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Princípios da Negociação Integrativa e sua Aplicação Prática – Marcelo Girade Corrêa – marcelo@m9gc.com 1 Princípios da Negociação Integrativa e sua Aplicação Prática Marcelo Girade Corrêa1 As origens da Negociação Integrativa A tomada de consciência, em nível mundial, quanto à importância do conceito de Negociação Integrativa nasce a partir da obra intitulada Como Chegar ao Sim, de Roger Fisher, William Ury e Bruce Patton, publicada no início da década de 802. A qualificação desse tipo de negociação como “integrativa”, em linhas gerais, deve-se ao fato das soluções serem pensadas tendo como foco a busca pela integração das diferenças entre as partes. Em outras palavras, o esforço feito pelos negociadores está concentrado em como gerar opções que atendam ambos (ou todos) os lados, integrando seus interesses e necessidades. O conceito de integração de interesses nasce, contudo, 60 anos antes, com Mary Parker Follet, escritora e pesquisadora norte-americana considerada a precursora nas áreas do gerenciamento organizacional moderno e das relações humanas nas organizações. Na década de 1920, Mary Parker Follet já apontava a abordagem integrativa como uma opção mais efetiva em relação ao modelo adversarial de resolver conflitos, em muitos casos. Para ilustrar a essência dessa visão construtiva sobre o conflito, a autora propõe uma situação parecida com a que será relatada em seguida. Imaginem que em uma biblioteca de uma universidade, uma aluna está em uma das salas de estudo, sozinha, envolvida com seus livros. Em um dado momento, chega uma outra aluna para compartilhar aquele ambiente. Após apoiar seus livros sobre a mesa, a aluna recém-chegada se dirige à janela para abri-la. Nesse momento, a aluna que já estava na sala pára a sua leitura e comenta que gostaria que a janela permanecesse fechada. A outra aluna argumenta que entende, mas que ela prefere que a janela fique aberta. A partir desse momento, as duas iniciam uma discussão sobre se a janela deve ficar aberta ou fechada. Uma das alunas argumenta que o fato de já estar na sala antes da outra chegar lhe dá o direito de escolher se a janela irá ficar aberta ou fechada. A outra aluna rebate dizendo que a biblioteca é pública e portanto todos tem direitos iguais, não importando quem está utilizando as instalações ou a ordem de chegada no local. As discussões continuam até o momento em que a secretária da biblioteca, intrigada com o barulho produzido pela voz das alunas chega à sala de estudos. As 1 Diretor Executivo da M9GC Conflict Resolution Training. Mediador Avançado certificado pelo Instituto de Certificação e Formação de Mediadores Lusófonos – ICFML. Instrutor em cursos de Negociação, Mediação e Resolução de Conflitos. Co-autor do Manual de Mediação Judicial do CNJ e Ministério da Justiça. 2 FISHER, Roger, URY, William e PATTON, Bruce. Como Chegar ao Sim: a negociação de acordos sem concessões. 2, ed. Rio de Janeiro, Editora Imago, 2005. Princípios da Negociação Integrativa e sua Aplicação Prática – Marcelo Girade Corrêa – marcelo@m9gc.com 2 alunas, um pouco constrangidas, explicam o que querem para a secretária e tentam reproduzir os argumentos que justificam suas vontades. A secretária, então, antes de emitir qualquer comentário, pergunta para uma das alunas o motivo dela querer que a janela fique aberta. A aluna responde que gostaria que o ambiente ficasse mais arejado, com mais ar puro na sala de estudos. A outra responde que gostaria que a janela ficasse fechada para que o vento frio não a incomodasse, correndo o risco de ficar gripada. Nesse momento, a secretária propõe que se abra a janela da sala ao lado, permitindo que o ambiente ficasse mais arejado e, ao mesmo tempo, que o vento não soprasse direto na aluna que estava preocupada em se proteger do frio. As alunas ficam satisfeitas com a solução proposta porque atendia aos interesses de ambas. Mary Parker Follet utiliza exemplos como esse para demonstrar o potencial que a visão integrativa possui para a resolução construtiva de conflitos. Enquanto as pessoas se concentram em conseguirem o que querem utilizando estratégias competitivas, onde um lado tenta impor sua vontade ao outro, oportunidades de soluções mais criativas e menos onerosas são deixadas de lado. A sua proposta, já naquela época, era seguir um outro caminho que permitisse que o conflito não fosse visto como um bloqueio ou uma fonte de perdas. A solução, portanto, estava em concentrar os esforços em colaborar com o outro lado para construir soluções integrativas, onde os interesses de cada lado fossem atendidos. Você deve estar se perguntando o motivo dessa forma de ver e resolver o conflito ter demorado tanto tempo para ser considerada uma alternativa ao modelo competitivo tradicional. Por isso essa autora foi considerada uma visionária, uma pessoa à frente do seu tempo. Em outras palavras, o que ela propôs somente foi levado em consideração em nível global, como uma abordagem que atendia aos anseios de empresas e pessoas, a partir da publicação da obra Como Chegar ao Sim. O Programa de Negociação de Harvard A visão integrativa de resolução de conflitos ganha um novo fôlego com a fundação, em 1983, do PON – Program on Negotiation. Tendo início como um projeto especial de pesquisa da Faculdade de Direito de Harvard, esse programa contava e conta com professores, alunos, pesquisadores e colaboradores tanto da Universidade de Harvard como também do Massachusetts Institute of Technology – MIT e da Tufts University. Sua finalidade principal é desenvolver a teoria e a prática da negociação e resolução de disputas, com um papel singular no mundo nessa área. Entre seus fundadores, estão Roger Fisher e William Ury, autores da obra citada no início desse tópico. O método de negociação proposto por esses autores ficou mais popularmente conhecido como Método Harvard de Negociação e seus alicerces estão baseados na abordagem integrativa proposta por Mary Parker Follet no início do século XX. Entender os aspectos principais desse método permite que você tome consciência do novo paradigma de interações negociais que as Princípios da Negociação Integrativa e sua Aplicação Prática – Marcelo Girade Corrêa – marcelo@m9gc.com 3 organizações públicas e privadas estão adotando e como métodos consensuais de resolução de conflitos como a mediação se relacionam direta e indiretamente com esses aspectos. Como nasce o Método de Negociação Baseado em Princípios Também conhecido como Método Harvard de Negociação, sua proposta foi primeiramente apresentada na obra clássica Como Chegar ao Sim, em 1981. O método organizado pelos autores se propõe a dar respostas mais efetivas do que a abordagem que privilegia a chamada barganha posicional, onde cada lado assume uma determinada posição e tenta convencer o outro a ceder, em um jogo de concessões para tentarem chegar a um meio-termo. Você já parou para pensar se o método que você utiliza para negociar é efetivo? Quais critérios você utiliza para avaliar a sua escolha? Segundo os autores, podemos julgar um método de negociação utilizando três critérios (Fisher, Ury e Patton, 1981): 1. Deve produzir um acordo sensato – que atende aos interesses legítimos de cada uma das partes, na medida do possível; 2. Deve ser eficiente – resolve imparcialmente os interesses conflitantes; 3. Deve aprimorar ou, pelo menos, não prejudicar o relacionamentoentre as partes – é duradouro e leva em conta os interesses da comunidade. Como base nesses critérios, a forma tradicional de negociar, caracterizada pelo foco principal na apresentação de propostas (posições), têm-se mostrado insuficiente ou aquém dos resultados mais amplos que uma negociação pode produzir. Os autores listam algumas argumentações que nos ajudam a compreender os limites do modelo baseado em posições. Veja se você também possui essa percepção ao fazer a seguinte análise: a. Discutir posições nos desvia da geração de acordos sensatos – ao concentrarmos a discussão nas posições, aumentamos a probabilidade de nos fecharmos nelas. Isso ocorre porque estamos ocupados em convencer o outro lado da importância do que estamos propondo e também porque nos vemos na obrigação de defendermos nossos posicionamentos. Nesse movimento, cada lado se compromete progressivamente com a própria posição, ficando cada vez mais difícil de abrir mão do que se está defendendo. Começamos a confundir nossas posições com nossas próprias identidades, desviando o foco dos nossos interesses reais e dos interesses subjacentes do outro lado. O resultado são acordos que guardam graus de satisfação muito baixos, uma vez que foram elaborados a partir de informações muito superficiais sobre as necessidades de cada lado. A sensação predominante é de que o acordo alcançado poderia ter sido melhor trabalhado para fazer sentido para ambos os lados. Princípios da Negociação Integrativa e sua Aplicação Prática – Marcelo Girade Corrêa – marcelo@m9gc.com 4 b. Discutir posições se mostra ineficiente – quando duas ou mais partes se envolvem em uma dinâmica de tentar um convencer o outro de que sua posição é a melhor, o tempo e os recursos gastos para construir um acordo são aumentados. Em outras palavras, concentrar-se em defender posições é mais demorado e mais oneroso, portanto menos eficiente. O custo/benefício de pressionar o outro com ameaças, informações distorcidas, abandonar as negociações, gerar dificuldades, pagar para ver e tantas outras táticas é baixo. Quanto maior a pressão para que o outro ceda, maior a reação do outro lado para se defender e também pressionar. c. Discutir posições coloca em risco o relacionamento existente entre as partes – negociar com base nas posições freqüentemente leva a tentativas de imposição da vontade de um lado sobre o outro. Impor uma vontade tem um custo que normalmente é debitado do relacionamento entre as partes. A energia despendida para fazer o outro lado mudar de posição tem um efeito colateral na relação. Negociar com foco nas posições produz, inevitavelmente, um ambiente de tensão. A sensação de que um dos lados não terá seus interesses e necessidades satisfeitos gera frustração e ressentimento, funcionando como elementos de corrosão dos elos que mantém seguros um relacionamento. Dessa forma, clientes param de comprar ou utilizar os serviços de uma determinada empresa, parceiros comerciais interrompem suas transações, sócios decidem terminar seus empreendimentos em conjunto. Ao invés de funcionar como um incentivo à tentativa de resolver juntos um problema, reforçando o relacionamento entre as partes, a negociação baseada em posições constrange os negociadores a uma disputa de vontades. A resposta para essa abordagem posicional mais dura parece estar em fazer o seu oposto, ou seja, ao invés de negociarmos defendendo fortemente nossas posições e colocar em risco o relacionamento, deveríamos adotar uma postura mais branda e preservar, a todo custo, a relação. Dessa forma, atenderíamos ao terceiro critério proposto pelos autores para avaliar a efetividade de um método de negociação. Os autores defendem que essa não é a melhor resposta. Apesar de ter o potencial de produzir acordos mais rapidamente, levando em consideração o caráter amistoso que as partes procuram demonstrar, utilizar a abordagem branda da negociação posicional pode trazer dois riscos: a. construir acordos deficientes (sem obedecer ao critério de sensatez); ou b. tornar-se vulnerável aos negociadores que utilizam uma estratégia competitiva para obterem o que desejam. Se observarmos as negociações que ocorrem a nossa volta, vamos perceber que em grande parte delas os negociadores estão assumindo uma dessas duas estratégias, resultando nas seguinte opções: Princípios da Negociação Integrativa e sua Aplicação Prática – Marcelo Girade Corrêa – marcelo@m9gc.com 5 1. As partes adotam a estratégia competitiva (mais dura) de forçar o outro lado a ceder – aumentam as chances de impasse e a necessidade de utilização de táticas de pressão e poder para fazer com que uma das posições prevaleça. Essa é uma estratégia adotada com mais freqüência quando os dois lados já possuem um histórico de adversariedade; 2. Um dos lados adota a estratégia mais branda, procurando evidenciar o relacionamento como o aspecto principal da negociação e o outro lado adota uma estratégia competitiva, com foco em conseguir o que deseja – nesse caso o lado que adotou a postura mais branda tende a ceder para satisfazer os interesses do outro e acaba tendo seus interesses não contemplados no acordo. Em relações continuadas, essa dinâmica tende a não se sustentar, uma vez que o lado que faz concessões contínuas em detrimento das próprias necessidades acaba adotando uma postura mais rígida (competitiva) no futuro ou simplesmente se desengaja da relação, uma vez que se dá conta de que as interações estão trazendo mais perdas do que ganhos. Essa combinação de estratégias acontece normalmente quando as partes ainda não se conhecem; 3. Os dois lados adotam uma estratégia branda de negociação – a preocupação, nesse caso, está em manter o relacionamento protegido das vontades e necessidades dos participantes. Protege-se o relacionamento de tal forma que até mesmo as soluções que poderiam atender aos negociadores de forma mais completa e abrangente ficam de fora dos acordos. A preferência por essa estratégia acontece, em regra, no contexto onde já existe uma amizade entre os participantes. O método da negociação baseada em princípios propõe uma visão que ajuda a resolver o seguinte dilema: tentar obter o que é importante para mim (colocando o relacionamento em segundo plano) ou ajudar o outro a alcançar o que é importante para ele (colocando os meus interesses em segundo plano)? Por definição, um dilema é entendido como uma situação embaraçosa entre duas situações fatais, ambas difíceis ou penosas.3 De forma geral, o dilema remete à necessidade de escolher entre duas opções, sendo que, ao fazer a escolha, a pessoa não se sente totalmente satisfeita, uma vez que acaba tendo que abrir mão dos benefícios da outra opção. Contudo, ao invés de pensarmos a realidade de uma negociação como um dilema, o que se propõe na visão integrativa, a partir da análise do método, é enquadrarmos a tensão entre os meus interesses e os interesses do outro como um problema a ser resolvido. Um dilema difere de um problema na medida em que, enquanto o primeiro implica na necessidade de escolher entre duas opções mutuamente excludentes, o segundo se apresenta como uma questão ou situação que pode ser resolvida a partir de diversas opções. 3 Dicionário Michaelis Princípios da Negociação Integrativa e sua Aplicação Prática – Marcelo Girade Corrêa – marcelo@m9gc.com 6 O método de negociaçãobaseado em princípios nasce, portanto, da necessidade de dar resposta a um problema a partir da evidenciação de um dilema. Colocando de outra forma, ao invés de termos que escolher entre competir ou colaborar, forçar ou ceder, negociar de forma dura ou branda, o método propõe a utilização de uma outra alternativa, que vai além do pensamento binário limitador de um dilema. Essa é uma reflexão fundamental para compreender a novidade da abordagem integrativa de resolver conflitos e também um dos pilares da negociação produtiva ou construtiva, proposta no método baseado em interesses que iremos ver em seguida. Finalidade e estrutura do método A finalidade principal deste método é, segundo os autores, produzir resultados sensatos, de forma eficiente e preservando os relacionamentos. Essa é uma grande mudança na forma tradicional de se pensar e atuar na negociação. Empresários, comerciantes, advogados, gerentes, colaboradores e demais profissionais, em todos os contextos, têm a sua disposição um novo conjunto de competências para alcançar resultados mais efetivos em suas negociações. O que se propõe é particularmente importante nas relações de interação continuada, como é o caso das relações comerciais entre parceiros de negócios, das relações societárias, das relações de consumo entre cliente e empresa e da grande maioria dos relacionamentos de mercado que envolvem contratos. O método, portanto, foi elaborado e estruturado para que você e o outro lado possam ter mais chances de negociar alcançando soluções que integrem os interesses, necessidades, desejos e preocupações dos participantes, preservando ao máximo o relacionamento existente. Quatro elementos servem de base para a estrutura desse método. Vamos pensar neles