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A ASSISTÊNCIA SOCIAL E ATUAÇÃO DO PROFISSIONAL DE SERVIÇO SOCIAL: Os dilemas sob a era neoliberal Bruna Maria Costa Gomes 1 Flaviane da Rocha Félix 2 Juliana Oliveira Araujo 3 Miliane de Carvalho Pinheiro 4 Resumo Este artigo aborda os impactos da conjuntura neoliberal para a política de Assistência Social e visa tratar de modo mais específico sobre as transformações advindas da reestruturação produtiva que incidem na atuação profissional dos assistentes sociais inseridos nesta política social. Para tanto, foi realizada revisão bibliográfica de publicações que abordam a temática analisada. Diante do estudo, observou-se que a reestruturação produtiva acarretou profundas modificações nas intervenções estatais no que tange às políticas sociais, assim como no mundo do trabalho, de forma a impor desafios a prática profissional dos assistentes sociais na atualidade. Palavras-chaves: Assistência Social; Neoliberalismo; Reestruturação produtiva; Assistente Social. Abstract This article deals with the impacts of the neoliberal conjuncture for Social Assistance policy and aims to deal more specifically with the transformations resulting from the productive restructuring that affect the professional performance of social workers inserted in this social policy. For this purpose, a bibliographic review was carried out of publications that deal with the analyzed theme. In view of the study, it was observed that the productive restructuring brought about profound changes in state interventions in social policies, as well as in the world of work, in order to impose challenges on the professional practice of social workers today. Keywords: Social Assistance; Neoliberalism; Productive restructuring; Social Worker. 1 Estudante de Graduação. Universidade Estadual do Ceará (UECE). Bolsista do Programa de Educação Tutorial de Serviço Social (PETSS). Email: bruna.mcgomes96@gmail.com. 2 Estudante de Graduação. Universidade Estadual do Ceará (UECE). Bolsista do Programa de Educação Tutorial de Serviço Social (PETSS). Email: flavinharochas2@homail.com. 3 Estudante de Pós- Graduação. Universidade Federal do Ceará (UFC). Email. araujojuliana26@yahoo.com.br. 4 Estudante de Graduação. Universidade Estadual do Ceará (UECE). Bolsista do Programa de Educação Tutorial de Serviço Social (PETSS). Email: miliane.cpinheiro@gmail.com. I. INTRODUÇÃO As políticas sociais são resultantes de um processo social, econômico, histórico e político, e flui das orientações que uma sociedade estabelece quanto ao âmbito das responsabilidades – se públicas ou privadas – para prover a reprodução social (SPOSATI, 2007), sendo assim, analisar a política de Assistência Social requer situá-la no tempo e no espaço, e compreender em quais relações sociais e políticas se formula essa política no Brasil. Na década de 1980 lutas foram travadas no campo social e político, que culminaram na Constituição Federal de 1988, conhecida como Constituição Cidadã, que trouxe elementos importantes para a Seguridade Social, instituindo o tripé Saúde, Previdência e Assistência Social. Durante um largo período histórico a Assistência Social foi caracterizada como ação voluntária de ajuda, pertencente ao campo da caridade, da benemerência, da fraternidade, da filantropia e da solidariedade para com o mais pobre, que considerado como tal não acessa a assistência como direito, está “submerso numa ordem social que o desqualifica, num cotidiano marcado pela resistência, vai aí constituindo padrões mais gerais de sua identidade, sua consciência e representações” (YAZBEK, 2009, p. 77). As classes subalternas ao acessaram esses programas sociais são reiteradas as figuras de necessitado e desamparado. Outro fenômeno presente na constituição da política de Assistência Social refere-se ao apadrinhamento e clientelismo, formas enraizadas na cultura política do país, e que atingiram de forma negativa as pessoas que dela necessitam. No presente artigo busca-se traçar o caminho percorrido para a Assistência Social tornar-se política social, evidenciando os marcos regulatórios dessa política. Os avanços no campo social, sobretudo na década de 1980, foram atingidos pelo processo de reorganização do capital, que alterou significativamente o papel do Estado na garantia dos direitos sociais; e as relações de trabalho, os vínculos trabalhistas tornaram-se mais flexíveis, ficando os trabalhadores a mercê do crescente desemprego e de condições de trabalho precárias, o que aumenta o número de usuários da política de Assistência Social, questões que serão abordados nos tópicos iniciais deste artigo. Após a breve exposição sobre o percurso da política de Assistência