Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Introdução O objetivo do livro de Leonardo Boff é esclarecer os motivos de necessitarmos de um ethos mundial, pensando em quesitos naturais e sociais, que apresentam problemas de existência que ameaçam seus futuros. O ethos mundial mencionado pelo autor deve garantir um mundo habitável para todos os seres vivos dessa e das próximas gerações. Então, ele deve ser responsável por salvar a vida e a Terra. No livro, são propostos vários motivos e meios de se elaborar o ethos mundial. Urgência de um ethos mundial No capítulo Urgência de um ethos mundial, três crises são descritas, são elas que devem ser resolvidas pelo ethos mundial. A sociedade está dividida entre os que se beneficiam das riquezas geradas pelas novas tecnologias e os que devem trabalhar para se sustentar. Essa divisão está em constante aumento, porque os avanços tecnocientíficos não param de crescer. É assim que podemos descrever a crise social, gerada pela acumulação de riquezas, e é com ela que surge a crise do sistema de trabalho, que refere-se à substituição do trabalho humano por máquinas, aumentando a quantidade de pobres e excluídos. A crise ecológica cria o princípio da autodestruição, porque a destruição causada no nosso planeta e que afeta a vida de todos os seres vivos é causada especificamente por nós mesmos, que agimos de forma irresponsável, causando a degradação do planeta e o risco de extinção de todas as formas de vida na Terra. A solução para as três crises é proposta durante o livro, sendo ela a formação de uma base ética mínima, que deverá nos levar à diminuição da divisão social, de desempregos e formação da consciência dos riscos causados pelas atitudes humanas. O planetário como novo patamar da terra e da humanidade O Estado-nação representa um fator político decisivo na coordenação de um projeto nacional, aberto ao global, no estabelecimento de políticas públicas, que somente um ente público pode operar, e no controle dos grandes conglomerados globais que, ao buscar seus interesses privados, assaltam e dilapidam as economias regionais e nacionais, indefesas diante de sua voracidade ilimitada. Para que isso deixe de acontecem, instituições e configurações jurídicas que zelam pelo patrimônio comum da biosfera e da humanidade devem ser estabelecidas. Entra então, a globalização ecocêntrica, que colocará no centro a Terra, entendida como um macrossistema orgânico, um superorganismo vivo, ao qual todas as instâncias devem servir e estar subordinadas. Devem ser considerados os demais organismos da rede da vida pelo fato de que fundamentalmente a vida é uma e única na diversidade de suas manifestações. Tudo depende da salvaguarda da Terra e da manutenção das condições de sua vida e reprodução. Para uma realidade global, importa uma ética global. O ethos configura a atitude de responsabilidade e de cuidado com a vida, com a convivência societária, com a preservação da Terra, com cada um dos seres nela existentes e com a identificação de um derradeiro sentido do universo. Ele deve ser planejado como a expressão da globalização e da planetização da experiência humana, vendo que tudo constitui um único processo complexo, dinâmico e ainda aberto. Deve-se manter as culturas em sua singularidade, mas também abri-las a um diálogo obrigatório com todas as demais, com as perdas e ganhos que tal processo comporta, revelando virtualidades latentes insuspeitadas, enriquecendo a si mesmas e as outras culturas. Como fundar uma ética planetária? Os homens e as mulheres precisam criar certos consensos, coordenar certas ações, coibir certas práticas e elaborar expectativas e projetos coletivos, para podermos coexistir pacificamente. Para que isso possa acontecer, devemos criar um acordo quanto a exigências éticas e morais mínimas. A ética (do grego ethos) pertence à natureza humana, presente em cada pessoa. Podemos fazer a seguinte diferenciação: • Ethos com e minúsculo significa a morada, o abrigo permanente. A morada é construída pela atividade humana, o ethos não é algo acabado, mas algo aberto a ser sempre feito, refeito e cuidado como só acontece com a moradia humana. Ethos se traduz então por ética. É uma