como pilares que sustentam o que podemos chamar de negociação integrativa. Aliás, esses são elementos presentes em qualquer negociação, em maior ou menor grau. São eles: • PESSOAS • INTERESSES • OPÇÕES • CRITÉRIOS Os princípios que qualificam esse método são derivados de cada um desses elementos. A proposta, portanto, é que os negociadores observem esses princípios em todas as fases de uma negociação. Vamos conhecer, nas lições seguintes quais são esses princípios, qual a principal mensagem por trás de cada um deles, juntamente com um exemplo de aplicação prática em cada situação. Princípios da Negociação Integrativa e sua Aplicação Prática – Marcelo Girade Corrêa – marcelo@m9gc.com 7 Separe as Pessoas do Problema Todas as negociações são feitas por pessoas. Apesar da obviedade dessa afirmação, muitos negociadores se esquecem dessa realidade e ignoram o lado humano das interações, com todas as implicações emocionais e psicológicas que acompanham a natureza humana. O princípio ligado ao elemento PESSOAS permite que os negociadores fiquem atentos ao aspecto relacional das negociações, sem perder de vista a necessidade de resolver as questões envolvidas. Nesse caso, o problema ou os problemas são as questões que precisam ou devem ser resolvidas na negociação entre duas ou mais partes. Como já vimos logo no começo do curso, um dos motivos pelos quais as pessoas negociam é justamente a necessidade de solucionar um problema que não pode ser resolvido de forma unilateral. Um problema é um obstáculo que precisa ser transposto. Problemas geram incômodos e consomem recursos como tempo e dinheiro. Grande parte dos problemas que não são resolvidos por meio da negociação entre os interessados é transformada em ações judiciais. Isso significa que os tribunais estão carregados de conflitos que não foram solucionados diretamente pelas próprias pessoas que os criaram. Alternativas como a mediação ajudam os interessados a negociarem as soluções que melhor atendem às suas necessidades. Uma negociação pode ser vista como a tentativa de resolução conjunta de um problema, como já sinalizamos no início do curso. Resolver um problema em conjunto com uma ou mais pessoas, contudo, não é uma tarefa fácil. É muito comum que as pessoas percebam o problema com visões diferentes, a partir de pontos de vista diferentes, com objetivos, interesses e necessidades diferentes, com valores e crenças diferentes e com idéias sobre a forma de resolver a situação também diferentes. Todas essas diferenças, presentes nas normais interações negociais, se não forem tratadas de forma adequada, colocam em risco a possibilidade de construir soluções efetivas. Por solução efetiva, entende-se aquela que satisfaz, ao mesmo tempo, dois tipos de interesses inerentes a todo negociador: a. Substantivos – o conteúdo do que está sendo negociado (recursos financeiros, materiais, de tempo, formas de compensação por prejuízos causados etc); b. Relacionais – a qualidade da relação e sua duração. Portanto, a mensagem central do princípio Separe as Pessoas do Problema gira em torno da atenção que devemos ter para não colocarmos em conflito duas necessidades importantes: resolver o problema e preservar o relacionamento. Existe uma grande diferença entre pensar no problema das pessoas e pensar nas pessoas como se fossem o problema. Princípios da Negociação Integrativa e sua Aplicação Prática – Marcelo Girade Corrêa – marcelo@m9gc.com 8 Quanto mais os negociadores utilizam a estratégia de negociar baseados em suas posições, maior a probabilidade de confundir a pessoa que está do outro lado da mesa com o problema que está sobre a mesa. Segundo os autores, quanto mais defendemos nossas posições, mais nos apegamos a elas. Qualquer crítica ou questionamento sobre a posição que estamos defendendo é confundida como uma crítica e um ataque à nossa própria pessoa. O mesmo acontece do outro lado e as partes entram em um círculo vicioso de ataque e defesa até chegarem a uma solução que acaba tendo um efeito paliativo ou a um impasse, fruto da incapacidade das partes sentirem-se minimamente confortáveis com o que foi proposto. Em qualquer uma das duas situações, o relacionamento pode ser prejudicado, prejudicando todas as negociações subseqüentes. A mensagem de síntese por trás desse princípio é: separe a forma como você trata as pessoas da forma como você trata o problema das pessoas. Exemplo de aplicação prática do princípio: Esse talvez seja o aspecto mais difícil de ser aplicado na prática. O principal motivo reside no controle emocional necessário para fazer com que esse princípio funcione na realidade prática das negociações. É, antes de qualquer técnica, uma atitude. Tomemos um exemplo prático. Imagine que você é um comerciante na área de calçados e possui três lojas em uma determinada cidade. Um dos seus principais fornecedores enviou uma mensagem para você há três meses atrás, informando que faria um reajuste de preços a partir do próximo pedido. Chegou o momento de você renovar os estoques com os sapatos desse fornecedor e você teme que o reajuste seja abusivo. Os produtos dele têm uma grande aceitação e saída, mas você tem a impressão de que se os preços ficarem muito elevados as pessoas não irão comprar a nova coleção. Vocês possuem uma negociação marcada para amanhã. Há uma semana atrás, contudo, você ligou para esse fornecedor para sinalizar que ele deveria pensar com muito cuidado no reajuste, uma vez que as vendas estavam se retraindo e você estava ficando preocupado. Afinal, para manter sua margem de lucro, o reajuste teria que ser repassado para o consumidor. O que você ouviu em seguida o deixou muito chateado. Ofornecedor se manifestou dizendo que ele estava fazendo a parte dele para se manter no mercado e que você deveria se esforçar para fazer o mesmo. Você teve vontade de responder dizendo que era exatamente o que você iria fazer, procurando um outro fornecedor que tivesse preços mais em conta. Você se controlou, pois sabe que ele é um fornecedor de qualidade, que trabalha com você há mais de quinze anos e sempre cumpriu com os prazos ajustados. Você argumentou mais uma vez que sua maior preocupação era com a queda nas vendas e que isso seria ruim para todos e que se os reajustes fossem muito elevados, o volume a ser adquirido teria que ser reduzido para não ficar com mercadoria parada no estoque. Seu fornecedor parecia estar decidido a deixar você realmente chateado naquele dia. Ele respondeu que você conhecia as regras de mercado e quanto menor o volume, menor no desconto. Você preferiu não responder e agendar logo o dia da reunião para discutir o próximo pedido e as condições. Princípios da Negociação Integrativa e sua Aplicação Prática – Marcelo Girade Corrêa – marcelo@m9gc.com 9 Como já dissemos, no exemplo que estamos propondo para que você reflita, a reunião entre você e o fornecedor é amanhã. Depois da última conversa que vocês tiveram, que tipo de clima é esperado? Como essa negociação irá começar? Quando você pensa no fornecedor, o vê mais como um parceiro ou como um adversário? Essas perguntas são importantes, porque podem condicionar o resultado da sua negociação. O primeiro aspecto prático para utilização desse princípio é pensar na sua negociação como uma oportunidade e não como uma ameaça. Você não pode decidir sozinho qual será o percentual de reajuste dos sapatos. É exatamente por esse motivo que você e seu fornecedor irão sentar e negociar, para tentar chegar a uma decisão conjunta. Essa é uma oportunidade para você tentar influenciá-lo e também para que você possa compreender o que preocupa o outro lado e qual a lógica da proposta que ele irá fazer a você. Quando você começa a pensar nas diversas oportunidades que você e ele podem aproveitar, dá o primeiro passo para separar a pessoa (seu fornecedor) do problema (o reajuste no valor dos sapatos). O segundo aspecto prático complementa o primeiro. Procure observar a negociação não como a fonte de um dilema a ser resolvido por VOCÊ e sim como a oportunidade de discussão de um problema a ser solucionado por VOCÊS. Se você usar a lógica do dilema, sua mente automaticamente inicia um processo de tomada de decisão unilateral. Você se vê diante da necessidade de escolher entre competir, forçando