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Perspectivas e desafios para o jovem arquiteto no Brasil

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Perspectivas e desafios para o jovem arquiteto no Brasil 
Qual o papel da profissão? 
 
Em sua edição de setembro de 2010, a revista AU – Arquitetura e Urbanismo, com a qualidade que sempre a caracteriza, 
nos apresentou 25 jovens arquitetos em destaque, que “devem ser os profissionais mais representativos do Brasil nas 
próximas duas décadas”. 
A reportagem estimula uma reflexão mais aprofundada. Não sobre a qualidade dos profissionais escolhidos, 
evidentemente, todos de indiscutível talento. Mas sobre a lógica que serve para parametrizar o que se considera hoje, 
no Brasil, um “arquiteto” e, mais ainda, um arquiteto cujo sucesso profissional sirva para representar a profissão. 
Não se trata aqui de questionar o excelente trabalho da revista, e menos ainda a qualidade admirável do trabalho 
desses jovens. A questão que coloco neste artigo é que a brilhante produção de alguns escritórios de arquitetura – 
cujo foco de atuação é bastante restrito ao reduzido mercado da construção civil que (ainda?) se vale da arquitetura – 
não deve ser o único aspecto de representatividade do que seja o “sucesso” na profissão. Há uma necessidade premente 
de iluminar também uma outra face da arquitetura e do urbanismo, menos vistosa, menos evidente e menos festejada, mas 
cuja importância é fundamental para tirar a profissão do complexo impasse em que se encontra. 
Em outras palavras, cabe a questão: não seria hora de revermos nossos ideais de sucesso profissional, que no Brasil 
parecem reduzir a questão tão somente a uma arquitetura autoral – por vezes excelente – destinada quase que 
invariavelmente aos estratos sociais de alta renda? Pois, em que pesem exceções (1), não há como negar que é esse o 
perfil que aparece, nitidamente e majoritariamente, quando percorremos o que se considera a atual produção 
arquitetônica “de sucesso” no nosso país. O que fez um colega arquiteto europeu tecer-me o seguinte comentário, não 
isento de razão: “a arquitetura brasileira é fenomenal, mas aparece para nós como uma arquitetura apenas de casas 
chiques, e quando não, de prédios habitacionais e comerciais de luxo”. 
Esta espécie de endeusamento da arquitetura autoral de talento genial limita o horizonte de perspectivas dos nossos 
estudantes e lhes apresenta como única alternativa um mundo de alta competitividade, angustiante, no qual 
aparentemente alcançará o sucesso apenas um pequeno grupo de eleitos. 
Tal postura não é uma característica nossa, no Brasil, mas da arquitetura em geral. A glorificação de alguns grandes 
nomes da arquitetura mundial, que formam uma espécie de invejado jet-set da profissão, alimenta ainda mais o fenômeno. 
Curiosamente, grandes nomes da arquitetura nacional recentemente manifestaram publicamente seu temor face à “invasão” 
do nosso mercado por parte desses papas da profissão, quando na verdade essa é apenas a conseqüência de uma lógica que 
eles mesmos sempre ajudaram a alimentar. 
Além do mais, o festejo em torno da produção autoral, por natureza competitiva, acaba por esconder uma maioria de 
profissionais de escritórios, com produção significativa, que batalha arduamente para sobreviver dignamente com a 
profissão da arquitetura, mas que esse funil seletivo não colocou no olimpo dos “grandes arquitetos”. Por mais que se 
queira, a avaliação do que é digno ou não de estar nesse altar não tem como não carregar uma forte dose de 
subjetivismo. 
 
 
A alta competitividade e as poucas oportunidades de trabalho, decorrentes do tamanho reduzido do mercado formal da 
construção, associado ao grande número de profissionais (só na Grande São Paulo formam-se, provavelmente, mais de 1000 
arquitetos/ano) e ao desprestígio da profissão junto às construtoras, fazem com que a vida desses escritórios não seja 
propriamente fácil. Como me disse outro colega, “escritório de sucesso no Brasil é aquele que não fecha”, e manter 
financeiramente suas estruturas funcionais não é tarefa simples. Por isso, talvez, o alto grau de informalidade que 
marca a profissão, tanto para os arquitetos quanto para a mão-de-obra de construção contratada, e o uso abusivo de 
estudantes estagiários de arquitetura como mão-de-obra barata, que não é generalizado, mas bastante recorrente. 
Uma bem intencionada exposição de arquitetura realizada em 2010 em São Paulo, denominada “A boa arquitetura de uma 
geração” (2), levada aos alunos da FAU Mackenzie durante uma semana no saguão principal da escola, tinha como objetivo 
“estimular a reflexão sobre a importância do trabalho desenvolvido por um grupo de 18 profissionais”, arquitetos-
professores de renome nacional e mundial, e sem dúvida importantes representantes de uma geração que muito construiu e 
transformou as paisagens urbanas brasileiras nas últimas décadas do séc. XX (embora tal geração não se limite, 
evidentemente, a 18 arquitetos apenas). Ora, pela proposta da mostra, era de se esperar que “estimular a reflexão” 
para um público de estudantes significasse esmiuçar minimamente a volumosa produção desses arquitetos, além de 
procurar explicar em mais detalhes seus pensamentos. Porém, o que se apresentou resumiu-se a um painel com uma única 
foto de uma obra, um croqui autoral, e uma frase, paramentada por uma estilosa assinatura. Claro, pode-se argumentar 
que o intuito da mostra era apenas o de estimular os estudantes a pesquisar mais a produção dessa geração. Ainda 
assim, o que se sobressai da iniciativa acaba sendo, mais uma vez, o endeusamento da arquitetura autoral, de 18 
arquitetos eleitos, pela qual um croqui, uma frase e uma assinatura parecem bastar para explicar o que seja a boa 
arquitetura. 
O caminho não é esse, embora se possa entender que a geração em questão produziu em uma época em que o mercado da 
arquitetura, ainda muita limitado, podia talvez se resumir à produção de algumas dezenas de grandes profissionais. O 
problema está em reproduzir esse pensamento para as gerações futuras, cujo universo de atuação é completamente 
diferente, muito mais amplo, mais complexo, não cabendo mais apenas na prancheta de alguns grandes escritórios. Porém, 
nossos jovens continuam aprendendo que este é o modelo a seguir. 
