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1 3 CINÉTICA DAS REAÇÕES ENZIMÁTICAS BIBLIOGRAFIA MARZZOCO; A. e TORRES; B. B. “Bioquímica Básica” 2ª. 3ª. ou 4ª. edição Editora Guanabara Koogan, RJ. STRYER, Lubert “Bioquímica” 4ª ed. Editora Guanabara Koogan, RJ, 1000p. 1996. LEHNINGER, Albert Lester “Princípios de Bioquímica” 2ª ed. Editora Sarvier, SP, 839p. 1993. BAILEY, J. E. e OLLIS, D. F., “Biochemical Engineering Fundamentals” 2a. edição, Editora McGraw-Hill Chemical Engineering Series, 984p, 1986. STANBURY, P. F. & WHITAKER, A. “Principles of Fermentation Tecnology” Pergamon Press (1984). 2 1 – INTRODUÇÃO O conhecimento das propriedades cinéticas das enzimas é importante para compreender as transformações que ocorrem no interior das células que participam dos processos fermentativos e também dos reatores enzimáticos. 2 – APLICAÇÕES INDUSTRIAIS Tabela 1: Enzimas aplicadas na indústria ENZIMA APLICAÇÃO Proteases *Fabricação de aspartame *Obtenção de insulina humana a partir de insulina suína Amilase (Bacillus subtilis) *Indústria de fermentação alcoólica *Produção de glicose Tripsina (pâncreas animal) Amolecimento de carnes Papaína (mamão) e Bromelina (abacaxi) *Auxiliar digestivo *Amolecimento de carnes Pepsina (estômago animal) Auxiliar digestivo Renina (estômago de bezerros) Fabricação de queijo Pectinase (Aspergilus niger) Retirada de pectina na clarificação de sucos de frutas Enzimas são proteínas (seqüência de aminoácidos) com peso molecular muito grande, e com propriedades catalíticas. Na maioria das vezes são proteínas globulares. É mostrado na tabela 2 uma comparação entre as características das enzimas e dos catalisadores inorgânicos. Tabela 2: Comparação entre as enzimas e os catalisadores inorgânicos. CARACTERÍSTICA ENZIMAS CATALISADORES QUÍMICOS 1 – Especificidade ao substrato Alta Baixa 2 – Natureza da estrutura Complexa Simples 3 – Sensibilidade à temperatura Alta Baixa 4 – Condições de reação (T, P e pH) Suaves Drásticas (geralmente) 5 – Custo de obtenção (isolamento e purificação) Alto Moderado 6 – Natureza do processo Batelada/contínuo Batelada/contínuo 7 – Consumo de energia Baixo Alto 8 – Formação de subprodutos Baixa Alta 9 – Reutilização do catalisador Simples/cara Simples 10 – Atividade catalítica (temperatura ambiente) Alta Baixa 11- Presença de cofatores Sim Não 12 – Energia de ativação Baixa Alta 13 – Velocidade de reação Alta Baixa 3 A característica mais importante das enzimas é a elevada especificidade. Muitas enzimas possuem um grupo limitado de substratos, mas outras possuem uma especificidade absoluta para um único substrato como mostrado na figura 1: Substrato Produtos Enzima Enzima E + S ES E + P Figura 1: Especificidade das enzimas pelos substratos. Como exemplo de especificidade enzimática pode ser tomado a hidrólise enzimática do amido: -amilase atua na amilose rompendo a ligação -1,4 produzindo maltose e glicose. -glicosidase atua na -1,6 produzindo amilose. Com a atuação das duas enzimas no amido é produzido maltose e a glicose. Amiloglicosidase (ou glicoamilase) atua na -1,6 e -1,4 de forma a produzir também maltose e glicose a partir do amido. 3 – NOMENCLATURA nome do substrato ou + sufixo ase reação que catalisa - protease (hidrolisa proteínas) - álcool desidrogenase (catalisa a desidrogenação de um álcool) Sítio ativo 4 - outras apresentam terminações ina (tripsina, renina, bromelina etc) 4 – COMPLEXO ENZIMA SUBSTRATO E + S ES E + P Cinética da reação enzimática com formação de um substrato Medindo as concentrações do produto (P) e do substrato (S) expressos na reação acima, podemos obter a figura seguinte: [P] e [S] Produto Substrato Tempo 5 – INFLUÊNCIA DA CONCENTRAÇÃO DE ENZIMA [P] [E]1 [E]2 [E]1>[E]2>[E]3>[E]4 [E]3 [E]4 Tempo 5 6 – INFLUÊNCIA