o outro a ceder ao máximo, ou cooperar, fazendo concessões para preservar o relacionamento por meio de um acordo que fica aquém das suas necessidades. Qualquer escolha que você venha a fazer, a pessoa do outro lado tende a ser vista como a causadora dessa tensão e não a situação em si. Lembre-se que o fornecedor também pode estar enfrentando o mesmo dilema. Competir ou cooperar? Lutar para obter o máximo de valor ou tentar gerar valor a partir da tensão produzida pelos interesses de ambos os lados? Se você fizer o exercício de transformar o dilema em um problema, ao invés de ter que escolher, sua mente passa a tentar encontrar formas de resolver a situação. O obstáculo a ser vencido é o problema e não o outro. Quando o outro se sente vencido, sua reação é de tentar compensar a perda em uma situação futura. O relacionamento se rompe ou então se transforma em um vínculo que desgasta o negócio de ambos os lados, ao invés de trazer ganhos mútuos. Transformando dilema em problema, sua missão e a do outro lado passa a ser buscar uma solução que atenda aos interesses de ambos os lados, dentro do possível da situação, preservando o relacionamento. O outro tende a ser visto como parte da solução e não do problema. O terceiro aspecto que permite a aplicação do princípio na prática diz respeito à influência que as suas atitudes têm no comportamento e nas atitudes do outro lado. Em outras palavras, a forma como você irá negociar pode influenciar a percepção e a reação do fornecedor. Seu objetivo, portanto, passa a ser influenciar o fornecedor de modo que ele e você unam forças para vencer o problema. Se percebê-lo como um adversário, tentando obter vantagem sobre você, é provável que ele também o perceba assim. Ao não se sentir ameaçado, o fornecedor tende a Princípios da Negociação Integrativa e sua Aplicação Prática – Marcelo Girade Corrêa – marcelo@m9gc.com 10 se concentrar, junto com você, em construir soluções que satisfaçam os interesses de ambos. A verdadeira ameaça a essa negociação é você e o outro lado ficarem presos a uma disputa de vontades, característica fundamental da negociação por posições. Essa é a essência da negociação integrativa: trabalhar lado a lado tendo consciência de que existem diferenças de percepção, de interesses, de valores e de formas de se envolver emocionalmente. Separar as pessoas do problema, portanto, é trabalhar constantemente a si próprio para não se deixar envolver pelo modelo mental “eu OU o outro”, dando lugar ao modelo mental “eu E o outro”. Esse primeiro princípio abre o caminho para que você possa colocar em prática o segundo princípio. De fato, se você não conseguir minimamente separar as pessoas do problema, terá muita dificuldade de aproveitar os benefícios dos demais princípios que estruturam esse método. É por esse motivo que muitas negociações ficam bloqueadas logo nas primeiras interações, levando as partes a um impasse. O passo seguinte ao bloqueio das negociações pode ser o rompimento da relação comercial, por exemplo, ou o início de uma ação judicial, onde ambos os lados, ou apenas um deles, tentará satisfazer seus interesses obrigando o outro lado a ceder. É nesse momento que se evidencia um dos maiores benefícios da mediação: ajudar as partes a se concentrarem em resolver o problema que as mobiliza, preservando ao máximo a relação. Concentre-se nos Interesses, não nas Posições Para compreender a importância do segundo elemento que estrutura o método baseado em princípios, podemos compará-lo à viga-mestra que sustenta uma construção. As negociações, sejam elas para resolver um problema ou para criar algo novo que antes não existia, são momentos onde se buscam soluções. A qualidade de uma solução nos permite avaliar a efetividade de uma negociação. Os interesses podem ser vistos, portanto, como o principal pilar das soluções integrativas. São eles que permitem o método baseado em princípios satisfazer os três critérios apresentados no início da Lição 3: produzir acordos sensatos, eficientes e que aperfeiçoem, ou pelo menos não comprometam, os relacionamentos. Se o primeiro princípio foi, minimamente, colocado em prática, então podemos avançar em direção à utilização do segundo princípio. Estamos falando de um princípio, não de uma técnica. Os princípios permitem a geração e estruturação de técnicas. São referências fundamentais que modelam nossa forma de perceber uma realidade. Concentrar-se nos interesses e não nas posições é uma forma de reenquadrar um problema. Enquadramento4 e reenquadramento (ou reformulação) são conceitos-chave que fundamentam a Teoria da Negociação. A proposta de um novo método, por 4 LEWICKI et al, nos fornecem uma compreensão mais completa sobre esse conceito ao afirmarem que “O enquadramento tornou-se um conceito popularentre os cientistas sociais que Princípios da Negociação Integrativa e sua Aplicação Prática – Marcelo Girade Corrêa – marcelo@m9gc.com 11 exemplo, é também uma nova forma de enquadrar uma mesma realidade. Tecnicamente, podemos definir o enquadramento como “o meio pelo qual as partes em uma negociação (ou, mais amplamente, em um conflito ou em uma situação de tomada de decisão) definem o problema”.5 Ao apresentar o método baseado em princípios, seus autores afirmam que “os interesses definem o problema”.6 Compreender essa passagem nos permite entender a essência da mudança que o método baseado em princípios propõe. Ao pensarmos as soluções a partir dos interesses dos participantes de uma negociação, mudamos toda a nossa forma de perceber a realidade à nossa frente e também a escolha da estratégia que melhor nos leva a alcançar um resultado alinhado com os três critérios que qualificam um método eficiente. Em outras palavras, a forma como definimos um problema condiciona o tipo de solução que nos empenhamos em construir. Se tentarmos definir o problema a partir das posições das partes, as soluções também serão pensadas a partir dessa referência. Negociações onde as partes definem suas estratégias com o intuito de fazer valer suas posições, tendem a produzir soluções unilaterais. As partes se esforçam para construir soluções que abrangem totalmente ou em grande medida os interesses individuais de cada lado. Esse movimento enrijece a negociação porque fica cada vez mais difícil e, em muitos casos, impossível conciliar as posições dos participantes. Um problema definido a partir das posições torna-se um dilema, desviando a atenção e o esforço das partes das soluções integrativas. Em contrapartida, se os negociadores enquadram o problema a partir dos seus interesses, então o objetivo passa a ser visto como uma tarefa comum a ser realizada. Redefinindo o objetivo a partir do problema que se quer resolver, também a escolha da estratégia muda. Negociações nas quais a estratégia dominante é definida com o objetivo de satisfazer ao máximo os interesses de ambas as partes, possuem uma tendência maior para gerar soluções integrativas. Conciliar interesses é uma tarefa muito mais viável, possível e menos desgastante do ponto de vista emocional e financeiro, do que tentar conciliar posições. Os autores do método qualificam como “interesses” as preocupações, os desejos e as necessidades das partes. Podemos entender as “posições” como a manifestação dos interesses em forma de vontades. As posições, portanto, definem O QUE uma pessoa quer. Os interesses, por sua vez, definem POR QUE uma pessoa quer algo. Colocando de outra maneira, os interesses indicam a motivação por trás de uma vontade. Indicam o motivo que leva uma pessoa a se posicionar de uma determinada maneira. estudam o pensamento, a tomada de decisões, a persuasão e a comunicação. A popularidade do enquadramento como conceito veio com o reconhecimento de que, frequentemente, duas ou mais pessoas que estão envolvidas em uma mesma situação a vêem ou a definem de maneiras diferentes.” 5 LEWICKI, Roy L., SAUNDERS, David M. e MINTON, John W. Fundamentos da Negociação. 2, ed. Porto Alegre, Editora Bookman, 2002. 6 FISHER, Roger, URY, William e PATTON, Bruce. Como Chegar ao Sim: a negociação de acordos sem concessões. 