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Comunicação Popular: uma formação necessária que visa disputar a hegemonia cultural e potencializar as vozes dos movimentos sociais Leonardo Koury Martins1 Resumo: A educação popular é um caminho importante para romper com as barreiras de uma educação escolarizada, arquitetada na lógica industrial alienador, que para pensar a formação em Comunicação Popular deve ser levada em consideração. A comunicação Popular tem como princípio disputar a consciência coletiva e possibilitar as lutas sociais e aos movimentos a ampliação da sua voz. Neste sentido, apresentar uma alternativa educativa e educadora para a formação em comunicação popular se faz necessário entre a tecnologia e as mobilizações contrárias ao retrocesso dos direitos conquistados. Abstract: Popular education is an important way to break the barriers of a schooling education, engineered in alienator industrial format, that to think the training in Popular Communication should be taken into consideration. The Popular communication has as principle to dispute the collective conscience and to enable social struggles and movements to broaden their voice. In this sense, to present an educational and educative alternative for the formation in popular communication becomes necessary between the technology and the mobilizations against the retrocession of the conquered rights. Palavras-chave: Comunicação Popular, Educação, Formação, Lutas Sociais Keywords: Popular Communication, Education, Training, Social Struggles Introdução A formação em Comunicação Popular é cada dia mais importante para os movimentos sociais, sindicais e populares. A esquerda especialmente no Brasil vem conseguindo construir através dos espaços comunicativos, especialmente na internet, a disputa de narrativa necessária para frear diversos ataques aos direitos da população. Seja a reforma da previdência ou mesmo o sucateamento de políticas públicas como a educação ou a saúde, é na comunicação que se amplia a voz dos movimentos que promovem a todo momento atos nas ruas, seminários e assembleias de trabalhadoras e trabalhadores. 1 Leonardo Koury Martins: Assistente Social, Professor do curso de Serviço Social do Centro Universitário Unihorizontes, mestrando em Estado, Governo e Políticas Públicas pela FLACSO Brasil, colaborador dos coletivos Jornalistas Livres e Mídia Ninja e Coordenador da Comissão de Direitos Humanos do CRESS-MG Ferramentas como o facebook ou whatsapp estão cada dia mais sendo apropriadas pelos movimentos sociais e cabe aos mesmos possibilitar uma formação em comunicação que seja próxima dos conceitos da educação popular e da formação política que possibilite além de disputar a narrativa, construir um diálogo diferente do que faz a mídia privada. A comunicação popular é também comunicação, porém se constituiu de uma narrativa livre e independente e de um jornalismo de ação. Este jornalismo livre não é natural, pois ao ser socialmente construído carrega ideologia e intencionalidade. A proposta deste artigo é trazer uma revisão a teoria de Antônio Gramsci e outros autores, bem como o cotidiano dos movimentos sociais e coletivos de comunicação popular que procuram na comunicação um dos elementos centrais na disputa da ordem societária. É importante também problematizar que a comunicação não é por si construída por ferramentas digitais. A mídia conhecida como offline pode dialogar diretamente com a fotografia e as publicações das redes digitais, além de garantir um múltiplo diálogo entre diversos sentidos e saberes, pode que trazer a indignação e a desigualdade presente na vida do povo brasileiro como diálogo central das lutas sociais. Todo posicionamento é inevitavelmente político Toda escolha tem a necessidade de uma decisão, a política está constituída desde o nascimento. A própria escolha do nascer e posterior ao primeiro respirar, a continuidade de respirar ou não respirar é uma inevitável a escolha política. Esta escolha inicial define em viver ou não viver e que se a escolha for à vida, esta decisão é cotidianamente sustentada a cada nova respiração. A política não deve também ser uma escolha isolada, mas sim a construção de uma escolha e sua constante afirmação entre a vida, portanto a vida em si é uma escolha política. Viver é política! A palavra política, definida no viés da epistemologia tem no nome grego a derivação das palavras politiké (política em geral) e politikós (dos cidadãos, pertencente aos cidadãos), que se estenderam ao latim politicus e às línguas européias modernas através do francês politique que, em 1265 já era definida