valores de nossa sociedade estão sendo refragmentados e rearticulados. Apostilas Solução - Professor Educação Básica – PEB II 128 Bibliografia para Língua Portuguesa Exclusões culturais: De acordo com o autor, não se pode estudar a recepção nem observar a comunicação com base na recepção sem analisar o processo de exclusão cultural, ou seja, a desqualificação e a deslegitima- ção, destacando: - Desqualificação do gosto popular como “mau gos- to”. - Deslegitimação da cultura dos gêneros narrativos como “pobre”. - Deslegitimação dos modos populares de recepção mais afetivos e expressivos. Artifícios e tentações Segundo Martín-Barbero, o estudo da recepção está atualmente ameaçado pela crença no slogan publicitário de que o consumidor é quem tem a pa- lavra. Essa idéia é falsa. Acredita-se que o poder de decisão é dele: ele decide o que vê, o que lê e o que escuta. Entretanto, ele não detém o poder so- bre a produção do que ele consome. Portanto, de- pende do que ele consome e também de como ele consome. Não se faz boa comida com ingredientes ruins. Para democratizar os meios de comunicação, é preciso descer do pedestal intelectual e fazer pes- quisas para dar forma às demandas sociais. Mas sem achar que o receptor, já que ativo, pode fazer coisas boas de qualquer “lixo” que lhe for oferecido. Por fim, o autor aponta as chaves da trama concei- tual de onde investigar a recepção: - Estudos da vida cotidiana, local onde os atores sociais se fazem visíveis do trabalho ao sonho, da ciência ao jogo. Aqui reside o grande desafio: que papel exerce a práxis cotidiana na comunicação? A vida cotidiana é espaço de reconhecimentos soci- almente importantes? - Estudos sobre o consumo: - consumo como prática de apropriação dos produtos sociais; - consumo como lugar da distinção simbólica, por meio do que consumimos materialmente e dos modos de consumir: lugar de diferenciação social, de demarcação das diferenças, de dis- tinções, de afirmação da distinção simbólica; - consumo como sistema de integração e de comunicação de sentidos; - consumo como cenário de objetivação de de- sejos; - consumo como lugar de processo ritual se- gundo os diferentes atores sociais, grupos, classes, etnias e gerações. - Estudos sobre estética e semiótica da leitura: a leitura como interação. - História social e cultural dos gêneros artísti- cos/narrativos. O gênero não é algo que passa ao texto, mas que passa pelo texto. Não é só uma es- tratégia de produção e de escrita, mas uma estraté- gia de leitura. Concluindo, Jesús Martín-Barbero diz que “o gênero é hoje lugar-chave da relação entre matrizes e formatos industriais e comerciais. (...) O Gênero é lugar de osmose, de fusão e de continuidades histó- ricas, mas também de grandes rupturas, de grandes descontinuidades entre essas matrizes culturais, narrativas, gestuais, estenográficas, dramáticas, poéticas em geral, e os formatos comerciais, os formatos de produção industrial”. RECEPÇÃO: PESQUISA INTERDISCIPLINAR, INCIPIENTE E POLÊMICA GÊNEROS FICCIONAIS: materialidade, cotidiano, imaginário SILVIA HELENA SIMÕES BORELLI O texto apresentado de Silvia Helena Simões Borelli fala dos gêneros e da facilidade que estes trazem tanto para a produção quanto para a recep- ção. Para a autora, os gêneros funcionam como possíveis indutores de “pré-leitura”, ou seja, eles resgatam a memória e o leitor, a partir de conheci- mentos que este já possui. Para ela, a análise dos gêneros ficcionais deve ser entendida como um momento mais geral de reflexão sobre manifestações de massa e produtos culturais industrializados, sobre a forma como eles foram produzidos em seus respectivos campos e distribuídos e consumidos no interior da sociedade. A autora faz um estudo sobre as diferentes interpre- tações sobre o significado dos gêneros, ressaltando que no campo literário o próprio conceito desperta dissensos, controvérsias e divide opiniões. A noção de gênero como agrupamento de obras literárias segundo uma classe e subordinado à estética, oca- sionaria uma limitação no espaço, segundo alguns autores. Nos espaços audiovisuais, a reflexão sobre gê- neros permite interpretações variadas. Atransposição de uma obra literária para o ci- nema e a televisão, mesmo que no processo man- tenham suas características globais, se apropriam de algumas das características da linguagem dos portadores utilizados. Portanto, no campo audiovisual, gênero é uma categoria abrangente capaz de classificar uma série bem diversificada de elementos e servir como elo dos diferentes momentos da cadeia que une espaço de produção, anseios dos produtores culturais e do receptor: verdadeiros modelos culturais. Os gêneros ainda podem ser percebidos como “construções ideológicas” indutoras de uma “pré- leitura” que restringe a livre atribuição de significa- dos por parte da “comunidade interpretante”. Nesta concepção, os gêneros são instituições com função de caráter ideológico, construindo signi- ficações e subjetividade capaz de relacionar “arte e sistema”. Podem, também, ser entendidos como “estraté- gias de comunicabilidade”, “fato cultural” e “modelo dinâmico” articulados às dimensões históricas de espaço onde são produzidos e apropriados. Apostilas Solução - Professor Educação Básica – PEB II Bibliografia para Língua Portuguesa 129 Possuem, na mesma matriz cultural, referenciais comuns tanto a emissores e produtores como ao público receptor. Segundo a autora, o padrão dos produtos cultu- rais industrializados pressupõe, além dos gêneros ficcionais, outros padrões específicos: tecnológicos, de produção, distribuição, gerenciamento burocráti- co-administrativo das industriais culturais. Outra questão que se coloca diz respeito às al- ternativas de renovação ou de esgotamento. Neste contexto, os gêneros são modelos dinâmicos, com estruturas variadas resultantes da conexão entre um ou mais gêneros, entre formas ou através da intro- dução de novos elementos. Alguns fatores de contextualização influenciam no direcionamento e dinamicidade dos gêneros. O gênero telenovela, fundamental para a consolidação da televisão no Brasil, iniciou de maneira melodra- mática nos anos 50 e 60, passando, progressiva- mente a responder às necessidades de uma socie- dade que se