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Universidade Estácio de Sá Direito Turma 1001 Métodos Adequados de Resolução de Conflitos Alunos :Aline Nunes Ferreira (202107405449) e Rodrigo Balestra Ferreira de Paiva (202108532924) Métodos de Conciliação e Mediação no continente da Ásia, nos Países China e Japão. CHINA Inicialmente, para se compreender a ordem social associada às tradições chinesas, deve se conhecer os dados históricos daquele País, que viveu livre de influências estrangeiras – e, fundamentalmente, de uma colonização por tradições ocidentais – até o século XIX. Tal compreensão parte, independentemente de uma interpretação teleológica, de uma aproximação filosófica das tradições culturais da sociedade chinesa, fundadas numa interação naturalística entre o céu, a terra e os homens. Em termos filosóficos, a busca por uma resposta naturalística – muito próxima à ideia de um direito natural conhecido da tradição ocidental clássica - permitiu a identificação de uma ordem cósmica, capaz de reger osfenômenos naturais e de distinguir, tais regras invariáveis, das regras estabelecidas pelos homens, livres por sua condição de seres autônomos e, nessa medida, responsáveis pela ordem ou pela desordem do mundo (DAVID, 1998). Na tradição chinesa, a harmonia entre o homem e a natureza e entre os semelhantes é o que viabiliza a felicidade. Para que essa harmonia entre os homens aconteça, a ideia de conciliação e consenso é que deve prevalecer. O litígio, as decisões por maioria, ou mesmo ideias de autoridade e de coerção afastam a liberdade de entendimento que deve prevalecer nas relações. Persuasão e propostas validadas pelos sujeitos envolvidos no processo jurídico conduzem o Direito a uma denominada “função menor”. O ideal é de que os indivíduos possam usufruir de uma plena autonomia na tomada de suas decisões, sem que necessitem submeter a terceiros o que lhe é confiado (DAVID, 1998). Quando, de certa forma, afasta-se da sociedade o controle da legislação escrita, os costumes acabam por exercer um importante papel na disciplina da conduta correta a ser adotada pelos sujeitos. Conforme o destaque de Wolkmer, “Toda a cultura tem um aspecto normativo, cabendo-lhe delimitar a existencialidade de padrões, regras e valores que institucionalizam o modelos de conduta. Cada sociedade esforça-se para assegurar uma determinada ordem social, instrumentalizando normas de regulamentação essenciais, capazes de atuar como sistema eficaz de controle social. Constata-se que, na maioria das sociedades remotas, a lei é considerada parte nuclear do controle social, elemento material para prevenir, remediar ou castigar os desvios das regras prescritas. A lei expressa a presença de um direito ordenado na tradição e nas práticas costumeiras que mantêm a coesão do grupo social.” (WOLKMER, 2012). Por ter em suas origens os preceitos sobreditos, os ritos acolhidos pelos costumes demonstram as influências do confucionismo na China. No mesmo sentido, a família, a partir de um núcleo cultural de menor abrangência, traduz-se como a base organizada para que o “chefe” do clã adote as medidas cabíveis para guiar as decisões de seus membros, evitando decisões arbitrárias. Numa espécie de aproximação complementar da Moral e do Direito, são os preceitos morais chineses que devem guiar, num primeiro momento, as decisões. Uma conduta de prevenção deve ser adotada antes de qualquer intuito de punição; a explicação deveria vir antes de uma ordem e, assim, sucessivamente. A sociedade organizada dessa forma permite que a sociedade chinesa viva, historicamente, sem a necessidade de desenvolver ritos jurídicos específicos inclusive para o exercício de tarefas profissionais típicas de aplicadores do Direito. Daí porque consta no histórico de desenvolvimento da atividade profissional de advogados, denominados como “homens da lei”, o fato de costumarem ser consultados em encontros sigilosos, porque desenvolveriam uma atividade considerada menor ou tendente a regular relações entre aqueles com incapacidade de pleno exercício de uma autonomia. (DAVID, 1998). Ainda sob essa perspectiva, o Direito não é excluído da sociedade, mas considerado “bom para os bárbaros” (DAVID, 1998), valendo para aqueles que não têm preocupações com a moral e a sociedade. Trata-se ainda