nesse idioma como ciência do governo dos Estados. Na atualidade, a palavra política para uma boa parcela da população brasileira é entendida como algo inatingível, governamental, parlamentar, impossível de ser formulada pela coletividade e que perpassa apenas uma escolha eleitoral e pessoal. O jogo de definição mais claro entre interesses alcançados e interesses não alcançados faz-se do diálogo sobre a melhor arguição e/ou posição. Por mais que haja uma narrativa que dificulte o entendimento do ato político, está por sua vez não desfaz a responsabilidade dos indivíduos sobre a coletividade. Porém, se viver é uma escolha política, e concretamente todos os momentos da vida social está o ato da política, não se pode defini-la como algo passivo ou no campo do telespectador. A política não deve ser visualizada como alguém que está fora e não precisa necessariamente se implicar com a coletividade. A vida coletiva é a contínua afirmação que nossos olhares, posicionamentos e escolhas traduzem a orientação política que temos e reflete-se no coletivo. As nossas posições não são meramente individuais, por mais que o modo de produção capitalista nos perceba como indivíduos. Mesmo assim, na escolha da individualização social, na cultura do meu e não do nosso, reafirmar isso, mesmo que de forma alienada é uma decisão política. Nascemos políticos? Por que não é possível coletivamente enxergar a coletividade como sujeitos políticos na contemporaneidade? Estas duas perguntas são importantes para que seja possível refletir sobre em que momento nós nos percebemos como sujeitos políticos. Qual a formação necessária para esta nossa percepção coletiva. O conceito de formação, ou o ato de formar, no traduzir e discussão quanto ao senso comum se refere ao “pôr na forma” ou modelar. A construção da formação, por sua vez, é o que vai definir se este conceito se esgota na obviedade ou se torna complexo entre si. Uma formação que se proponha sair da obviedade, da reprodução das atuais relações sociais e ambientais deve considerar duas máximas educativas que dialogam entre si: toda formação por si é um ato político e que toda escolha política se traduzir em conhecimento sendo assim como final do processo uma experiência formativa. A primeira máxima, segundo Freire (1996, p.05), é que: “ninguém educa ninguém, ninguém se educa sozinho, educamos entre si, mediatizados pelo mundo”. Se considerarmos esta construção em que o conhecimento está na relação de diálogo, nos aproximamos do conceito de que a política é construída no dia a dia, no posicionamento e na reafirmação e sustentação deste posicionamento cotidiano. Se a educação é opressora, o conceito de formação incide sobre a segunda máxima, em que a ação política manifesta apenas para uma construção individual. Caso a formação se sustente na desigualdade ou a favor do opressor, as e os educandos e educadoras/es caem na reprodução da ordem posta, são agentes da desigualdade. (FREIRE, 1996) Toda formação é política, mas nem toda formação é libertadora. A formação proposta na história pela burguesia procura além de padronizar um modelo de certo, errado, de bom ou ruim, trata com diferença todos os espaços de reprodução doconhecimento. Se faz do mundo o perder a graça, a luz da caverna que visa incluir numa minúscula esperança apenas a sala de aula. Trata a escola como espaço de único do saber e a formação política fora de sala de aula não é possível. A formação neste contexto como caminho tem na escolarização seu único método. A formação em educação popular se constrói em todos os espaços vividos, sistematizados ou não, no âmbito formal, informal e não formal. Ao fazer o contraponto da reprodução do capital, não pode existir um modelo de educação que não se proponha visualizar a pluralidade, a criticidade e a constante posição e sustentação. Não se deve construir uma educação que não tenha como ousadia a derrubada das verdades compreendidas como única e o olhar da sociedade para além de suas formatações prévias, educar deve ser libertar-se para o novo. É importante também compreender o quanto que a educação libertadora é necessária. A formação política não trata a vida como ingênua e a educação como reprodutora da ordem imposta, deve também estabelecer diálogo no âmbito da diversidade para que não caia na opressão do contraponto, tornando ao invés de uma educação popular uma educação novamente opressora. Educar é possibilitar a crítica e o contraditório (FREIRE, 1996). A formação política deve ter na educação popular a base de sustentação para eclodir além da sistematização do conhecimento a interseção entre