Façamos uma verificação bastante simples: nas seis edições das duas mais importantes revistas de arquitetura do país, 
as revistas AU e Projeto, entre fevereiro e agosto de 2010, excetuando-se os números especiais sobre Brasília, dos 69 
projetos brasileiros apresentados (não foram somados os oito projetos internacionais), temos dezesseis de residências 
de alto padrão e 28 de estabelecimentos comerciais para o mercado de alta renda, ou seja 63% do total. Fogem à regra 
dois estabelecimentos industriais e, bom sinal, os 28 de edifícios públicos (museus, bibliotecas, escolas, estações, 
etc.). Prova de que ao menos os projetos institucionais de uso público ganharam espaço, e que os concursos para os 
mesmos aumentaram. Porém, vemos apenas quatro referências (projetos ou textos analíticos) a questões de urbanização, e 
somente um projeto – 0,1% do total! – de habitação “econômica”, aquela voltada à classe média-baixa. Não 
há nenhum projeto de habitação social (para renda abaixo de 3 salários-mínimos), nenhum projeto no âmbito do PAC 
Assentamentos Precários em andamento, nenhum projeto do Programa Minha Casa Minha Vida (MCMV), nenhum projeto de 
companhias públicas, de assessorias de mutirões. Esse “mundo” da habitação de interesse social, da informalidade 
urbana (generalizada), simplesmente parece não pertencer ao “mundo” da arquitetura. 
 
 
Em outras palavras, o universo em que se coloca a atuação do arquiteto no Brasil é fenomenalmente reducionista. Não 
seria hora de ampliá-lo? 
Não estaríamos, ao exacerbar cada vez mais o culto à atividade profissional autoral destinada à alta renda, correndo o 
risco de limitar perigosamente nosso campo de atuação a um mercado que é estruturalmente reduzido? Não estaríamos nos 
arriscando a repetir os erros do passado que levaramnossa profissão a se distanciar da realidade urbana brasileira, 
uma tragédia em que quase a metade da população sequer tem acesso à casa, quanto menos à arquitetura? 
Pois é disso que se trata: da constatação de que a arquitetura brasileira, não obstante seu inegável sucesso 
internacional, fracassou no seu papel social. É a única conclusão que se pode tirar ao olhar para um país onde, em 
média, 40% da população urbana vive precariamente, sem arquitetura nem urbanismo. Uma tragédia, que deveria tirar o 
sono dos arquitetos. A arquitetura e o urbanismo, quando vistos como uma profissão central na sociedade, que reflete e 
propõe a organização do território e do espaço construído, tem uma vocação indiscutivelmente transformadora. Porém, 
para além das boas obras de autores individuais, ela indiscutivelmente não foi capaz de sustentar uma urbanização 
decente no nosso país. 
Não bastasse seu fracasso na construção de cidades mais justas, também no universo da formalidade, da cidade legal, 
onde funciona o mercado imobiliário de maior capitalização – e, portanto, o mercado dos arquitetos – a arquitetura 
parece não ter mais muito o que falar. Apesar das expectativas colocadas sobre os ombros da nova geração de 
escritórios de arquitetura, parece que sua força para influenciar a produção em massa do mercado da construção nas 
nossas cidades é extremamente limitada. Na maior parte dos casos, a arquitetura parece ter-se reduzido a um formalismo 
de fachada, que escamoteia por trás da falsa polêmica dos estilos adotados (neoclássicos ou outras denominações) a 
negação de tudo aquilo que se aprende na faculdade como sendo a “boa arquitetura”. A arquitetura que impera é a da 
extrema verticalização capitaneada pelo mercado imobiliário, a transfigurar sem culpa bairros tradicionais, produzindo 
prédios isolados no lote, cercados e murados, que renegam a rua e a cidade. A opção desenfreada pelo modelo do 
automóvel em detrimento de sistemas de transporte coletivos – que a arquitetura endossa alegremente – alimenta a 
oferta generalizada de unidades habitacionais com às vezes mais de dez vagas de garagem (!), o que leva à 
impermeabilização total do solo, afetando sem parcimônia a drenagem urbana e o escoamento de águas. Os apartamentos 
oferecidos, por trás de algum estilo sedutor, estão cada vez menos generosos, mais apertados, menos ventilados, 
substituindo preciosos metros quadrados nas unidades habitacionais por espaços coletivos no térreo, bem mais 
econômicos (para as construtoras), sob o glamour das denominações da moda: espaços gourmets, fitness-centers, etc. A 
lógica de construir condomínios murados com equipamentos de lazer e até comércio, ao invés de se abrir para a cidade, 
produz uma malha urbana segmentada, pouco fluida, e que vai aos poucos aniquilando a possibilidade de espaços públicos 
de qualidade. Praças, jardins e árvores para que, se é possível ter tudo isso de maneira exclusiva, nas mini-cidades, 
ou cidadelas fortificadas, que se tornaram os condomínios? 
De quem é a culpa? 
Mas antes de aprofundar essa discussão, vale uma observação: não se trata aqui, de forma nenhuma, de “colocar a culpa” 
nos arquitetos de escritórios, menos ainda nas revistas de arquitetura. Não há nenhum problema – e é até muito 
positivo – que a produção arquitetônica de um país tenha uma grande participação de escritórios voltados ao mercado 
formal e de alta renda, com um enfoque mais autoral. 
O problema está em alimentar a ideia de que a arquitetura autoral “de sucesso” (por conseguir publicar projetos nas 
revistas), é a única faceta da profissão digna de destaque, “a” atividade de referência na arquitetura, e que o 
atendimento ao mercado de alto padrão é a únicaalternativa para trilhar um caminho profissional de reconhecimento e 
sucesso. 
Tal visão, além do mais, transforma o limitado mercado dos escritórios em um verdadeiro campo de caça de oportunidades 
rarefeitas. O predomínio do mercado imobiliário que pouco atenta para a arquitetura e a alta competitividade 
decorrente fazem com que mesmo no mundo dos escritórios, a vida não seja simples. É comum ver arquitetos com anos de 
experiência tendo, na prática, que pagar para trabalhar. Ou aceitando remunerações pífias para poder exercitar a 
arquitetura. Isso não pode estar certo, e alimenta ainda mais a necessidade de uma profunda revisão da percepção do 
que é o nosso universo profissional. 
