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QUI824 - Métodos espectrométricos em análise orgânica Resumo: UV-Vis Lucas Raposo Carvalho Julho de 2018 1 Espectroscopia na região do ultravioleta-visível 1.1 Introdução da técnica Faixas de trabalho empregadas: UV: 200 a 400 nm Visível: 400 a 760 nm Como se trata de uma técnica espectroscópica, a análise de compostos envolve a interação entre uma radiação incidente, que pode ter comprimento de onda na faixa do ultravioleta ou do visível, e um objeto. Além disso, como envolve o uso do espectro eletromagnético, a nomenclatura espectroscopia é apropriada. Para a absorção e emissão de radiação ocorrer, deve-se considerar que a mesma é carregada de maneira quântica, com níveis discretos de energia e, sendo assim, as transições eletrônicas, que governam a técnica, também serão quantizadas. Pode-se considerar que, como a energia da radiação segue a regra que E = hν, a transição também irá seguir o mesmo princípio. A aparelhagem da técnica envolve o uso de cubetas de materiais diferentes, dependendo do que se pretende analisar. Cada material disponível comercialmente possui uma janela espectral na qual o mesmo é invisível, como mostra a Tabela 1. A m os tr a hν A m os tr a* A m os tr aE1 E2 E1 E2 Detector hν Figura 1: Esquema de funcionamento de um aparelho de UV-Vis 1 Tabela 1: Materiais utilizados para cubetas e suas aplicações Material Janela espectral (nm) Observação Quartzo 190 a 2500 Usada em experimentos de UV Vidro 340 a 2500 Usada em experimentos no visível Plástico 380 a 780 Visível (v > precisão) Sa�ra 250 a 5000 Mais caro, resistente e transmissível Quanto às lâmpadas utilizadas, que são a fonte da radiação empregada no experimento, essas podem ser de deutério (2H), emitindo radiação na faixa de 200 a 330 nm e sendo mais usada em análises no UV, ou de tungstênio (W), emitindo na faixa de 330 a 700 nm e sendo mais usada para o visível. Dentre as transições eletrônicas que moléculas podem fazer, nem todas são permitidas de acontecerem, devido ao que se chama de regras de seleção. Essas regras ditam quais são os tipos de transição eletrônica que são permitidos em um sistema π de um anel aromático, ou de uma carbonila, por exemplo. Alguns princípios da mesma são citados abaixo. • Regra de LaPorte: As transições eletrônicas permitidas são aquelas que, em um ambiente centrossimétrico, ocorre entre estados de paridade oposta, como u → g ou g → u. Por exemplo, transições d → p e s → p são permitidas, enquanto que d→ d e s→ d não. • Regra de seleção de spin: Transições eletrônicas ocorrem somente entre estados de energia com a mesma multiplicidade de spin. Embora a maioria das transições possíveis de se acontecer nos sistemas orgânicos sejam proibidas pelas regras de seleção, elas podem ser observadas, com intensidades muito menores do que o normal, todavia. Dentre as transições mais comuns que se pode observar para compostos orgânicos, a Figura 2 mostra o que pode ocorrer, de maneira generalizada. OBS.: Embora as energias de transições sejam quantizadas, pelo fato da energia dos níveis quânticos ser quantizada, o espectro gerado depois da análise é dado em bandas, e não em sinais, pois a energia total que aparece no espectro pode ser descrita pela fórmula abaixo: Etotal = Eelet + Evib + Erot Onde elet é eletrônica, vib é vibracional e rot é rotacional. Sendo assim, vários micro-estados de energia são somados, gerando um espectro de bandas, e não de sinais. O método experimental para analisar espectros na região do UV-Vis tem como base a lei de Lambert-Beer, que relaciona a abosrtividade molar (�), a concentração da amostra (c) e 2 n σ π σ∗ π∗ 1. σ → σ∗ Alcanos; 2. σ → π∗ Carbonílicos; 3. π → π∗ Compostos insaturados; 4. n → σ∗ O, N, S e halogênios; 5. n → π∗ Carbonílicos; E Figura 2: Transições eletrônicas mais comuns para compostos orgânicos o comprimento da cela da amostra (l), de modo que se obtém A = − log T = log I0 I = �× c× l Onde A é absorvância, T é transmitância, I0 é a radiação incidente e I é a radiação trans- mitida. Essa fórmula mostra que quanto mais concentrada é uma amostra, maior a resposta que a mesma apresenta à radiação incidente, e o mesmo é verdade para a absortividade molar. 1.2 Análise de espectros Primeiramente, as análises de UV-Vis dependem muito do solvente utilizado, tendo em vista que o solvente selecionado deve ser transparente na janela espectral que se pretende analisar. Ou seja, caso determinado composto apresente absorção na região de 250 nm, o solvente utilizado deve ser transparente nessa região. Além disso, não devem possuir nenhum tipo de conjugação. A Tabela 2 mostra alguns solventes e os valores-limite (inferior) no qual se pode trabalhar com eles. Tabela 2: Valores-limite (inferior) de alguns solventes que podem ser usados em análises de UV-Vis Solvente Limite inferior (nm) Solvente Limite inferior (nm) Acetonitrila 190 n-Hexano 201 Clorofórmio 240 Metanol 205 Cicloexano 195 Isoctano 195 1,4-dioxano 215 Água 190 Etanol (95%) 205 (MeO)3PO 210 3 Uma importante característica dos solvente nas análises UV-Vis é que, caso seja usado um que possa fazer ligações de hidrogênio com o analito, de alguma maneira, o efeito observado é um deslocamento hipsocrômico da banda, assim como um aumento geral do valor de log �, como se pode observar na Figura 3. Figura 3: Diferenças dos espectro de UV-Vis do fenol utilizando isoctano e etanol como solventes. A in�uência externa, como mudança de solventes, ou interna, como mudança de substitu- intes, em uma molécula, de modo que o espectro no UV-Vis, ou em qualquer técnica espec- troscópica, mude pode ser racionalizado da seguinte maneira: • Deslocamento batocrômico: Deslocamento do comprimento de onda para valores maiores (para o vermelho); • Deslocamento hipsocrômico: Deslocamento do comprimento de onda para valores menores (para o azul); • Efeito hipocrômico: Diminuição da intensidade da banda; • Efeito hipercrômico: Aumento da intensidade da banda; 1.3 Cromóforos Cromóforos são grupos funcionais em moléculas orgânicas que são capazes de realizar tran- sições eletrônicas características, como alcenos, álcoois, anéis aromáticos e substituintes car- bonílicos. A tabela abaixo apresenta um resumo de todos os cromóforos com as suas respectivas características. Além de cromóforos, também existem os auxocromos, que são grupos funcionais que, ao substituirem um átomo de hidrogênio em uma molécula, faz com que a absorção de um cromó- foro tenha sua intensidade e/ou comprimento de onda de absorção alterado. Exemplos são 4 Tabela 3: Grupo cromóforos e suas respectivas características Grupo funcional λ de absorção (nm) Observações Alcanos 150 σ → σ∗ C�O(N, S) 175 a 200 (álcoois/aminas) n→ σ∗ 200 a 220 (tiós/sulfetos) Alcenos/alcinos 175 e 170 π → π∗ Carbonilas 280 a 290 n→ π∗ (� = 15) 188 π → π∗ (� = 900) grupos alquila, hidroxila, amina, e outros. Uma característica que também altera características de absorção de cromóforos é a con- jugação de um sistema, sendo que o aumento da conjugação promove um deslocamento ba- tocrômico e um efeito hipercrômico, já que a diferença de energia entre os orbitais HOMO (ψ1) e LUMO (ψ2) diminui à medida que o sistema se torna mais conjugada, diminuindo a energia necessária para ocorrer a transição eletrônica e, assim, aumentando o comprimento de onda respectivo. ψ1 ψ2 ψ1 ψ2 ψ3 ψ4 ∆E1 ∆E2 Orbitais 2p Orbitais 4p ELUMO1 − EHOMO1 > ELUMO2 − EHOMO2 ∆E1 > ∆E2 Figura 4: Diagrama de orbitais moleculares do eteno (esquerda) e do buta-1,3-dieno (direita). 