os diversos saberes que existem no território. Os espaços formativos devem pensar a partir da realidade, das relações étnico-raciais, do gênero, da desigualdade presente e como propor novas possibilidades na construção de uma sociedade igualitária e plural. Boaventura de Souza Santos faz considerações fundamentais sobre a formação política e sua relação com os Direitos Humanos. A formação deve nortear o papel da construção de outra ordem societária, fundamentada organicamente na transversalidade da igualdade e da diferença e não da desigualdade. De acordo com o autor: Temos o direito de ser iguais quando a nossa diferença nos inferioriza; e temos o direito de ser diferentes quando a nossa igualdade nos descaracteriza. Daí a necessidade de uma igualdade que reconheça as diferenças e de uma diferença que não produza, alimente ou reproduza as desigualdades. (SANTOS, 2005, p.19) Construir na diversidade é reconhecer nas relações humanas e ambientais a sua amplidão. O que nos distinguirá para além de indivíduos, mas no ethos do ser social é a reafirmação de que somos trabalhadoras e trabalhadores, mulheres, negras e negros, jovens ou não. É por esta perspectiva que nos faz reconhecer sob os desafios impostos pelo atual modo de produção econômico que devesse implicar uma formação diferente da educação escolar reprodutora da ordem burguesa. Outro conceito importante de ser ressaltado é o Poder. Muito além da visão ingênua dá sobre este conceito, deve se ter algumas perguntas norteadoras: o que e para que é este poder? Um poder opressor? A tomada de poder pelos oprimidos retira o poder de todas e todos ou não propõe a opressão a ninguém? Questões que perpassam conjunta a que formação também procuram responder sobre o porquê formar-se enquanto educando. No processo formativo, a mediação é uma ferramenta que procura entre a diversidade e a desigualdade trazer para a educação popular uma perspectiva de mundo que visa interpretar as relações sociais e econômicas com toda historicidade e materialidade necessárias para a dialética. É na mediação que se aproxima a possibilidade de não apenas reproduzir a ordem, mas compreender à necessidade de desordem do atual sistema com fundamento para a construção de uma sociedade justa e igualitária. Uma nova ordem exige uma nova educação, que na construção popular procure a formação política como estratégia para a criticidade. Os saberes e experiências vividas em sua plenitude, ao ser decodificadas garantem outro olhar sobre as opressões vividas pelo povo e em quais condições podemos comunicar enquanto sujeitos políticos. Comunicar é uma ação. A comunicação é a tradução de como interpretamos o que entendemos, percebemos e os efeitos por exemplo do sexismo na sociedade. A criticidade distingue se acreditamos que o sexismo traz efeitos providos de causas naturais da desigualdade ou se devemos construir uma outra narrativa que não tenha como objetivo reforçar a sociedade patriarcal e heteronormativa. A comunicação é o produto político da formação humana. Uma formação que comunique com a classe trabalhadora Na atualidade brasileira a palavra política e corrupção participam do mesmo noticiário e compõe a mesma manchete de jornal. Por quê? O conceito de corrupção significa o ato de deterioração do ambiente coletivo e ou público, a condição de favorecimento para o bem individual no que deveria ser de um bem coletivizado. De forma geral o conceito de corrupção é trazer ao privado o que tem como propósito ser de interesse público. Este conceito se aplica para o modelo de educação reprodutor do modo de produção capitalista, que em sua prática política a ideia da mais-valia constituiu no lucro um ato corrupto. A mais-valia se caracteriza pela exploração da matéria prima e da força do trabalho alheio, qual possibilita para a pequena parcela da sociedade que detêm os meios de produção a acumulação da propriedade privada como uma mola propulsora do avanço do conceito de corrupção. Porém, ao trazer para a política a manchete de forma descontextualizada ao lado da palavra corrupção, o principal interesse é distorcer os ganhos coletivos, culminando no apropriar da riqueza socialmente produzida. Não seria ousado dizer que a corrupção se acentua a todo momento no capitalismo. O seu ambiente promove a desigualdade e a opressão como espelho de sua natureza, bem como a educação burguesa procura comunicar como mérito a riqueza e a condição de opressor e não a reflexão do porquê existem tantos oprimidos. É na educação tradicional, construída pela burguesia, que se moldam as ideias de vitória e derrota. Um modelo de educação