2, ed. Rio de Janeiro, Editora Imago, 2005. Princípios da Negociação Integrativa e sua Aplicação Prática – Marcelo Girade Corrêa – marcelo@m9gc.com 12 Várias posições ou possibilidades podem ser pensadas para satisfazer um determinado interesse. Nesse processo, as partes podem chegar a uma posição que satisfaça aos interesses de ambos. Por este motivo, o segundo princípio foi construído para que os negociadores se concentrem nos elementos que conferem flexibilidade à negociação. No entanto, o contrário não se comprova como verdadeiro. Se os participantes se concentram nas suas posições, apenas uma possibilidade de cada lado pode dar a solução para o problema. É escolhida, aceita ou imposta uma posição para prevalecer sobre a outra. Normalmente a negociação se restringe a um processo de escolha entre duas opções: posição de A ou posição de B. Novamente, essa é uma armadilha que tende a levar as partes para um ambiente de julgamentos e tentativas de definição sobre qual das posições é a mais certa e a mais justa e, portanto, para uma disputa que tem como finalidade demonstrar quem tem razão e quem não tem. Como nenhum dos lados pode decidir quem está certo e quem está errado, esta abordagem de negociação tem um grande potencial para escalar e levar o conflito às portas dos tribunais. A mensagem de síntese por trás desse princípio é: concentre-se nos elementos que geram flexibilidade e criatividade em uma negociação e não naqueles que aumentam suas chances de chegar a um impasse. Exemplo de aplicação prática do princípio: Voltando ao nosso exemplo de negociação onde você é um comerciante de calçados e tem uma negociação marcada com um dos seus principais fornecedores, vamos verificar como esse princípio pode ajudar sua negociação a ser exitosa. A sua reunião com o fornecedor não é apenas um encontro de dois empresários tentando negociar o valor de um reajuste de preços. É um encontro de necessidades, preocupações, desejos, ou seja, de interesses. Como já foi dito aqui, esses elementos são traduzidos em posições, transformadas em propostas a serem apresentadas na negociação. O primeiro aspecto que deve ser observado para que você vivencie a utilidade prática desse princípio é: ao encontrar-se com o outro lado, não concentre sua estratégia nas posições. Procure fazer uma leitura mais profunda, indo além da superfície, onde se encontram os interesses. Quase sempre as posições dos negociadores são divergentes no início das negociações. Na apresentação desse princípio, os autores sinalizam que por trás de posições opostas podem existir interesses comuns, passíveis de serem compatibilizados. Portanto, seu foco deve ser em ultrapassar a barreira das posições para chegar em um “território” comum onde os interesses podem ser acessados. Para acessar as informações que revelam os interesses, os autores do método nos convidam a fazer um movimento simples, mas muito poderoso: perguntar “por quê”. Em outras palavras, tentar compreender o motivo que levou o outro lado a fazer uma determinada proposta ou a dizer “não” para uma proposta feita por você. Esse é o segundo aspecto prático que nós sinalizamos como possibilidade de utilização em suas negociações. Princípios da Negociação Integrativa e sua Aplicação Prática – Marcelo Girade Corrêa – marcelo@m9gc.com 13 Vamos supor que você se encontra no início da negociação com o seu fornecedor. Após os cumprimentos habituais, ele retira da pasta um papel com uma tabela de preços e lhe entrega, dizendo que aqueles são os novos valores para os pedidos. Você faz uma rápida leitura e percebe que os reajustes estão bem acima do que esperava. Sua primeira reação é dar início às argumentações que poderiam enfraquecer o que está sendo proposto com o objetivo de fazer o outro lado ceder e mudar de posição, ou seja, dar início à negociação posicional tradicional. Lembre desses dois primeiros aspectos logo no início da negociação: concentre-se nos interesses e dê início à exploração das informações que podem fazer você acessar esses interesses. Comece a fazer perguntas para aprender e paracompreender. Perguntas ajudam você e o outro lado a não caírem na armadilha do confronto de posições, a ter mais informações que podem ser úteis para a compreensão mútua e também para gerar opções no futuro. Nenhuma negociação começa com todas as cartas na mesa. É preciso trabalhar com o outro lado para entender melhor o quebra-cabeças da solução integrativa. Você tem algumas peças, assim como o outro lado também. A negociação é uma oportunidade para você e o seu interlocutor terem uma compreensão melhor do problema que precisam resolver. Mas atenção, evite a todo custo fazer perguntas com conteúdo e tons inquisitórios. O outro lado pode se sentir intimidado e reagir se fechando ainda mais ou tentando se defender com ataques ao que você está perguntando. Coloque-se verdadeiramente em uma postura de aprendizado e suas perguntas seguirão no mesmo caminho. Quando você muda o jogo o outro lado também é influenciado. Muito provavelmente, seu fornecedor tinha a expectativa de que você contra- argumentasse a tabela de reajustes logo no início. Não é esse o seu foco. Seu interesse, no final das contas, pode ser continuar vendendo e lucrando com os produtos que compra do seu fornecedor. Os interesses do lado dele, podem estar alinhados com o seu: continuar vendendo sapatos para você e expandindo as vendas cada vez mais. O problema, definido a partir desses interesses, passa a ser como fazer para vocês dois continuarem a relação comercial e, se possível, expandirem seus negócios. O terceiro aspecto prático, portanto, é gerar um ambiente favorável para que você e seu fornecedor trabalhem juntos para resolver o problema. Você conhece a fundo o seu ramo de trabalho, que é vender. Ele conhece o aspecto produtivo do produto que você vende. Os interesses não aparecem logo de cara. Você precisa se esforçar para trazê-los à tona. Isso ocorre por meio da comunicação. Como dissemos no começo do curso, citando os autores do método, a negociação é um processo de comunicação bilateral com o objetivo de se chegar a uma decisão conjunta. Antes de entrarem na fase de apresentação e discussão de propostas, é importante que vocês troquem informações. O seu foco deve ser em compreender as necessidades e interesses do fornecedor e também ajudá-lo a compreender as suas necessidades e interesses. Princípios da Negociação Integrativa e sua Aplicação Prática – Marcelo Girade Corrêa – marcelo@m9gc.com 14 A negociação integrativa tem maiores chances de gerar melhores resultados quando as partes se comunicam de forma efetiva. Isso significa ouvir e se expressar de maneira adequada. Se o seu fornecedor não o está ouvindo, comece a ouvi-lo. Faça perguntas e deixe que ele responda sem pressa. Ouça com atenção. Afinal, seu foco é conhecer o que preocupa o outro lado, suas necessidades e para onde seus interesses apontam. Ao fazer isso de forma legítima, você aumenta as chances de conseguir separar a pessoa (seu fornecedor) do problema (como negociar o reajuste de preços de maneira favorável). Ao fazer perguntas e abrir um espaço para conversa, você ouve do fornecedor que o mercado de couro bovino ficou mais caro devido ao aumento do dólar. Os produtores de couro passaram a concentrar suas energias na exportação e o mercado interno sofreu uma pressão nos preços. Seu fornecedor também comenta que ele vem investindo em maquinários para produzir calçados a partir de materiais sintéticos que imitam o couro animal e que essa é uma tendência de mercado. Ele aponta na tabela que acabou de lhe entregar a diferença de reajuste entre os sapatos que usam couro na sua produção para os que usam materiais sintéticos. Você comenta com ele que na sua experiência como dono de loja, os sapatos que não são feitos de couro, mas que seguem a tendência da moda vendem da mesma forma. O fornecedor acrescenta que ele ouviu a mesma coisa de outros lojistas e passou a investir mais no seu catálogo e também contratou uma especialista em tendências que ajuda o lojista a escolher melhor os produtos que estão em maior evidência. Você revela para seu fornecedor que tem uma grande preocupação quanto aos preços da concorrência e que gostaria muito de continuar a comprar dele, mas a preços que possam ser competitivos. Ele revela que está dando início a uma rede de franquias exatamente para diminuir os custos de revenda