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ARQUITETURA E POLÍTICA - fichamento

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ARQUITETURA E POLÍTICA
Ensaios para mundos alternativos
JOSEP MARIA MONTANER - ZAIDA MUXI - 2014
INTRODUÇÃO
Este livro tem uma missão: deduzir e descobrir interesses e implicações políticas por trás da arquitetura e do urbanismo. (p.15)
Arquitetura e política
A palavra "política" deriva do grego polis, isto é, a cidade como agrupação ordenada de cidadãos livres e diferentes que se auto-organizam na política para interagir o mundo. Portanto, cabe destacar a estreita relação entre política e cidade nas suas raízes, e como Aristóteles escreveu na obra política: "A cidade é, por natureza, uma pluralidade; a cidade é composta não só de indivíduos, mas também de elementos especialmente diferentes: uma cidade não é formada de parte semelhantes, já que uma coisa é a cidade e outra coisa é uma symmachia". (p. 15)
Não obstante, hoje em dia, as relações entre arquitetura e política não são tão evidentes, e existem muitas influências e implicações ocultas que, geralmente, tendem a ser escondidas, esquecidas e minimizadas. (p. 16)
A condição pós-moderna da arquitetura
Neste texto, vamos interpretar a pós-modernidade como o fim de um ideal único, neutro e universal, para dar lugar a novos protagonistas: realidade e culturas diversas e a luta por direitos mais reais, da igualdade na diferença. (p.17)
Desde a II Guerra Mundial, os organismo internacionais começaram a criar leis sobre direitos humanos universais, que vão muito além daqueles próprios de cada país. Esse direitos de cumprimento obrigatório têm a ver com a vida, a moradia, a salubridade, a justiça e o trabalho; envolvem todos os habitantes da terra, e cada governo é responsável pelo seu cumprimento; e contemplam os novos direitos de grupo sociais até há pouco marginalizados ou invisíveis, com as mulheres e as crianças. É fundamental levar em conta que os direitos humanos são inseparáveis; não se consegue um deles sem os demais. (p.17)
O conceito de sustentabilidade marca uma nova consciencia dos limites do crescimento, do consumo e da poluição; um critério que nunca esteve nem conseguiu entrar nas propostas da modernidade [...]. (p.18)
A diversidade é uma premissa nova em um mundo de múltiplas culturas, origens, etnias, crenças e escolhas, algo que é sinônimo de complexidade e que se enfrenta com conceitos canônicos como unidade e identidade. [...] (p.18)
Por último, não se pode propor o funcionamento de sociedade democrática fortes sem a participação e transparência social. Isso tem uma forte influência na arquitetura e no urbanismo, e nos leva a recuperar aqueles teóricos que já pensaram em estratégias de arquitetura.
O contexto econômico
No contexto econômico da década de 1990, consolidou-se um ponto de inflexão em que o capital transnacional - procedente especialmente do Japão, dos Estados Unidos, da Alemanha e do restante da Europa, constituído por fundos de pensão privados e por outras formas de acúmulo de capital - começou a ser investido em qualquer lugar , a fim de se conseguir a rentabilidade máxima e mais rápida. Dentro de um predomínio total da ideologia neoliberal, essa rentabilidade baseava-se no controle da propriedade do solo e no domínio de seus preços sempre em alta e se tornava visível em imensas obras urbanas ditada pelos interesses da especulação imobiliária. Essa entrada de capitais flutuantes e transnacionais distorceu completamente o interior das sociedades, especialmente o mercado da moradia, que foi deixando cada vez mais de ter valor de uso, de ser um bem e um direito, para passar a ser um objeto de investimento e de especulação dominado pelo valor cambial, que tenta transformar cada habitante em um especulador. Isso tem ocorrido até mesmo em países como a Suécia e a Holanda, que tiveram um decidida e duradoura política de moradia pública, de modo que se distorceu o conceito de cidade e a responsabilidade dos poderes públicos democráticos quanto à sua função de alcançar uma sociedade mais justa e equilibrada, fazer realmente um urbanismo integrador e que redistribua a renda e refazer as cidades mais do que impulsionar crescimentos desorbitados. (p.19)
Nesse processo, o dato mais significativo foi o controle total da propriedade privada do solo, que tendeu ao monopólio, o que provocou uma alta dos preços e dificultou - tanto para as políticas públicas de moradia popular como para os processos de ocupação do solo - a autoconstrução de moradias e a produção agrícola por parte dos setores mais pobres da sociedade. [...] (p.19)
HISTÓRIAS
AS FORMAS DO PODER
A delimitação do público e do privado
Existe uma primeira conceitualização básica para toda arquitetura e cidade: a delimitação, em contínua evolução em casa sociedade, das esferas do público e do privado, uma relação sempre dialéticas e complementar. (p. 28)
A sociedade européia valorizou o público como garantia de igualdade legal e de oportunidades, de oferta de serviços, de cobertura e de bem-estar. Ao mesmo tempo, ao longo da modernidade, foi-se construindo o privado como direito a propriedade, à privacidade e a intimidade. (p. 28)
Nessa nova sociedade, foram as instalações do poder que começaram a distinguir os papéis que configuram a segregação e os limites entre o domínio público e privado, superando estilos de vida medievais em que a escola e o hospital se encontravam dentro da própria casa. (p. 28)
[...] Em suma, na esfera pública "comunica-se" o privado. Arendt afirma que , na esfera pública, as coisas surgem da obscura e abrigada existência do privado. O mundo público, comum, depende completamente da permanência, é algo que encontramos ao nascermos e que deixamos ao morrer". (p. 29)
Por outro lado, a esfera privada está relacionada a intimidade e à propriedade, e a sua concepção parte da consciência de "estar privado de coisas essenciais de uma verdadeira vida humana. Estar privado da realidade que provém de ser visto e ouvido pelos outros. No entanto o privado também tem a ver com o direito à propriedade, um direito que será conquistado durante a modernidade. [...] (p.29)