Se a “culpa” desse desvio das expectativas em torno da profissão não é (somente) dos arquitetos e da imprensa, é 
porque esta é uma responsabilidade coletiva. A extrema centralização em torno de um único modelo profissional é apenas 
o reflexo de um processo social pelo qual a profissão da arquitetura colocou-se em uma posição de elitização e de 
afastamento da realidade urbana, como decorrência do longo período de autoritarismo e de políticas econômicas de 
extrema concentração da renda. A “culpa” é de cada um e de todos nós que reproduzimos ad infinitum essa lógica social 
elitista e segregadora em todas as instâncias econômicas, culturais e políticas e não só no âmbito 
urbano/arquitetônico. A culpa é de toda a sociedade que considera “cidade” apenas a cidade do mercado, a cidade 
oficial e formal. Que se recusa a enxergar o caos urbano e social, o apartheid assustador dos bairros que não são 
“nobres”. A “culpa” é dos governos, que atentam somente par essa cidade dos mais ricos, que insistem em políticas para 
eles apenas, por exemplo construindo mais viadutos, túneis e vias expressas exclusivas para os carros individuais em 
detrimento de investimentos públicos para toda a população. A “culpa” é também das universidades, que formam 
arquitetos orientados para uma única perspectiva profissional e alimentam o culto à arquitetura autoral; a culpa é das 
entidades representativas da classe, que pouco discutem a democratização da profissão, e assim por diante. 
É claro, se a culpa é de todos, por outro lado não se pode generalizar: há arquitetos “autorais” que tentam de todas 
as formas entrar no campo de atividades mais voltadas à democratização da cidade, mas se veem frente a muros 
intransponíveis de burocracias, fisiologismos e impedimentos de todos os tipos. Há arquitetos que fazem arquitetura 
social de qualidade há muitos anos, mas não conseguem furar a força do pensamento dominante que festeja outro tipo de 
arquitetura e desconsidera a moradia popular como um problema dos arquitetos. Há números especiais das revistas 
especializadas sobre habitação popular, embora raros, que mesmo que de forma efêmera, trazem o problema à tona como 
para lembrar que ele é sim, ou deveria ser, objeto da arquitetura. 
A questão é que tais atitudes não são nem maioria, nem fáceis, porque enfrentam um pensamento dominante que, seja 
conscientemente (o pior), seja simplesmente por inércia (o menos pior), reproduz e divulga permanentemente a visão da 
sociedade de elite, exclusivista e segregadora. Em suma, o Brasil é um país exacerbadamente elitizado, que precisa 
urgentemente começar a mudar essa situação. Suas cidades, que são o reflexo no espaço dessa sociedade desequilibrada, 
também precisam urgentemente mudar. 
Isso porque o Brasil está se transformando. Porém, paradoxalmente, o crescimento econômico, tão festejado, muitas 
vezes escamoteia o acirramento das tensões econômicas e sociais. Nas cidades, se não for controlado, o crescimento 
acelerado significa, também paradoxalmente, o aumento da destruição ambiental e dos problemas urbanos. Pois nosso 
modelo de urbanização, que se intensifica neste momento de euforia de crescimento, continua sendo o da 
impermeabilização das cidades, da verticalização excessiva e não regulamentada nem planejada, dos grandes condomínios 
fechados que renegam o espaço público e a cidade, dos investimentos viários em detrimento do transporte público de 
massa, dos sistemas de esgotamento e drenagem insuficientes, da ocupação descontrolada das periferias, e assimpor 
diante. 
O resultado desse modelo, estranhamente, ainda choca os brasileiros a cada ano, nas chuvas de verão, como se fossem 
novidade os desabamentos que tragicamente, mas invariavelmente, se repetem sem que nada seja verdadeiramente feito 
para evita-los. Nossas grandes cidades são poluídas, imobilizadas pelos congestionamentos, vulneráveis às enchentes, 
propícias à violência urbana pelo demasiado número de ruas ermas e isoladas por muros intermináveis de condomínios, 
espaços abandonados, praças esquecidas. Nossas cidades inspiram medo, elas são, por si só, uma violência. Como lhes 
falta aquilo que chamamos de “arquitetura e urbanismo”! 
 
Neste momento estratégico, em que parecemos alcançar a modernidade, mas talvez sem perceber que talvez as cidades 
implodam antes dela chegar, coloca-se uma dupla e antagônica possibilidade: a de, por um lado, descobrirmos uma nova 
forma de fazer cidades, ou por outro, de continuar a reproduzir e exacerbar cada vez mais o caminho da barbárie 
urbana. Os arquitetos – como classe profissional coesa e socialmente atuante – deveriam ter sim muito que opinar sobre 
o assunto. 
 
A arquitetura no novo mercado “econômico” brasileiro 
Alguns estudos recentes, dentre os quais se destacam os de Tânia Bacelar, da UFPE, de Maria da Encarnação Esposito, da 
Unesp, e também uma importante produção dos pesquisadores do IPEA, mostram que há uma mudança ocorrendo na equação das 
migrações internas e na conformação das redes de cidades, com um novo papel de protagonismo regional das cidades 
médias, cuja população e PIB crescem mais do que as outras cidades brasileiras, inclusive as metrópoles. Esse fenômeno 
se relaciona, ao que tudo indica, com o crescimento substancial da chamada classe C, que teria passado entre 2005 e 
2010, de 62,7 milhões para 92,8 milhões de pessoas, ou um aumento de 50% em cinco anos (3). Isso faz com que a 
produção do espaço edificado nessas cidades esteja, por sua vez, em franco aquecimento, sendo bastante focado ao 
atendimento das classes média e alta. 
Porém, o que se publica e se difunde sobre a arquitetura brasileira mostra uma preferência inegável para o que se faz 
nas grandes capitais, com ênfase para São Paulo e Rio de Janeiro, e com pouca visibilidade para uma eventual produção 
arquitetônica mais espraiada pelo conjunto do território e nas cidades médias e pequenas. Devemos crer que o mundo da 
arquitetura no Brasil não existe para além das fronteiras das nossas maiores metrópoles? 