para seus clientes e que essa é seria uma forma de expandir os negócios entre fornecedor e comprador etc. Muitas negociações que poderiam tomar o rumo do impasse, acabam mudando de direção quando os participantes se engajam em uma interação como foi apresentada nesse exemplo. Se você, após ter conhecimento das informações que comerciante e fornecedor revelaram, começou a ter idéias sobre como eles podem solucionar o problema e gerar novas opções de negócio, é porque faz sentido conversar sobre interesses. Por outro lado, muitas negociações entre empresas e seus fornecedores, empresas e clientes, empresas e órgão públicos entre outras, acabam não passando dessa fase. O motivo é que os negociadores não conseguem ou não sabem como mudar o foco das posições para os interesses. Uma alternativa eficiente é utilizar a mediação como um prolongamento da negociação. O mediador bem preparado pode ajudar as partes a desbloquearem a negociação, identificando os interesses de cada lado e os estimulando a gerar opções com base nessas informações. Princípios da Negociação Integrativa e sua Aplicação Prática – Marcelo Girade Corrêa – marcelo@m9gc.com 15 Gere Opções de Ganho Mútuo Podemos pensar a negociação como um sub-processo de um processo maior de tomada de decisão. Por meio desse enfoque, grande parte do nosso trabalho em uma negociação é criar as condições favoráveis para tomarmos a melhor decisão possível. A qualidade de uma decisão está diretamente relacionada com a qualidade das opções identificadas. Opções restritas e rígidas geram decisões pobres do ponto de vista da solução do problema e colocam em risco a efetividade do método de negociação escolhido. O método baseado em princípios considera o elemento “opções” como a parte criativa da negociação integrativa. O próprio enunciado do princípio estimula a criatividade. Para compreender a importância e a força desse princípio, podemos dividi-lo em duas partes. A primeira parte “gere opções” remete ao ato de criar com a finalidade de dar uma resposta a um problema. Inventar opções é uma atividade que está diretamente relacionada com o ato de gerar valor. “Invente opções...” Os autores do método baseado em princípios, no entanto, chamam a atenção para os bloqueios mais comuns que funcionam como obstáculos ao processo criativo nas negociações. Destacamos aqui dois desses bloqueios que, em regra, estão diretamente relacionados com os nossos modelos mentais e também nossos hábitos no momento de lidarmos com situações de tensão. O primeiro obstáculo está relacionado ao que os autores chamam de “julgamento prematuro”. Em resumo, ao nos depararmos com um problema, tendemos a disparar o nosso senso crítico tão logo o nosso raciocínio criativo tem início. Mais especificamente, bloqueamos nosso processo de invenção ao darmos início ao processo de avaliação de opções concomitantemente. Relembrando aqui as principais fases de uma negociação, estudadas no capítulo 4, a seqüência de procedimentos se dá de forma lógica e cronológica. A fase de geração de opções vem antes da fase de avaliação e seleçãodas opções apresentadas. O principal motivo dessas fases serem seqüenciadas dessa maneira é não inibir o processo criativo dos negociadores, definindo uma fase específica para essa finalidade, onde é possível criar opções mais livremente sem a pressão de ter que decidir e por fim ao problema. Como já foi dito, a qualidade da decisão está condicionada à qualidade das opções disponíveis. Outro aspecto que reforça esse primeiro bloqueio é a falta de criação de um clima favorável à geração de opções. Inventar novas possibilidades de resolver um problema na negociação significa abandonar nossas posições iniciais e abrir mão de soluções que você já havia apresentado. Se você e o outro lado não dão início a uma dinâmica que sustenta a necessidade de abandonar as posições pensadas anteriormente, o mais provável é que os interlocutores se sintam inibidos para propor novas formas de solução, aferrando-se cada vez mais às posições iniciais. Na negociação baseada em posições, as partes já chegam à mesa com suas soluções prontas e seus esforços são concentrados em fazer o outro lado aceitar o Princípios da Negociação Integrativa e sua Aplicação Prática – Marcelo Girade Corrêa – marcelo@m9gc.com 16 que foi proposto. Na negociação baseada em princípios, os negociadores partem do pressuposto de que as melhores soluções serão construídas ou aperfeiçoadas ao longo da negociação, uma vez que eles entendem não possuírem informações suficientes para gerar opções de ganhos mútuos. O segundo obstáculo que escolhemos para destacar aqui é relacionado ao modo como uma negociação é percebida. O Dilema do Negociador serve como referência para entendermos esse bloqueio. Muitas pessoas, ao vivenciarem a tensão que as negociações produzem, se vêem no dilema de reivindicar valor ou gerar valor a partir dos recursos que estão sendo negociados. O exemplo de negociação que estamos trabalhando pode nos ajudar a compreender esse dilema. Você e o seu fornecedor podem ter a percepção de que estão em uma situação onde mais para um lado significa menos para o outro. Qualquer redução no valor do reajuste significa uma redução nos ganhos do fornecedor e um acréscimo para você, dono da loja e vice-versa. A criação de opções se resume a propostas que atendem aos interesses de apenas um dos lados. O foco das partes se concentra em como dividir os recursos disponíveis, inibindo a criatividade que poderia ser utilizada para descobrir formas de expandir os recursos antes de dividi-los. “...de ganhos mútuos.” A segunda parte do princípio nos ajuda a compreender uma condição fundamental para que a negociação integrativa tenha êxito. Apesar da negociação possuir um caráter essencial de interdependência, uma vez que um lado depende do outro para alcançar um determinado resultado, é freqüente o esforço das partes no sentido de quererem obter apenas ganhos individuais. Se ao pensarem nas opções, os negociadores considerarem não apenas o que é importante para um dos lados, as chances de serem encontradas propostas que geram ganhos para todos são muito maiores. Mesmo em negociações onde aparentemente o que está em jogo são somente os valores a serem reajustados, como é o caso do exemplo que estamos usando ao longo do curso, existem muitos outros interesses subjacentes que podem ser explorados. A mensagem de síntese por trás desse princípio é: para construir acordos sensatos, utilize os interesses de ambos os lados, gerando opções que resultam em ganhos para todos. Exemplo de aplicação prática do princípio: Você lembra como estavam ocorrendo as conversas entre você e o fornecedor? Ao invés de se concentrar na própria posição (valores mais baixos no reajuste dos sapatos), em contraposição ao que o seu fornecedor apresentou (uma tabela com valores de reajuste bem acima das suas expectativas), você optou por uma estratégia menos competitiva e mais integrativa. Você experimentou não enxergar seu fornecedor como “o problema” e sim como um parceiro para, juntos, tentarem resolver as questões relacionadas aos reajustes. Um reajuste menor é uma forma de satisfazer os seus interesses em manter-se competitivo, preservando e também expandido seu negócio. Você Princípios da Negociação Integrativa e sua Aplicação Prática – Marcelo Girade Corrêa – marcelo@m9gc.com 17 também tem o interesse de manter um bom relacionamento fornecedores que possuem produtos de boa aceitação pela sua clientela. Ao seguir nessa direção, tirando o foco inicial sobre a discussão financeira, você se colocou em uma posição de aprendizado e de exploração de informações. Iniciou uma conversa com o outro lado, fazendo perguntas e ouvindo de forma atenta e interessada. Muitas outras informações surgiram dessa conversa, principalmente por que o seu fornecedor começou a se sentir menos tenso, uma vez que a expectativa de uma negociação mais dura e agressiva não foi confirmada. Ao invés de conversar diretamente sobre como resolver a questão do reajuste, você estimulou uma interação que favorece a criação de opções de solução para a situação de mercado. Ao comentar sobre a mudança nas condições do mercado de couro, o seu fornecedor sinalizou alguns motivos que o levaram a