Social e os rebatimentos trazidos pelo neoliberalismo, se destacará a intervenção do Assistente Social5 nessa política, como campo que historicamente abarca esses profissionais, tanto no 5 O assistente social é um profissional regulamentado na Lei 8.662/93, que atua diretamente na formulação e execução de políticas sociais, tendo na Assistência Social um de seus grandes campos de atuação. processo de formulação, como execução da Assistência Social. Observar-se-á os impactos da reestruturação produtiva no trabalho desenvolvido pelos assistentes sociais nessa política, expondo as precárias condições a que estão submetidos esses trabalhadores. A construção do presente artigo se deu por meio de levantamento bibliográfico no primeiro momento, que subsidiará a continuação da pesquisa. II. ASSISTÊNCIA SOCIAL: CARIDADE OU POLÍTICA PÚBLICA? A Assistência Social tem alcançado nos últimos anos um grande avanço no que se refere a ótica de compreensão a respeito do seu papel. O marco inicial dessa nova concepção trata-se da Constituição Federal de 1988, que a torna um direito universal, devendo esta ser garantida pelo Estado, juntamente as demais políticas que passam a compor o tripé da Seguridade Social, as quais correspondem a Saúde e a Previdência Social. Deve-se ressaltar que: A Constituição Federal de 1988 inaugurou novas perspectivas com: a unidade política de Assistência Social e não só federal; seu reconhecimento como dever de Estado no campo da seguridade social e não mais como política isolada a complementar a Previdência Social, com papel público pouco ou nada definido; o caráter de direito de cidadania e não mais de ajuda ou favor ocasional e emergencial; a organização, sob o princípio da descentralização e da participação, rompendo com a centralidade federal e a ausente democratização da sua gestão sob o âmbito governamental. (BRASIL, 2005, p.81) Também se constituem enquanto marcos da consolidação da Assistência Social, como Política Pública a Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS) de 1993, a implementação da Política Nacional de Assistência Social (PNAS) em 2004, que segundo Alves & Campos (2012), expressou a materialidade da assistência social, garantido a construção e implantação do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) em 2005 e posteriormente, da Norma Operacional Básica de Recursos Humanos (NOB-RH/SUAS) em 2006, que possibilitaram a normatização dos serviços e atendimentos. Tais elementos normativos compõem a trajetória desta no campo dos direitos, da universalização dos acessos e da responsabilização do Estado. Isso sem contar que, afirmam a importância do respeito à dignidade do cidadão, a supremacia do atendimento as necessidades sociais e a divulgação ampla dos benefícios, serviços e programas, a fim de potencializara participação da população nos projetos socioassistenciais. Desse modo, é possível apreender que, a Assistência sai do âmbito da caridade e passa a ser compreendida legalmente como Política Pública. De acordo com Alves & Campos (2012), a conceituação de assistência social como política pública não correspondia a realidade brasileira. Historicamente, esta conceituação da Assistência Social, enquanto política pública, não encontrava correspondente na realidade brasileira, porque, no Brasil, a trajetória dessa política não a identificava como estratégia consagradora de acesso regular ou como um direito social. Assistência Social foi durante muito tempo, sinônimo de caridade, dádiva, política de favor e assistencialismo. (ALVES; CAMPOS, 2012, p. 15) Com isso, pode-se compreender que a Política de Assistência Social se propõe a realizar-se de modo integrado às demais políticas públicas e setoriais, levando em consideração as desigualdades socioterritoriais, tendo como finalidade o seu enfrentamento, com a inclusão dos usuários no âmbito dos programas, projetos e serviços das Proteções Sociais Básica e Especial. Cabe destacar que a Proteção Social Básica (PSB) “[...] tem como objetivo prevenir situações de risco por meio do desenvolvimento de potencialidades e aquisições, e o fortalecimento de vínculos familiares e comunitários” (BRASIL, 2005, p. 33), possuindo como porta de entrada o Centro de Referência da Assistência Social (CRAS), que atua na promoção de programas, tais como o Programa de Atenção Integral às Famílias (PAIF), através da oferta de serviços, como o Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos (SCFV), e projetos, a fim de superar as condições de vulnerabilidade do público usuário. Já a Proteção Social Especial (PSE) é “[...] a modalidade de atendimento assistencial destinada a famílias e indivíduos que se encontram em situação de