O "direito à propriedade" aparece após a Revolução Francesa, por uma lei de 1807, como garantia de posses de terra, da casa e dos móveis contra a arbitrariedade do poder. Trata-se de uma conquista da revolução burguesa, e, ao longo da história, a resposta consistiu em regular esse direito, a fim de que a garantia da propriedade privada não trouxe consigo abusos por parte de quem acumula riqueza e concentra a propriedade do solo e dos bens imobiliários de um modo antissocial, evitando os excessos de quem faz tal uso da propriedade ou de quem faz um reivindicação abusiva de suas expectativas especulativas. (p.29)
A Arquitetura, instrumento do poder
[...]. "A arquitetura é a expressão da verdadeira alma das sociedades, da mesma maneira que a fisionomia humana é a expressão das almas dos indivíduos. Estes grande monumentos - acrescenta - erigem-se como diques, opondo a lógica e a majestade da autoridade contra os elementos perturbadores". Por meio da grande escala e do medo, os monumentos arquitetônicos têm a missão de impor a vontade de um poder ausente no presente vivido: É na forma das catedrais ou dos palácios que a igreja e o Estado falam às multidões e lhes impõem o silêncio". [...] (p.31)
No entanto, política não é o mesmo que poder. A política abarca um campo muito mais amplo e, neste livro, o objetivo não é analisar as relações de poder clássicas do ponto de vista dos governantes e dos monumentos que eles promovem, mas entender a política como relação da arquitetura e do urbanismo com todos os diversos atores de cada sociedade. (p.32)
Libertação das estruturas espaciais
A partir de certa perspectiva de gênero, pode-se interpretar que a mudança não foi tão profunda, pois não eliminou a sociedade patriarcal: em certo sentido, poderíamos considerar que a moradia moderna não foi senão uma redução da burguesa e que as autênticas contribuições ao espaço doméstico, feitas por mulheres, foram integradas de maneira muito lenta e filtrada, quando não esquecidas. (p.35)
A arquiteturae o espaço doméstico
Pela primeira vez na história, a moradia popular para as massas trabalhadoras passou a ocupar o centro do pensamento arquitetônico e constituiu uma parte muito importante da teoria e obra dos arquitetos [...], que pensaram todo tipo de moradia dentro da lógica da produção em série, que pudesse servir para o objetivo da moradia popular e da igualdade. (p. 36)
DO "SENTIDO ÉTICO" DE WILLIAM MORRIS E "O ARQUITETO NA LUTA DAS CLASSES" DE HANNES MEYER ÀS "ESTRELAS DA ARQUITETURA"
Embora não corresponda diretamente à capacidade projetual dos técnicos, a arquitetura, o urbanismo e o paisagismo são os fenômenos que exprimem de um modo emblemático as encruzilhadas em que as sociedades contemporâneas se encontram: a arquitetura como símbolo do poder e, ao mesmo tempo, como expressão dos movimentos sociais urbanos; os edifícios como sistema de consumo de recursos e geradores de poluição, mas também como a base para a construção de sociedades mais sustentáveis; o bairro como confluência de interesses imobiliários, mas também como lugar para a vida comunitária e para a socialização; as cidades como cenários privilegiados, dinâmicos e energéticos, onde os conflitos e o caos atuais se manifestem, mas também dotadas de grandes possibilidades de melhora e de transformação; a paisagem como ambiente em contínua transformação e referência simbólica de cada sociedade. [...] . A questão essencial do desenvolvimento humano contemporâneo centra-se no presente e no futuro das cidades: estas são o problema e, ao mesmo tempo, a solução; a crise da arquitetura e do urbanismo pode ser muito frutífera. (p. 41)
Partindo da intenção de repensar o projeto moderno em arquitetura e urbanismo, com base no pensamento e nas experiências recente da pós-modernidade, a pergunta inicial consiste em nos questionarmos sobre como evoluiu a relação dos arquitetos com as sociedades no últimos tempos. (p. 41)
O início do sentido ético da arquitetura
Em suma, Morris propunha um complemento a marxismo. Considerava que, para se construir uma nova comunidade, não era suficiente a revolução econômica e o poder social, mas que era preciso uma revolução moral, uma transformação dos hábitos, com a a qual o design e a arquitetura tinham de contribuir a fim de possibilitar que os seres humanos fossem mais livres e felizes. (p.44)
Ao recorrer em seus escritos ao termo comunismo, William Morris enfatizava a primazia da esfera do público, do comum, de um saber compartilhado, que é preciso reforçar perante as ameaças da industrialização e da produção em massa anônima, sem qualidade nem atributos. (p.44)
As posições de Pugin, Ruskin e Morris são o início de uma crítica moral à sociedade; representam o começo das teorias críticas sobre o mundo contemporâneo, isto é, formulações diante da feiúra de uma arte eclética e acadêmica, da desumanização que provoca o maquinismo e do empobrecimento do espaço, da cidade e da vida social. [...] pela primeira vez, estabelecem-se relações entre as formas arquitetônicas e artísticas, os comportamentos sociais e a busca da felicidade humana. (p.44)
O compromisso social da arquitetura
[...] O arquiteto como técnico, convertia-se em uma espécie de engenheiro, e seu dever social era lutar contra o sistema capitalista, afastando-se de utopias prejudiciais, seguindo a teoria marxista do socialismo científico e propondo que "por meio de uma análise impiedosa, é preciso desnudar o caráter classista da cidade burguesa e a relação do caos econômico com o da construção. (p.46)
O pós-guerra e a figura do "arquiteto liberal"
No período pós-guerra, passou a ser relevante a figura do arquiteto liberal, que era anticomunista e não socialista, mas que se encontrava próximo da preocupação pela justiça e pela igualdade dos socialistas e doas social-democratas. Por exemplo os membros do Team X continuavam a ter uma forte vocação social para uma sociedade democrática e aberta. [...] Se no período das vanguardas era o "arquiteto como político", agora será o arquiteto humanista fortemente influenciado pelo pensamento existencialista e pela fenomenologia. [...] (p.47)