DA CONCENTRAÇÃO DO SUBSTRATO O modelo cinético de Michaelis e Menten é utilizado para explicar matematicamente a influência da concentração do substrato na cinética da reação enzimática. Essa teoria admite que inicialmente, a enzima e o substrato reagem reversívelmente, formando um composto intermediário denominado “complexo enzima-substrato” que por sua vez decompõe ou regenera a enzima e forma os produto da reação. k1 E + S ES k2 k3 ES E + P V onde k1 = constante de vel. de formação do complexo k2 = constante de vel. de dissociação do complexo k3 = constante de velocidade de decomposição do complexo formando os produtos da reação V = velocidade de formação dos produtos Consideremos um caso simples, caracterizado pelas seguintes hipóteses: a) Complexo ES (1mol de enzima para 1 mol de substrato) b) O complexo formado se decompõe, sem reagir com outras substâncias existentes no sistema c) Fazendo X = ES logo a variação da concentração de X com o tempo (dX/dt) será: dX/dt = k1.E.S – k2X – k3X eq. 01 fazendo Et = E + X logo E = Et – X fazendo St = S + X logo S = St – X onde St = quantidade de substrato total adicionada ao sistema S = quantidade de substrato não associada ao complexo ES Et = quantidade de enzima total adicionada ao sistema E = quantidade de enzima não associada ao complexo ES Substituindo os valores de En e de Sn na eq. 01 vem: XkXkXtSXtEk dt dX 32))((1 −−−−= eq. 02 6 supondo que as concentrações de substrato são muito maiores que as de enzima e portanto muito maiores que as do complexo, o que é comum na prática ES<<S>>E Então pela eq. 02 vem: XkktSXtEk dt dX )32()(1 +−−= eq. 03 Supondo, ainda que boa parte da reação se desenvolve mantendo-se constante a concentração do complexo no tempo (estado estacionário) ou seja dX/dt = 0 XkkXtEtSk )32()(1 +=− 32 )(1 kk XtEtSkX + − = 1k mk XtStEtS kkk XtEtSX − = + − = 1/)32( )( onde 1 32 k kk mk + = = constante de Michaelis e Menten que pode indicar o grau de afinidade da enzima pelo substrato, ou seja, quanto maior a afinidade da enzima pelo substrato menor é o valor de km isolando X mk tEtS mk XtSX =+ mk tEtS mk tSX = +1 + = mk tSmk tEtSX 1 1 . + = mk tSmkmk tEtSX 1 . 7 ( )tSmk mk mk tEtSX + = . tSmk tEtSX + = fazendo St = S e Et = E vem, Smk SE X + = eq. 04 Sabendo que a velocidade da reação enzimática é V = K3X eq. 05Substituindo a eq. 04 na eq. 05 vem, Smk ESk V + = 3 Fazendo K3E = Vmax = Velocidade máxima de formação de produtos correspondente a situação em que toda enzima se encontra na forma ES vem: Smk S VV + = max eq. 06 Esta última equação representada pela figura abaixo, é chamada equação de Michaelis e Menten. 8 Velocidade de reação Vmax Vmax/2 Smk S VV + = max Km S Na região (1) do gráfico anterior a velocidade da reação é uma função crescente da concentração do substrato, até um determinado valor desta concentração (ponto 2) que a partir do qual a velocidade se mantém constante (região 3). O tipo desta curva é análogo aos fenômenos de saturação que pode ser melhor compreendido analisando o esquema abaixo. Situação antes do Equilíbrio Situação no Equilíbrio % da Vmax E S E + S ES 25% 50% 75% 100% 100% (1) (2) (3) 9 Quando a concentração do substrato é tal que a velocidade de reação é metade da velocidade máxima teremos: [S]K [S] 2 1 m + = Km + [S] = 2[S] Km = [S] Como foi dito anteriormente o valor de Km é inversamente proporcional a afinidade da enzima pelo substrato. Desta forma podemos comparar a afinidade da Enzima1 com a da Enzima2 no gráfico abaixo: Vel. de reação Enzima1 Vmax Vmax/2 Enzima2 km1 km2 S Uma forma precisa de determinar Vmax e km a partir de dados experimentais é o método chamado Lineweaver-Burk, resultado da inversão da equação 4 de Michaelis e Menten. SV mk VV 1 . maxmax 11 += eq. 07 que trata-se da equação de uma reta representada pela figura a seguir. 