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A Estória de Severino e a História de Severina [Resenha]

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CIAMPA, Antônio da Costa. A Estória do Severino e a História da Severina – Um ensaio de Psicologia Social. Tatuapé-SP. Editora Brasileira S.A. Primeira Edição. 1987.
O personagem principal, chamado Severino, através de um poema, tenta dizer quem é, para tanto, utiliza-se de seu nome para identificar-se, como tal não é suficiente, recorre a outros substantivos, os nomes dos pais, como posição social, definindo sua posição social, como nada disso é suficiente, define também sua região geográfica, descreve seu estado físico, não adiantando também, por que eles não somente vivem a mesma vida, mas também morrem da mesma morte, assim, Severino é um severino , uma homogeneização absoluta, onde nada é possível para o singularizar ou identificar.
Para a vida de Severino, tudo parece igual: presente, passado e futuro, por que a sua identidade revela que sua existência é a encarnação de um momento histórico, sua própria luta pela sobrevivência, sendo esta sua sina.
 Na impossibilidade de dizer quem é, Severino fala de uma identidade coletiva, percebendo que deve, portanto, não mais ser substantivo ou adjetivo como no início de sua fala, deve ser portanto ação.
 Assim, Severino torna-se ator que desempenha seu papel de migrante com o objetivo de encontrar vida e nesse objetivo depara-se com um funeral, o qual o faz descobrir-se como morto-ainda-vivo, assim, decide ser outro, encontrar vida, e recusa-se a se identificar com essa alternativa, decide ser outro, encontrar vida, então continua a migrar. 
 Severino assume até aí, três diferentes identidades, lavrador na serra magra e ossuda; Severino, retirante na viagem que fazia; Severino, moribundo na chegada ao Recife. Assim, nada, nem ninguém falava de vida, só o seu desejo de viver, até encontrar um mocambo e discutir com ele a respeito da possibilidade de morte no rio, passando então a desejar a morte e procurá-la.
Esse desejo de morte é interrompido pelo anúncio do nascimento do filho do mocambo, o que fez Severino refletir sobre a alegria, animação, entusiasmo, solidariedade, amizade, confiança no futuro, beleza, força transformação e saúde presente.
O autor em seu trabalho nos chamou a atenção, de como o indivíduo em um paralelo entre o fictício e o real através de seus relatos desenvolveram a construção de suas identidades dentro de um processo de identificação interior, de como o grupo ao qual pertenciam lhes ajudou na identificação de si como ser humano. No contexto do Severino percebemos que no princípio ele procurava se identificar pelo nome da mãe e pelo nome do pai, porém isso não era suficiente, pois no contexto que se encontrava vários outros possuíam as mesmas características, quando ele migrou para outro lugar e passou a pertencer a outro grupo que valorizavam a vida e as situações de modo que os permitiam a identificarem-se ele percebeu que sozinho não poderia reconhecer sua identidade, identificar-se como humano. Na história da Severina tivemos o mesmo processo, porém com uma trajetória diferente onde nossa protagonista vivenciou muito sofrimento, até que chegasse ao processo de transformação e identificação de si.
O autor relata bem a realidade da nossa sociedade, onde há uma exclusão do sujeito que passa toda uma vida em busca de uma identidade. Nos relatos poéticos do Severino, ele retrata a dificuldade que o sujeito encontra para definir quem realmente é, e para se apresentar. Ele mostra através de sua poesia, a falta de expectativa do sujeito diante da exclusão social, ao que alguns, assim como o Severino da história, ainda acreditam que, mudar de cidade ou Estado lhe trará uma situação diferente. Entretanto ao fazer essa tentativa, o quadro se configura o mesmo ou até mais polêmico. 
Severino vê diante de si, todos os seus sonhos desfeitos; mas a quais sonhos podemos nos referir? Sonhos de conseguir sobreviver em um meio que se vale pelo que “tem” ou pela posição social ocupante perante um grupo? O seu relato nos mostra ainda, a realidade nua e crua de uma maioria que busca todos os dias encontrar um mínimo para sua sobrevivência e não encontra nem mesmo apoio no próprio meio. Alguns desistem de lutar, e quando e entregam-se a morte, quando não a morte do corpo, entregam-se a morte da alma. Alguns se tornam andarilhos vazios de sonhos e esperanças, com o coração cheio de dor e solidão. Solidão sentimental, cultura e social. 