fazer os reajustes e também como têm pensado formas de compensar essa situação, como já vimos mais acima. Você também revelou algumas de suas preocupações e também seu interesse de poder contar com produtos competitivos, não perdendo espaço para a concorrência. Conduzir a negociação na direção de conhecer os interesses de cada lado, é o primeiro passo para criar um ambiente criativo favorável. Mesmo que o outro lado insista em conversar sobre propostas (o que é muito comum), é recomendável que você sinalize que o momento de conversar sobre as propostas chegará em breve, mas que antes você gostaria de se certificar que ambos exploraram ao máximo possíveis opções que podem trazer ganhos para os negócios dos dois lados. Substituir ao máximo os sapatos feitos de couro pelos que foram produzidos com material sintético é uma opção à mesa. Contar com o suporte de uma especialista em moda (custeada pelo fornecedor), para escolher os produtos do catálogo, é uma outra opção que pode ser trabalhada. Estudar a possibilidade de ser um franqueado do fornecedor, em seu novo projeto de lojas especializadas em sapatos de couro, é uma outra possibilidade levantada a partir das conversas iniciais feitas entre você e o outro lado. Essa última, inclusive, pode satisfazer seu interesse de expandir os negócios com segurança. Pode, também, satisfazer o interesse do seu fornecedor em ter um franqueado de confiança e com um relacionamento comercial consolidado há muitos anos. Essas e outras opções são sementes que podem gerar bons frutos se caírem em terra fértil. As melhores soluções não são aquelas impostas por uma das partes. Elas nascem do cuidado comum que ambos os lados têm que ter para que a “árvore do relacionamento” cresça forte e dê bons frutos, que depois podem ser colhidos tanto por você quanto pelo seu fornecedor. Na prática, primeiro crie opções para depois selecionar a que melhor atende aos seus interesses e aos interesses do outro. Obviamente que isso só poderá ser feito se, minimamente, os interesses forem identificados. Como já dissemos e reforçamos aqui, a negociação produtiva é uma seqüência de procedimentos lógicos e cronológicos. Uma fase bem trabalhada permite que as partes tenham um maior êxito na fase seguinte. Se você se concentrou em estimular que os principaisinteresses viessem à tona, a fase de gerar opções será mais produtiva. Se você Princípios da Negociação Integrativa e sua Aplicação Prática – Marcelo Girade Corrêa – marcelo@m9gc.com 18 trabalhar bem a fase de gerar opções, o procedimento de avaliar e escolher a melhor opção será facilitado e o resultado final será mais satisfatório para todos. Inventar opções de ganhos mútuos é também uma forma de prevenir perdas mútuas. Pense no que pode acontecer se você e seu fornecedor não chegarem a um acordo. Todas as oportunidades de negócios que vocês podem construir juntos ficam bloqueadas no momento do impasse. Perder um cliente como você não está nos planos do seu fornecedor. Perder um bom fornecedor provavelmente também não está nos seus planos. Entretanto, muitos negociadores, por não terem conseguido criar opções que integrem os interesses de ambos os lados, desperdiçam as muitas oportunidades de ganho que uma negociação pode oferecer e entram em uma área de perdas mútuas. Negociar para ganhar do outro é uma estratégia que gera resultados muito diferentes daquela onde o objetivo é negociar para ganhar com o outro. Em termos práticos, a negociação com seu fornecedor é uma situação típica de relações comerciais continuadas. Isso significa que vocês deverão negociar muitas outras vezes no futuro. É importante que você participe de cada negociação também com o objetivo de deixar os caminhos abertos e favoráveis para outras interações que ocorrerão entre vocês. Quando opções de ganhos mútuos são identificadas, existe uma grande probabilidade de que os negociadores comecem a estabelecer um padrão positivo em suas negociações. Infelizmente, o contrário também pode acontecer. O que estamos ressaltando aqui é que a cada negociação você e o outro lado têm a chance de gerar um histórico de ganhos contínuos ou então de tentativas de compensar as perdas resultantes da última negociação. Se as partes deram início a uma espiral de perdas conjuntas, por não estarem conseguindo criar soluções que os satisfaçam mutuamente, alternativas como a mediação podem ajudar a interromper esse ciclo. Grande parte do trabalho de um mediador é ajudar a estimular os negociadores a criarem opções a partir dos seus interesses. Por ter uma postura de imparcialidade, o foco do mediador está em fazer as partes se moverem de suas posições iniciais, mais fechadas, para possibilidades mais abertas, que oxigenam a fase de propostas. Os autores do método baseado na integração de interesses, resumem as orientações práticas desse terceiro princípio da seguinte forma: “...gere muitas opções antes de escolher entre elas. Invente primeiro, decida depois. Procure os interesses comuns e interesses diferentes a serem harmonizados. E procure facilitar a decisão do outro.”7 7 FISHER, Roger, URY, William e PATTON, Bruce. Como Chegar ao Sim: a negociação de acordos sem concessões. 2, ed. Rio de Janeiro, Editora Imago, 2005. Princípios da Negociação Integrativa e sua Aplicação Prática – Marcelo Girade Corrêa – marcelo@m9gc.com 19 Insista em Critérios Objetivos O quarto e último elemento que estrutura o método, está relacionado diretamente com a fase de avaliação e seleção de propostas que apresentamos no capítulo 4. Após identificar e definir o problema, entender o problema e trazer os interesses e as necessidades à tona e gerar opções a partir desses interesses e necessidades, os negociadores devem decidir. Com base nas propostas apresentadas, os negociadores devem tomar a decisão sobre se aceitam integralmente ou parcialmente o que foi proposto. Caso não cheguem a um consenso no momento da decisão, a opção que resta é o impasse. No momento de escolher, os autores do método alertam para os riscos de utilizarmos a própria vontade como critério para a tomada de decisão. Para evitar que isso aconteça, devemos nos habituar a utilizar critérios estabelecidos de forma independente da vontade dos participantes. Por mais que os negociadores tenham identificado os principais interesses e necessidades e gerado diversas opções a partir deles, o momento de escolher a melhor solução pode colocar a perder todo o esforço feito até então. Quando as partes não optam por utilizar critérios objetivos, a tomada de decisão se torna uma disputa de poderes e o objetivo de se chegar a um acordo sensato é perdido de vista. Os negociadores voltam a cair na armadilha da imposição das próprias posições e ignoram o caráter interdependente das negociações. A tomada de decisão conjunta fica prejudicada, perdendo-se a oportunidade de se chegar a uma solução que satisfaça os dois lados. Este princípio pode salvar muitas negociações. Ele tem o poder de eliminar a sensação de que uma determinada decisão foi injusta. Quando somos colocados na situação de decidir, nossos valores e crenças quanto ao que é certo e ao que é errado e quanto ao que é justo e ao que é injusto são acionados. O mesmo acontece com o negociador do outro lado da mesa. Critérios objetivos podem ser baseados em padrões técnicos, procedimentos institucionalizados, índices econômicos, leis, regimentos, políticas de funcionamento, estatutos, tabelas de referência etc. Normalmente, são critérios estabelecidos e convencionados pela sociedade e transcendem a vontade individual. Independentemente do que uma pessoa pode entender como justo, um critério técnico, por exemplo, pode definir em qual medida deve-se ou não dividir um determinado recurso. A mensagem de síntese por trás desse princípio é: insistir em critérios objetivos pode facilitar a tomada de decisão conjunta e evitar o favorecimento de uma disputa por posições. Exemplo de aplicação prática do princípio: Quando o fabricante de sapatos entregou a você uma tabela com os valores dos reajustes para serem negociados, foi estabelecido um ponto de referência. Ao conversarem sobre os interesses, necessidades e preocupações de cada lado, algumas opções começaram a tomar Princípios da Negociação Integrativa e sua