A realidade que se expressa na atuação crescente dos organismos de representação de classe em regiões antes menos 
visíveis no cenário arquitetônico, mostra que sim, a atividade arquitetônica está em desenvolvimento, acompanhando o 
aquecimento do mercado e o crescimento das cidades médias. Porém, ela não está conseguindo colocar-se como um ator 
relevante nesse processo: quem acompanha o cenário da construção pode verificar o domínio do mercado imobiliário, com 
pouca ou nenhuma atenção para a arquitetura, transferindo para as cidades médias as mesmas metodologias “predadoras de 
cidade”, verticalizantes “a qualquer custo”, focadas sobretudo no lucro e não na perspectiva de uma alternativa urbana 
mais humana. É comum ver em cidades médias e pequenas a chegada da “modernidade” traduzida pelo simples aparecimento 
de prédios, de pobre arquitetura, que não estabelece relação com os processos construtivos, pouco adequada à nossa 
tradição e que busca ornamentação em elementos formais importados. Ao mesmo tempo, cidades do porte de Joinville ou 
Guarulhos tem menos de 20% de cobertura de esgoto, a canalização de córregos e a impermeabilização do solo continuam 
predominando, políticas para os automóveis em detrimento do transporte público são a regra, bairros exclusivos que 
segregam os mais pobres ainda ditam a conformação do espaço urbano. Em suma, reproduz-se pelo país o desastre urbano e 
ambiental que são nossas grandes cidades. E a arquitetura, como se coloca frente a isso? 
Nesse processo que se intensifica, e apesar do esforço louvável de cada vez mais gente, a arquitetura, 
tradicionalmente bastante menosprezada pelo mercado, tem visíveis dificuldades em impor um novo padrão qualitativo de 
reflexão sobre o urbano. Mas este não deveria ser um novo e fértil campo de debates, de posicionamentos e de 
possibilidades para a profissão, inspirando uma mobilização dos profissionais para a popularização de uma produção 
arquitetônica generalizada e profissionalmente organizada? Que não seja reprodutora, na escala das cidades menores, de 
uma dinâmica já gasta e um tanto omissa, limitada à opção entre a “não-arquitetura” do mercado imobiliário ou a 
elitizada arquitetura “de grife”, quando esta consegue a duras penas “furar” o mercado, mas acaba compactuando, mesmo 
que involuntariamente (mas nem sempre), com esse modelo? 
É importante entender que o aquecimento da produção imobiliária destinada às classes médias não surgiu do nada, mas 
decorre de algumas transformações econômicas recentes, nas quais em regra geral os arquitetos, aliás, também pouco se 
implicaram, enquanto uma categoria que deveria ter o que opinar sobre o assunto. Pode-se dizer, grosso modo, que tais 
mudanças começaram em 2006, com a modernização da legislação para o setor de investimentos imobiliários, destravando 
alguns gargalos históricos, e com decisões governamentais específicas que colocaram no mercado, somente naquele ano, 
cerca de R$ 8 bilhões para crédito imobiliário oriundos da poupança (4). Além disso, a Lei de Alienação Fiduciária, e 
a Lei de Incorporação Imobiliária (ou Lei de Patrimônio de Afetação), deram segurança ao mercado, que evidentemente se 
reaqueceu, atraindo inclusive investidores externos. Por fim, a queda na taxa de juros elevou sensivelmente a oferta 
de crédito imobiliário, embora esta ainda seja no Brasil extremamente tímida em relação aos patamares dos países 
desenvolvidos, dada a característica restritiva do nosso mercado, extremamente concentrador da renda. 
Em decorrência disso, o mercado imobiliário brasileiro iniciou pela primeira vez um importante movimento no sentido de 
ampliar sua produção para faixas de renda intermediária, já que a sua tradicional e quase que exclusiva faixa de 
atuação, a fatia AAA do mercado, de alta renda, tornara-se subitamente pequena para tanto crédito disponível. Muitas 
construtoras abriram então subsidiárias para atuar no que passaram a chamar de segmento “popular” ou “econômico”, 
embora ele esteja muito longe da população de baixa renda, mas se refira a uma mercado capaz de pagar entre R$ 80 mil 
e 120 mil por um imóvel residencial. 
No mesmo embalo, no ano de 2009, em resposta à crise econômica mundial, o Governo Federal lançou um programa inédito 
de financiamento habitacional, o Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV), com o ambicioso objetivo de produzir um 
milhão de casas. O programa tinha a intenção declarada de aquecer a atividade da construção civil, e por isso foi 
moldado para atender preferencialmente essas construtoras privadas do mercado “popular” (5). 
O volume de produção atual decorrente do programa é significativo. Pode-se dizer sem medo que o país há anos não via 
tal movimentação na construção civil, e nunca certamente tão maciçamente voltada a essas faixas de renda. Segundo 
alguns dados disponíveis, já são mais de 150 mil unidades habitacionais construídas. As obras contratadas ultrapassam 
as 500 mil unidades, repartidas entre as faixas de 0 a 3 salários-mínimos (cerca de 55%) e de 3 a 10 (os outros 45%). 
O que é novo é o fato de que uma boa parcela destas, cerca de 37% estão situadas na região Norte, uma proporção 
equivalente ao Sudeste, o que ratifica a desconcentração da produção que apontamos acima. Outro dado que corrobora a 
afirmação sobre o novo papel das cidades-médias é que nelas se localiza cerca de 25% dessa produção (6). 
O Programa Minha Casa Minha Vida dá às construtoras, como dito, um papelcentral: acima de 3 salários mínimos, são 
elas que incorporam, diretamente vinculadas à instituições financeiras privadas, que acessam os créditos do programa. 
Nas faixas de 0 a 3, as prefeituras passam a ter um papel importante, assim como a Caixa, já que são elas que definem 
os empreendimentos, eventualmente (ou muitas vezes) cedem a terra, e intermedeiam os empréstimos da Caixa. Mas mesmo 
neste caso são as construtoras as responsáveis pela construção dos conjuntos. E a observação empírica dessa produção 
mostra que mais uma vez estas não parecem lembrar-se – salvo poucas exceções – da existência e da importância dos 
arquitetos, em qualquer que seja a faixa de renda. A qualidade arquitetônica e urbanística não foi incorporada à 
produção desse mercado “popular” privado, dentro ou fora do âmbito do Minha Casa Minha Vida. O que se vê são conjuntos 
enormes, monótonos pela repetição infinita de tipos habitacionais, com um padrão construtivo de baixa qualidade 
arquitetônica. 