risco pessoal e social, por ocorrência de abandono, maus tratos físicos e, ou psíquicos, uso de substâncias psicoativas, cumprimento de medidas socioeducativas, situação de rua, situação de trabalho infantil, entre outras.” (ibid, p. 37). Esta é subdivida em Proteção Social Especial de Média Complexidade (PSE/ MC) e Proteção Social Especial de Alta Complexidade (PSE/ AC). A Média Complexidade oferece atendimento aos usuários que tiveram seus direitos violados, mas seus vínculos familiares ou comunitários não foram rompidos. O Centro de Referência Especializado da Assistência Social (CREAS) e o Centro de Referência Especializado para População em Situação de Rua (Centro Pop) compreendem a Média Complexidade. Assim, como a PSB possui como porta de entrada o CRAS, na PSE podemos tomar como tal o Centro de Referência Especializado da Assistência (CREAS), que atua na ressignificação dos vínculos familiares e/ ou comunitários que vieram a ser fragilizados em decorrência de situações de violação de direitos, por meio do desempenho de serviços, como o Serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e Indivíduos (PAEFI), o Serviço de Proteção Social aos (as) Adolescentes em Cumprimento de Medida Socioeducativa de Liberdade Assistida (LA) e/ou de Prestação de Serviços à Comunidade (PSC) e o Serviço Especializado em Abordagem Social (SEAS), além de projetos e programas, a exemplo do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI). No que se refere a Alta Complexidade pode - se dizer que se destina a atender os usuários que estão em situação de violação de direitos e rompimento de vínculos familiares e/ou comunitários, necessitando de proteção integral. Fazem parte desta: os Abrigos Institucionais, as Casas de Passagem, as Casas Lar, as Pousadas Sociais, entre outros. Diante do exposto, é possível observar que são notórios os avanços alcançados pela Assistência Social no Brasil, através da construção de uma nova concepção ao longo da sua trajetória, que busca romper com o seu caráter de filantropia, benemerência, favor, clientelismo e assistencialismo, passando esta a exercer o papel de objetivar a concessão de direitos universais, os quais devem ser garantidos pelo Estado. É de suma importância ressaltar que estes avanços foram impulsionados por árduas lutas e embates sociais que puderam dar visibilidade às expressões da questão social6 presentes na realidade brasileira, até então maquiadas pelo Estado e pelo Capital. Vale ressaltar que, a concreta efetivação da a Política Nacional de Assistência Social (PNAS) está diretamente ligada à superação do seu viés individualista, a fim de alcançar o coletivo, por meio de ações que possibilitem a organização dos usuários, para que estes se reconheçam enquanto sujeitos de direitos (ANDRADE; BRITO, 2012). É preciso democratizar a assistência social, já que esta propõe atender as necessidades da população, partindo do princípio que: “democratizar a gestão da Assistência Social significa estudar, discutir, debater, juntos, sociedade civil e governo [...] buscando soluções duradouras que beneficiem o coletivo.” (ibid, p. 35). 6 A concepção de “questão social” utilizada neste artigo trata-se da associação daquela com a relação exploratória do capital/trabalho. É desta relação que se resulta as expressões da “questão social”, e é partir delas que se forma uma arena de lutas sociais na busca de respostas às desigualdades sociais. Segundo Iamamoto (2014) foram as lutas sociais que romperam o domínio privado nas relações capital/trabalho, levando a “questão social” à esfera pública, requisitando do Estado reconhecimento e legalização dos direitos e deveres dos sujeitos envolvidos. Entretanto, tem-se que, atualmente, esta política ainda possui alguns desafios postos a sua concretização, dentre estes a dificuldade de estabelecer-se enquanto direito social no imaginário da população, além de se fazer clara quanto ao seu trabalho e atribuições, que possuem uma operacionalização recente. O desconhecimento acerca dos direitos sociais por parte da sociedade civil, aliado a desresponsabilização do Estado no que tange a efetivação das políticas públicas, em um contexto de neoliberalismo7, constituem o bojo dos obstáculos presentes na trajetória da Assistência Social. II.I As consequências do neoliberalismo para a política de Assistência Social Na década de 1990 inicia-se no Brasil o processo de espraiamento das ideias neoliberais que surgiram como uma possibilidade de superar a crise vivenciada pelo país, tais pensamentos permanecem sendo difundidos na contemporaneidade. A política macroeconômica e ideológica disseminada pelos princípios do neoliberalismo tem operado diretamente no