moderniza e respondeu pela ampliação do mercado de bens simbólicos, aumento do con- sumo de aparelhos de televisão, modernização das técnicas de estruturação empresarial e desenvolvi- mento tecnológico, entre outros. Por último, a autora cita que com relação à re- ceptação, as preocupações giram em torno da aná- lise de quem é esse receptor, como se processa a produção de seu universo simbólico e quais são as especificidades da cultura popular em suas condi- ções de uso e relações com a cultura de massa. A TELENOVELA AO VIVO – MARTA MARIA KLAGSBRUNN No texto A telenovela ao vivo, Marta Maria Klagsbrunn fala do desenvolvimento da televisão enquanto tecnologia e como novo aporte de estudos da recepção. Diz que a partir de 1963, a utilização do videoteipe na produção das novelas brasileiras transformou a concepção desse produto cultural consumido por grande maioria da população. (A morte sem espelho, de Nelson Rodrigues, pela TV Rio e 205499, ocupado em São Paulo, pela TV Ex- celsior). A princípio, com o slogan “o rádio com imagem”, a televisão foi introduzida no país na década de 50 e a partir daí assumiu um papel social tanto dentro do espaço doméstico como objeto conotativo de status social ao proprietário e canalizando para suas residências um público específico, os televizinhos. No princípio, a televisão era feita “em direto”, ao vivo, o que colocava uma responsabilidade muito maior sobre o desempenho dos profissionais: “errou ficou errado”. A improvisação dava o tom daqueles tempos: “aprender fazendo”. O objetivo era dominar a técnica e conquistar o público. O teatro televisivo era o produto nobre de maior prestígio, apresentando obras de peso universal em geral de conhecimento do público. Em todos os programas ao vivo, o tempo da emissão/atuação e o da recepção era o mesmo. Assim as dificuldades enfrentadas na transmis- são tanto dos teleteatros como das telenovelas e- ram as mesmas. Porém, os primeiros exigiam mais ensaios, quantidades de meios técnicos e disponibi- lidade de pessoas para o mesmo programa. Assim, na evolução da ficção na televisão brasi- leira aglutinaram-se dois fatores, sendo o primeiro, o elemento dramatúrgico exercendo papel fundamen- tal na relação do público, como aconteceu com o folhetim na ampliação e formação do público leitor do jornal no século XVIII. O segundo fator diz res- peito às especificidades do próprio meio televisivo: as dimensões da telinha, seu lugar de prestígio em meio à vida das pessoas pediam produtos formata- dos com apelo intenso, curta duração e cujo tom indicasse proximidade com o telespectador, como acontece com as novelas em capítulos. Mesmo apesar das dificuldades, esses dois fato- res determinaram a exigência de se criar uma lin- guagem específica e original para o veículo. Tam- bém com relação à temática e à interpretação, fo- ram tratadas segundo as dimensões características da telinha, a proximidade com o receptor e a inser- ção no núcleo familiar. A telenovela, neste contexto, surge com um for- mato de dramaturgia próprio para atender, agradar ao público e garantir o sucesso. No início, o número de personagens era bem pequeno e apesar da incorporação das característi- cas do folhetim não desenvolvia tramas paralelas. Os produtores não se contentavam com os s- cripts importados e fórmulas prontas e sentiram a necessidade de adaptações. Ao trabalhar a sua própria linguagem, a telenovela brasileira lança uma expressão própria e diferenciada para a ficção po- pular. Assim, na constante busca da qualidade e cen- trada na estrutura do folhetim em capítulos, aberta a experimentos e inovações aprimora uma linguagem específica para o produto televisivo, conjugando linguagem, temas universais com aspectos do coti- diano brasileiro, tanto nos temas como na forma de representação. A televisão concedia prestigio social à família: a casa era o centro de convivência familiar que se ampliou com a incorporação da vizinhança, pois seu público-alvo incluía os televizinhos. A crítica era feita pelo público diretamente às revistas especializadas em televisão. Denotam que o público participava ativamente do processo de desenvolvimento do meio, exercendo o papel de crítico com o objetivo de modificar tanto em termos de programação, de técnica, de escolha de atores, cenários, etc. O público do novo veículo se situava nas classes A e B e somente depois incorporou o público do rádio, representado pelas camadas populares. Dessa forma, a telenovela, assim com o folhetim no século XVIII, liderou e consolidou a televisão como veículo de comunicação de massa no Brasil. Apostilas Solução - Professor Educação Básica – PEB II 130 Bibliografia para Língua Portuguesa COMPORTAMENTO E RECALL NA AUDIÊNCIA DE TV ANTONIO MANUEL TEIXEIRA MENDES Partindo da análise do desenvolvimento da tele- visão enquanto tecnologia e como novo veículo de recepção, o texto de Antônio Manuel Teixeira Men- des tece uma análise sobre o comportamento do receptor, tanto diante da programação quanto dos comerciais inter-programação. Apresenta duas pesquisas que não apontam grandes divergências na audiência, contudo apre- senta diferenças em relação ao tempo de exposição diante da tevê e a penetração de cada gênero de programa conforme o público estudado. Para o autor, é possível que a disputa por audi- ência nos próximos anos se intensifique entre as redes de TV, principalmente entre os consumidores urbanos de alta renda (que consomem outros pro- dutos: filmes, videocassete (DVD), jogos eletrôni- cos, controle remoto, etc.). Apresentação das pesquisas Primeira pesquisa:realizada em 18/05/1990 sobre hábitos de audiência, tempo médio de exposição à TV, conhecimento da programação, comportamento nos intervalos comerciais, etc., com 1080 telespec- tadores da cidade de São Paulo. Segunda pesquisa: realizada entre 19 e 20/05/1990 com o objetivo de detectar o comporta- mento dos telespectadores que assistiam à progra- mação durante os intervalos comerciais, nível de atenção, lembrança de comerciais, recall de marcas de produtos, etc. envolvendo 494 telespectadores residentes em áreas nobres da cidade de São Pau- lo, por telefone (pesquisa flagrante). Exposição à TV Mais de 3h00 em média e 3h45 aos do- mingos: 20% do tempo em que a pessoa permanece acordada. As mulheres ficam mais 20’. Os mais jovens se expõem mais à TV. Quanto a escolaridade, os de nível universitário se expõem menos que os de nível médio, assim como é menor a exposição daqueles com renda familiar mais alta. Em todas as classes, o tempo de exposi- ção aumenta nos fins de semana. Índice de conheci- mento da programa- ção 51% demonstraram conhecimento (22% conhecimento baixo e 27% alto conheci- mento). As mulheres atingiram nível mé- dio de conhecimento maior que os ho- mens. Os mais idosos (com mais de 41 anos) conhecem menos a programação que os mais jovens e apesar de menos exposto à TV os mais escolarizados es- tão mais informados que os outros. Audiência nos interva- los comerci- ais (pesqui- sa flagrante) TV com controle remoto: 66 % entre os mais abastados possuem, contra 33% dos de todas as outras sociais. 