Um estudo realizado pelo LabHab-FAUUSP e pela Fundação Gerdau, ainda inédito, denominado “Produzir casas ou construir 
cidades: desafios para um novo Brasil urbano”, levantou o estarrecedor cenário do boom da construção civil ligado ao 
novo “segmento econômico”. Nele, mostramos que nos empreendimentos verticalizados, as construtoras optam por 
tipologias em “H” ou outras variações trazidas da habitação social da época do BNH, com a mesma pouca qualidade 
construtiva e arquitetônica, dando-lhes certo “glamour” de mercado, graças à utilização de cores permitidas pelos 
novos materiais de revestimento, ou ainda ao uso dos mesmos equipamentos que seduzem os empreendimentos de alto 
padrão: espaços gourmets, fitness centers e afins. Economizam-se preciosos metros quadrados em cada unidade, para em 
troca gastar uns trocados em um fogão ou algumas máquinas de ginástica; erguem-se muros com cercas elétricas, colocam-
se guaritas, tudo para criar um sentimento de ascensão social que dinamize as vendas. O questionável padrão 
urbanístico dos bairros ricos passou a servir de modelo na proliferação dos novos bairros de classe média. 
Assim, vendem-se apartamentos de menos de 50m² por cerca de 100 mil reais, dando à população que antes nunca 
imaginaria ter casa própria a realização de um sonho, a sensação de se estar vivendo “como os ricos”. O que poderia 
ser bom torna-se, porém, exageradamente caro, com um padrão estético mais do que questionável. Pior, a maioria das 
construtoras “carimba” um mesmo projeto indiscriminadamente em qualquer região, sem nenhuma preocupação com a 
adequação climática, topográfica, etc. 
os empreendimentos horizontais, geralmente situados em regiões menos urbanizadas ou nas periferias distantes das 
grandes metrópoles (pelo menor custo da terra), chama a atenção a reprodução infindável de casinhas de duas águas, 
aquelas que exemplificaram por décadas a má produção habitacional pública, agora realizada pelo setor privado (porém 
com importante financiamento público). Pouca variedade tipológica, nenhuma inventividade construtiva que possa alterar 
a sensação de repetição e de se morar em um pombal. Custa-se a acreditar que seja oferecida a alguém a compra de um 
imóvel idêntico às centenas de vizinhos, alguns a poucos metros da porta de entrada. Porém, nosso quadro habitacional 
ainda é tão dramático e o acesso à casa tão restrito que muitas vezes essa é, para o comprador, a realização de um 
sonho e a possibilidade de acesso à uma vida melhor, pela qual, aliás, paga-se bastante caro. Se ainda a questão fosse 
apenas a falta de diversidade e a mesmice do projeto, em uma excelente implantação, respeitosa do relevo, com praças e 
equipamentos, arborização abundante e facilidades de comércio, esse problema talvez impactasse menos. Porém, o que se 
vê é a opção por implantações com abuso de movimentação de terra (muito impactantes ambientalmente), ou em planícies 
infinitas e áridas, longe da cidade, com uso somente residencial, sem oferta de serviços nem de equipamentos em 
quantidade e qualidade necessárias e, é claro, sempre muradas. 
O programa Minha Casa Minha Vida também incentiva – ao menos no texto, porque na prática nada se concretizou – 
empreendimentos que proponham a reabilitação de edifícios vazios em áreas centrais. Uma rápida conta, já comprovada em 
vários exercícios de faculdade, mostra que os custos de compra e reabilitação desses edifícios cabem perfeitamente na 
equação de financiamento do programa, para faixas de renda entre 5 e 10 salários-mínimos. Uma proposta interessante se 
considerarmos que no Brasil há cerca de 5 milhões de unidades habitacionais vazias, para um déficit habitacional de 
cerca de 6 milhões, e mais ainda quando observamos que na Europa cerca de 50% da atividade da construção civil é de 
reforma e reabilitação. Lá, porém, desde o pós-guerra o mercado da construção, o que inclui os arquitetos, estabeleceu 
condições para que se desenvolvesse essa vertente importante da arquitetura e da construção. Uma vertente que envolve 
a participação dos arquitetos em questões de sustentabilidade, de adequação das técnicas construtivas, dos materiais, 
e assim por diante. E mais uma vez, pergunta-se: qual o nosso avanço nessa discussão? O mercado refuta 
sistematicamente a prática de retrofit alegando seu alto custo, os arquitetos pouco se importam com uma faceta da 
profissão que dá pouco retorno à obra autoral, mas que poderia ser socialmente muito transformadora. Eis mais um 
exemplo de campo de atuação a ser aberto, e ao qual a profissão mantém-se – salvo exceções, como sempre – afastada. 
A pergunta que nos cabe é a seguinte: onde está arquitetura em tudo isso? Para além da festejada arquitetura 
brasileira dos escritórios autorais, a profissão não deveria ser parte atuante na linha de frente desse processo de 
urbanização que assistimos? Exigindo a realização de projetos, a discussão de qualidade, incentivando novas 
tecnologias, a industrialização construtiva com qualidade, etc? Porém, temos que admitir que nossa profissão, até 
agora, está alienada disso tudo. Saudosos tempos, quando em 1963, o Seminário Nacional de Habitação e Reforma Urbana, 
contando com a participação de grandes arquitetos, fora capaz de pautar as políticas habitacionais e urbanas do país. 
Mas, hoje, o quadro é de uma profunda alienação às perspectivas desafiadoras que a atual conjuntura oferece, mesmo 
quando se trata de uma produção profissional de grande qualidade. Pior, a alternativa à boa arquitetura autoral é a da 
submissão aos ditames do mercado e seus imediatismos comerciais. Porém, mesmo a nossa escola “moderna”, supostamente 
herdeira e reprodutora da arquitetura “de qualidade”, talvez não tenha percebido o quanto se distanciou dos desafios 
que o próprio modernismo se colocou, quando do seu surgimento: o de responder à demanda maciça por moradias na Europa. 
Sérgio Ferro, em seu clássico artigo “Arquitetura Nova”, define a arquitetura moderna como aquela que mostre 
capacidade de levantar propostas para "o atendimento de um progresso esperado e de necessidade coletivas". A 
arquitetura deveria então adiantar-se ao porvir da sociedade, refletindo e oferecendo soluções arquitetônicas e 
construtivas que respondam ao cenário futuro. Pergunta-se: é isso que se vê em face da implosão construtiva que o 
Brasil vive? 