O arquiteto passou da liberdade do artista nas vanguardas à regulamentação do profissional liberal, e isso em um duplo sentido: como técnico liberal e autônomo, protegido por sociedades profissionais, e como indivíduo de pensamento liberal e não especificamente comprometido em termos políticos. Ou seja, ao longo das décadas centrais do século xx, produziu-se um processo de regulamentação e oficialização da profissão da arquitetura, uma mudança similar a evolução produzida ao longo dos séculos xviii e xix, em que a estrutura gremial da profissão - um saber técnico dos mestres de obras que se transmitia dentro do espaço familiar e que era ensinado pelo mestre ao aprendiz - foi sendo deixado de lado para dar lugar a técnico, como os engenheiros civis do século xx, e à figura do arquiteto acadêmico. No início do século xx, os arquitetos e engenheiros modernos superaram o saber artesanal, empírico e tradicional que fora mantido até o art noveau e o modernismo, substituindo-o por um pretenso saber técnico preciso e científico. Em meados do século xx, os colégios profissionais regulamentaram a exclusividade das atividades técnicas, condenado à desaparição as figuras autodidatas dos artitas interdisciplinares e de vanguarda que tinha surgido na primeira metade do século, impondo o modelo profissional do arquiteto liberal, contratado corporativamente, para quem é mais importante manter suspostos privilégios de classe que ser útil na construção de uma sociedade mais equitativa e justa ou ser uma artista comprometido com as vanguardas. [...] (p.47)
Isto também significou o triunfo do modelo arquitetônico como figura singular, um modelo defendido por Le Corbusier em consonância com o poder, que prefere o gênio criador à critica socializadora. Segundo as concepções do ramo mais radical do arquitetos e engenheiros do movimento moderno, [...], o importante foi entender a arquitetura como um trabalho científico e coletivo, sistemático, modular e transmissível, tendendo a uma industrialização radical, que traria melhorias sociais. Os designers, arquitetos e urbanistas tenderiam a ficar no anonimato da produção em série e industrial, do trabalho em equipe e da colaboração com a administração pública. Entre estas posições arquitetônicas antagônicas, a questão-chave é a da autoria: individual ou compartilhada. (p.49)
Desse modo, o período de compromisso político e social da arquitetura na Europa do entreguerras teria sido breve e intenso, possivelmente uma exceção na história, que só teve continuidade em ambientes progressistas, tal como ocorreu no México da década de 1940, período em que se gerou uma obra coletiva modelar, como a Universidade Nacional Autônoma do México (UNAM). Depois, predominou o arquiteto individual e liberal, inclusive em casos relacionados com o poder político, como no Brasil, com Oscar Niemeyer e Lúcio Costa. Mesmo que Niemeyer tenha militado no Partido Comunista Brasileiro, sempre enfatizou a atividade individual do criador de objetos singulares, com fortes contatos pessoais com o poder. (p.50)
As tradições críticas contemporâneas
Ao longo de sua produção teórica, Eisenman insiste que a arquitetura contemporânea, não clássica, tem de ser antifuncionalista, anti-humanista e contrária a ideia de lugar. [...] Eisenman tentou destruir sistematicamente os trê grandes eixos da arquitetura moderna, considerados como ficções: a possibilidade de representação (ou a possibilidade de transmitir significados), a ação da razão ( ou precisão científica) e o sentido da história. (p.52)
A AÇÃO POLÍTICA A PARTIR DA ARQUITETURA
Os arquitetos pioneiros na política
Ernst May (1886 - 1970), formado a linguagem expressionista, ocupou o cargo de assessor da prefeitura de Frankfurt entre 1925 e 1930, levou a cabo o Plano diretor da cidade e promoveu 26 siedlungen de diferentes tamanhos e morfologias, dentro as quais se destaca uma das primeiras a ser construída, a Romerstadt(1927 - 1928), perfeitamente integrada à ladeira do vale do rio Nidda. Essa Siedlung foi uma síntese da ideia de cidade-jardim - procedente de Ebenezer Howard e levada à Alemanha por Hermann Muthesisus - e da proposta da moradia racionalista. É por isso que a Romerstadt, uma espécie de Siedlung jardim, se adapta tão bem a topografia, à orientação e às vistas. Mais tarde, devido ao crescimento incessante da demanda por moradia e à crise econômica de 1929, que, em 1933, resultaria no advento do nacional-socialismo, os fatores condicionantes produtivistas foram se impondo e exigiram soluções urbanas drasticamente simplificadas, racionalistas e repetitivas. [...] (p.56)
Essa produção seriada de moradias se baseou em peças-chavez como a cozinha de Frnakfurt, desenhada po Margarete Schutte-Lihotzky, e na siponibilidade de um setor de construção que utilizava as tecnologias de pré-fabricação e de colocação mais avançadas do momento. Em um período breve, entre 1924 e 1930, Ernst May conseguiu realizar cerca de trinta mil moradias em Frankfurt, chegando a praticamente solucionar o problema da moradia naqueles anos anteriores à crise de 1929. Não no esqueçamos do singular suporte legislativo e econômico do qual se partia: a constituição da República de Weimer, aprovada em 1919, em que se estabelecia o "direito a um alojamento salubre" para todo cidadão alemão. [...] (p.56)
As proposta alternativas
Segundo Geddes, o urbanismo não podia atingir seus objetivos se não fosse planejado com base no lugar, se não fosse um urbanismo popular, isto é, que não coagisse as pessoas a habitar novos lugares contra suas redes sociais, desejos e interesses. A tarefa do urbanismo radica em encontrar o lugar correto para cada tipo de pessoa, "lugares onde realmente possam prosperar". [...] Geddes propunha um estudo prévio detalhado para se conhecer as condições reais do lugar e, a partir delas, realizar intervenções de cirurgias que não destruíssem, mas melhorassem a realidade.