de uma disciplina de conduta aplicável aos estrangeiros que não componham a civilização chinesa e que, portanto, não compreendem os preceitos morais que influenciam as tomadas de decisões (DAVID, 1998). Mesmo com o passar do tempo e a assunção de diferentes dinastias, o modo de solução de conflitos segue a influência do confucionismo, garantindo aos chineses outros meios de busca à justiça, influenciando-se basicamente pelos costumes. Sob o ponto de vista histórico-político, vale consignar que nem mesmo a China comunista deixou-se influenciar pelo princípio da legalidade, mesmo que identificadas situações severas de restrições a liberdades individuais. As bases da sociedade permaneceram sendo a educação cívica da população e o investimento na formação moral, mesmo que passível de crítica os objetivos políticos pretendidos com a formação de determinados regimes políticos em concreto. Se há uma aproximação hoje com a estruturação do sistema jurídico chinês a uma realidade mais ocidental, esta ocorre, essencialmente, por uma necessidade específica de manutenção de efetivas relações econômicas com os países de base ocidental. Relativamente à mediação, é possível afirmar que esta tem, em grande medida, suas raízes no direito chinês. É por meio do estimulo ao diálogo entre os participantes de um processo de conhecimento pela mediação que a gestão dos conflitos é viabilizada. Primeiramente, a figura do mediador corresponderia ao chefe da família, responsável por auxiliar os envolvidos no conflito para o alcance de um consenso. A oralidade e a intuição são elementos presentes nesse exercício de consenso que acabaram sendo transmitidos entre as gerações (FAGÚNDEZ, 2014).Vale dizer que, atualmente, no território chinês, existem mais de duzentas mil comissões populares de mediação, o que reflete a influência dos preceitos do passado ainda nos dias atuais, mesmo que evidenciada possível situação política e ideológica distinta. Essa ampla utilização do método autocompositivo permite que se compreenda que a prática do diálogo em todos os âmbitos - seja na esfera profissional, seja na esfera mais privada (pessoal, educacional ou familiar) -, encontra-se inserida no cotidiano como forma de prevenção e gestão de conflitos. Algo que, para a compreensão chinesa, não representam um problemas, e sim, algo que faz parte “da vida” (FAGÚNDEZ, 2014). É possível ainda que se reconheça na forma de gestão de controvérsias no território chinês também influências taoistas, na medida em que fundada na compreensão de que a vida de relação é composta por situações de perdas e de ganhos, a partir da identificação de situações de opostos em sociedade. A moral e a lei (LI e FA, respectivamente) demonstram a polarização do pensamento. Na atualidade, o investimento chinês na formação de profissionais da área da advocacia está muito mais permeado por questões de mercado internacional e pelos reflexos da globalização na economia daquele país que qualquer outra pretensão de desenvolvimento de uma estrutura autônoma de um sistema de solução de conflitos. E isto, de certa forma, pode ser extremamente perigoso. A ausência de uma estrutura jurídica suficiente à estimulação litigiosa de conflitos permite, numa outra medida, evitar-se o próprio acesso à realização de justiça pela reclamação possível a todo o cidadão – o que, por um lado, inibe o teste crítico quanto ao exercício de direitos gerais de liberdade e igualdade por todos em sociedade. Aqui, contudo, o enfoque que se oferece é quanto à parcela positiva desta ausência de estruturaa partir de uma tradição cultural genuína da sociedade chinesa em termos de consenso, e não a situação político-ideológica capaz de ser extraída das dificuldades de acesso à justiça formal. Por isso o destaque que é oferecido ao que se encontra na doutrina especializada, como segue: “Com grande paciência, procura-se levar os cidadãos a reconhecerem os seus erros e a corrigirem-se, quer se trata de questões civis ou penais. Aquele que incorrer em erro não é conduzido até os juízes: as próprias pessoas de seu meio, discutindo com ele e manifestando a sua reprovação, reconduzem- no ao bom caminho. Os processos são raros; eles apenas intervêm contra os inimigos do povo, os incorrigíveis e os depravados. (...) O direito é o último remédio para