1/V Km/Vmax 1/Vmax -1/Km 1/S Km2 > Km1 portanto a afinidade da enzima1 pelo substrato S é maior que a da enzima2 10 ATIVIDADE ENZIMÁTICA A velocidade da reação pode também ser expressa em termos de sua atividade enzimática. Que é a quantidade de produto formado em um certo tempo pela quantidade de enzima utilizada. A atividade de uma enzima é definida especificamente para cada caso estudado. A CONSTANTE CATALÍTICA é definida para se estudar a eficiência da catálise enzimática. [E] V k maxcat = kcat equivale ao número máximo de moléculas de substrato que um centro ativo converte em produto por segundo. Como exemplo, podemos tomar a enzima catalase com kcat = 107 s-1, portanto esta enzima é capaz de originar 10 000 000 moléculas de produto por segundo. 7 – INFLUÊNCIA DA PRESENÇA DE UM INIBIDOR A inibição enzimática pode ser reversível ou irreversível O inibidor irreversível forma um complexo estável com a enzima não podendo ser removido para recuperar a enzima ativa. Exemplo: metais pesado (Hg), agentes complexantes de metais (CN) A inibição reversível é caracterizada por uma constante de equilíbrio ki, que é medida pela afinidade do inibidor com a enzima. Três formas simples de inibição podem ser descritas: • Pelo substrato (reversível) • Competitiva (reversível) • Não competitiva (irreversível) 7.1 – INIBIÇÃO PELO EXCESSO DE SUBSTRATO (reversível) k1 E + S ES k2 k3 ES + S ES2 (Complexo não reativo) k4 k5 ES E + P V 11 V Vmax S ik S Smk SV V 2 max ++ = eq. 08 onde ki é a constante de inibição. Para encontrar as constantes faz-se a inversão segundo Lineweaver-Burk S iKVSV mk VV max 11 . maxmax 11 ++= eq. 09 Para se obter as constantes são necessárias duas hipóteses: 1ª Hipótese: para valores de S<<ki a eq. 09 se reduz em, SV mk VV 1 . maxmax 11 += 1/V Km/Vmax 1/Vmax -1/Km 1/S 12 2ª Hipótese: para valores de S>>km a eq. 09 se reduz em, S iKVVV max 1 max 11 += 1/V 1/(Vmaxki) 1/Vmax S Obs. Os valores de Vmax determinados em ambos os gráficos devem ser próximos. 7.2 – INIBIÇÃO COMPETITIVA (reversível) Diz-se que um inibidor competitivo reage com a enzima como se fosse um outro substrato. Indicando-se com a fórmula molecular de um inibidor competitivo, a teoria de Michaelis e Menten fornece: k1 k3 E + S ES ES E + P k2 V k4 E + E E E + P’ k5 k6 Obs. O complexo E (Enzima-Inibidor) pode ou não formar produto, porém quando o inibidor forma o complexo E fica impedindo que o substrato S entre em contato com a enzima E. A velocidade de formação do produto desejado será, então: Sikmk S VVi ++ = )/1( max eq. 10 13 onde km = (k2+k3)/k1 = cte de Michaelis e Menten = concentração do Inibidor ki = (k5+k6)/k4 Invertendo a equação segundo Lineweaver-Burk SV ikmk ViV 1 . max )/1( max 11 + += eq. 11 1/Vi 2>1 1 =0 1/Vmax -1/Km 1/S )/1( 1 ikmk + − Fazendo a relação entre Velocidade segundo Michaelis e Menten e a Velocidade de inibição competitiva vem; iKSmk mk iV V )( 1 + += eq. 12 Esta relação trata-se de uma representação matemática da influência das concentrações de substrato e de inibidor na inibição competitiva, da seguinte forma: 14 V/Vi S2<S1 S1 S>> 1 Ou seja, com o aumento da concentração de substrato emrelação a concentração do inibidor diminui a influência do inibidor na cinética enzimática. 7.3 – INIBIÇÃO NÃO-COMPETITIVA (irreversível) Consideremos o caso em que o inibidor, presente no sistema na concentração , bloqueia irreversivelmente uma concentração de enzima. Teremos então: k1 k3 E + S ES E + P k2 Vi k4 E+ E A velocidade de formação do produto desejado será: SmK S kViV + −= )3max( eq. 13 onde = Concentração do inibidor = porção de enzima bloqueada irreversivelmente Invertendo a equação segundo Lineweaver-Burk vem: SkV mk kViV 1 . 