Reestruturação após a II guerra mundial
Em outros casos, foram políticos que tinham uma grande vontade de intervenção n cidade e no território - por exemplo, Eugéne Claudius-Petit (1907 - 1989), ministro da reconstrução na França do pó-guerra, que se emcarregou da política de infraestruturas e de novos bairros. Se para as villes nouvelles promovem uma arquitetura da rapidez e da quantidade, com um urbanismo péssimo - que, nos últimos anos, vêm apresentando o custo social da marginalização [...]. (p.60)
Nas últimas décadas, continuam a existir - sobretudo na América Latina, especialmente no Brasil - arquitetos com uma forte dimensão política. No Brasil, optou-se pela construção da identidade nacional por meio da arquitetura, das formas, das infraestruturas e dos materiais do movimento moderno. Um forte mecenato da arte e da arquitetura envolveu o poder e a burguesia industrial e metropolitrana na aposta pela arte e pela arquitetura moderna. Gustavo Capanema, Juscelino Kubitschek (como prefeito, governador e predidente) e a´te mesmo o ditador Getúlio Vargas promoveram arquitetura moderna. Essa promoção foi interrompida em 1964, com a chegada de uma nova e dura ditadura militar e com o exílio temporário de Oscar Niemeyer em Paris. De qualquer modo, o apoio incondicional de Juscelino Kubitcchek à arquitetura de 
Oscar Niemeyer já o havia transformado no arquiteto oficial do Brasil contemporâneo, exprimindo essa forte relação entre política e urbanismo. A nova cidade de Brasília é o grande emblema dessa união entre projeto nacional brasileiro e urbanismo moderno. [...] (p.63)
AS TRADIÇÕES ALTERNATIVAS DE VIDA COMUNITÁRIA
Nessa seção, faz-se uma recapitulação acerca da moradia comunitária com dois objetivos: um derivado da preocupação atual perante a crescente dificuldade de acesso à moradia para muitos integrantes da sociedade; e outro para reivindicar a necessidade de se entender em que medida a moradia tem perpetuado a divisão dos papéis atribuídos aos gêneros e às hierarquias na sociedade atual; por último, em uma época marcada pela ênfase no individualismo e na provatização de tudo, incluídos todos os instrumentos domésticos, com o fomento do consumo pessoal, é importante lembrar que ao longo da história propuseram-se possibilidade de compartilhar serviços e espaços de moradia. é por esta razão que se reivindicam as tradições de moradia comunitária como uma opção a mais no leque de possibilidades que as soluções de moradia deveriam oferecer, entendendo que, em muitos casos, essa opção implicaria modificar leis e regulamentos, bem como revisar os sistemas de acesso e de propriedade do solo. (p. 67)
Em meados do século xix, quando a Revolução Industrial tinha causado impacto sobre as cidades, ficou patente a necessidade de buscar soluções que incluíssem a nova clásse operária. Essa necessidade afetou em diversos âmbitos, tanto o pensamento rogressista - que, mais tarde, levaria a revoluções e mudanças sociais e se refletiu a própria criação da moradia operária - como os setores mais conservadores, religiosos e moralistas que sob a justificação higienista, tentaram controlar os novos habitantes urbanos, impondo-lhes costumes éticos e morais de vida individual e familiar acordes com modelos aristocráticos e burgueses. A solução para a moradia operária majoritária e estudada pela historigrafia consistiu em uma redução ao mínimo imprescindível da moradia burguesa, com suas hierarquias e suas divisõies espaciais, que obedeciam e reforçavam os papéis tradicionais dos gêneros. Foram deixadas pelo caminho propostas que viram nessas nova moradia a ocasião para se repensar a distribuição so trabalho doméstico e das esferas públicas e privada. (p.67)
Essa funcionalização especializada atinge questões internas da moradia. Em prol do controle social e da higiene, certas atividades continuarão sendo permitidas dentro do lar e será exigido que outras sejam expulsas progressiva, nascer e morrer, a educação e o trabalho converteram-se em experiências plausíveis de controle público. No entanto, outras atividade domésticas, com a preparação de alimentos e o cuidado da roupa, mantiveram-se ferreamente dentro do espaço privado, embora pudessem ser realizadas de uma maneira industrial, como negócio, tal como ocorre com as lavanderias industrializadas para hotéis e hospitais ou com as panificadores e conserve iras. (p. 68)
Sempre se falava que as novas tecnologias liberavam do trabalho e geravam mais tempo livre. Porém, da mesma forma que a Revolução Industrial demorou para entrar na moradia (e, de fato, ainda não entrou em muitas delas), a revolução das novas tecnologias também não deu lugar a uma reflexão profunda nem modificou a moradia substancialmente; continuam a existir tarefas e obrigações às quais se continuam respondendo de uma maneira individual. A industrialização das tarefas do lar progrediu lentamente em comparação com os processos manufaturados em geral. [...] "Essa lentidão no processo não foi resultado de uma falta de criatividade [...]. Impediu a introdução de novos eletrodomésticos e enfatizou o papel da esposa como guardiã dos valores da pureza e do lar. [...](p.68)
[...]No entanto, a industrialização abria portas a uma revolução que implicava novas organizações das tarefas domésticas e, portanto, do papel da mulher, que resultou em duas maneiras de revisar e reinterpretar as tarefas atribuídas a ela. (p.69)
A primeira proposta, mais conservadora, que não questionava o papel da mulher como responsável pelo lar, teve sua origem na resposta das mulheres de classe média diante do fato de os trabalhadores domésticos decidirem trabalhar em melhores condições laborais e econômicas nas fábricas. No caso dos Estados Unidos, onde tiveram sua origem muitas dessas reflexões, somou-se aos efeitos da atração da indústria o fim da escravidão. Tais circunstancias fizeram com que essas mulheres lidassem solitariamente com casas de tamanho e formas inadequadas, exigindo tempo e mão de obra excessivos para sua manutenção. Perante a impossibilidade de fazer frente a essastarefas, começou-se a refletir sobre como tornar o trabalho doméstico mais eficiente, a aplicar conceitos e sistemas da produção industrial à moradia: formas simples, usos flexíveis e linhas de montagem. Se esse trabalho era excessivo para as mulheres de classe média, era ainda mais para as mulheres da classe operária, que tinham uma jornada de trabalho dupla, em casa e fora dela, uma questão que a arquitetura racional não levou em conta à hora de pensar a moradia operária. (p.69)