os casos em que os outros modos de solução dos litígios tenham excepcionalmente falhado.” (DAVID, 1998). Por meio desse panorama histórico é possível compreender-se, em certa medida, as motivações da cultura chinesa para a conferência de uma força interpretativa bastante específica à cultura da mediação e, fundamentalmente, a partir de uma preocupação com a ideia de consenso e de autonomia resolutiva aos indivíduos. Para os chineses não é oportuno – e pouco aceito, em verdade – que um terceiro passe a interferir e condicionar a resolução de um conflito de forma externa. Resolver suas próprias questões faz parte do cotidiano chinês – uma tarefa necessária -, competindo a cada indivíduo demonstrar a capacidade e a habilidade suficientes para a harmonização das situações de conflito verificadas em sociedade. JAPÃO A prática da mediaçao vem se expandindo de forma expressiva no panorama mundial nas ultimas décadas em diversas situações, com crescente valorização também no Brasil. Conflitos e disputas existem desde sempre nas relações humanas e sociais, como também os métodos de resolução de conflitos e disputas em diferentes tempos, lugares e culturas. O conhecimento sobre como os primeiros indivíduos em conflito resolviam seus impasses – se por negociaçao, assistência de terceira parte, violência, mediaçao, arbitragem ou adjudicação – foram sempre um tema reservado aos estudos de antropó logos e historiadores. “O campo de resolução de disputas tem raízes multidisciplinares e variadas, tendo como bases intelectuais e práticas as fontes a antropologia, a sociologia, a psicologia social, a psicologia cognitiva, a economia, a ciência política, a teoria dos jogos, as relações internacionais, o direito e os estudos de paz. Como campo de estudos, a resolução de disputas, que se divide nos espectros, teórico e prático, tendo como principal preocupaçao aplicar a teoria à prática, desenvolver e testar a teoria em seu uso. Em outras palavras, a teoria da resolução de disputas se preocupa com a aplicaçao de conceitos, princípios e proposições para a resolução pragmática de disputas e a melhoria da qualidade das relações humanas” (FALEK e TARTUCE, 2016). Quando se fala em meios alternativos de solução de conflitos, os americanos, que usam o termo ADR – Alternative Dispute Resolution , têm uma visão bastante particular, diferentemente de europeus, japoneses e outros povos. No sistema americano, os meios alternativos são todas os métodos utilizados que nao levem o tratamento dos conflitos pelo Judiciário, incluindose a negociação, a mediaçao, a arbitragem e, eventualmente, outras alterntivas que possam existir para o tratamento dos conflitos. Para os europeus, o meio alternativo é a solução pelo Judiciário, porque, historicamente, os conflitos foram solucionados pela sociedade sem a intervenção do Estado organizado, através da negociaçao e mediação. No Japao, a conciliação foi, historicamente, o meio primário de resoluçao de conflitos entre os aldeãos, que também atuavam como mediadores. O estilo japonês de negociação ainda se preocupa com a manutenção do relacionamento e é normalmente visto como um estilo puramente conciliatório. Em uma negociaçao no mundo dos negócios, muito tempo égasto construindose a relaçao, iniciativa sem a qual um acordo não é atingido. Alguns juristas acreditam que no Brasil um dos grandes desafios é mudar a cultura de litígio, pois o brasileiro tende a só aceitar decisões quando homologadas por um juiz. Chiotei, cuja tradução seria algo como intermediação ou mediação, assim como no Brasill, é também é homologado por juiz e as partes podem tentar três audiências antes de partirem para o litígio. Calcula-se que pouco mais da metade dos casos seja resolvida pelo método. A estimativa é que o Judiciário japonês receba de 3,5 milhões a 4 milhões de demandas por ano. É necessário, contudo, considerar as bases culturais para se pensar numa estratégia mais adequada de tratamento dos conflitos de interesse. Para se ter uma dimensão da diferença entre Brasil e Japao, basta citar o fato de que Japão tem uma população de 120 milhões de habitantes – o Estado de São Paulo tem 40 milhões de habitantes, ou seja, 1/3 da populaçao do Japão – onde se tem 19 mil advogados no Japão para 140 milhões de pessoas, enquanto somente o Estado de