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TRIBUTAÇÃO DE OPERAÇÕES ILÍCITAS: PROIBIÇÃO E CONSUMO DE SUBSTÂNCIAS ILÍCITAS

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TRIBUTAÇÃO DE OPERAÇÕES ILÍCITAS: PROIBIÇÃO E CONSUMO DE SUBSTÂNCIAS ILÍCITAS¹.
Tacyelle Costa do Nascimento²
É possível afirmar a admissão de tributação de tráfico ilícito de entorpecentes de acordo com a regra matriz de incidência tributária.
A luz da incidência tributária sobre a produção e a comercialização de substâncias entorpecentes uma das principais fontes de receita pública de que dispõe o Estado é a receita tributária, a mais significativa das receitas correntes encontradas no rol do art. 11 da Lei nº 4.320/1964. Segundo Minardi (2019, p. 417): A regra matriz de incidência tributária possibilita ao cientista do Direito o conhecimento do tributo, na medida em que proporciona a verificação das características comuns e essenciais para imposição, da norma jurídica de incidência. Nesse sentido, o incremento das atribuições estatais exige sejam desenvolvidos sólidos mecanismos de gestão financeira, em especial, alternativas de criação de receitas capazes de equilibrar as necessidades orçamentárias decorrentes do aumento das despesas. (MINARDI, 2019, p. 416). 
No Brasil, por exemplo, a principal alternativa utilizada pela Fazenda Pública tem sido sustentar o incremento da arrecadação por meio de técnicas que aceleram a economia. Destacam-se a elevação das alíquotas, as alterações de base de cálculo e a criação de novos tributos, que limitam o poder aquisitivo dos particulares e servem como instrumento controlador do aumento de preços. Essas medidas, ainda que de certa forma contemporizem o problema, poderiam ser dispensadas, ou pelo menos minimizadas, em sendo adotada a tributação sobre mercadorias, a princípio ilícitas, que passariam a ser reguladas pelo Estado, agora não só como fator instrumental de equilíbrio orçamentário, mas também como mecanismo de contenção da criminalidade. (CARVALHO, 2005, p. 245).
É nesse sentido a lógica da tributação do tráfico de entorpecentes: retira poder do crime organizado, reduz significativamente os custos com a persecução penal e serve como fonte de arrecadação. Não bastasse, se aliada à descriminalização fosse somada uma política de tributação, considerando única e exclusivamente a incidência tributária sobre o comércio da maconha, haveria duas possibilidades de incidência tributária, uma utilizando-se do princípio da seletividade, outra mediante o princípio da progressividade. (CALEIRO, 2019). 
Segundo o princípio da seletividade, no art. 48 do CTN, trata-se de dispositivo programático endereçado ao legislador ordinário, recomendando-lhe que estabeleça as alíquotas em razão inversa da imprescindibilidade das mercadorias de consumo generalizado. Nesse sentido, mesmo em não se adotando o princípio da seletividade na tributação do comércio, exclusivamente da maconha, gerar-se-ia uma renda anual aos cofres públicos de valor considerável. (CARRAZZA, 2013, p. 145). 
Avançando, sendo adotada uma tributação semelhante à das bebidas alcoólicas e do cigarro, que têm como norte o princípio da seletividade, a arrecadação, no mesmo período, somados arrecadação (pela tributação) e diminuição de despesas (pela descriminalização). O princípio da Progressividade se identifica com a capacidade contributiva uma vez que há elevação da exigência de tributos à medida que cresce a capacidade de contribuir para com a coletividade, para a construção de uma sociedade livre, justa e solidária.( OLIVEIRA, 2019). 
 A incidência tributária sobre essas mercadorias nocivas à saúde, que atende ao princípio da seletividade, ao princípio da capacidade contributiva e a progressividade, haja vista que as mesmas não são bens de consumo essenciais, seria perfeitamente adequada também à tributação dos entorpecentes, quer pelo maior potencial de arrecadação, quer pela função que o princípio da seletividade tem de desestimular o consumo de mercadorias mais pesadamente tributadas. (CARRAZA, 2013, p. 147). 
O estudo da Câmara dos Deputados supõe que a maconha estaria sujeita aos mesmos impostos e alíquotas do cigarro. As empresas envolvidas pagariam CSLL, PIS/COFINS, Imposto de Renda em nível federal, fonte de receita corrente, vez que sobre a produção incidiria o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), e sobre o consumo incidiria o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) em nível estadual. Ademais, em se tributado o comércio internacional de entorpecentes, exsurgiriam novos fatos geradores para os Impostos de Importação e de Exportação, que, além da função arrecadatória, desempenham importante papel extrafiscal, especialmente como instrumentos de equilíbrio da balança comercial, mediante competência residual ou remanescente, que encontra guarida nos artigos 154, I, e 195, § 4º, da CF, que possibilita apenas à União criar tributos não previstos na Constituição Federal. (OLIVEIRA, 2019). 
Por isso, conclui-se que a necessidade de criação de alternativas de equilíbrio orçamentário pelos Estados é premente, assim como é prioridade internacional a contenção da macrocriminalidade, especialmente desenvolvida pelo tráfico de drogas. A descriminalização e a tributação da produção e do consumo de substâncias entorpecente são medidas que, adotadas em conjunto, têm o condão de cumprir esses dois fins. No que se refere à redução da criminalidade, a descriminalização retiraria do crime organizado a sua principal fonte de lucro. Quanto ao impacto orçamentário, a simples legalização da conduta acarretaria diminuição de despesas públicas com a persecução penal e, somada à tributação, criaria importante fonte de receita pública, especialmente considerando-se a possibilidade de os tributos incidentes serem regidos pelo princípio da essencialidade. (CALEIRO, 2019). 
b) 1.2.2 Não é possível afirmar a admissão de tributação de tráfico ilícito de entorpecentes de acordo com a regra matriz de incidência tributária. 
 O Brasil não está preparado para enfrentar as possíveis consequências em caso de descriminalização da maconha para consumo próprio. É o que defendem juízes e desembargadores do Fórum Nacional de Juízes Criminais (Fonajuc). Para a entidade, o país pode se tornar ainda mais violento. Os membros do Fórum sustentam que há diversas experiências de países que descriminalizaram o uso de maconha e não tiveram resultados positivos seja pela ausência de preparo prévio do sistema de saúde pública para receber novas e diferentes demandas sociais, seja porque não se prepararam, frente à segurança pública, para possibilidade de surgimento do estado paralelo do comércio dessas drogas e, igualmente, pela disputa do narcotráfico pela fabricação. (OLIVEIRA, 2019). 
No Senado Federal, o ministro da Cidadania, Osmar Terra, se posicionou contrário à liberação da plantação doméstica da maconha para fins medicinais e de consumo próprio. Ele participou de uma audiência pública na Comissão de Direitos Humanos e apresentou evidências científicas sobre os danos que o uso da maconha gera para a sociedade e os impactos que uma decisão favorável à pauta pode causar. O objetivo da discussão é contribuir para a sugestão legislativa 6/2016, que estabeleceria regras para fiscalização, regulação e tributação da cannabis. (OLIVEIRA, 2019). 
A doutrina frisa a tese que pugna pela impossibilidade dessa tributação, afirmando que o perdimento de bens, por efeito da condenação criminal, é o destino correto dos bens de origem criminosa, conforme estabelece o art. 91, inc. II, alínea “b” do Código Penal. Assim, alguns doutrinadores defendem a impossibilidade de tributação dos atos ilícitos devido à incompatibilidade desta com os fins da Ciência Jurídica. Para esta corrente doutrinária, a Receita do Erário é nobre, não devendo, portanto, ser oriunda de atividades obscuras. De tal sorte que os fins jamais justificam os meios. Outro argumento dessa teoria diz respeito à ética estatal, isto é, ao tributar os rendimentos da atividade ilícita, o Estado estaria sancionando conduta ilegítima, comportando-se como se fosse coautor do negócio espúrio praticado, ou seja, o Estado tornar-se-ia cúmplice da atividade ilícita ede seus respectivos agentes, os quais se encontram à margem da Lei. O Erário não pode ser alimentado por receita cuja origem seja imoral, as quais nem chegam a ser verdadeiros rendimentos em sentido econômico. (ESTIGARA; PEREIRA; LEWIS, 2012, p. 217). 
Ademais, considerando que a exigência de impostos tem a sua origem ligada na ideia da solidariedade, não poderia ser admitido que um traficante, por exemplo, estivesse observando tal princípio ao ser tributado. Sob a ótica econômico-financeira, argumenta-se que a riqueza bruta, oriunda de uma atividade contrária à lei, não poderia ser definida como um rendimento, o qual constitui um dos principais índices de capacidade contributiva. Acrescenta-se que tais rendimentos, em razão de não serem reconduzidos a nenhum dos fatores de produção clássicos, não consubstanciariam vera riqueza, o que as tornaria, por si só, insuscetíveis de tributação. Enfim, a origem ilícita dos rendimentos eliminaria os seus próprios efeitos. Há outro entendimento no sentido de que não poderia haver tributação fundamentada em ato ilícito, por não ser admissível a colisão entre os diversos ramos do direito, isto em observância ao princípio da unidade do sistema jurídico, pois seria ilegítimo que, existindo uma norma jurídica que reprovasse um determinado fato, considerando-o crime, que o Estado se valesse desse mesmo fato para dele obter receita. (CARRAZZA, 2013, p. 148). 
Os doutrinadores que defendem a não tributação, como Luiz Emygdio F. da Rosa Júnior, consideram que tal posição é a única compatível com a garantia dos valores e princípios constitucionais consagrados pelo ordenamento jurídico-constitucional. Segundo, tais doutrinadores, o princípio da capacidade contributiva, fundamento precípuo daqueles que admitem a tributação relativa a fatos ilícitos, não poderia ser considerado isoladamente em relação aos demais princípios constitucionais, posto que restaria violado o princípio da unidade da Constituição. (FILHO; JÚNIOR, 2002, p. 142). 
 