3max3max 11 − + − = eq. 14 15 1/Vi 2>1 1 − 3max 1 kV =0 1/Vmax -1/Km 1/S 8 – INFLUÊNCIA DO pH NA ATIVIDADE ENZIMÁTICA Como as proteínas possuem muitos grupos ionizáveis, a mudança de pH afeta o sítio catalítico e a conformação das enzimas. Em geral as enzimas são ativas em intervalos limitados de pH, e na maioria dos casos um pH ótimo é observado. Alguns exemplos são mostrados abaixo: Atividade enzimática A B C D 3 4 5 6 7 8 9 10 11 pH Onde: A = invertase de levedura B = -amilase de Bacillus sp. C = Aminoacilase de Aspergillus oryzae D = protease alcalina de Bacillus sp. 16 9 – INFLUÊNCIA DA TEMPERATURA NA ATIVIDADE ENZIMÁTICA Reações enzimáticas, como outras reações químicas são influenciadas pela temperatura. Quando ocorre o aumento da temperatura a velocidade da reação aumenta. Contudo a taxa de denaturação térmica também aumenta após a temperatura ótima de reação. A constante de catálise e denaturação pode ser representada pela equação de Arrhenius. RTEaAek /−= eq. 15 onde k = constante da reação A = constante de Arrhenius Ea = energia de ativação R = constante dos gases T = temperatura absoluta Valores médios de energia de ativação térmica 4 a 20 kcal/gmol Valores médios da energia de ativação do processo de desativação térmica 40 a 130kcal/gmol A figura abaixo exemplifica a influência da temperatura na catálise de algumas enzimas. Atividade A B C 30 40 50 60 70 80 90 Temperatura oC onde A = -galactosidase de leveduras B = aminoacilase de Aspergillus oryzae C = glicose isomerase de Streptomices sp. 17 9.1 – ESTABILIDADE TÉRMICA DAS ENZIMAS Cinética de primeira ordem de desativação Adk dt dA −= integrando vem: tdk oA A = − ln eq. 16 onde A = atividade enzimática kd = constante de desativação da enzima (min-1) t = tempo Ao = atividade enzimática inicial 9.2 - TEMPO DE MEIA VIDA (t1/2) É o tempo necessário para que a atividade seja reduzida a metade da atividade inicial ou seja 5,0= oA A logo pela equação 16 vem dk t 5,0ln 2/1 − = eq. 17 9.3 – ENERGIA DE ATIVAÇÃO TÉRMICA Aplicando logarítimo neperiano na equação de Arrhenius (eq. 15) vem. RT aEAdk −= lnln eq. 18 que é uma equação de reta como mostrado no gráfico abaixo. 18 ln kd lnA -Ea/R 1/T 10 - EXERCÍCIOS 1) Os dados abaixo são relativos à hidrólise de sacarose por invertase livre obtidos a 40oC, onde V é a velocidade inicial da reação e S a concentração do substrato. S (mol/L) Vx103 (mol/L.min) 0,00532 0,1128 0,01063 0,2024 0,01595 0,2779 0,02127 0,3407 0,03190 0,4651 0,04253 0,5122 0,05316 0,5380 0,08506 0,6055 0,10630 0,6357 0,13290 0,6101 0,15950 0,5882 a) Verifique qual modelo cinético que melhor se ajusta aos dados experimentais. b) Definido o modelo cinético, determine os parâmetros da equação da velocidade de reação. Obs. Deixe claro todas as considerações e/ou siplificações adotadas. 19 2) Os dados da tabela abaixo são relativos à desativação térmica de invertase livre. Com base nesses dados, determine a energia de ativação do processo de desativação da enzima. Temperatura oC Kd (min-1) 50,0 0,002078 56,0 0,001760 58,0 0,007200 58,5 0,010890 60,5 0,020300 63.0 0,175300 3) Descrever os procedimentos experimentais necessários para a obtenção do gráfico da velocidade da reação enzimática S→ P em função da concentração do substrato. 4) A velocidade de uma reação, utilizando-se uma concentração de substrato igual a 10-2 M e de enzima igual a 0,01mg/mL, é igual a 20 mmols de produto por min. Sabendo que o Km da enzima é 10-5M, indicar a: a) quantidade de produto formado após 5min de reação; b) velocidade da reação, usando-se a mesma concentração da enzima a uma concentração de substrato igual a 10-5M. 5) Indicar a porcentagem de enzima livre (em relação ao total de moléculas de enzima presente no meio) nos pontos A, B, C e D do seguinte gráfico. Vel S 40 30 20 10 A B C D