Não foi à toa, portanto, que o modernismo europeu já nos anos vinte, e posteriormente no Pós-Guerra, elegeria a 
habitação social como o principal desafio para mestres da arquitetura como May, Gropius, Le Corbusier e tantos outros. 
Não havia vergonha nem hesitação em colocar a profissão à frente da necessidade de produzir, em uma conjuntura 
econômica de construção do capitalismo industrial de consumo de massa e do bem-estar social, as moradias que tal 
momento demandava. "De Ledoux a Le Corbusier, são constantes as sugestões que avançam sobre tempo", aponta Ferro. O 
que pensariam esses mestres ao ver nonosso país, reconhecido internacionalmente por perpetuar o modernismo, a sua 
profissão alienada do desafio de responder a um déficit de seis milhões de moradias e a cidades com metade de sua 
população vivendo na informalidade? A arquitetura brasileira estaria acima de toda essa reflexão, para permitir-se 
ficar distante das transformações que o país passa? 
 
E a arquitetura na cidade informal? 
Pois se o mercado – entenda-se aquele setor da economia capaz de contratar os serviços de arquitetos – está se 
ampliando, mesmo que a arquitetura brasileira não pareça ter assimilado a importância do processo (que a indústria da 
construção civil e o mercado imobiliário, quanto a eles, já assimilaram), isso não quer dizer que tenhamos, na outra 
face da moeda, resolvido a tragédia estrutural das nossas cidades, resultante do próprio subdesenvolvimento. 
Florestan Fernandes defendia que o Brasil dá recorrentemente saltos “modernizantes” que nos levam a um novo patamar 
econômico sem que, entretanto, tenhamos superado com isso os desequilíbrios estruturais da etapa anterior. Porém, 
criam-se a cada salto “mitos da modernização”, que servem para legitimá-los, mesmo que, para ocorrer, tais avanços 
tenham que alimentar-se do aprofundamento do atraso e da miséria. Como mostrou o sociólogo Francisco de Oliveira, o 
moderno no Brasil alimenta-se do atraso, e assim parece ocorrer nas dinâmicas urbanas. O crescimento das cidades 
médias, a euforia do boom de urbanização, é uma pseudomodernidade que se alimenta da continuidade da urbanização 
desigual e socialmente segregadoras, que elegeu a não-democratização do solo urbano, a proliferação dos anti-
urbanísticos condomínios fechados de luxo, a verticalização de forte impacto ambiental, a opção preferencial pelo 
automóvel, ou ainda a periferização da pobreza como seus atributos principais. Muito embora, nas aparências, essa 
euforia do crescimento se alimente de “mitos modernizantes” como a Copa do Mundo, os Jogos Olímpicos, pontes 
estaiadas, escolas de dança e outras fontes luminosas, às vezes com projetos urbanos e arquitetônicos de grandes 
estrelas do jet-set internacional, muito vistosos como factoides eleitorais, mas pouco estruturantes da cidade e, 
sobretudo, raramente democráticos na sua concepção. As decisões de investimentos públicos nesses projetos são feitos 
em gabinetes, raramente com participação dos cidadãos, e as audiências públicas têm se tornado cada vez mais peças de 
teatro sem nenhum efeito. A falta de concursos públicos e a recorrência da prática de projetos urbanos e de 
equipamentos contratados por vias pouco claras ainda é, infelizmente, praxe, inclusive na maior cidade do país. 
Não podemos esquecer, portanto, que embora estejamos assistindo a uma ebulição no mercado imobiliário de classe média, 
nossas cidades ainda são, hoje em dia, caracterizadas pelas periferias auto-construídas e precárias. E nessas 
periferias, não há arquitetura, não há urbanismo. Como já dito, nesse aspecto nossa profissão, quando vista em seu 
conjunto e não na ação de alguns grupos tão batalhadores quanto minoritários – dentro do governo ou em pequenos 
escritórios –, deve aceitar seu absoluto fracasso. Mesmo que, na sua vertente autoral, sempre frequentasse as mais 
festejadas premiações internacionais. Mas como podemos falar em cidades “globalizadas”, por causa de seus prédios em 
alumínio e fachadas de vidro, em um país em que muitas delas, e das grandes, sequer têm metade da sua população 
servida por algo tão básico como o saneamento? 
Pergunta-se: esses desafios – o da construção de casas de qualidade para os que se amontoam em periferias auto-
construídas, o da urbanização dessas periferias com qualidade, integrando-as à cidade “que funciona”, o da 
estruturação de sistemas de mobilidade urbana democráticos e eficientes, o da provisão generalizada de saneamento 
ambiental – não deveriam ser os temas prioritários de discussão da arquitetura brasileira? 
Porém, a cidade informal ainda aparece mais do que tudo como um incômodo. Assim sentenciava já em 2001 a 
revista Veja (Edição 1684, de 24 de janeiro) ao estampar em sua capa um desenho em que um pequeno e colorido grupo de 
casas arborizadas e prédios “de arquitetos” (dentre os quais se reconhece o Copan e o Edifício Itália) aparecia 
envolto por uma massa cinzenta de casebres, sob um título bastante revelador: “O cerco da periferia: os bairros de 
classe média estão sendo espremidos por um cinturão de pobreza e criminalidade que cresce seis vezes mais que os 
centros das metrópoles brasileiras”. 
A seguir o raciocínio, restaria concluir que para desfazer-se dos pobres que, na terrível visão da revista, além de se 
reproduzirem demais, são também criminosos (pobreza e criminalidade aparecem na frase naturalmente associados), talvez 
o mais fácil fosse simplesmente mandar explodir a tal periferia. Tomando o cuidado, é claro, para não acabar com toda 
ela, pois senão quem iria servir e fazer funcionar a cidade formal colorida, verde, urbanizada e cheia de projetos 
arquitetônicos, e os que nela habitam por terem tido a sorte de nascer do “lado certo” da nossa sociedade cindida? 
Ninguém, porém, contestou o tamanho da monstruosidade estampada nessa capa. Nem mesmo os arquitetos, afinal, os 
principais envolvidos na discussão das cidades. 
Triste constatação de uma sociedade cujo “andar de cima” sequer se digna a assumir alguma responsabilidade sobre um 
desequilíbrio estrutural que está levando à implosão das nossas cidades. Muito pelo contrário, prefere culpar os 
pobres, por um cenário decorrente essencialmente de dois fenômenos: a histórica concentração da renda, por um lado, e 
a segregação sócio-territorial, por outro, que transpõe para o território os efeitos da desigualdade econômica. Se a 
primeira causa pode ser imputada a políticas econômicas mais amplas, a segunda, em compensação, é de responsabilidade 
dos arquitetos e urbanistas. 