que perpetua que nem todos podem ter acesso a bens de consumo básico ou mesmo que é através do esforço individual (e não da apropriação do trabalho alheio) que se pode ter uma maior qualidade de vida. É neste cenário em que a narrativa traz também os possíveis inimigos, entre eles o ato de fazer na escolha política um ato corrupto. O que se esconde nesta narrativa é que no processo da disputa política, os projetos de sociedade se modelam a medida em que os sujeitos políticos participam da vida pública. Garantir uma narrativa que desqualifica o ato político diminui as possibilidades inclusive de pensar outros projetos que não os que positivam a ordem burguesa. É na política que se percebe o posicionamento da sociedade sobre a desigualdade ou a construção da diversidade como átrio social. Por sua vez, cabe a educação popular, a práxis revolucionária, pois é nela que os moldes engessados da ideologia burguesa não se aplicam. É no sistema capitalista que a educação se tornou escudo social para a ampliação das desigualdades e a continuidade da prática corrupta de se apropriar do suor das trabalhadoras e trabalhadores e da natureza. A educação popular é a estratégia em que a classe trabalhadora tem para desvendar o véu das intencionalidades do capital sobre a exploração do trabalho. É a educação popular e a sua formação baseada na realidade que pode fornecer perspectivas suficientes quanto a as mudanças sociais necessárias à ordem posta, que se diferencia reforma social de revolução como descreve Rosa Luxemburgo. A educação popular e a comunicação como disputa da hegemonia Um dos precursores da compreensão que a comunicação é um elemento fundamental naconstrução da nova ordem é o jornalista italiano Antonio Gramsci. Em seus diversos estudos o autor trabalha a ideia em que a comunicação, a cultura e a capacidade de se implicar com as massas de forma orgânica possibilitam um tripé necessário para enfrentar as disparidades de poder do capital sobre o trabalho. Para Gramsci (1977) a hegemonia cultural é a forma com que a burguesia expressa a sua dominação ideológica sobre a classe trabalhadora. É neste processo que a cultura do consumismo, a moda e as necessidades sociais se forjam através do interesse das elites. A comunicação está diretamente implicada neste processo, desde o seu editorial até a relação privada estabelecida nas empresas nacionais e multinacionais da informação. Não apenas no Brasil, mas também nos Estados Unidos e na grande maioria dos países ocidentais, as empresas privadas são donas de quase a totalidade das emissoras de rádio, televisão, jornais e também operadoras da internet. Algumas empresas privadas por sua vez, através dos oligopólios, constroem no interesse comercial o incentivo de hábitos e necessidades para o dia a dia da população. Nas novelas o modo de se vestir, o carro mais utilizado ou mesmo o aparelho de celular concatenam com o interesse dos sites e redes sociais que utilizam as marcas como publicidade direcionada. A venda destes produtos, por sua vez, é combinada com todo um aporte do modelo ideal de homem e mulher, dos lugares para visitar, sonhar e também do que deve ser consumido. É neste processo que se cria a identidade da pessoa perfeita e do exemplo a ser seguido, como também de quem não será visto ou idealizado. A hegemonia cultural promove o individualismo ao invés da luta pelos direitos. É na formação ideológica dominante que a meritocracia impõe a alienação sobre a coletividade e não o entendimento e a organização enquanto classe. O projeto hegemônico de dominação sob a classe trabalhadora esconde os planos superestruturais que não visam enxergar nas trabalhadoras e trabalhadores os atores políticos coletivos em potencial. De acordo com Gramsci, disputar a hegemonia é compreender quais são as instituições e como elas procuram se organizar nesta disputa: pode-se por enquanto fixar dois grandes “planos” superestruturais: o que pode ser chamado de “sociedade civil” (isto é, o conjunto de organizações chamados comumente de “privados”) e o da “sociedade política”ou Estado, que correspondem à função de “hegemonia” que o grupo dominante exerce em toda a sociedade e àquela de “domínio direto” ou de comando, que se expressa no Estado e no governo “jurídico” (GRAMSCI, p. 1518). A hegemonia não está apenas nas instituições majoritárias ou privadas, mas nas representações políticas. Tratar a democracia e a participação como um processo apenas eleitoral ou a política como algo desinteressante é necessário para ampliar a hegemonia política das elites. Ao entender que o exercício político é algo ruim ou