Neste relato, o autor nos traz uma realidade em forma de poesia, o retrato de um número considerável de “Severinos” espalhados não só pelo nosso país, mas de um mundo onde reina todo tipo de exclusão moral, cultural, educacional entre outros. O Severino nos faz perceber a pequenez que temos perante a sociedade e perante o mundo.
O relato da Severina não é muito diferente do relato de Severino. Mas rever conceitos sobre nossa constante busca para nos identificar e representar perante a vida social. Ela nos aponta uma realidade do vazio existencial que o sujeito encontra, por não ter consciência de quem realmente é e o que busca. Faz-nos refletir sobre a nossa identidade e seu real significado, um nome, um sobrenome, um número ou o pedaço de papel que nos representa que é chamado Identidade? Ou melhor; o que nos representa? O que vem a ser uma identidade? Este livro nos leva a um inevitável questionamento sobre quem realmente somos e o que somos. Dentro de seu relato, ela apresenta um sujeito que no envolto de suas representações, estas trazidas de uma criação cheia de privações, limitações e até mesmo violências físicas e morais. Razões pelas quais, a fez lutar por uma identidade ou um “quê”, que lhe definisse como ser humano. Nessa busca de uma identidade, ela conheceu dificuldades ainda maiores das já enfrentadas, encontrou uma sociedade que determina quem faz parte de um grupo e quem não faz uma sociedade que, até mesmo dentro de uma crença religiosa, define seu destino, de acordo com a fragilidade dos que ali estão. Ela não apresentou a religião como algo ruim em sua vida e na sua trajetória, mas para que possamos refletir a relevância no sentido positivo ou negativo conforme a representação que cada um carrega dentro de si sobre este contexto. 
 A Severina saiu da sua antiga Rua dos Ossos, aos onze anos de idade e começou realmente sua trajetória em busca de uma identidade. Ou porque não dizer em busca de si mesma? Ela ilustra através de seu relato, as dificuldades que o sujeito enfrenta devido à ignorância de si e do meio em que vive, ou de uma sociedade. A Severina não sabia o que buscava como não sabia nem ao menos quem era; a mesma se define como “Severina, a vingadora”, “O bicho do mato” e “A Severina escrava”, isto é, se define como um sujeito sem nome, mesmo porque, em determinado momento, se classifica como um ser falso, alegando que foi registrada depois de “grande”, depois de sair da sua cidade, por uma família que lhe ofereceu trabalhos domésticos. Em determinado ponto de sua vida, ela chegou a questionar além do nome, também a autenticidade daquilo que a representava como ser humano, ela não se refere a sua identidade (documento), mas a ela mesma como sendo falsa: “Eu sou falsa”, ou seja, para ela e para o mundo, ela era inexistente. Severina vive seus dias em busca de uma identidade, mas dentro do contexto de identidade, ela relata a sua trajetória, em parte fracassada.
A Severina enfrenta as mais duras das dores, excluída do grupo que ela acreditava fazer parte, perdendo sua identidade mais uma vez, ou aquilo que lhe dava uma definição de humano; o esposo, os sogros e consequentemente o convívio com seu próprio filho.  Ao relatar a sua história, a Severina que retrata sua a realidade, retrata também a história da Severina da periferia, das ruas, dos bairros pobres, da mãe que perdeu o seu filho para a falta de escolas, a falta de oportunidades, para aqueles que iniciam sua vida profissional, enfim, a Severina retrata a realidade de todos nós, que lutamos por um curso superior sem garantia, se ainda encontraremos vagas (em consequência da idade) no mercadode trabalho que já não dá muitas oportunidades para aquele que passa de uma determinada idade. Mas ela não desistiu. Lutou de todas as formas possíveis para encontrar sua identidade, enfrentou os mais variados sofrimentos físicos, morais e mentais. Mas foi preciso passar pelo o processo, que o autor chama de metamorfose é que ela que ela encontra a sua luz. Só quando desiste de buscar sua identidade lá fora, ela a encontra dentro de si.
Conclui-se com esse relato tão cheio de reflexões e esclarecimentos, que a nossa identidade é construída e que leva tempo para descobrirmos essa realidade que enquanto não encontramos a nós mesmos, qualquer busca é vazia ou sem nenhum resultado. A Identidade é construída e formada todos os dias e a cada momento da nossa existência. Como relata o autor, para se encontrar a verdadeira IDENTIDADE é necessário passar pelo processo de metamorfose, deixar-se morrer para assim renascer, a Severina precisou passar por essa metamorfose para só então encontrar a si mesma e descobrir o que a definiria como ser humano.

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