55 % dos telespectadores ficaram vendo os comer- ciais e quanto mais jovens, a tendência é permanecer menos diante da TV durante os comerciais. Qualificação da audiência nos intervalos I) audiência completa:13%; II) audiência compartilhada: 22%; III) audiência não uniforme: 3%; IV) afastamento do vídeo: 55%; V) mudança de canal: 7% Os homens ficam mais tempo diante da TV nos intervalos, mas dividem a atenção com outra atividade. Nos intervalos inse- ridos nos programas, a atenção é maior. 22% dos expectadores vêem TV conco- mitantemente a outra atividade sendo mais freqüente a conversa, porém varia de acordo com cada faixa de horário e idade. O controle remoto impacta nos hábitos do telespectador. Lembrança dos comerciais 74 % não se lembrou do último co- mercial apresentado. As taxas de lembrança das marcas são ainda menores não havendo diferença en- tre homens e mulheres e diminuem ainda entre os mais jovens. Quem possui controle remoto lembra menos dos comercias e marcas de produtos. As taxas são similares quanto à lem- brança se os comerciais são simila- res nos diferentes horários. A proba- bilidade de lembrança de um comer- cial é maior quando o programa é mais longo ou está inserido no meio do programa, sendo bem menor nos intervalos entre programas. RECEPÇÃO: PESQUISA INTERDISCIPLINAR, INCIPIENTE E POLÊMICA ETNOGRAFIA DE AUDIÊNCIA: UMA DISCUSSÃO METODOLÓGICA ONDINA FACHEL LEAL No texto, “Etnografia de audiência: uma discus- são metodológica”, Ondina Fachel Leal, antropóloga de formação, disserta sobre os métodos de pesqui- sa para um estudo de recepção na análise do im- pacto social da novela das oito. As mediações com fundamentos teóricos são cruciais para a análise da interpretação da mensagem recebida pelo telespec- tador. Segundo ela, esse produto é aberto aos estudos de recepção por que a mesma mensagem é decodi- ficada por grupos diferentes, “negociação do signifi- cado”. Ela busca empreender uma discussão metodoló- gica a respeito dos estudos de etnografia da audi- ência em relação à recepção da telenovela. A autora diz que é o olhar antropológico que conduz o direcionamento de sua análise sobre o objeto, no caso, a telenovela: “eu não sou da comu- nicação, mas a tenho como objeto”. Assim sendo, embora seja um estudo de comu- nicação, é também um exercício antropológico e etnográfico. Sua base de discussão é o diário de campo, feito sistematicamente no curso dos traba- lhos, segundo ela o instrumento ideal para esse tipo de estudo. Escolhe a novela das “oito”, telenovela do horário nobre da Globo, justificando sua escolha em função do grande número de audiência que esta telenovela possui. Apostilas Solução - Professor Educação Básica – PEB II Bibliografia para Língua Portuguesa 131 Segundo dados da autora, 50 milhões de pesso- as assistem à telenovela por dia. Sua intenção pri- meira com a análise de campo é observar como tal telenovela é entendida, decodificada, vivenciada por grupos diferenciados de pessoas. A delimitação do objeto se dá a partir da classe social. O local escolhido para a pesquisa de campo é um boteco, muito embora sua intenção inicial seja observar a recepção da telenovela por uma classe social, de forma secundária, ela deseja obter alguns dados particulares, através da audiência masculina da telenovela. Na escolha do recorte pela classe social, por exemplo, Fachel se encontra com um problema de ordem metodológica que é: “se o receptor é neces- sariamente segmentado, torna central toda a pro- blemática metodológica de investigação a respeito de a recepção dar conta dessa segmentação.” Ondina Fachel fala, em seu texto, como se pro- cessou a escolha de parâmetros e pressupostos que orientaram sua pesquisa. A partir da definição da classe social como pa- râmetro básico para a análise, outras questões com relação ao seu estudo sobre a recepção da teleno- vela vão surgindo. Dessa forma, é possível fazer proposições a respeito desse tema, promover inter- pretações e entender certos sentidos implícitos no universo do objeto analisado. Três procedimentos metodológicos foram utiliza- dos para o empreendimento de sua investigação. Primeiro, a escolha de parâmetros relativizado- res, para nortear o cruzamento dos dados apresen- tados. O segundo foi fazer uma etnografia da audiência e não da recepção em si, já que o termo recepção abrange um universo bem mais amplo, enquanto a audiência é considerada a partir de um evento es- pecífico. O terceiro ponto foi o que se considera na antro- pologia como ‘evento de fala’, ou seja, analisar a partir do gestual, dos comentários, das intervenções ou não feitas pelos receptores/audiência no momen- to da situação receptiva. Um último procedimento da autora foi a análise da experiência de recontar a novela. Ela fundamenta seu presente trabalho com a categoria de cultura a partir das idéias propostas por Geertz. Para justificar a escolha de um objeto da comu- nicação, ela parte da noção de cultura como um sistema de significados que transforma em secun- dária a questão de quem é o produtor legítimo de um bem cultural, pondo em evidência assim as rela- ções do consumo cultural e não da produção. Do ponto de vista da antropologia, ela considera a televisão e a telenovela são objetos fundamentais do espaço doméstico sendo essa característica essencial para o fazer etnográfico. Enfocando a narrativa da