impossível, as representações tendem a não serem populares. Se não há participação política, a concepção clássica quanto ao exercício político busca tratar o parlamento como espaço exclusivo, em que a população mesmo que não reconheça a legitimidade de seus governantes não compreendam ali o local para a determinação das suas decisões. Gramsci ressalta: “O exercício “normal” da hegemonia no terreno agora clássico do regime parlamentar é caracterizado pela combinação de força e consentimento, que se equilibram um ao outro, sem que a força predomine excessivamente sobre o consentimento” (GRAMSCI, 1977, p. 90). A educação popular é a possibilidade de através da formação política tratar a democracia como um valor ético central. O exercício da democracia é despertado nos espaços de formação em que tratam os trabalhadores como trabalhadores e não como reprodutores da ordem posta. A formação política garante não apenas a consciência de classe em si, mas de acordo com a teoria marxiana, a classe ao se reconhecer tem como compromisso coletivo lutar para si. É neste momento que a classe trabalhadora tem na formação política a construção de novos sujeitos comunicadores como estratégia. A comunicação popular também é a oportunidade em que as trabalhadoras e trabalhadores podem se reconhecer enquanto classe, mas além, trazer novos trabalhadores para as lutas sociais. É nas lutas que se torna possível fazer o diálogo como espaço de denúncia e também de como espaço de formação e informação. Da comunicação popular nascem não apenas novos veículos de comunicação, mas estratégias de disputa da hegemonia cultural. Os movimentos sociais e os coletivos de comunicadoras e comunicadores Se a comunicação é um eixo de centralidade na disputa da hegemonia cultural, cabe aos movimentos sociais pensar em que cenários a sua comunicação deve se construir. Ao longo de dois séculos diversos jornais e periódicos foram experienciados por sindicatos e por partidos comunistas como forma de aproximação de suas pautas para e com a população. De acordo com Grehan (2002) é nas experiências reais que a prática comunicativa faz sentido, contudo a comunicação dos movimentos de esquerda deve se constituir de propósitos diferentes da mídia tradicional. É na esquerda que valores como a Liberdade, os Direitos Humanos e a verdade como verificação do fato são necessários para que factoides ou na atualidade fakenews não sejam contrapontos da narrativa. É neste propósito que comunicar numa realidade desigual e meritocrática se faz mais desafiador. A realidade permite problematizar que naturalmente boa parcela da população almeja inconscientemente informações rápidas, fragmentadas que procuram alavancar alardes e não reflexões complexas sobre o fato apresentado, mas a complexidade é por si formativa. O ato de comunicar, ao trazer uma linha editorial comprometida com os valores da esquerda devem impreterivelmente problematizar a sociedade. Não alertar que há por exemplo a desigualdade, mas em que base social ela é formada e quais são os olhares da classe trabalhadora sobre as expressões da questão social por ela, a classe, vivenciada no seu cotidiano. (GREHAN, 2002, p.06) É neste espaço, na realidade vivida se apresenta às contradições impostas pelo modo de produção capitalista. É também neste momento, que Antonio Gramsci acredita que se deve disputar a comunicação como possibilidade formativa: “A realidade é rica nas combinações mais estranhas e é o teórico que está obrigado a buscar a prova decisiva de sua teoria nesta mesma estranheza, a traduzir, para a linguagem teórica, os elementos da vida histórica e não ao contrário, que seja a realidade que deva apresentar-se segundo esquema abstrato” (GRAMSCI, 1977, p.151). Através da realidade, o século 21 e seus diversos movimentos sociais e coletivos de comunicação se organizam para contrapor a narrativa da burguesia sobre a cena pública. No Brasil, um dos países que mais se utiliza a internet no mundo, canais de interação como o Facebook, Twitter e Instagram se mesclam com o acesso de aplicativos de mensagens rápidas como Whatsapp e Telegram. Em 2013, no mês de junho, estes espaços virtuais protagonizaram grandes mobilizações de massa, que independente da sua intencionalidade política trouxeram às ruas milhões de pessoas por todo país. Entre os coletivos como a Narrativas Independentes, Jornalismo e Ação, conhecida como Mídia NINJA e os Jornalistas Livres surgem após os atos de 2013. Estes dois coletivos, por exemplo, foram ganhando outra conotação social e centralizados em plataformas da esquerda brasileira por assim serem ideologicamente