realidade da ordem dos fins: viver bem, morar bem. Tem a ver com os fins fundamentais, com valores imprescindíveis, com princípios fundadores de ações, etc. Para Platão, o centro de ethos é o bem, pois somente ele permite que alcancemos nosso fim, que consiste em sentirmo-nos bem em casa. E nos sentimos bem em casa quando criamos mediações adequadas, como hábitos, certas normas e maneiras constantes de agir. Para Aristóteles, o centro do ethos é a felicidade no sentido objetivo, como aquele estado de autonomia vivido no nível pessoal e no nível social. • Ethos com e maiúsculo significa os costumes, o conjunto de valores e de hábitos consagrados pela tradição cultural de um povo. Ethos como conjunto dos meios ordenados ao fim se traduz comumente por moral, que significa exatamente os costumes e valores de uma determinada cultura. Tais valores e hábitos fundam várias morais. A tradição grega diz que cabe ao logos definir o que é bom e habitável para todos. A natureza não se inimiza com ele, mas se expressa por meio dele e com ele. A mensagem da natureza não é captável apenas pelo logos, mas por outros órgãos que compõem a capacidade perceptiva do ser humano, como a intuição, a simpatia, a empatia, os sentidos espirituais, especialmente o sentido do cuidado para com tudo o que vive e tem valor. A nossa cultura ocidental privilegiou o logos e fez dele a instância básica de discernimento que orienta a decisão da vontade. Natureza e logos andam sempre juntos e constituem as referências comuns para os comportamentos morais da sociedade. Todo logos é natural. Mas nem toda natureza é lógica. Nos tempos modernos, o sujeito racional é visto como portador privilegiado do logos. A natureza é antes caótica e deve ser ordenada pela razão humana. Ela é objeto e lugar da ação livre do ser humano. Na nova cosmologia, a natureza é o conjunto articulado de todas as energias cósmicas em processo de materialização ou desmaterialização, são as infindas probabilidades, irrompendo do vácuo quântico, abertas à concretização, é a complexidade da matéria sempre em interação, é a vida em sua unidade e diversidade de manifestações como o processo de auto-organização da matéria, é o próprio logos universal e cósmico se expressando na história e produzindo cultura, significações e processos de espiritualização. Possui subjetividade e espiritualidade. O acesso a ela não se faz apenas pelo logos e pela razão instrumental-analítica. Faz-se principalmente pelo pathos (estrutura da sensibilidade), pelo cuidado, pelo eros (estrutura do desejo), pela intuição, pelo simbólico e sacramental. Essa natureza funda uma das correntes da ética de valor universal, inspiradora de um ethos mundial. Leonardo analisa formas de universalização do discurso ético, que auxiliam na formação do ethos mundial: o utilitarismo (julgamento de consequências e de atos morais de acordo com a realização do bem), a ação comunicativa e da justiça (justiça das normas, regras para a solução de conflitos), a ética baseada na natureza (todos são da mesma natureza, todos devem participar das argumentações), a nas tradições religiosas (convergências entre as religiões), a fundada no pobre e no excluído (prioriza os mais necessitados, garantindo suas necessidades de vida) e a fundada na dignidade da Terra (concebida como uma declaração de princípios éticos fundamentais e como um roteiro prático de significado duradouro). Pathos e o cuidado como nova plataforma do ethos humano e planetário Diferente do logocentrismo grego e o cogito cartesiano, a evolução do pensamento filosófico e o processo histórico mostraram que a razão não explica tudo sozinha,então, para o autor, a experiência base da vida humana é o cuidado, formado pelo logos e pelo pathos, ou seja, pela razão e pelo sentimento, porque com ele nós nos preocupamos com o que acontece ou acontecerá, pensando nas consequências de nossos atos. O autor diz que o conhecimento pelo pathos se dá num processo de identificação com o real. Algumas perspectivas podem ser úteis às várias vertentes da ética, essenciais para a formulação do ethos mundial e elas não podem ser separadas umas das outras, porque estão sempre relacionadas. Podemos apresentar primeiramente