Porém, ao invés de assistirmos a uma mobilização cidadã por parte de toda a classe de arquitetos-urbanistas para 
erradicar tais desequilíbrios urbanos, o que se vê são prefeituras criando rampas e bancos antimendigos, arrasando 
favelas ou construindo muros para segregá-las. O que se vê é um padrão urbano do “andar de cima” que preconiza 
condomínios fechados e o isolamento atrás de muros, guaritas e cercas eletrificadas. A tranquilidade e o bem-estar da 
família de classe-média brasileira está na busca de soluções que exacerbam a fratura social e estimulam uma 
fragmentação digna do apartheid sul-africano, e que só poderá gerar – se já não tiver gerado – a barbárie em nossas 
cidades. 
O curioso é que, no bojo de tantas transformações, hoje a arquitetura social, vinculada à produção pública, 
historicamente desprestigiada pela profissão, é quem está dando lições sobre como avançar no campo da produção de 
moradia para a população de baixa renda, oferecendo alternativas – embora ainda pontuais – de melhor qualidade do que 
o que produz o novo “mercado econômico” privado. Por mais incrível que pareça, em um país em que “habitação social” 
sempre remeteu ao horror dos conjuntos habitacionais do BNH, a arquitetura pública de interesse social hoje está muito 
à frente do mercado, embora ainda haja longo caminho a percorrer. 
Isto sem dúvida decorre da corajosa insistência e do know-how adquirido pelos pequenos grupos que, há anos, tentam 
avançar nessa área, seja de técnicos dentro das prefeituras – com todas as dificuldades impostas por uma máquina 
engessada para os objetivos sociais –, seja das chamadas “assessorias técnicas de mutirão”, que desde a constituição 
de 88 iniciaram um lento, mas sólido trabalho de reconstituição da prática da arquitetura para os menos favorecidos. A 
“arquitetura social”, normalmente tão desprestigiada pelos próprios pares na profissão (quantas vezes não ouvi colegas 
desaconselhando alunos a fazer projetos de habitação social por isso não ser “arquitetura”),hoje foi capaz de 
estabelecer um padrão de produção com muito mais qualidade do que está fazendo o novo “mercado econômico”. 
Em São Paulo, no final da década de 1980, a realização sistemática de concursos de arquitetura para habitação social 
provocou uma inflexão na qualidade dessa produção, graças à entrada em cena dos arquitetos. No Rio de Janeiro, o IAB 
local se destacava já nessa época por promover a discussão em torno da questão da habitação social, assim como cidades 
como Recife, Santo André, Diadema, ou Porto Alegre, que implementavam, antecipadamente até ao Estatuto da Cidade, a 
prática da urbanização de seus bairros precários. 
Assim, acumulou-se importante conhecimento, com inovações tecnológicas, como a introdução da alvenaria autoportante, 
da argamassa armada (que em alguns casos gerou até certa industrialização do processo construtivo, notadamente com as 
experiências de Lelé), do uso de estruturas metálicas. Os conjuntos Copromo, em Osasco-SP, ou União da Juta, em São 
Paulo, projetados pela assessoria Usina e ambos construídos em regime de mutirão com autogestão, através de convênios 
com a CDHU-SP, ainda na década de 1990, ou a produção da assessoria Cearah Periferia, na mesma década nas imediações 
de Fortaleza CE, são exemplos diversos e marcantes, entre muitos, dessa inflexão qualitativa, que todo aluno de 
arquitetura deveria conhecer, tanto quanto os projetos autorais nacionais ou internacionais que normalmente inundam 
seu repertório de estudos. 
 
É claro que algumas mudanças estruturais na política habitacional brasileira contribuíram para isso, como a criação do 
Ministério das Cidades e da Secretaria Nacional de Habitação, a aprovação do Estatuto da Cidade, a formação dos 
conselhos e fundos municipais, estaduais e federal de habitação, e assim por diante. Ainda assim, embora o Estatuto 
tenha dado condições para que os municípios implementassem instrumentos de combate ao déficit habitacional, à retenção 
especulativa da terra e à organização territorial segregadora, nossa sociedade – e nela, os arquitetos-urbanistas – 
ainda não soube, ou não quis, fazer frente ao desafio e hoje, passados quase dez anos, praticamente nenhum município 
do país aplicou de forma consistente, maciça e sistêmica um conjunto de instrumentos que tenha efetivamente alterado a 
equação da segregação sócio-espacial. 
Uma das dificuldades que se imputa recorrentemente ao Minha Casa Minha Vida vem, aliás, justamente dai: não adianta 
responsabilizar o programa por alavancar a ocupação de periferias distantes com mais e mais conjuntos habitacionais 
sofríveis, em razão do preço da terra mais barato, se a prerrogativa de gerir a ocupação do território é dos 
municípios e estes, desde 2001, pouco ou nada fizeram para aplicar os instrumentos do Estatuto da Cidade que poderiam, 
por exemplo, dar-lhes condições de fazer estoques de terra em áreas mais centrais para hoje destinar à habitação 
social no âmbito do Minha Casa Minha Vida. 
Mas se no campo do planejamento estamos ainda estagnados sobre o avanço que representou o Estatuto, no campo da 
arquitetura há avanços concretos, mesmo que ainda pouco expressivos quantitativamente. É inegável a melhoria de 
qualidade nos projetos da CDHU de São Paulo, por exemplo, que desenvolve importante discussão interna sobre a 
qualidade construtiva e arquitetônica. A CDHU, aliás, lançou em 2010 o “Habitação para todos”, importante concurso de 
tipologias para habitação social, que agora desenvolve para construir. O IAB-SP desde 2008 estabeleceu em sua 
premiação bi-anual a categoria “habitação de interesse social”, reconhecendo a importância da mesma para a profissão. 
O Rio de Janeiro destacou-se em 2011 por lançar o concurso “Morar Carioca”, para projetos de urbanização de favelas, o 
que a Prefeitura de São Paulo fez também, na sequencia. 