percebidos. A ideia inicial de 2013 da neutralidade política não se sustentou nas redes sociais e a militância da esquerda, bemcomo seus apoiadores anônimos passaram a ter estes dois canais de referência na comunicação como prioritários. Neste conjunto as Frentes Brasil Popular e Povo Sem Medo, organizações que visa unificar a luta de diversos movimentos sociais, sindicais e populares procuram a mesma receita. As frentes de luta buscaram nos coletivos de comunicação a tecnologia social antes experienciada para a formação de mais comunicadores e comunicadoras populares. A proposta era construir uma rede de apoio aos atos organizados pelas frentes e também na tentativa de oxigenar a linha editorial dos seus movimentos afiliados. É neste processo que a comunicação digital, sem custo direto como gráfica e logística, possibilitou em tempo real com que milhões de pessoas pudessem organizar-se para participar de atos contra o desmonte dos direitos sociais que acontecem no contraponto do fascismo que governa o país. Um grande desafio desta mobilização é também fugir da obviedade da grande mídia que procura disputar os espaços digitais na perda da audiência tradicional em seus veículos de rádio e tevê. Diversas programações da mídia tradicional são migradas para plataformas como Youtube entre outras no intuito de disputar este novo espaço comunicativo. É nos movimentos sociais e coletivos de comunicação que a formação em rede, fotografia, texto e produção de audiovisual se popularizaram no país. A linguagem adaptada via ensinamentos da educação popular visa um outro processo que ao trazer novos comunicadores e comunicadoras propõe a responsabilidade do ato de se comunicar com as massas. A criatividade, a autocrítica e a inovação são campos férteis e com isso, possibilita inevitavelmente uma narrativa mais próxima da população em geral. O desafio de superar as bolhas de interesse que a 10 anos atrás seriam impossíveis de serem quebradas pelos jornais dos sindicatos nos mesmos atos públicos de atualidade. No processo de construção dos coletivos de comunicação popular é levado em conta a imagem que não deve ser do padrão heteronormativo imposto pela burguesia como também a devolutiva social, esta última é formar sempre novos comunicadores por onde os coletivos constroem a narrativa e a ampliação de vozes. Como exemplo é a relação destes coletivos com os movimentos sociais do campo. O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra MST conta atualmente com dezenas de comunicadoras e comunicadores em todo país como resultado desta interlocução. A ausência de recursos financeiros apesar de limitadora em muitos casos, não é o alvo decisivo na construção da comunicação popular. A solidariedade de classe abriga nesta construção uma série de apoios mútuos como compartilhamento da internet, sincronização de dados, propostas de textos para as imagens dos atos entre outros. O ato de comunicar de forma popular no Brasil vem sendo analisado por diversos especialistas em todo o mundo. Mesmo com a vitória eleitoral de Jair Bolsonaro, alavancado pela internet da fakenews, a ofensiva neoliberal e neoconservadora é denunciada por estes coletivos. Esta denúncia garante para a população informações que contrapõe os argumentos apresentados pelo governo federal fascista e pela imprensa que na sua ordem rentista tem interesse direto com a aprovação da reforma da previdência como exemplo. Por fim, é na comunicação popular que se pode ter diversos canais informativos sobre a diversidade apresentada no país. A luta pela cidadania LGBTQI+, dos movimentos feministas ou dos movimentos que denunciam o genocídio da juventude negra encontram nestes canais comunicativos a ampliação das vozes ali representadas sem tirar o lugar de fala de quem luta por estas causas na contemporaneidade. Entre o on-line e o off-line a comunicação popular se constrói Uma foto, não é apenas uma foto. O seu registro mesmo que em uma publicação visualizada por milhares de pessoas teve o protagonismo dos atores ali registrados na imagem. Só existe publicação de um ato de rua se o resultado for do ato ter a mobilização de toda uma imagem social. Não se pode substituir ou esquecer o espaço de militância cotidiana. As mídias digitais servem a uma rede social diversa, seja ela na virtualidade ou na rede local e familiar. Redes são espaços que pensa atos comuns se os interesses se encontram. Uma rede social pode não ser virtual e ter um fim no dialogar sobre a fé e a política como acontecem nas comunidades eclesiásticas de base CEBs. O que traz a ampliação das vozes e das lutas sociais é