telenovela, a autora tece considerações sobre a fórmula do mito, familiar ao antropólogo: o mito tem relação com a crença. Assim, o que é apresentado pela mídia passa por um filtro que leva em conta o contexto social e doméstico de envolvimento dos receptores acerca do mito apresentado. Concluindo, na análise dos dados fornecidos no diário de campo, a autora evidencia sua angústia em perceber as pistas encontradas em sua pesqui- sa: a pertinência de um receptor ativo no processo de codificação e decodificação da mensagem midiá- tica é desconsiderada por uma comunidade acadê- mica da comunicação e a literatura disponível nesse meio que não tratam dessa questão. Isso revela seu entendimento dos estudos de comunicação tradicionais, que desconsideram a questão da recepçãoem comunicação e, através do desenvolvimento da pesquisa etnográfica, ela pre- tende comprovar sua hipótese contrária a essa idéia tradicional. A DECODIFICAÇÃO DO DISCURSO ADULTO DA TELEVISÃO PELO PÚBLICO INFANTIL ROSELI STIER AZAMBUJA Roseli Stier Azambuja fala em seu texto da audi- ência infantil de produtos desenvolvidos para o pú- blico adulto, além de falar da recepção da criança e da necessidade de que o conteúdo tenha caracterís- ticas de verdade para que ela o aceite. Segundo a autora, é necessário entender como a criança decodifica o discurso adulto da TV uma vez que ela passa muito tempo em frente à TV. Dados de pesquisas apontam que: - Não há diferenças significativas em termos de sexo, idade e classe social: crianças assistem em média 4 horas/dia. - Embora seja a atividade mais freqüente, não é a preferida, para elas, ver TV é a atividade para mo- mentos em que estão dentro de casa, e elas vêem mais em dias frios e de chuva. - A TV é companhia preferida nos momentos de solidão, sendo que os meninos, quando sozinhos gostam mais de ver TV que as meninas. Estas gos- tam tanto de ver TV quanto de ouvir música. - Os pais interferem pouco sobre o tempo de ex- posição da criança à TV. Aumenta um pouco em relação ao tipo de programa assistido. Esse controle é exercido proporcionalmente à idade da criança: os menores e as meninas são mais controlados, espe- cialmente sobre cenas de terror e sexo muito mais do que sobre cenas de violência, tiros, brigas, ex- plosões, etc. - A TV opõe e ratifica, aos olhos infantis, uma ação masculina (que envolve força) a uma expres- são feminina (à base de sensibilidade e comunicabi- lidade). Apostilas Solução - Professor Educação Básica – PEB II 132 Bibliografia para Língua Portuguesa - A forma como a criança decodifica o discurso adulto na TV é muito afetada pela decodificação do discurso dos pais. Segundo a autora, mães passi- vas em relação às propagandas de TV estimulam os filhos a uma alta predisposição ao consumo. Segundo a autora, a recepção infantil do mundo da televisão indica que diante desta não existe ape- nas um receptor infantil, mas uma célula familiar que afeta todas as condições de recepção. Contra a TV, é dito que o contínuo de imagens seguidas – novela seguida de noticiário, noticiário seguido de novela, etc. – confunde as crianças e elas constroem imagens desconexas por isso. Pes- quisas mostram que a criança decodifica essa gama de imagens, aparentemente desarticuladas, segun- do uma lógica própria. Notícia, por exemplo, sinaliza a predominância da “má-notícia”. A análise do discurso publicitário reforça e/ou ilustra pontos dessa lógica infantil, pois as crianças, sobretudo as menores, tendem a interpretações literais, mas lidam muito bem com simbolismos que sejam de fácil compreensão e que sejam intrínsecos e adequados àquilo que determinada propaganda está querendo comunicar.A criança precisa de men- sagens claras e enredos pertinentes. Ela é crítica: o qu e não é verdadeiro, ela rejeita. Segundo a autora, outros pontos importantes: - A criança gosta de informação; - A criança gosta de se divertir à custa do mundo dos adultos; - A criança gosta do produto ou da propaganda que a faça sentir-se mais velha. Enfim, a criança gosta do discurso adulto, na TV ou não, capaz de respeitá-la como ela é. “Tem gente que trata a gente como gente gran- de. Eu gosto de ser tratada como criança. Por- que é verdade.” (Daniela – 9 anos) MINHA TERRA TEM PANTANAL ONDE CANTA O TUIUIÚ... A GUERRA DE AUDIÊNCIA NA TV BRASILEIRA NO INÍCIO DOS ANOS 90 ANA MARIA BELOGH Neste texto, Ana Maria Belogh faz uma análise da novela Pantanal com relação a outros produtos midiáticos da época. A autora credita as causas do sucesso da novela Pantanal, em detrimento da re- paginação que os outros canais fizeram para atrair o público, às inovações nos elementos narrativos e discursivos, na abordagem da temporalidade da saga, no enredo, na locação, nos recursos técnico- expressivos empregados e na seleção de atores, entre outros. Fazendo uma análise bem detalhada, a autora descreve o sucesso da novela Pantanal (1990, TV Manchete, 21h30), escrita por Benedito Ruy Barbo- sa e dirigida por Jayme Monjardim, que resgata as paisagens incríveis, a beleza bucólica e idílica do Pantanal Mato-grossense, tudo filmado num plano cinematográfico que encantados abandonam o SBT e a Globo, após anos de hegemonia da segunda. Está detonada a guerra por audiência mais feroz da história da televisão brasileira. A Globo permaneceu na liderança absoluta por mais de vinte anos, exceto por momentos pontuais (Dona Beija – Manchete e Pássaros Feridos – SBT), com os maiores índices de audiência da história. Sua fórmula consistia num mosaico de progra- mação que mantém ofertas e formatos e gêneros que quase não se modificaram no decorrer dos a- nos: novela das seis, novela das sete, Jornal Nacio- nal, novelas das oito. Cada novela destinava-se a um público específico: A novela das seis era direcionada a jovens, ido- sos e donas de casa que presumivelmente não tra- balhavam fora, trama água com açúcar em doses homeopáticas em que as questões amorosas preva- leciam sobre as sociais. A novela das sete jogava com outras linguagens e gêneros, alguns previamente adaptados para a TV sempre com o tempero do humor. A novela das oito direcionava-se ao público adul- to, trazia temas mais fortes e polêmicos. Neste ho- rário, não só o aspecto temático era tratado de for- ma