A segunda vertente da aplicação da industrialização à vida doméstica levou à reflexão sobre a coletivização dos recursos, que, em termos atuais, poderíamos denominar como externalização de certos serviços para um uso eficiente. De acordo com isso, a moradia não obedeceria a uma ideia de um reduto independente e autárquico, mas seria preciso propor outras formas de viver, possivelmente mais proxima das relações e da produção pré-industriais, sem uma fragmentação dual entre o público e o privado, entre o produtivo e o reprodutivo. Seria uma questão de adequar o sistema produtivo econômico pré-industrial à era industrial. Se anteriormente, cada unidade familiar constituía uma unidade produtiva em que não existiam diferenças claras entre homeme mulheres, crianças e adultos, familias de sangue e aprendizes, a sociedade moderna da revolução industrial separa o mundo do trabalho produtivo do reprodutivo, o público exterior do privado interior. (p.70)
Dentro dessa vertente, surgiu o Familistério de Guise (1849 - 1968). Criado pelo industrial Jean Baptiste Godin [...]. No Familistério, coletivizaram-se as tarefas de educação, do cuidado das pessoas e da alimentação, o que liberou homens e mulheres das tarefas reprodutivas para que pudessem dedicar suas horas de trabalho á produção industrial e a desfrutar de um tempo livre próprio, em condições de igualdade, para a cultura e o lazer. A reprodução da força de trabalho era entendido como uma obrigação social, e não da mulher. (p.70)
Efeitos da industrialização na gestão doméstica
Existe outra perspectiva sobre a aplicação da indústria em benefício das tarefas do lar - aquela que, a partir de 1860, nos Estados Unidos, levou algumas mulheres a pensar naquilo que se denominaria estratégias de bairros que compartilham essas tarefas. A partir dessa posição, produziram-se duas variantes: uma mais radical, que proporia externalizar completamente essas tarefas da moradia para que se convertem-sem em parte do trabalho produtivo, e outra mais aceita, por ser a que menos questionava o sistema patriarcal vigente, que procurava se organizar em cooperativas de ajuda mútua em que as tarefas continuavam sendo realizadas por mulheres, donas de casa ou esposas,e o trabalho comunitário permitia o acesso a uma tecnologia que não estava ao alcance de cada casa individualmente. De qualquer modo, ambas as propostas buscavam o uso eficiente de recursos, de tempo e de energia. (p.71)
Apareceram, então, propostas como a da norte-americana Melusina Fay Pierce, em 1868: de um bairro formado por 28 casas sem cozinhas, que compartilhavam espaços comunitários, onde as tarefas domésticas eram centralizadas graças à melhor infraestrutura industrial. Esses espaços indluiram principalmente áreas de cozinhas, costura, lavanderia e cuidados dos filhos, tudo feito em regime cooperativo. [...] (p.71)
Dentre outros defensores dessa opção comunit[aria para a moradia encontrava-se Ebenezer Howard, que apresentou a necessidade de incorportar a moradia em sistema cooperativo, com cozinha pública profissionalizada e compartilhada e refeitorios comunitários, nas cidades jardins. A vontade de Horward era atender as particularidades de seus futuros habitantes propondo casas unifamiliares sem cozinha nos denominados quadrangles (organização de pequenos apartamento ao redor de um pátio, a modo de claustro), que compartilhariam, no mínimo, um espaço dedicado à cozinha e ao refeitório e um sistema cooperativo de manuntenção. (p.71)
MUNDOS 
A GLOBALIZAÇÃO E O UNIVERSO RIZOMÁTICO
[...] A partir de suas ideias, poderíamos estabelecer que ocorreram mudanças substanciais em três tipos de fenômenos que caracterizam as cidades, os territórios e os estados no começo do século xix. (p.79)
Em primeiro lugar, no tocante aos capitais: a força, a velocidade e a voracidade do capital especulativo, com sua grande capacidade de intervir em contextos locais e nacionais, utilizando novos produtos e estratégias financeiras, transformou totalmente um panorama que tende a dualizar-se: as metrópoles globais que aproveitam os fluxos de capitais e os imensos territórios à margem dos investimentos. A grande novidade é que o capital realmente deixe de ter pátria. Isso é evidente nas grandes empresas, mas também ocorre com os bancos, que, apesar de terem suas sedes centrais radicadas em lugares comerciais e próximas das bolsas, seguem com políticas totalmente autônomas em relação aos Estados e às instituições. (p.79)
Em segundo lugar, as mudanças referente as pessoas, em razão de fortes movimentos migratórios nas últimas décadas, que, nesta época pós-colonial, têm gerado mudanças sociais importantíssimas, com grupos culturais agrupados e situados em contextos urbanos muito afastado de seus lugares de origem: orientais que vivem em Vancouver e São Paulo; [...] africanos na Europa. Assim as sociedades atuais são híbridas e formado por um mosaico de subculturas. Aqui também a mudança vai além dos movimentos migratórios tradicionais, ao menos por duas razoes. Em primeiro lugar, passou-se dos movimentos emigratório da Europa para a América no final da década de 1940, motivado por razões políticas e econômicas - a movimentos de âmbito mundial. Certamente, uma parte dos movimentos imigratórios atuais tem a ver com o período pós-colonial, em um fluxo que tende a ocorrer de maneira inversa: os antigos colonizados tentam sobreviver se mudando para as metrópoles, embora haja movimentos humanos de grandes distâncias movidos por outras razões. Em segundo lugar, a junção do efeito das migrações com o terceiro fator que destacamos, isto é, a total predominância dos sistemas de informação e comunicação, faz com que o fenômeno migratório ganhe um protagonismo em tempo presente e real, imediato e prepronderante. Ao mesmo tempo, a reclamação dos pobres em relação aos países ricos é produzida pela mesma propaganda enganosa e pelas imagens de opulência que a mídia desses países transmitem para o resto do mundo. (p.80)
A terceira variável, as tecnologias da comunicação - internet, televisão, satélite, telefone celular etc. -, estimula que, em um panorama fragmentado, a imigração seja vivida no espaço real tanto de origem como de destino. Um imigrante da primeira metade do século xx pressupunha que a distância física de seu lugar de origem implicava um afastamento que talvez fosse para toda a vida, devido precisamente à pouca capacidade de comunicação, alto custo das viagens e das comunicações por voz, ao que, muitas vezes, se acrescentava o analfabetismo, que dificultava a única comunicação possível, a escrita. O lugar de destino passava a ser o lugar de vida real do imigrante, com o qual, de alguma maneira, devia começar a empatizar. Na atualidade, as comunicações em tempo real através da internet, que permite ver e ser visto, e as televisões que captam programas de todo o mundo têm potencializado uma mudança total, que permite dissociar o lugar de trabalho e de residência do lugar dos sentimentos, dos imaginários e da pertença. Está-se fisicamente em um lugar, mas mentalmente, pode-se estar em outro. (p.81)
O universo rizomático