Aplicação Prática – Marcelo Girade Corrêa – marcelo@m9gc.com 20 forma. Como utilizar esse último princípio para manter a negociação nos trilhos de uma solução integrativa? O primeiro aspecto está relacionado à preparação. Um dos itens que você deve dedicar tempo e atenção, na fase de preparação para negociar, é a pesquisa e a identificação de critérios objetivos para utilizar no momento adequado. No exemplo em que estamos trabalhando você, como comerciante, provavelmente poderia se preparar pesquisando: a. O percentual de reajuste dos últimos cinco anos; b. Os índices econômicos utilizados em reajustes similares; c. Os valores médios de reajustes praticados por outros fornecedores; e d. Possíveis cláusulas contratuais que estabelecem procedimentos, limites ou formatos para o reajuste de preços. O segundo aspecto prático desse princípio é utilizar critérios objetivos como uma referência independente para influenciar o outro lado e não para ameaçá-lo ou para desqualificar seus argumentos. Por exemplo, imagine que você percebe que a tabela que o fornecedor entregou a você, traz uma média de reajuste que está muito acima dos índices econômicos usados para os cálculos. No momento de conversar sobre as propostas, você pode perguntar ao fornecedor quais os critérios nos quais ele se baseou para compor os percentuais de reajuste, uma vez que os mesmos estão acima da média geral do mercado. Se ele demonstrarirritação ou impaciência, você pode argumentar que está tentando compreender as razões do que está sendo proposto, da mesma forma que faz questão de explicar suas propostas e soluções em que andou pensando. O terceiro aspecto prático relacionado a esse princípio é aumentar sua capacidade de resistir a pressões. Dificilmente você irá convencer o fornecedor a não aumentar os preços apenas porque você não acha justo ou porque você não quer. Essa pretensão quase infantil é mais presente nas negociações do que podemos imaginar. Insistir em utilizar critérios objetivos o ajuda a resistir às vontades do outro lado. Isso ocorre por um motivo relativamente simples. É mais difícil argumentar contra uma regra, um fato ou um índice coletivamente aceito e, portanto, considerado justo socialmente. Critérios objetivos favorecem decisões sensatas e a grande maioria dos negociadores querem ser vistos como pessoas justas e racionais. É importante acrescentar que, mesmo utilizando critérios objetivos, existem situações em que podem ocorrer o que os especialistas chamam de reação desvalorizadora8. Significa que um lado rejeita ou desconfia de uma determinada proposta ou concessão somente pelo fato de ter sido apresentada pelo seu oponente em uma negociação. Nesses casos, a presença de um mediador pode reduzir ou eliminar essa resistência. A utilização de recursos como as reuniões privadas, a normalização e a troca de papéis ajudam as partes a analisarem as propostas a partir de perspectivas mais racionais e menos adversariais. 8 Podemos entender o conceito de “reação desvalorizadora” como um desvio cognitivo que ocorre quando a proposta é percebida como tendo sido originada a partir de uma pessoa vista como antagônica. Esse desvio foi proposto por Lee Ross e Constance Stillinger em 1991 - Ross, Lee; Constance Stillinger (1991). "Barriers to conflict resolution". Negotiation Journal 8: 389– 404. Princípios da Negociação Integrativa e sua Aplicação Prática – Marcelo Girade Corrêa – marcelo@m9gc.com 21 Novamente, ressaltamos a importância do esforço em procurar separar as pessoas do problema, primeiro princípio do método que estamos apresentamos aqui. Quanto menos você e o outro lado se perceberem como adversários, menores serão as resistências em relação às propostas apresentadas em um negociação. As partes tendem a confiar mais nas propostas quando apresentadas por pessoas das quais elas não percebem como ameaçadoras. Também a percepção de que existe boa fé nas atitudes e propostas do outro lado, ajudam a diminuir os efeitos das reações desvalorizadoras. Melhor Alternativa à Negociação de um Acordo Além dos quatro elementos que estruturam o método baseado em princípios, um poderoso conceito complementa o conjunto de conhecimentos do que chamamos de negociação integrativa. O conceito de Melhor Alternativa à Negociação de um Acordo – MANA (ou BATNA em inglês, significando Better Alternative to The Negotiated Agreement) pode ser melhor compreendido como um Plano B. Em outras palavras, qual a sua melhor alternativa caso não feche um acordo na negociação em que se encontra? Se voltarmos ao exemplo da negociação entre o comerciante e o fornecedor de sapatos, pensar na MANA seria refletir sobre o que você faria caso não entrasse em consenso com o seu fornecedor sobre os valores dos reajustes. Você possui outros fornecedores com produtos de qualidade semelhante? Você poderia processá-lo por descumprir alguma cláusula contratual? Quanto tempo e dinheiro isso custaria? Não poder contar com os produtos daquele fornecedor nas suas lojas representaria uma perda muito grande? Quais as outras opções de fornecedores que poderiam preencher a lacuna que esse atual fornecedor poderia deixar? Essas são apenas algumas perguntas que o ajudam a identificar suas alternativas à uma determinada negociação em que você pode estar envolvido. Em sua mente, o cenário ideal é fechar um acordo satisfatório com o fornecedor. Caso isso não venha a acontecer, é importante que você tenha um curso de direção alternativo àquele em que estava. Identificar a analisar a sua melhor alternativa ao acordo negociado pode gerar dois benefícios principais: a. Estabelece um limite claro em relação até que ponto o que está sendo proposto é vantajoso ou não (sempre comparado ao que você já tem ou poderia ter fora daquela negociação); b. Confere poder a quem está negociando, uma vez que você tem a opção de dizer NÃO para uma proposta que seja menos vantajosa do que a sua alternativa. Princípios da Negociação Integrativa e sua Aplicação Prática – Marcelo Girade Corrêa – marcelo@m9gc.com 22 Se você não identificou sua MANA, é importante que o faça. Se você não possui uma MANA, ainda assim você pode criá-la. Na negociação com o fornecedor de sapatos, por exemplo, se você não pesquisou outros fornecedores que possuam a mesma variedade e qualidade de produtos, seu poder de negociação é menor, uma vez que dizer não, nesse caso, ocasiona maiores perdas do que aceitar o que está sendo proposto. No entanto, imagine que você encontrou outros dois fornecedores que lhe enviaram catálogos, amostras e tabelas de preços. Nesse caso, você criou um parâmetro concreto com o qual pode avaliar com mais segurança e flexibilidade se deve ou não permanecer em uma negociação. Uma das maiores vantagens de ter e conhecer sua MANA é que ela funciona como um incentivo real às partes para que se esforcem a conseguir um acordo satisfatório. É muito comum, entretanto, que as partes entrem em uma negociação com o que se chama de MANA ilusória. Nesse caso, um ou ambos os negociadores possuem uma perspectiva positiva não confirmada quanto ao que poderiam obter caso não fechem um acordo na negociação. Podemos citar como exemplos a expectativa de vitória nos tribunais ou a expectativa de obter condições melhores de mercado com outros parceiros comerciais. Entretanto, tais possibilidades são ilusórias na medida em que refletem mais as vontades dos negociadores do que propriamente a realidade verificada e confirmada. Um outro grande benefício que a mediação pode oferecer é a possibilidade de identificar e testar as melhores alternativas à negociação em curso. Mediadores treinados, podem ajudar as partes a analisarem e a avaliarem as vantagens e desvantagens de continuarem ou interromperem a negociação. Por meio de técnicas como o teste de realidade, utilizado preferencialmente em sessões privadas, o mediador pode alinhar as expectativas das partes quanto aos possíveis resultados das decisões a serem tomadas. Conhecer esse conceito e adquirir o hábito de aplicá-lo na prática, pode aumentar as chances dos negociadores construírem acordos sensatos, principalmente do ponto de vista da satisfação quanto a ter escolhido a melhor alternativa disponível no momento.
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