mais contundente como os conflitos entre as personagens eram abordados de forma mais densa e mais realista. Por exemplo, somente personagens de segundo escalão eram punidas, a maioria de ricos corruptos escapa ilesa. Em linhas gerais, esse era o mosaico da Globo quando Pantanal entra e abala sua liderança. Como e por que a Manchete consegue tal proe- za? Disputavam a liderança Globo, Manchete e SBT. A guerra pela audiência no horário gerava cenas de violência e sexualidade exacerbadas para a época e Pantanal veio como um alento para abrandar o es- tado das “coisas na telinha”. Para retomar a audiên- cia, a Globo mudou várias vezes sua programação, convocou seus profissionais de maior gabarito, (Ra- inha da Sucata não emplacou como deveria), criou novidades de última hora, filmes de violência e a nudez parcial de Claudia Raia não altera a situação junto ao Ibope. Enquanto isso, a Manchete, com o slogan “O Brasil que o Brasil não conhece passa pela Manche- te” continuava na liderança do horário nobre e pre- para o telespectador para sua futura novela de fic- ção (Ana Raio e Zé Trovão). Considerada do ponto de vista narrativo, Panta- nal contrapõe um processo brutal de degradação com outro de melhoria. Ao contar a história da famí- lia de José Leôncio e as das famílias com as quais ela se relaciona em três gerações sucessivas, se- gue uma tendência da época (Os Waltons, Bonan- za, Dinastia e Dallas). A novela traz o realismo mágico (Maria e Juma Marruá transformam-se em onças, Xeréu Trindade tem pacto com o Cramulhão, o Velho do Rio trans- forma-se em sucuri), os contadores de causos e os violeiros cantores de modinha (Sergio Reis e Almir Satter). Apostilas Solução - Professor Educação Básica – PEB II Bibliografia para Língua Portuguesa 133 Traz também um elenco de experientes atores (Claudio Marzo, Jussara Freire e Ângela Leal), jo- vens e alguns desconhecidos carismáticos e que deram certo (Cristiana de Oliveira, Paulo Gorgulho). Pantanal cria ainda um micro universo paralelo: a volta do paraíso perdido e o mito do bom selvagem. A exploração do espaço amplo, belo e exótico do Pantanal, as tomadas aéreas cinematográficas, os amanheceres e entardeceres, enfim, asuperstar de Pantanal é a própria natureza, sua fauna, sua flora. O tratamento da temporalidade também se diversifi- ca. A primeira fase da novela, nos anos 40, ocorre no Paraná e corresponde às lutas pela terra por parte dos posseiros a degradação de Gil e Maria Marruá. A edição é rápida. A segunda parte da novela se passa nos anos 90, retrata a melhoria de José Leôncio e corre lenta à moda do Pantanal, contrapondo-se ao ritmo frené- tico e fragmentário das novelas da Globo. Além dos elementos narrativos e discursivos e dos recursos técnico-expressivos em Pantanal, há uma escassez de merchadising na 1ª. fase (aparece na 2ª. – cremes de beleza e insumos e máquinas agrícolas). Para retomar seu filão no horário nobre, a Globo teve de se render a mudanças e inovações, além de convocar estrelas e sex-symbols made in Pantanal para sua constelação. As grandes concorrentes do horário nobre conti- nuam na disputa: a Manchete se “ecologiza”, a Glo- bo se “moderniza” e o SBT se “mexicaniza”. Mas isso será objeto dos próximos capítulos. PESQUISA DE RECEPÇÃO E CULTURA REGIONAL NILDA JACKS Em pesquisa de recepção e cultura regional, Nilda Jacks afirma que o receptor é o sujeito do processo e da pesquisa. Para ela, o recente desenvolvimento dos estudos de recepção no Brasil está muito vinculado ao cená- rio latino-americano, que em meados da década de 1980 trouxe para o debate as preocupações que circulavam entre parte dos pesquisadores norte- americanos e europeus. O Brasil carece de pesqui- sas sobre o tema. A produção brasileira ainda está por ser analisa- da de forma mais sistemática e o levantamento so- bre os estudos de recepção dos meios de comuni- cação ainda estão em andamento. Nesse contexto, parte para a análise da recep- ção. A mensagem é uma forma cultural aberta a dife- rentes decodificações. Já a audiência é formada por indivíduos ativos, produtores de sentido. Os estudos de recepção envolvem, assim, uma leitura compara- tiva entre os discursos da mídia e da audiência. A cultura e a identidade influenciam os indivíduos em seus comportamentos, sentimentos e atitudes. A identidade cultural desempenha papel funda- mental entre sujeito, indivíduo e sociedade; ela dife- rencia o ser que apenas está diante da oferta e a- quele que atua no produto que recebe da mídia. Cultura Regional, questão de mediação A estratégia das grandes redes de TV pretende entrar no mercado nacional através da regionaliza- ção: produção descentralizada ou emissão de cará- ter regional. O foco coloca nas mãos da indústria cultural um projeto cultural ligado às manifestações específicas de cada região. Para Jacks, o foco no cotidiano regional amplia as possibilidades de compreensão das inúmeras condições de recepção a que estão sujeitas as mensagens massificadas, acrescentando às dife- renças socioculturais determinadas pelas classes a questão da inserção do receptor em um contexto histórico-geográfico com especificidades próprias. Identidade Cultural como mediação simbólica Jacks afirma que a identidade cultural sempre realiza a contextualização do homem com seu meio, seu grupo social, sua história, em um processo de consciência que impede sua alienação. Para ela, a identidade cultural desempenha um papel fundamental na interação entre sujeito, indivi- dual ou social, e a realidade circundante, mediando os processos de produção e de apropriação dos bens culturais. É essa mediação que garante o significado da produção cultural e o sentido do consumo de bens simbólicos, sem o qual esse consumo torna-se um processo vazio, podendo vir a ser um ato alienado e alienador. (...) a identidade cultural é a expressão do imaginário e das condições materiais de uma popu- lação historicamente determinada, de uma comuni- dade de interpretação. Região, território a conhecer Estudar as mediações significa incursões a cam- pos cujos objetos não são os tradicionalmente tra- balhados pela pesquisa de comunicação. Significa focalizar a região em todos os seus contextos, reali- zar a compreensão total de seu