São Paulo possui 150 mil advogados. Não se pode afirmar que o japonês não é conflituoso, basta estarem presentes dois japo-neses para constituirem uma associa ́ çao, e há conflitos, mas há mecanismos para solucioná-los. O Japao sofreu forte influencia do modelo Chinês, onde as disputas civis eram resolvidas no seio da comunidade e havia o entendimento de que o judiciário era uma ameaça à cultura japonesa e poderia desestabilizar a ordem social. Por ser um país isolado, isto facilitou a ordem social que se resolvia por reciprocidade do homem em busca da harmonia. Em 1922, no entanto, formalizou-se aa figura do conciliador, por meio do Chotei, que atuava especificamente na área do direito de família e que se assemelhava a mediaçao. No Japao existe a figura milenar de conflitos de direito de família denominada ‘chotei’, uma conciliação quase judiciária que constitui uma das atividades dos tribunais de família. Em síntese, consiste em confiar a soluçao a ̃ uma terceira pessoa ou comissão formada por um magistrado e dois ou mais conciliadores, quando necessário. Os conci- liadores sao nomeados pelo Supremo Tribunal para o período de dois anos e devem ter entre 40 e 70 anos, qualificação técnica para a funçao, por competência ou personalidade. Na verdade, o critério da escolha recai sobre os notáveis da comunidade. CONCLUSAO O direito chinês foi colacionado como fonte de inspiração e contraponto, posto que no país oriental não é necessário que uma lei venham estimular o diálogo entre as partes. Desde seus remotos registros, os chineses utilizavam a palavra, o diálogo e a exposição de suas ideias, para que fosse atingido o melhor aos envolvidos. A conciliação e a mediação no Japão têm como objeto direito disponíveis ou direitos indisponíveis que admitam transação. Sua aplicação é ampla, podendo ocorrer antes, durante ou depois de um processo judicial, e ainda incluir controvérsias envolvendo interesses privados ou públicos. Atua como conciliador, sozinho ou através de uma comissão, como terceira pessoa imparcial e alheia ao conflito. Somente se o caso não for resolvido nessa instância, passa para a instrução e julgamento. . REFERENCIAS • DAVID, René. Os grandes sistemas do direito contemporâneo; tradução Hermínio A.Carvalho. 3a Ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. • FAGUNDEZ, Paulo Roney Ávila.Reflexões sobre a história do direito chinês. In: WOLKMER, Antônio Carlos. (Org.). Fundamentos da História do Direito. 8 Ed.Belo Horizonte: Editora Del Rey, 2014. • WOLKMER, Antônio Carlos. O direito nas sociedades primitivas. In: Fundamentos da História do Direito. 7 ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2012 • Marinho, KELLY. Mediação como solução alternativa de conflitos. Monografia apresentada à Faculdade deDireito Universidade Federal de Mato Grosso como exigência parcial para obtenção do ti ́tulo de especialista em Direito Civil Contemporânea. Universidade Federal de Mato Grosso – Faculdade de Direito, Especialização em Direito Civil Contemporâneo, 2017. Disponível em: https://bdm.ufmt.br/bitstream/1/799/1/TCCP_2017_Kelly%20Cristina%20de% 20Brito%20Marinho. Pdf • Série Cadernos do CEJ, 22. Fonte: Conselho Estadual de Justiça – CEJ. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. https://www.tjap.jus.br/portal/images/stories/documentos/Eventos/Texto--- Modalidade-demediacao---Kazuo-Watanabe.pdf • Sistema japonês de conciliação é referência para método consensual no Brasil. Associação Paulista de Magistrados – APAMAGIS, 2020. Disponível em: https://apamagis.com.br/institucional/sistema-japones-de-conciliacao-e- referencia-para-metodoconsensual-no-brasil/ • FALECK, Diego. TARTUCE, Fernanda. Introdução histórica e modelos de mediação. Disponi ́vel em: www.fernandatartuce.com.br/artigosdaprofessor https://www.tjap.jus.br/portal/images/stories/documentos/Eventos/Texto---Modalidade-demediacao---Kazuo-Watanabe.pdf https://www.tjap.jus.br/portal/images/stories/documentos/Eventos/Texto---Modalidade-demediacao---Kazuo-Watanabe.pdf https://apamagis.com.br/institucional/sistema-japones-de-conciliacao-e-referencia-para-metodoconsensual-no-brasil/ https://apamagis.com.br/institucional/sistema-japones-de-conciliacao-e-referencia-para-metodoconsensual-no-brasil/
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