1.4 Regras de Woodward-Fieser As regras de Woodward-Fieser representam um conjunto de dados experimentais que quan- ti�ca o efeitos dos substituintes na absorção de radiação de cromóforos conjugados especí�cos: 1. Dienos conjugados; 2. Compostos carbonílicos e enonas; 3. Sistemas aromáticos; 5 4. Sistemas policíclicos aromáticos e heterociclos. 1.5 Dienos conjugados Para o buta-1,3-dieno, duas transições π → π∗são possíveis, de acordo com a conformação no qual o mesmo se encontra (s-cis ou s-trans). Na conformação s-cis, as transições ψ2 → ψ3 e ψ2 → ψ4 são permitidas, enquanto que na s-trans, apenas a última é permitida. Isso acontece pelo fato de que a diferença de energia entre os orbitais HOMO e LUMO do buta-1,3-dieno na conformação s-trans é superior ao observado na s-cis, e essa tendência se repete para análogos. Conformação Transições s-trans ψ2 → ψ3 (217 nm, permitida) ψ2 → ψ4 (175 nm, proibida) s-cis ψ2 → ψ3 (253 nm, permitida) ψ2 → ψ4 (175 nm, permitida) Para os dienos conjugados, as regras de Woodward-Fieser são as seguintes: transóide acíclico 217 nm cisóide homoanular 253 nm transóide heteroanelar 214 nm Para cada dupla conjugada +30 nm Para cada dupla exocíclica +5 nm Para cada grupo alquil +5 nm Para cada um dos auxocromos abaixo: O-alquil +6 nm O-acil +0 nm S -alquil +30 nm N (alquil)2 +60 nm Cl +5 nm Br +5 nm 1.6 Compostos carbonílicos e enonas Em compostos carbonílicos, há uma transição n→ π∗ (280 nm, associada ao heteroátomo), que é observada, mas possui � pequeno, e uma transição π → π∗ (190nm, associada à ligação dupla em si), que possui � elevado, mas �ca fora da janela espectral. Grupos auxocrômicos em carbonilas isoladas induzem um deslocamento hispsocrômico à medida que aumenta seu efeito retirador por indução, já que aumenta a força da ligação C��O e distancia os orbitais HOMO e LUMO (n e π∗, respectivamente). Embora os mesmos grupos 6 retiradores (hidroxila, amina e outros) induzam um efeito batocrômico na transição π → π∗ por ressonância, este não é grande o su�ciente para que a transição �que dentro da janela espectral. H O O Cl O NH2 O OEt O OH O 293 279 235 214 204 204 Figura 5: Deslocamento hipsocrômicos de carbonilas isoladas variando o efeito retirador por indução do substituinte Para carbonilas conjugadas, ambas as transições (π → π∗ e n → π∗) sofrem deslocamento batocrômico, sendo que o efeito mais pronunciado é na transição π → π∗, pois tem mais característica da ligação dupla. Caso a conjugação for muito extensa, a transição π → π∗ pode encobrir a n → π∗ no espectro. As regras de Woodward-Fieser se aplicam para as transições π → π∗, já que é a mais intensa. Para enonas simples, temos que a transição π → π∗ aparece na faixa de 220 a 250 nm, com � = 8000− 20000, e a n→ π∗ aparece na faixa de 310 a 330 nm, com � = 50− 100. Valores-base: Anel de seis membros ou enona original acíclica = 215 nm Anel de cinco membros = 202 nm Dienona acíclica = 245 nm Incrementos para: Conjugação extensora de ligação dupla 30 Grupo alquila ou resíduo de anel α 10 β 12 γ e maior 18 Agrupamentos polares: OH α 35 β 30 δ 50 OCOCH3 α,β,δ 6 OCH3 α 35 β 30 γ 17 δ 31 Cl α 15 β 12 Br α 25 β 30 NR2 β 95 Ligação dupla exocíclica 5 Componente dieno homocíclico 39 Correção do solvente Variável 7 Para outros sistemas α, β-insaturados, como aldeídos, ácidos carboxílicos e ésteres, temos o seguinte: Sistema insaturado Valor base Aldeído 208 Com grupos alquila α ou β 220 Com grupos alquila