território para que a mediação seja apreendida na sua amplitude e com- plexidade. A cultura regional admite a coexistência de sub-culturas, sendo ela mesma uma sub-cultura em relação à cultura geral. RECEPÇÃO: O MUNDO POLÊMICO DAS MEDIAÇÕES SOCIAIS MARIA RITA KEHL No texto seguinte, Maria Rita Kehl, diz que desde que a TV foi inventada, ela produz efeitos no espec- tador. Segundo ela, há uma relação imaginária entre recepção de informação e produção de resposta que segue a ordem de realização de desejos que se dá a partir do discurso televisivo. Apostilas Solução - Professor Educação Básica – PEB II 134 Bibliografia para Língua Portuguesa A interdisciplinaridade dos estudos da comunica- ção social mostra-se evidente, como no texto da psicóloga, Maria Rita Kehl, que analisa, sob o pris- ma da psicologia de Freud, a recepção de telespec- tadores por meio de um enfoque no público infantil. A autora utiliza-se desta experiência de fruição para explicar o predomínio da “cultura do espetáculo” nos meios de comunicação. A relação da televisão com o espectador em geral, e com a criança em especial, é uma relação de sedução. O sedutor diz: “Eu sei o que você dese- ja”, e insinua: “Eu tenho o que você deseja”. Kehl afirma que o discurso televisivo assumiu um papel importante demais na mediação da relação das pessoas com o que é real e vem substituindo, de forma crescente, outras dimensões da experiên- cia, atingindo de forma violenta todas as classes sociais. Essa violência é difícil de detectar e combater porque vem travestida de sedução e produz uma insatisfação generalizada, um desconforto crescente que seria a forma atual do mal-estar na civilização segundo a teoria freudiana. Citando Freud, ela diz: se ele apontava a repres- são sexual como causador desse mal-estar, o enco- lhimento da dimensão da experiência é o principal fator de redução das possibilidades humanas nas sociedades industrializadas, dos países ricos ou dos, como o Brasil, de desenvolvimento desigual. VIOLÊNCIA, FICÇÃO E REALIDADE SERGIO ADORNO O sociólogo e professor Sérgio Adorno tem como temas centrais de seus estudos a violência urbana. Para ele, a violência é uma constante na sociedade brasileira, cuja democracia, afirma o pesquisador, ainda não está consolidada. Em “Violência, ficção e realidade”, Sérgio Adorno realiza uma relevante análise da importância dos dados da imprensa e de como a maneira de recepção dos espectadores molda o foco das mensagens transmitidas, em rela- ção ao tema da violência. Em sua obra, constata-se que a imprensa é fonte indispensável de investigação que trata das percep- ções sociais. Muitas vezes, a imprensa é um retrato do social, mas também há uma dramatização de construção de realidades que não correspondem aos dados oficiais, por exemplo. À medida que o crime foi se tornando tema cada vez mais presente no cotidiano do cidadão e na mídia, é necessário analisar alguns aspectos do perfil da violência tal como ela se apresenta na im- prensa e na mídia eletrônica. 1º) A violência é qualificada de um modo geral como violência criminal, porém há outras formas de vio- lência, não tão citadas pelas mídias como a violação dos direitos humanos, violência no campo, violência contra as crianças, violência nas relações interpes- soais. 2º) A imprensa como fonte de informação e pesqui- sa. O autor defende a confiabilidade da imprensa como uma das fontes, porém havendo outras. 3º) A imprensa cumpre seu papel de divulgar, dis- seminar e veicular informações inacessíveis nas chamadas fontes oficiais. Assim é de fundamental importância o papel da imprensa como fonte indispensável de investigação. Trata-se de importante veículode expressão das percepções sociais quanto à criminalidade, ao cri- me, ao criminoso e ao modo como a sociedade transforma o assunto num problema de interesse público. Quais imagens a imprensa expressa sobre crimi- nalidade? 1) A criminalidade não só aumentou como se tor- nou mais violenta, além disso, aparece em grande escala a criminalidade organizada. 2) Há um consenso nas causas da criminalidade, na associação entre pobreza e criminalidade: au- menta a pobreza, cresce a criminalidade. 3) A imprensa refere-se ao perfil dos criminosos como desocupados, vindos de famílias desorgani- zadas, maioria de negros, pobres e migrantes do norte e nordeste. 4) Atitude crítica acentuada às agências de conten- ção da criminalidade, à polícia, à justiça e às pri- sões. (...) falar em direitos humanos hoje é falar também no enfrentamento do crime. (...) uma políti- ca de segurança pública adequada deve estar co- nectada com sólidas políticas de direitos humanos. (...) se para conter a violência há abuso de autori- dade, o resultado será sempre violência sobre vio- lência, numa espiral crescente e de difícil solução. (...) se nesse combate não forem aplicadas com toda a precisão a lei e as regras da sociedade e não for punido convenientemente o criminoso, teremos um vácuo de autoridade e o crescimento geométrico da impunidade. Segundo Adorno, “é parte do nosso projeto de pesquisa entender por que se pune de maneira tão insatisfatória neste país. Entender como a democra- cia brasileira ainda convive com os desafios coloca- dos pelo controle da violência e do crime.” Para isso, ele tem seguido algumas linhas de estudo: 1) Para ele, é necessário compreender a violência na sociedade, a violência de civis contra civis, e como isso se vincula à carência de direitos econô- mico-sociais, de instituições, de um processo civili- zacional completo. 2) Além disso, o pesquisador constata, com preo- cupação, certa indiferença com relação ao que se passa nas periferias. Falta de respeito à diferença e indiferença são as duas faces de uma mesma moe- da. 3) Se uma pequena parcela da população pobre está de alguma maneira ligada ao tráfico de drogas e outras atividades criminosas, a maioria dela assis- te silenciosa à violência, sofrendo, também silencio- samente, suas duras conseqüências. Para ele, “a miséria fragiliza essa parcela substantiva da popu- lação. Apostilas Solução - Professor Educação Básica – PEB II Bibliografia para Língua Portuguesa 135 Por isso, enquanto nos bairros de classe média e média alta as taxas de crimes contra o patrimônio são mais altas e as de crime contra a vida, muito mais baixas, nos bairros da periferia a situação é exatamente inversa”. 