Aliás, é alentador que em todos estes concursos, houve uma numerosa e entusiasmada adesão dos escritórios de 
arquitetura, alguns até daquele promissor grupo citado no início deste texto. O que mostra que os arquitetos, mesmo 
aqueles preocupados com uma arquitetura de perfil mais autoral, são sensíveis a esses novos desafios impostos por 
nossa trágica realidade urbana. 
Com o advento do “PAC-Urbanização de assentamentos precários”, uma política pública federal enfrenta pela primeira vez 
de frente e maciçamente a questão da urbanização de favelas, como se vê no Rio, no Morro do Alemão. Em Manaus, um 
programa do Governo do Estado, o Prosamin, vem enfrentando também com certo sucesso e qualidade arquitetônica e urbana 
a situação precária dos igarapés da cidade. 
 
O avanço nesse campo da arquitetura deveria ser visto com atenção pela classe dos arquitetos-urbanistas, pois se trata 
justamente de uma mudança que não resultou da ação de um ou outro arquiteto, mas sim de uma mobilização institucional 
que envolveu governos, movimentos sociais, técnicos do funcionalismo público, e também evidentemente, engenheiros e 
arquitetos. Assim, vale o alerta: não se trata de fazer uma arquitetura autoral aplicada a situações de precariedade 
ou na periferia, acreditando que assim a “boa arquitetura” se generalizará. Mesmo porque, como já dito, foi a 
experiência acumulada por quem trabalha na área, à sombra do glamour da profissão, que está ditando os avanços que 
apontamos. Como diz a urbanista Erminia Maricato, o Brasil é hoje um dos países que mais exporta conhecimento na área 
da urbanização de assentamentos precários, porém o espaço que essa produção tem no nosso próprio meio acadêmico não só 
é mínimo, como desvalorizado. Prefere-se, de fato, buscar “soluções” de arquitetos e universidades de países centrais, 
que aportam por aqui com muita festa e com receitas que pouco se aplicam à nossa realidade. O que vem de fora é sempre 
melhor, assim dita a cultura das “idéias fora do lugar” tão acalentada por nossas elites. 
 
A questão, portanto, é repensar a forma de atuação do arquiteto, pois as demandas sociais podem mudar concepções de 
formas e conteúdos espaciais, e dar um novo sentido à profissão, em seu papel histórico. Há atualmente no Brasil uma 
nova lei, a da Assistência Técnica, que garante às famílias com renda de até 3 salários mínimos o direito à 
assistência técnica pública e gratuita para projeto, construção ou reforma de suas moradias, e com isso prevê a 
organização da atuação dos arquitetos, por parte das prefeituras, para atender de forma sistemática e organizada a 
demanda da cidade informal. Os arquitetos, entenda-se os IABs, as faculdades de arquitetura, os escritórios, deveriam 
estar completamente submergidos por este desafio (como vêm fazendo, vale observar, a Federação Nacional dos Arquitetos 
e os sindicatos estaduais) que representa uma enorme oportunidade de ampliação do mercado de atuação, sobretudo para 
nossos jovens recém-formados. 
O que dizer, então, da enorme oportunidade de mudança que se coloca com a próxima criação do CAU? Teremos um órgão que 
irá reproduzir, com alguma melhoria, as lógicas e preocupações historicamente sustentadas pelos CREAs, claramente 
voltadas quase que exclusivamente à regulação da prática profissional, ou aproveitaremos a oportunidade para repensar, 
de maneira tolerante, solidária e democrática, o papel da nossa profissão na construção do nosso país e fazer uma 
verdadeira refundação da arquitetura brasileira? 
Não é preciso insistir no quanto tal discussão é fundamental para nossos estudantes de arquitetura. Aqueles mesmos que 
se sentem angustiados em face de um mercado que às vezes lhes parece tão restrito e competitivo. Pois fica claro que a 
arquitetura e o urbanismo são formações complementares extremamente amplas. Cabe aos cursos de arquitetura promover 
essa aproximação com a realidade e, conseqüentemente, uma sensível ampliação do campo profissional. Um arquiteto que 
queira fazer frente aos desafios que o Brasil hoje lhe apresenta deve ser um bom projetista, sem dúvida, mas deveentender da história econômica e social da nossa formação nacional (para compreender as causas dos problemas que 
enfrentará), deve transitar pelo campo da legislação urbanística, deve conhecer aspectos básicos de engenharia 
ambiental, deve saber de economia urbana, e assim por diante. Deve tornar-se um cidadão, um ser político capaz de 
colocar-se ativamente nas discussões sobre nosso futuro, em especial no que diz respeito ao ambiente construído. Se 
recebessem tal formação, as perspectivas profissionais dos nossos recém-formados, não só em escritórios, mas em 
instituições públicas, governos, ONGs, tornar-se-iam muito mais instigantes e diversas. 
A arquitetura brasileira não pode conformar-se em apontar apenas dois caminhos: ou da arquitetura da “alta costura” 
(7) e grande qualidade, destinada ao mercado de alta renda, ou o da arquitetura “de mercado” conformada a uma 
mediocridade ditada pelos interesses imobiliários. O urbanismo brasileiro não pode continuar a ser reprodutor de 
práticas segregadoras e exclusivistas. O humorista norte-americano George Carlin dizia que o ímpeto ecológico de 
“salvar o planeta” tem um problema conceitual: a Terra, que já sobreviveu a movimentos tectônicos e cataclismas, 
estará muito bem por mais milhões e milhões de anos, mesmo que vire uma rocha desértica. Não serão alguns sacos 
plásticos e latas de alumínio que a farão desaparecer. Quem está em perigo, isto sim, somos nós, pois não 
sobreviveríamos ao desastre das nossas próprias ações. “Salvemos-nos”, deveria ser o slogan. Pois o raciocínio vale 
para nós, arquitetos e urbanistas: “salvem as cidades”, será essa a verdadeira preocupação? Nossas urbes podem 
sobreviver por anos, porém em um cenário à la Blade Runner, recortadas por muralhas eletrificadas, sem saneamento, com 
espaços públicos abandonados à própria sorte, milícias armadas a fazer a segurança. O que a Veja aponta como um cerco 
está se tornando a realidade; como lembra Ermínia Maricato, a pobreza urbana não é mais exceção, mas a regra. 
“Salvemo-nos a nos mesmos”, esse deveria ser o caminho para o novo Brasil urbano. E os arquitetos teriam muito o que 
dizer a respeito, caso se conscientizem que não podem, mais uma vez, deixar passar o bonde da história.

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