Uma das mais valiosas colaborações de Gilles Deleuze e de Félix Guattari foi a conceitualização da nova maneira de penar rizomática, uma ideia extremamente fecunda. O rizoma - não tem estrutura, nem binária, nem arbórea ou ramificada, nem genealógica: é uma realidade caótica, subterrânea, fugidia, como ratazanas que fogem ou como a hera que cresce sem plano. (p.83)
Trata-se de uma ideia que podemos extrapolar para explicarmos a essência mutantee violenta do nosso mundo do começo do século xxi. é rizomática a internet e são rizomáticos os bairros de favelas, mas também seria rizomática uma espécia de terceira guerra mundia difusa, aquela que palpica partes do mundo. [...] (p.83)
AS FRONTEIRAS QUENTES
Quanto mais viajamos e lemos, mas tomamos consciência daquilo que Caveri que rmostrar em seu livro: o predomínio e o aumento das fronteiras e as exclusões em sociedades cada vez mais divididas, construídas de muros, visíveis e invisíveis: guetos, campos de refugiados, campos minados, condomínios fechados para ricos, favelas, shopping centers, centros de lazer, resorts, campos de golfe, hotéis exclusivos, vias rápidas etc. Há muitos tipos de fronteiras: visíveis entre países, invisíveis entre os bairros, policiais nos aeroportos e outros lugares de embarque. (p.87)
Nossa época tem uma obsessão por criar muros. Zygmunt Bauman escreveu que nossa atividade frenética ao traçar de fronteiras pretende combater o medo dos riscos e perigos contemporâneos. Quanto mais fracassam, mais nos obcecamos pela segurança. O paroxismo da contínua transformação de controle e barreiras faz com que se instale mais vigilância e mais fronteiras - e estas comportam uma grave perda de esperança na convivência. (p.87)
O fenômeno das urbanizações fechadas
O tipo de fronteira que mais cresce é o das fronteiras urbanas que os ricos levantam para excluir os pobres. Este é o fenômeno mais perturbador do urbanismo contemporâneo: as urbanizações exclusivas, mal chamadas de bairros fechados ou gated communities (uma vez que não são nem bairros e nem comunidades), que, com morfologias muitos diversas, proliferam no mundo e encontram referências reais ou fictícias em cada lugar. Surgem da obsessão manipulada de se defender da insegurança, e nelas se isolam classes sociais afins em condições fechadas. Isso tem manifestações muito diversas: desde bairros para as elites, fortemente amuralhados e vigiados, até as soluções mais improvisadas dos bairros com cancelas que fecham e seguranças particulares que vigiam ruas que já foram públicas, como na Cidade do México [...]. Esses monstros urbanos surgem nos países e cidades onde as desigualdades econômicas são maiores: [...] em São Paulo (Brasil), em Caracas (Venezuela), em Buenos Aires (Argentina), [...]. (p.88)
O caso das urbanizações fechadas, que podemos encontrar nas cidades do México, da Argentina e do Brasil, é especialmente grave por constituir um atentado contra a vida pública e comunitária, e é um precedente prejudicial à justiça. A urbanização fechada se governa de acordo com suas próprias normas internas - o estatuto do condomínio -, rejeita as leis estatais e municipais e evita contribuir com seus impostos para as obras coletivas da porção municipal onde está radicada. [...]. Em suma, as urbanizações fechadas tornaram-se o maior atentado ao urbano e o maior obstáculo à generalização dos direitos humanos. Ao rechaçar lutas pela igualdade de direito e contra a discriminação, a urbanização fechada se ergue como fronteira contrária ao compromisso internacional dos direitos definidos em 1948. Em face da Declaração Universal dos Direitos Humanos, o bairro fechado reivindica suas próprias leis e normas, ao marginalizar-se e proclamar a exclusão como emblema. De certo modo, o bairro fechado não deixa de ser uma versão voluntária e luxuosa de uma prisão. (p.89)
Isso acontece em um momento em que há cada vez mais pobres e em que os ricos constroem cada vez mais muros para se defender da propagação dos ricos que consideram trazidos da miséria. Quanto mais pobreza houver e quanto mais crescerem os slums, mais a classe média tenderão a se refugiar em urbanizações fechadas, obcecadas pela segurança e pelas conexões exclusivas por meio de estradas, de modo a circularem mais rapidamente e evitarem os bairros pobres. (p.90)
Com a continuação dessas tendências, existe o perigo de que vá desaparecendo o mundo aberto do público e a cultura do civil para que reine um planeta deito de fragmentos isolados, de segregação social entre as elites e aquelas que são considerados bárbaros, entre privilegiados e excluídos, entre turistas e trabalhadores dedicados a um "trabalho-lixo" no setor turístico. (p.91)
Toda vez que uma comunidade se agrupa para defender suas casas, que se manifestam para reivindicar seus direitos, que um grupo derruba o muro de um edifício vazio para ocupá-lo, que um terreno sem construção é transformado temporariamente em jardim infantil, que uma biblioteca - como as de Bogotá e de Medellín - une bairros depauperados, que se constroem bairros e moradias que fomentam as relações e a vida comunitária, detém-se por um momento a distopia crescente de um mundo feito cada vez mais de fronteiras quentes. [...]. A expectativa de que cresça uma sociedade mais humana e mais justa, de que nos aproximemos de outro mundo possível, pertence a milhões de pessoas. (p.93)
O MUNDO PÓS-CHERNOBYL
As alternativas
[...] Esta é a essência de nosso mundo pós-Chernobyl: saber que esta sociedade tardo-capitalista conduz a destruição, à poluição e ao abismo, mas não adotar medidas para evitá-los e para criar novos sistemas econômicos, sociais e energéticos. Parece ser preferível conviver explicitamente com o acidente, esconder a cabeça e atrasar uma mudança imprescindível. Apesar dos diligentes avisos do cada dia mais evidente fenômeno do aquecimento global, com o degelo dos pólos e com o aumento paulatino do nível do mar, a capacidade de reação continua sendo pouca em nossa era afetada pela síndrome pós-Crenobyl":preferimos nos esquecer tomando o narcótico efêmero do consumo. (p.103)
A VIDA-LIXO OU O SLOW FOOD
Aquilo que denominamos vida-lixo tem a ver com a vida rápida, superficial e sem qualidade, condicionada pelo trabalho-lixo, que , além de não ter continuidade e ser mal pago, é urgente, impessoal, desqualificado e mecânico. Quem o realiza não pode se identificar com aquilo que faz; desapareceu qualquer relação entre quem trabalha e aquilo que produz, vende ou informa. Um dos trabalhos que mais evidencia isso é o de operador de telemarketing, que atua em diferentes latitudes, sem levar em consideração os horários em que se encontram os destinatários do telefonema. (p.105)
A vida lenta
A vida-lixo também é caracterizada pela antagonista que foi gerada: a vida tranquila, qualificada e desacelerada, que busca a calma e a qualidade, que faz parte das tendências mundiais a uma vida lenta, como o movimento Slow, que surgiu seguindo as propostas da slow food. Devido aos muitos desafios contemporâneos, qualquer alternativa deve passar pela transformação da vida cotidiana, dos hábitos do consumo e dos ritmos. (p.107)