o ato de enxergar na comunicação popular e por toda a sua tecnologia social uma nova estratégia de visibilidade e de formação. Entre o online e o offline, a tarefa de trazer a realidade da história do povo como narrativa. Os movimentos sociais e os coletivos de comunicação, nos últimos anos desenvolveram não apenas estratégias on-line de interação, mas rádios comunitárias ampliaram seu diálogo nas vilas e favelas. Os movimentos culturais como o Coletivo Alvorada BH trouxeram também múltiplas intervenções em espaços públicos da capital mineira entre outras experiências. A sintonia entre o on-line e as experiências fora da internet, conhecidas como off-line, trazem para a luta social uma visibilidade ainda maior. Como exemplo, uma intervenção em um estádio, que além das mais de cinquenta mil pessoas presentes no evento esportivo assistem, é nesta interação entre o ato político cultural e a mídia digital pode garantir uma visibilidade para o mundo inteiro. A oportunidade desta sincronia acontecer em tempo real desmonta a possibilidade qual a imprensa privada tenta em uma linguagem despolitizadora distorcer tais atos. Garantir o furo da reportagem e a primeira análise sendo de uma comunicação de esquerda é caminho para credibilizar uma nova forma de comunicação. A instrumentalidade construída pelos coletivos de comunicação popular também é multilinguístico, qual garante que a imagem da internet seja capa de um jornal sindical, que o texto da publicação embase um ato cultural público ou que o áudio de entrevista de rádio subsidie um podcast. Esta versatilidade é uma relevante característica que associa a construção da esquerda e uma nova estratégia de disputa hegemônica. Considerações finais A esquerda brasileira deve ter nas experiências trazidas pelos coletivos de comunicação popular um exemplo do quanto a formação política é importante. As comunicadoras e comunicadores são os atores dos movimentos sociais que transmite através dos seus veículos e canais comunicativos as informações necessárias para a disputa de narrativa. A formação política de comunicadoras e comunicadores é construída em sua trajetória para além da escolarização e da universidade. O conhecimento científico se equaciona neste processo com o saber popular, seja por conhecer as principais lideranças ou mesmo o cenário político em que haverá a cobertura de um ato público. Neste paralelo se formam fotógrafos, jornalistas, militantes políticos, lideranças comunitárias, professoras e professores e toda uma diversidade que seja vista pelas mídias digitais ou pela cultura como ligação formativa desta coletividade. Os valores da esquerda e a organização da classe trabalhadora estão implicados com a narrativa que se constrói nos veículos e canais populares, tendo nesta nova forma de comunicação a garantia que a verdade e o respeito aos direitos humanos se dará em todo o seu conjunto de textos, imagens e relatos. Assim, a informação deste espaço amplia as vozes e as lutas sociais por possibilitar a fala de atores políticos que não teriam lugar na mídia tradicional. Se a comunicação popular contribui com a disputa da hegemonia cultural por colocar como pública a desigualdade e a intenção política daburguesia na produção da corrupção advinda pela mais-valia, são perceptíveis que os espaços comunicativos devem estar cada vez mais preparados, assim é maior a chance de a população compreender a realidade do tempo presente e o porquê da violência e opressões vividas. Contar a história do povo brasileiro só é possível se as comunicadoras e comunicadores forem parte deste processo. A comunicação não é construída na observação neutra, mas na intenção de trazer a realidade o olhar de quem a constrói. É na comunicação que se potencializa a formação política e traz esperanças na construção do poder popular. Poder para o povo, todo poder ao povo, eu quero! Referências FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2000. GRAMSCI, A. Quaderni del cárcere. Edizione critica Dell’Istituto Gramsci di Roma (a cura de V. Gerratana. Einaudi, Torino, 1977 GREHAN, K. Gramsci, cultura e antropologia. Pluto Press. London. 2002. MARTINS, L.K. Novo Algoritmo do Facebook, nada pessoal apenas negócios. Disponível em:<https://www.brasildefato.com.br/2016/07/29/opiniao-or-novo-algoritmo-do-facebook- nada-pessoal-apenas-negocios/> Acessado em: 29 de abril de 2019 SANTOS, B.S. A Universidade do Século XXI: para uma reforma democrática e emancipatória da Universidade". 2.ed. São Paulo: Cortez Editora, 2005. (Coleção questões de nossa época; v.120)
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