REFERÊNCIAS
BRASIL. Código Tributário Nacional, de 25 de outubro de 1966. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L5172.htm >. Acesso em: 23 de set de 2019.
CALEIRO. João Pedro. Legalizar maconha poderia render até R$ 6 bi em impostos. Grupo Abril. Disponível em : < https://exame.abril.com.br/economia/legalizar-maconha-poderia-render-ate-r-6-bi-em-impostos/ >. Acesso em: 24 de set de 2019. 
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. 
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. , 2013. 
CARRAZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 29.ed. São Paulo: M
ESTIGARA, Adriana; PEREIRA, Reni; LEWIS, Sandra A. Lopes Barbon. Resposabilidade Social e Incentivos Fiscais. São Paulo: Editora Atlas, 2002. 
MINARDI, Josiane. Manual de Direito Tributário. 6. ed. Salvador: JusPodivm, 2019.
OLIVEIRA, Mariana. Para juízes, Brasil se tornará mais violento com descriminalização da maconha. Boletim de Notícias ConJur. Disponível em: < https://www.conjur.com.br/2018-dez-17/brasil-nao-preparado-legalizacao-maconha-dizem-juizes >. Acesso em: 23 de setembro de 2019. 
ROSA; JÚNIOR, Luiz Emygdio F. da Rosa.Manual de Direito Financeiro e Direito Tributário. 16. ed. Rio de Janeiro. São Paulo: Renovar. 2002.

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