4) A justiça é morosa e lenta para a expedição de sentenças e a um custo elevado. 5) As prisões são escolas de crimes. Os estudos de Sérgio Adorno indicam que a soma de fatores como a ausência de instituições de proteção social, um contingente muito grande de população jovem, um congestionamento habitacio- nal e um espaço social público degradado, ou seja, a ausência de políticas abre caminho para a chega- da do crime organizado, para o tráfico de drogas, e para a violência tanto de grupos da sociedade civil como da própria polícia. A solução para tudo isso, como diz o pesquisador, “é fazer com que as pes- soas tenham uma relação de reciprocidade caracte- rizada pela justiça e pelo mínimo de igualdade, além de criar políticas de segurança eficientes, muito diferentes das que temos hoje”. Porém, segundo o autor, a imprensa não se ocupa dessa ques- tão.Finalizando, ele tece comentários sobre a dra- matização da criminalidade afirmando que a im- prensa não a cria, ela é a expressão de profundos sentimentos populares. MODERNIDADE E CULTURA RENATO ORTIZ Renato Ortiz fala da modernidade e de suas conseqüências para a vida no âmbito geral, das mudanças e alterações que retiraram o indivíduo do campo de espectador passivo para o de receptor atuante. A noção de modernidade pertence ao do- mínio da racionalidade, ela implica uma dimensão da sociedade na qual é possível atuar, desta ou daquela maneira. Neste sentido, ela não é constitu- tiva da sociedade. Trata-se de uma concepção da- tada historicamente. A modernidade é ocidental e carrega um padrão de excelência em relação ao que todos os outros deveriam ser comparados. As- sim povos, países e regiões “mais” ou “menos” mo- dernos. A modernidade é realmente ocidental? Para o autor, ela apenas realiza-se historicamente em determinados lugares da “Europa”. Para Ortiz, a esfera da cultura é um domínio dos símbolos, e sabemos, o símbolo tem a capacidade de apreender e relacionar as coisas. Neste sentido, o homem é um animal simbólico, e a linguagem uma das ferramentas imprescindíveis que define sua humanidade. Não existe, portanto, sociedade sem cultura, da mesma maneira que linguagem e sociedade são interdependentes. Ele afirma que a cultura é constitutiva da sociedade e tem como obje- tivo marcar uma dimensão às vezes esquecida do debate intelectual. Ela caracteriza um registro de compreensão muito diferente da idéia de “política cultural”. Supõe-se a existência de uma esfera, de- nominada cultura, e um ato cognitivo capaz de se- pará-la de suas outras conotações. Uma ação cultu- ral parte de uma concepção determinada, traça objetivos e visa alcançá-los. O problema é que o domínio da cultura como dimensão constitutiva da sociedade não coincide com a esfera da ação políti- ca. É isso que explica porque “o que foi planejado não deu certo”. QUESTÕES 1) Leia as afirmativas abaixo a assinale a alternativa correta: I. No texto “Minha terra tem Pantanal onde canta o tuiuiú... A guerra de audiência na TV brasileira no início dos anos 90”, Ana Maria Belogh faz uma aná- lise da novela Pantanal com relação a outros produ- tos midiáticos da época. Ela credita as causas do sucesso da novela Pantanal, em detrimento da re- paginação que os outros canais fizeram para atrair o público, às inovações nos elementos narrativos e discursivos, na abordagem da temporalidade da saga, no enredo, na locação, nos recursos técnico- expressivos empregados e na seleção de atores, entre outros. II. O sociólogo e professor Sérgio Adorno, em “Vio- lência, ficção e realidade”, realiza uma relevante análise da importância dos dados da imprensa e de como a maneira de recepção dos espectadores molda o foco das mensagens transmitidas, em rela- ção ao tema da violência. Para ele, a violência é uma constante na sociedade brasileira, cuja demo- cracia, afirma o pesquisador, ainda não está conso- lidada. Em sua obra, ele afirma o papel da imprensa como fonte de informação e investigação. III. Renato Ortiz, no texto “Modernidade e Cultura”, fala da modernidade e de suas conseqüências para a vida no âmbito geral, das mudanças e alterações que retiraram o indivíduo do campo de espectador passivo para o de receptor atuante. Para ele, a no- ção de modernidade pertence ao domínio da racio- nalidade, implica uma dimensão da sociedade na qual é possível atuar, desta ou daquela maneira. IV. Em “Recepção: o mundo polêmico das media- ções sociais”, Maria Rita Kehl, diz que desde que a TV foi inventada, produz efeitos no espectador. Se- gundo ela, há uma relação imaginária entre recep- ção de informação e produção de resposta que se- gue a ordem de realização de desejos que se dá a partir do discurso televisivo. A relação da televisão com o espectador em geral, e com a criança em especial, é uma relação de sedução. O sedutor diz: “eu sei o que você deseja”, e insinua: “eu tenho o que você deseja”. Ela afirma que o discurso televisi- vo assumiu um papel importante demais na media- ção da relação das pessoas com o que é real e vem substituindo, de forma crescente, outras dimensões da experiência, atingindo de forma violenta todasas classes sociais. V. No texto “A telenovela ao vivo”, Marta Maria Klagsbrunn afirma que a telenovela, assim com o folhetim no século XVIII, liderou e consolidou a tele- visão como veículo de comunicação de massa no Brasil. A televisão concedia prestigio social à famí- lia: a casa era o centro de convivência familiar que se ampliou com a incorporação da vizinhança, pois seu público-alvo incluía os televizinhos. A crítica aos programas era feita diretamente pelo público às revistas especializadas em televisão e denotam que o público participava ativamente do processo de desenvolvimento do meio, exercendo o papel de crítico com o objetivo de modificar tanto em termos de programação, de técnica, de escolha de atores, cenários, etc. a) As alternativas I, II, III e IV estão corretas b) As alternativas II, III, IV e V estão corretas c) As alternativas I, III, IV e V estão corretas d) Apenas a alternativa V não está correta e) Todas as alternativas estão corretas Apostilas Solução - Professor