retrocesso dos direitos sociais estabelecidos legalmente na Constituição Federal de 1988. O neoliberalismo passou a utilizar o discurso de modernização do Estado, o que significou a sua reestruturação, promovendo a ideia da incapacidade do Estado em manter os direitos sociais, transferindo ao mercado e à sociedade civil a responsabilidade de fornecer e adquirir os mesmos. Nessa conjuntura, segundo Mestriner (2008), a Política de Assistência Social que há pouco tempo havia sido estabelecida como política pública no país passa a enfrentar a reiteração das práticas históricas, ou seja, o retorno das práticas filantrópicas e de benemerência. De acordo com Mestriner (2008), assistência, filantropia e benemerência vêm sendo tratadas no Brasil como irmãs siamesas, de modo que uma se torna sinônimo da outra. No entanto, a autora busca traçar uma reflexão a fim de diferenciá-las. Define filantropia como amor do homem pelo homem, ação de humanidade, sentimento de preocupação com o bem-estarcoletivo, situando-se no campo moral, filosófico, não jurídico. Discorre que a Igreja Católica lhe denota o sentido de caridade e benemerência, no entanto a filantropia se diferencia, pois, possui certa racionalidade, chegando a representar uma escola social positiva, sendo entendida também como a concepção laica de caridade. Nesse 7 O neoliberalismo não pode ser tratado apenas “como se fosse uma reforma política e técnica, não econômica, que nada teria a ver com as relações de produção, com os interesses de classes, com a reestruturação produtiva, com a política macroeconômica” (MONTAÑO; DURIGUETTO, 2011, p 193). Sob a ideologia neoliberal, o Estado deve intervir minimamente na garantia dos direitos sociais e políticos, sendo, porém, máximo ao capital. sentido, a benemerência é compreendida como bondade, ação do dom que se efetiva a partir da ajuda ao outro, podendo ser institucionalizada em obras como asilos, abrigos e orfanatos. Já a Assistência Social, além de demarcar um campo de ação que é o social, institucionaliza uma prática, desenvolve racionalidade e conhecimento. Constitui-se por um conjunto de ações desempenhadas para suprir ou prevenir necessidades de grupos ou indivíduos no que se refere a formas de sobrevivência, convivência ou autonomia social, a partir de métodos próprios. (MESTRINER, 2008) Cabe destacar ainda, que após a Constituição de 1988, a Assistência Social passa a compor o tripé da Seguridade Social, juntamente com as políticas de Saúde e Previdência Social. Em relação a Seguridade Social, Elizabete Mota (2008) chama a atenção para o fato da centralidade que passa a ser incumbida à Política de Assistência Social, na atualidade, diante da conjuntura de reformas e mercantilização das políticas de previdência social e saúde. Nesse contexto, a Assistência social é a política de Seguridade Social que passa a ser a encarregada de “enfrentar” a pobreza e as desigualdades sociais do país. As classes dominantes atribuem o status de “salvadora da pátria” a uma política que deveria ser implementada concomitante e/ou integrada às demais políticas sociais. Portanto, as demandas da classe trabalhadora são por ora transformadas em mercadoria ou em ações compensatórias do Estado e “[...] a assistência está assumindo um papel na esfera da proteção social que termina por suprir necessidades que seriam do âmbito de outras políticas [...]”. (MOTA, 2008, p. 144) A desarticulação entre as políticas de Seguridade Social apresenta-se como um obstáculo direto para a consolidação dos direitos. É nessa conjuntura que o grande capital fragmenta as demandas sociais da classe trabalhadora e naturaliza o contexto de desigualdades sociais decorrentes da relação capital-trabalho. Deste modo, sendo a Política de Assistência Social ainda dificilmente percebida pelos usuários como um direito social, muitas vezes, é utilizada para garantir o poder e a hegemonia do capital. Adiante, abordara- se a intervenção do assistente social nessa política, expondo os desafios e limites dentro de uma conjuntura de desregulamentação dos direitos sociais. III. A REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA E SUAS IMPLICAÇÕES NA ATUAÇÃO PROFISSIONAL DO ASSISTENTE SOCIAL A execução da política de Assistência Social é realizada por diversos profissionais, dentre esses se destaca o assistente social – esta política social se constitui como campo historicamente marcado pela presença desse profissional, seja na elaboração e/ou execução da política. Com os processos desencadeados na década de 1970, de reestruturação produtiva8 e neoliberalismo, que foram impulsionados no Brasil a partir da década de 1990, as condições de vida da classe trabalhadora foram afetadas