É evidente que a qualidade de vida tem relação com a disponibilidade de tempo e a tranquilidade para desfrutá-la, e a vida-lixo tem relação com o excesso de atividade, a pressa e o pluriemprego precário, tendo um imppacto mais forte nos dois extremos da sociedade: os jovens, que praticam cada vez mais o " usar e jogar fora", e os idosos, que ficam irremediavelmente excluídos, à margem de uma vida acelerada e de sociedades informatizadas, onde não resta mais espaço nem tempo para eles. (p.107)
Imagens da vida-lixo no cenário urbano são o motociclista a toda velocidade que se esquiva dos carros, à beira do acidente, que perturba a vizinhança com o barulho e que, de vez em quando, atropela algum velhinho lento e distraído que não o viu ou ouviu. Também são emblemáticas as longas filas para consumir nos grandes shoppings centers, nos espaços públicos depois de uma festa ou nas praias, à tarde, abarrotadas de lixo. (p.108)
Somos dominados pelas formas de vida provocadas pela sociedade de consumo, sem imaginação nem memória, em que se é alguém na medida em que se possui carros e motos, televisores e antenas parabólicas, computadores, telefones celulares e videogames, sempre novos e, ao mesmo tempo, indefectivelmente obsoletos. Um mundo-lixo pensado para ser usado e jogado fora, que se opõe a qualquer critério de sustentabilidade e de previsãodo futuro; um mundo-lixo que se alimenta da fome de camponeses asiáticos e americanos, da morte de africanos nas guerras latentes e ocasionada pelo poder de extração de minerais imprescindíveis para a nossa modernidade tecnológica, cujo lixo altamente poluente vai parar muito longe de nossos olhos, arruinando vidas e paisagens longínquas. (p.108)
O voto do consumismo
O consumo nos caracteriza como sujeitos contemporâneos e nos permite certas margens de escolha; podemos tirar o máximo de rendimento dessas margens. Existimos na medida em que consumimos para satisfazer nossas necessidades. Desde as decisões privadas na esfera do trabalho doméstico até cada opção que fazemos ao comprarmos - onde, o quê, como vem embalado etc. -, estamos, de certa maneira, votando. Escolhemos marcas, tipos de produtos, lojas e embalagens, e essas possibilidade de escolha tem um forte poder determinante. As tendências dos consumidores indicam necessariamente em que direções as empresas devem ir com seus produtos. (p.109)
No nosso consumo, podemos escolher, até certo ponto, a qualidade e a procedência: favorecer o comércio local, comprando nas lojas do bairro, nos mercados e nas feiras artesanais locais, em vez de irmos aos grandes supermercados e aos shopping centers. [...] O aumento das compras no bairro é uma mostra do efeito das decisões pessoais em relação ao global. Perante o canto de sereia da vida suburbana de moradias unifamiliares e das grandes superfícies, as sociedades maduras e conscientes optam pela cidade densa, diversa, misturada e compacta. Consumir produtos em lojas próximas implica a economia no gasto de energia e infraestrutura de transporte, um esbanjamento que dá muito lucro aos intermediários e que prejudicam tanto o território, a paisagem e os produtores. (p.110)
Em suma, uma compra sustentável corresponde a um consumo inteligente: procura durabilidade e eficiência, menos impacto ambiental e mais benefícios sociais. Se os usuários e os governos locais exigissem eletrodomésticos que economizem energia, automóveis que utilizam energias alternativas e moradias ecológicas e bem projetadas, o mercado não teria outra saída senão oferecer esses novos produtos. (p. 110)
O consumo tem o lado positivo de ajudar a nos realizarmos: como diriam os existencialistas, em cada compra que fazemos e em cada produto que utilizamos, estamos priorizando alguma empresa, um tipo de comércio, certos produtos e uma embalagem ecológica: em suma, estamos votando a favor de certo estilo de vida e de consumo e contra aqueles produtos, invólucros e empresas que rejeitamos. Superando o puritanismo anticomunista - que em outros tempos negou a possibilidade do ornamento e do trabalho artesanal e que pretende negar o prazer de comprarmos aquilo que desejamos ou de nos vestirmos como gostamos -, podemos ser consumidores responsáveis e solidários, em uma nova era pós-consumo, em que sejamos conscientes das repercussões em cadeia que cada escolha traz consigo. (p.111)
Por tudo isso, as fases que vão do planejamento territorial até o material utilizado como acabamento em uma moradia resultam em sistema de produção e de consumo que podem tender ou não à sustentabilidade e à qualidade de vida (p.112)
METRÓPOLES
Hoje, as cidades são as grandes metrópoles, com suas qualidades e esperanças, com seu poder de sedução e possibilidades de trabalho, de expressão e comunicação, mas também com seus graves problemas e misérias, deficiências e desigualdades. (p.113)
O URBANISMO TARDO-RACIONALISTA: DE A CARTA DE ATENAS À CIDADE GLOBAL
Já em sua Dialética do Esclarecimento, Theodor W. Adorno e Max Horkheimer, na época exilados nos Estados Unidos, criticavam a cidade de Los Angeles por sua ausência de civitas e de espaço público. Para eles, Los Angeles constituía o símbolo da crise do projeto moderno iniciado pelo Iluminismo, que anunciava a eliminação da inter-relação entre cidade e pessoa para substituí-la pela de cidade e automóvel. A análise de Adorno e Horkheimer se torna uma profecia sobre o consumismo da cultura de massa contemporânea. No início do capítulo "A indústria cultural", aprofundam sua crítica ao individualismo e á vida no subúrbio: "As casas mais velhas em torno dos centros de concreto armado já têm o ar de slums, e os novos bangalôs na periferia da cidade mostram, como as frágeis construções das exposições internacionais, os lodos do progresso técnico, convidando a liquidá-los, depois de um rápido uso, como latas de conserva. Mas os projetos urbanos desenhados para perpetuar o indivíduo como ser independente, habitando em moradias pequenas e higiênicas, submetem-no ainda mais radicalmente a sua antítese, o poder absoluto do capital". Em suma, o morador dos subúrbios se torna mais vulnerável e dependente. De fato, o subúrbio, filho do par infernal casa unifamiliar/carro, foi o maior engodo urbano e territorial do século xx: a falsa venda de felicidade e autonomia à custa da destruição da paisagem, do consumo de petróleo e do abandono das cidades históricas. (p.115)
[...] No entanto, a partir das interpretações críticas, além de ser o lugar da crise da modernidade, segundo Adorno e Horkheimer, Los Angeles se tranformou, atualmente, no cenário real dos saques e no anúncio apocalíptico das crises ecológicas, tal como escreveu Mike Davis - uma cidade baseada no consumo de energia no limite, organizada de acordo com as estradas pelas quais se circulam a uma velocidade que impede que se veja o outro e a realidade concreta, uma cidade habitada pelo medo do desconhecido, onde os outros se veem como inimigos. (p.116)