α, β ou β, β 230 Com grupos alquila α, β, β 242 Ácido ou éster Com grupos alquila α ou β 208 Com grupos alquila α, β ou β, β 217 Valor de grupo � dupla α, β exocíclica +5 Valor de grupo � dupla α, β endocíclica em anel de 5 ou 7 membros +5 Ao contrário dos dienos, o solvente tem efeito nas transições de enonas: Solvente Incremento Água +8 Etanol, metanol 0 Clorofórmio -1 Dioxano -5 Éter etílico -7 Hidrocarboneto -11 1.7 Compostos aromáticos Embora os compostos aromáticos sejam os mais estudados, eles apresentam as transições eletrônicas mais complexas. π1 π2 π3 π∗6 π∗4 π ∗ 5 A1g B2u B1u E1u 180 nm (permitido) 260 nm (proibido) 260 nm (proibido) Para compostos aromáticos, tem-se: • Banda primária I: 184 nm, sendo uma transição permitida (� = 47000), não é observada em equipamentos normais; 8 • Banda primária II: 202 nm, sendo uma transição proibida (� = 7400), normalmente não é observada, mas pode aparecer em HPA's; • Banda secundária: 255 nm, sendo uma transição proibida (� = 230), normalmente observada. Aparece como linhas �nas no benzeno; Substituições no anel, auxocrômos, conjugações e solventes podem causar deslocamentos no comprimento de onda (λ) e na intensidade da absorção, como ocorre em dienos e enonas. Porém, esses deslocamentos são difíceis de prever. Organizando os substituintes em grupos ajuda a racionalizar as tendências. 1. Substituintes doadores: Aumentam a conjugação do benzeno e provocam deslocamen- tos batocrômicos, através da interação de elétrons π do anel e n dos substituintes. Quanto maior a disponibilidade dos elétrons, maior o deslocamento das bandas. Pode ocorrer uma transição do tipo n→ π∗, ou seja, do grupo para o orbital antiligante do anel, formando um estado excitado de transferência de carga; 2. Substituintes retiradores: Efeito inverso dos grupos doadores; 3. Benzenos dissubstituídos: Dois substituintes em para, um doador e outro retirador, provoca o efeito batocrômico máximo, e maior do que a soma dos efeitos individuais. Substituintes emmeta não provocam tanto deslocamento por problemas de coplanaridade, tornando menos e�ciente a conjugação do sistema e, neste caso, o efeito é igual a soma individual dos grupos. Para benzoílas, de modo geral, temos o seguinte: 9 Cromóforo original: R = alquila ou resíduo de anel (cetona) = 246 nm R = H (aldeído) = 250 nm R = OH ou O-alquila (ácido/éster) = 230 nm Incrementos para: Alquila ou resíduo de anel o,m 3 p 10 OH, OCH3 ou alquila o,m 7 p 25 O� o 11 m 20 p 78 Cl o,m 0 p 10 Br o,m 2 p 15 NH2 o,m 13 p 58 NHCOCH3 o,m 20 p 45 NHCH3 p 73 N(CH3)2 o,m 20 p 85 2 Guia de espectros de UV Em um espectro de UV-Vis, deve-se procurar: 1. Apenas uma banda (� = 100 − 10000) com λmáx menor do que 220 nm: indica transições n → σ∗ de grupos heteroatômicos isolados (álcoois, aminas, etc). Também pode ser de nitrila (n→ π∗, � < 100); 2. Apenas uma banda (� = 10 − 100) entre 250 e 360 nm, sem absorções fortes abaixo de 200 a 250 nm: indica transições n → π∗ de cromóforos não conjugados do tipo X��Y; 3. Duas bandas (� = 100 − 10000) com λmáx maior do que 220 nm: indica presença de sistemas aromáticos. Caso tenha uma terceira em 200 nm, indica HPA's; 4. Bandas acima de 210 nm (� = 10000 − 20000): indica enonas, dienos ou polienos. Quanto maior a conjugação, maior o λmáx. Aplicar regras de Woodward-Fieser; 5. Para cetonas, ácidos, ésteres, amidas e compostos com sistema π e pares de elétrons isolados: n → π∗ (> 300, baixa intensidade) e π → π∗ (< 250, alta inten- 10 sidade). Com conjugação, a última sofre deslocamento batocrômico e pode sobrepor a primeira. Aplicar regras de Woodward-Fieser. 11
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