de forma negativa. A precarização do trabalho e a contra- reforma do Estado – no que se refere à redução dos gastos sociais e à liberalização das fronteiras para o capital –, são consequências dessas transformações que acabam por provocar impactos nas políticas sociais e na garantia de direitos. Quando se observa as novas configurações que emergiram no mundo do trabalho, percebe-se que os meios de trabalho9 e as formas de trabalho foram modificados. Esse novo sistema incorporou novas tecnologias e gerou novos métodos com profundas alterações nos padrões de uso e gestão da força de trabalho e nos processos técnicos de trabalho com grandes mudanças no mercado de trabalho e novas formas de contratação, com uma radical reestruturação, sendo que uma das consequências principais é a precarização do trabalho. (SERRA, 2008, p. 33) Tais alterações incidem na desregulamentação das leis e direitos trabalhistas o que acaba por atingir todos os níveis profissionais, inclusive os profissionais de nível superior considerados profissionais especializados. Tendo como substrato da reestruturação produtiva a precarização do trabalho e sendo o trabalho a forma central de subsistência, essa nova configuração do mundo do trabalho acentuou as desigualdades sociais de forma a intensificar as expressões da questão social. Em consonância com essa realidade o assistente social enquanto profissional assalariado e tendo como objeto de trabalho o cotidiano no qual pairam as mazelas advindas da questão social, encontra uma dupla tensão no tocante a realização de sua prática profissional. 8 A reestruturação produtiva modifica significativamente os elementos de controle na produção sobre os trabalhadores. De acordo com Alves (2005), na etapa de mundialização do capital se desenvolve o “complexo de reestruturação produtiva”, que traz impactos estruturais para o mundo do trabalho, tanto no aspecto objetivo, com a precarização das condições de salário e emprego; como na dimensão subjetiva, da consciência de classe. 9 Para Marx (1982), meio de trabalho é uma coisa ou um complexo de coisas que o operário interpõe entre si e o objeto de trabalho e que lhe servem de guia da sua atividade sobre este objeto. Enquanto classe trabalhadora inserida na sociedade capitalista, o assistente social, profissional desta, comunga da mesma situação em que se encontram as demais categorias trabalhistas no tocante a precarização das condições de trabalho. O que se observa no âmbito dos profissionais de Serviço Social são contratos temporários e sem garantias trabalhistas, terceirização, intensificação das jornadas de trabalho em detrimento do quadro de técnicos reduzido, rebaixamento dos salários e por muitas vezes problemas estruturais que comprometem sua atuação nos “espaços sócio- ocupacionais”. A título de exemplificação, no que tange os vínculos empregatícios e as formas de contratação na Política de Assistência Social, de acordo com a Pesquisa Munic - IBGE 2013, 37,2 % dos recursos humanos era composto por servidores estatutários, 35, 8% por pessoas sem vínculo permanente, 16,6%, cargos comissionado, 7,0%, de servidores regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho - CLT e a menor porcentagem, 3,4%, de estagiários. A Região Nordeste concentrava o maior percentual de pessoas sem vínculo permanente, com 52,5%. O estado Ceará também contava com uma quantidade expressiva nesse quadro, com 54,1%, sendo quinto Estado da região com maior número. Outra dificuldade enfrentada pelos assistentes sociais é o enxugamento das políticas sociais. Com base na perspectiva neoliberal de desregulamentação do Estado e redução da intervenção social por parte deste, as políticas sociais foram reorganizadas e concebidas como nos primórdios da Assistência Social, com um ideário compensatório e um caráter de ajuda, sendo ainda focalizadas e restritivas,o que vem a ser um agravante na atuação já comprometida do assistente social. Diante disso, ainda que o assistente social disponha de uma relativa autonomia técnico-profissional e ética na realização de seu trabalho, os organismos institucionais, sejam públicos ou privados, estabelecem metas, definem as relações de trabalho e suas condições, como jornada, salário, intensidade, formas de contratação. Ou seja, as atividades desenvolvidas pelo profissional são permeadas pelas demandas, necessidades e lutas dos usuários, em contrapartida aos interesses e relações de poder contidos nos seus espaços de trabalho. É nesse terreno de tensões e contradições que o profissional tem atuado (IAMAMOTO, 2012). Observa-se que o trabalho do assistente social na Assistência Social se dá de forma cada vez mais aliado aos princípios de eficiência