Antes de que o modelo se fizesse presente em muitas cidades do mundo ao longo das ultimas décadas do século xx, Los Angeles já mostrava as partes essenciais da cidade tardo-capitalista: surgia da formulação zoneada de A Carta de Atenas, que se ajustava ao ideal de cidade sem acaso, do individualismo, da segregação e do consumo, e e continuava concretizando a fragmentação da cidade global. (p.116)
As rodovias 
O primeiro elemento urbano essencial do urbanismo tardo-racionalista são as rodovias. Substituindo as ruas como estrutura vertebral da metrópole, as rodovias foram configuradas contra o espaço público tradicional da rua, tornando-se a negação de sua essência. Já no começo da era do automóvel, Henry Ford - inventor da linha de montagem e da produção em série de milhares de carros iguais - promovia, ao mesmo tempo, a construção de bairros residenciais, fora das cidades, acessíveis apenas por meio dos veículos privados que ele mesmo fabricava. A partir da década de 1950, a entronização da civilização do automóvel comportou a configuração das cidades a partir das rodovias, o espaço genuíno para o automóvel e para a velocidade. (p.117)
[...] Criou-se um mundo pensado para ser servido eficazmente a partir das entradas e saída das rodovias, conformou-se o urbano exclusivamente com base em sua vampirização, seu uso, sua acessibilidade por meio de pontes, túneis e nós viários. (p.117)
[...] O tráfego se transforma na organização simbólica e efetiva da cidade, e o automóvel é sua célula básica, que configura uma maneira de ser individualista e competitiva, violenta e insolidária. (p. 117)
Os arranha-céus
O arranha-céu especulativo e isolado é a expressão máxima do capitalismo, com seu rechaço e desprezo pelas características topológicas, ecológicas, humanas, patrimoniais e sociais do lugar. Além disso, a vida social que poderá ser produzida em um arranha-céu sempre será muito limitada: o arranha-céu cospe no espaço público, isola-se da cidade real, não permite que haja lugares de encontro, pois toda vida social se centra no saguão e no elevador, e os intercâmbios acontecem nas entregas a domicílio. Além disso, consome muita energia. Baseado na climatização artificial, obriga que se use o elevador para qualquer movimento, potencializa uma vida insalubre e pode barrar a incidência do sol no bairro. Em suma, as torres da cidade global são um emblema negativo das piores características da cidade tardo-racionalista e do capitalismo.(p.119)
O shopping center
No modelo da cidade global, consolidou-se um terceiro grande elemento: o shopping center. Composto por grande volumes construído, tal como sustenta Geoge Ritzer, o shopping center transformou-se em uma autentica catedral do consumo. Presentes já nos projetos Broadacre city (1932-1935) e Living City (1958) de Frank Lloyd Wright, os grandes shopping centers foram pensados como edifícios autônomos em cujo interior surge todo tipo de atividade dedicadas ao entretenimento e ao consumo. A artificialidade é a base para a identificação dos espaços públicos propostos pelos shopping centers: cria-se um ambiente de simulação da natureza, da história ou uma fantasia futurista, estabelecem-se movimentos "assistidos" e introduz-se uma temperatura artificial e uma iluminação controlada. Em suma, cria-se um estado ideal paraq estadia ilimitada e, portanto, com a máxima possibilidade para o consumo: um não lugar que pretende ser isento de todo conflito, toso direito urbano, toda reivindicação ou reclamação. Assim, em muitas cidades americanas e asiáticas, boa parte da vida social e familiar já se desenvolve nesses centros fechados. (p.120)
Do mesmo modo que a rodovia metropolitana substitui o papel vertebral da rua, o shopping center tenta substituir o espaço público da praça, do mercado, da galeria e da rua comercial cheia de pequenas lojas. Quando o consegue, as conquistas sociais obtidas no espaço público voltam a se restringir sob as normas, a vigilância e os seguranças do shopping centers privados e fechados, que substituem o espaço público e o privatizam. Em muitas cidades, desaparecem as alternativas para o passeio ou para a reunião cotidiana. A paulatina substituição das pequenas lojas e dos mercadinhos populares por shopping centers impede que as classes modestas, os imigrantes e os grupos nômades se integrem na sociedade mediante o processo tradicional do pequeno comércio e das lojas de artesanato. Apenas resta a possibilidade do trabalho precário, que depende das grandes cadeias comerciais e das franquias, consumando, assim, uma mudança de modelo e de cultura. Por isso, é muito importante que se preveja, no urbanismo dos novos bairros, a existência de pequenas lojas e comércios, que reforçam a economia e as redes sociais do bairro, e não shoppings fechados, que empobrecem e desertificam. (p.120)
De todo modo, os shopping centers não têm por que ser negativos para as cidades. Embora se trate, geralmente, de produtos urbanos projetados de fora, que não levam em conta o entorno urbano e paisagístico nem têm relação com a cidade e sua cultura, configurados como ratoeiras, onde é fácil entrar e difícil sair, eles podem se tornar elementos que aumentam as desigualdades sociais e os problemas do entorno imediato. No entanto, podem existir shopping centers que proporcionem espaços públicos, se disporem de acessos no mesmo nível da rua, de maneira que possam chegar a ser experiências urbanas positivas [...]. (p.121)
Os subúrbios e as urbanizações fechadas
Por último, uma parte essencial da cidade global é definida pelos conjuntos residenciais fechados, que adotam implantações, morfologia e tipologias muito definidas, e que são uma continuação da tradição antiurbana do subúrbio, desenvolvida após a II Guerra Mundial. (p.121)
Uma parte da população das grandes cidades - seja de países desenvolvidos ou em desenvolvimento, geralmente daquelas que não valorizam a memória urbana nem compreendem que a essência da cidade está na diversidade - escolhe morar fora das cidades, nos mal chamados bairros ou comunidades fechados - mal chamados porque são apenas urbanizações e não têm as qualidades de um bairro ou de uma comunidade. Trata-se de uma espécie de não lugares ou de espaços sem memória, de acesso restrito, que constituem vulgarizações de uma vida feliz, utópica e sedada, onde se eliminou o incerto e o imprevisível. Pretensos oásis de calma e segurança, a eles não podem ter acesso os membros de outras culturas e aqueles com menos recursos econômicos. Uma vida adoçada e falsa em um lugar onde todos pretendem ser iguais. Esse fenômeno se estende por todo o planeta, desde os Estados Unidos, México e Chile até a índia e os Emirados Árabes. (p.121)

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