a ética do cuidado, que é essencial, porque, como apresentado anteriormente, ele é a experiência base da vida humana. A ética da solidariedade e a ética do diálogo são diretamente ligadas, porque não há a solidariedade sem o diálogo e vice-versa. A conservação da vida, seja humana ou qualquer outra, depende da solidariedade, porque precisamos uns dos outros e, para que consigamos ter essa coexistência e auxílios de todos, deve-se existir o diálogo, que inserirá todos na sociedade. A ética da responsabilidade é dividida em responsabilidade pelo meio ambiente, pela qualidade de vida de todos os seres e a generacional. No geral, essa ética determina o dever de ter cuidado e respeito com a natureza e com os seres vivos, mantendo a qualidade de vida não só para a geração atual, mas para as futuras. A ética da compaixão e da libertação também pode ser diretamente ligada com a solidariedade e o diálogo, porque de acordo com ela, a compaixão leva à libertação, inserindo os excluídos na sociedade novamente. Para que isso aconteça, pode-se dizer que é necessário o diálogo e, consequentemente, a solidariedade. A ética holística nos proporciona outra visão do mundo, vendo que não somos separados uns dos outros, a natureza dos seres vivos, mas que somos pertencentes ao mesmo todo, somos um só. Dessa forma, a holística acaba permitindo que vejamos os problemas da globalização, as necessidades dos outros. Mística e espiritualidade: base para uma ética mundial? A mística e a espiritualidade são abordadas como bases para o ethos mundial, são experiências básicas do ser humano. A espiritualidade e a mística fazem com que o ser humano seja e se sinta ligado ao todo. Elas subjazem aos discursos éticos, sem elas, a ética se transforma num cósdigo frio de preceitos e as várias morais em processos de controle social e de domesticação cultural. As religiões geram esperança, geram a vontade de ajudar, a preocupação e, também, o medo de não ter feito o suficiente, o que poderia ter sido feito. As convergências entre as mais diferentes religiões motivam as pessoas à seguirem a ética, dando um sentimento de satisfação, porque estão em conforme com seus deveres, ajudando o planeta e os seres vivos. Mesmo que essas duas sejam extremamente importantes para a ética mundial, não são totalmente suficientes, já que por serem diferentes em cada cultura, há exigências éticas que irão ser contrárias aos interesses imediatos e religiosos, não dando, para algumas pessoas, motivos suficientes para segui-la. Então, para a formulação do ethos mundial, devemos levar em conta as diversas culturas e tradições, entrando em um consenso mundial que incentive e faça com que as pessoas o apoiem. Conclusão: virtudes de um ethos mundial A Carta da Terra é inspiradora de princípios éticos fundados no respeito pela natureza, nos direitos humanos universais, na justiça econômica e numa cultura da paz. O autor ressalta, como dito na conferência mundial das religiões em favor da paz, em Kyoto, Japão, a unidade fundamental da família humana e a dignidade, o sagrado e o intocável, a consciência e o valor da comunidade, a fé, o amor, a compaixão, o altruísmo, a força do espírito e a veracidade interior como instâncias que devem influenciar as decisões que salvarão a terra e a sociedade. Necessitamos de um consenso, uma ética mundial para que consigamos conviver em paz e sem causar riscos à vida de qualquer ser vivo, seja humano ou não, salvando a Terra, resgatando os excluídos e dando sentido às lutas dos que buscam vida e liberdade. Precisamos respeitar a natureza como uma casa, uma morada, um Ethos, não analisando-a separadamente de qualquer outro tipo de vida, porque estão todas elas na mesma forma de vida, todas são necessárias e não viveríamos com a falta de qualquer que seja. O livro não traz somente reflexões sobre a ética, mas também sobre a ecologia a crise social e o cristianismo, nos faz ver tudo de outros pontos de vista. Nos faz perceber vários erros que nós mesmos cometemos despercebidamente, faz enxergarmos as pessoas, os animais e a natureza de outra forma, como um todo, como essenciais. Principalmente, nos faz refletir sobre a situação atual do mundo.
Compartilhar