e eficácia, através, por exemplo, do estabelecimento do número de famílias a serem atendidas, o que se contrapõe a quantidade de recursos humanos para o atendimento da demanda, há também o aumento de atividades desenvolvidas por profissionais e do uso de formulários eletrônicos (PAZ, 2015), o que requer que estes profissionais sejam polivalentes e proativos, a fim de atender as necessidades do capital. Este contexto, “provoca a redução da dimensão reflexiva do exercício do profissional, promovendo ações pragmáticas, e reduzindo a autonomia do assistente social” (ibid, p. 8). Nessa conjuntura, a atuação qualificada e comprometida com a materialização do Projeto Ético Político assumida pelos assistentes sociais encontra grandes dificuldades de efetivação, uma vez que, a reestruturação produtiva descrita acima tem rebatimentos subjetivos e objetivos no cotidiano desses profissionais. De um lado podem-se constatar as condições de trabalho bastante precarizadas, no tocante aos salários e formas de contratação, de outro as condições objetivas ofertadas nos espaços sócio-ocupacionais para a realização de sua atividade profissional não oferecem sequer uma infraestrutura adequada. Por conta disso, Iamamoto (2012) argumenta que o desafio maior da categoria profissional diante do cenário atual é traduzir o Projeto Ético Político de maneira efetiva diante das condições em que se realiza o trabalho do assistente social. Diante dessa conjuntura de retrocessos sociais, desmonte de políticas públicas, precarização das condições de trabalho dos assistentes sociais e de seus usuários, de forma a intensificar suas demandas de atendimento, os assistentes sociais encontram-se tensionados a fugir de uma prática emancipatória e comprometida com seu projeto ético político e cair no pragmatismo do cotidiano. Para Guerra (2005b, p. 25) “[...] corre-se o risco de um retrocesso da profissão às suas origens, de operarmos uma redução psicologista do projeto profissional”. Desta forma, se faz necessária ao assistente social a manutenção de uma postura profissional crítica como forma de enfrentamento a essa possibilidade de retrocesso. IV. CONCLUSÃO Foi possível perceber que nos últimos anos a Assistência Social tem obtido avanços, possuindo como ponto de partida a Constituição de 1988, que a institui como política pública constituinte do tripé da Seguridade Social, juntamente com as políticas de Saúde e Previdência Social. Entretanto, o retrocesso que se instaura na atualidade, tomando como exemplo a flexibilização dos direitos trabalhistas e a precarização do trabalho, resultantes da reestruturação produtiva, ameaça os direitos até então legitimados na Constituição Federal. Além disso, a falta de uma identidade consolidada da política como direito diante da sociedade civil, que historicamente tem compreendido a Assistência Social como caridade, favor e benemerência, dificulta não só a sua legitimação como também o engajamento civil nas lutas sociais desse campo. O desmonte das políticas sociais com a regressão da responsabilização do Estado perante os direitos sociais, é outro fator que ameaça a legitimidade da Assistência Social. Nesse sentido, o assistente social, sendo um dos profissionais formuladores e executores desta política, tem o papel de informar a população sobre os seus direitos, viabilizando o acesso aos usuários. Entretanto, esta categoria vem sendo submetida a condições de trabalho precárias o que acaba por estabelecer limites à atuação profissional qualificada e comprometida com o Projeto Ético Político da profissão. Diante disso, ressalta-se a necessidade da melhoria das condições de trabalho na política de Assistência Social. Destaca-se, portanto, a importância da realização de concursos públicos, incentivos à capacitação dos trabalhadores e o planejamento estratégico da atuação profissional, a fim de possibilitar condições de trabalho dignas aos profissionais e melhorias gradativas no desempenho das instituições, ampliando assim, a possibilidade de garantia de direitos dos usuários desta política pública. REFERÊNCIAS ALVES, Maria Elaene Rodrigues; CAMPOS, Irenice de Oliveira. Fortaleza, de um desejo a um direito de cidade: A construção da Assistência Social como política de direito. In: ALBUQUERQUE, Cynthia Stuart. ALVES, Maria Elaene Rodrigues (Orgs). Assistência Social em Fortaleza: Uma Política em Construção. Fortaleza: SEMAS/PMF/EdUECE: 2012. ANDRADE, Maria Derleide; BRITO, Danielle Cláudio de. Controle Social na Assistência Social: A construção da Assistência Social como política de direito. In: ALBUQUERQUE, Cynthia Stuart. ALVES, Maria Elaene Rodrigues (Orgs). 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