Educação Básica – PEB II 136 Bibliografia para Língua Portuguesa 2) Assinale a afirmação que não reflete as afirma- ções de Roseli Stier Azambuja em “A decodificação do discurso adulto da televisão pelo público infantil”: a) A criança precisa de mensagens claras e enre- dos pertinentes. Ela não é crítica e não sabe distin- guir o verdadeiro do falso. Entretanto, ela gosta de informação e do produto ou da propaganda que a faça sentir-se mais velha, assim a criança gosta do discurso adulto, na TV ou não, capaz de respeitá-la como ela é. b) Crianças assistem a programas na TV em média 4 horas/dia. Embora seja a atividade mais freqüen- te, não é a preferida do público infantil, porém é a companhia preferida nos momentos de solidão, sendo que os meninos, quando sozinhos gostam mais de ver TV que as meninas. Estas gostam tanto de ver TV quanto de ouvir música. c) Os pais interferem pouco sobre o tempo de ex- posição da criança à TV. Aumenta um pouco em relação ao tipo de programa assistido. Esse controle é exercido proporcionalmente à idade da criança: os menores e as meninas são mais controlados, espe- cialmente sobre cenas de terror e sexo muito mais do que sobre cenas de violência, tiros, brigas, ex- plosões, etc. d) A forma como a criança decodifica o discurso adulto na TV é muito afetada pela decodificação do discurso dos pais. Segundo a autora, mães passi- vas em relação às propagandas de TV estimulam os filhos a uma alta predisposição ao consumo. e) A análise do discurso publicitário reforça e/ou ilustra pontos dessa lógica infantil, pois as crianças, sobretudo as menores, tendem a interpretações literais, mas lidam muito bem com simbolismos que sejam de fácil compreensão e que sejam intrínsecos e adequados àquilo que determinada propaganda está querendo comunicar. 3) De acordo com Silvia Helena Simões Borelli, em “Gêneros Ficcionais: materialidade, cotidiano, ima- ginário” só não está correto afirmar: a) A transposição de uma obra literária para o ci- nema e a televisão, mesmo que no processo man- tenham suas características globais se apropriam de algumas das características da linguagem dos portadores utilizados. b) Os gêneros são instituições com função de cará- ter ideológico, construindo significações e subjetivi- dade capaz de relacionar “arte e sistema”. Porém não podem ser entendidos como “estratégias de comunicabilidade”, “fato cultural” e “modelo dinâmi- co” articulados às dimensões históricas de espaço onde são produzidos e apropriados. c) No campo audiovisual, gênero é uma categoria abrangente capaz de classificar uma série bem di- versificada de elementos e servir como elo dos dife- rentes momentos da cadeia que une espaço de produção, anseios dos produtores culturais e do receptor. d) O gênero telenovela, fundamental para a conso- lidação da televisão no Brasil, iniciou sua trajetória de maneira melodramática e, progressivamente, foi se modificando para responder às necessidades de uma sociedade que se moderniza. e) O gênero telenovela é responsável pela amplia- ção do mercado de bens simbólicos, pelo aumento do consumo de aparelhos de televisão, pela moder- nização das técnicas de estruturação empresarial e desenvolvimento tecnológico, entre outros. 4) No texto Ämérica Latina e os anos recentes: o estudo da recepção em comunicação social, Jesús Martín-Barbero, aponta caminhos que deverão ser percorridos numa pesquisa que busque investigar a recepção em comunicação, a saber: I. Através de estudos da vida cotidiana, local onde os atores sociais se fazem visíveis do trabalho ao sonho, da ciência ao jogo. Aqui reside o grande desafio: que papel exerce a práxis cotidiana na co- municação? A vida cotidiana é espaço de reconhe- cimentos socialmente importantes? II. Através de estudos sobre o consumo como práti- ca de apropriação dos produtos sociais; como lugar da distinção simbólica, por meio do que consumi- mos materialmente e dos modos de consumir: lugar de diferenciação social, de demarcação das diferen- ças, de distinções, de afirmação da distinção simbó- lica; III. Através de estudos sobre o consumo como sis- tema de integração e de comunicação de sentidos; como cenário de objetivação de desejos; como lugar de processo ritual segundo os diferentes atores sociais, grupos, classes, etnias e gerações. IV. Através de estudos sobre estética e semiótica da leitura: a leitura como interação e da história social e cultural dos gêneros artísticos/narrativos. Assinale a alternativa correta: a) As alternativas I, II, e III estão corretas b) As alternativas II, III e IV estão corretas c) As alternativas I, II e IV estão corretas d) Todas as alternativas estão corretas e se com- plementam e) Nenhuma das alternativas 5) Segundo Mauro Wilton de Souza, no texto “Re- cepção e Comunicação: a busca do sujeito” só não está correto afirmar: a) Sousa propõe reflexões a respeito das questões relacionadas ao receptor e à comunicação, tomando como ponto de referência as seguintes questões “quem é, afinal, o homem no processo de comuni- cação social contemporâneo? Onde se colocar para melhor visualizá-lo?”. b) O caminho dos estudos de comunicação, princi- palmente nos países da América Latina, está em deixar um pouco de lado suas vinculações com a sociologia e a política, e se ocupar das ligações dessa comunicação com o mundo plural das práti- cas culturais cotidianas, mas não somente na busca das significações e usos sociais e sim com uma visão de cultura, de como a comunicação pode ser vista com base nessas práticas. c) De acordo com a teoria da dependência em nível empírico, o sujeito da comunicação é uma peça que dá suporte à ordem do sistema social; nível teórico, ele é a própria ordem do sistema social funcionan- do. Essa teoria procurava explicitar como as rela- ções dos países centrais com os periféricos iam além de questões econômico-financeiras, mas en- volviam tecnologia, cultura, saber e concepções de vida. d) O modelo norte-americano funcionalista de aná- lise em comunicação se sustenta no trabalho com o indivíduo, e não com a massa, porém recusa a aná- lise das causas sociais em nível estrutural, preser- vando e sustentando a lógica do sistema sócio- econômico de produção. GABARITO 1 - E 2 - A 3 - B 4 - D 5 - C