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Pergunte e responda 5.1 Como a percepção emerge da sensação? 174 5.2 Como conseguimos enxergar? 182 5.3 Como conseguimos ouvir? 198 5.4 Como conseguimos sentir o gosto? 204 5.5 Como conseguimos sentir o cheiro? 208 5.6 Como conseguimos sentir o toque e a dor? 210 Sensação e percepção 5 WILLIAM (NOME FALSO) ODEIA DIRIGIR porque sua percepção dos sinais da estrada tem o sabor de uma mistura de sorvete de pistache e cera de ouvido (McNeil, 2006). Esse tipo de experiência – como quando uma imagem visual tem sabor – é chamado sinestesia. Para outra pessoa com sinestesia, M. M., qualquer nome pessoal tem um sabor específico. Exemplificando, o nome John tem gosto de pão de milho (Simner et al., 2006). Para outra pessoa ainda, cada dia da sema- na tem uma cor (segunda-feira é vermelho, terça-feira é azul-índigo), assim como cada mês do ano (dezembro é amarelo, janeiro é vermelho; Ramachandran, 2003). Para outros com sinestesia, as cores evocam cheiros, as imagens evocam sons e os números são acompanhados de cores (p. ex., 5 sempre é vermelho, 2 sempre é verde; FIG. 5.1). Para cada pessoa, a associação é invariável – se os sinais na estrada têm gosto, por exemplo, esse gosto é sempre o mesmo. Os relatos de pessoas com sinestesia datam da Grécia Antiga (Ferry, 2002). As esti- mativas do percentual da população que relata essas experiências transensoriais variam de 1 em 2.000 a 1 em 200. Como podemos entender essas sensações bizarras? Essas experiências são reais? O neurologista V. S. Ramachandran conduziu uma série de experimentos para melhor compreender o que acontece quando alguém relata, por exemplo, que um som tem cor verde-limão ou que frango tem gosto agudo (Ramachan- dran & Hubbard, 2001). Como a área cerebral envolvida na visão das cores está próxima daquela envolvida na compreensão dos números, ele supôs que, em pessoas com sinestesia de cor/número, essas duas áreas cerebrais estão algo conectadas. Nessa situação, uma área poderia ter adotado o papel da outra. Para testar essa hipótese, Ramachandran examinou imagens cerebrais obtidas de pessoas com sinestesia quando olhavam para números escritos em preto contra um fundo branco. Ramachandran encontrou evidência de atividade neural na área central responsável pela visão colorida. Os participantes-controle sem sinestesia não apresentaram atividade nessa área cerebral ao olhar os mesmos números. Ramachandran sugere que a sinestesia poderia levar à criatividade. Se os cérebros de pessoas com sinestesia fossem ligados por um fio para conectar tó- 174 Ciência psicológica picos aparentemente não relacionados, então a habilidade de fazer asso- ciações incomuns pode ser parte de sua criatividade. Como exemplo, Ra- machandran e Hubbard (2003) nos pedem para considerar uma frase de Shakespeare: “É o Leste e Julieta é o Sol”. A comparação de Julieta com o Sol é uma metáfora, mas qual é a sua origem? A associação de uma mulher com uma luz brilhante é semelhante a uma experiência sinestési- ca. De fato, esses autores concluem que as pessoas criativas vivenciam uma incidência maior de sinestesia do que as pessoas não criativas. Embora a sinestesia seja uma condição rara, mostra que não há correspondência perfeita entre o mundo físico e a nossa experiência dele. Algumas regiões cerebrais atuam juntas para converter a informa- ção física oriunda do ambiente (ondas de som e luz, compostos quími- cos, temperatura do ar, pressão física e assim por diante) em formas significativas, como o aroma de um dia de primavera, a sensação de segurar as mãos e a visão de alguém que amamos. Para aqueles com sinestesia, uma parte da informação que chega é misturada. Entretan- to, para a maioria das pessoas, os mecanismos cerebrais envolvidos na sensação e percepção fornecem informação que é adaptativa para a vida no mundo físico. Este capítulo discutirá o modo como vários tipos de estímulos são detec- tados, como o cérebro constrói informação útil sobre o mundo com base no que foi detectado e como usamos essa informação construída para nos guiar- mos pelo mundo que nos cerca. Uma importante lição contida neste capítulo é que nossas sensação e percepção do mundo não funcionam como uma câme- ra ou gravador digital, capturando fiel e passivamente as propriedades físicas dos estímulos que encontramos. Em vez disso, a nossa experiência do mundo (aquilo que vemos, ouvimos, saboreamos, cheiramos ou tocamos) resulta dos processos cerebrais que constroem ativamente as experiências perceptivas a partir da informação sensorial. Essa conversão constante da sensação em per- cepção permite a nossa adaptação aos detalhes dos nossos ambientes físicos. 5.1 Como a percepção emerge da sensação? Imagine que você tenha esguichado acidentalmente suco de toranja em seu rosto. O que as suas sensações lhe dizem? Você sente um cheiro forte, sente a umidade fria em sua pele e experimenta um gosto intenso em sua língua. Os seus sistemas senso- riais detectaram essas características do suco. Esse processo é a sensação. A sensação consiste na detecção de estímulos físicos e transmissão dessa infor- mação ao cérebro. Os estímulos físicos podem ser ondas de som ou luz, moléculas de alimento ou odor, ou alterações de temperatura e pressão. A sensação é a experiência básica desses estímulos. Não envolve a interpretação daquilo que experimentamos. A percepção consiste no processamento, na organização e na interpretação adi- cional da informação sensorial. A percepção resulta em nossa experiência consciente do mundo. Embora a essência da sensação seja a detecção, a essência da percepção é a construção de informação útil e significativa sobre uma sensação em particular. Exemplificando, ao receber um esguicho no rosto, você associa as sensações (cheiro forte, sensação úmida e gosto acentuado) com a percepção do suco de toranja. Digamos que você esteja diante de um semáforo e a luz verde se acende. Essa luz é detectada por neurônios especializados existentes no olho, os quais transmitem sinais ao seu cérebro. Como resultado dessas etapas, você tem a sensação da energia FIGURA 5.1 Sinestesia. Esta figura é uma representação artística das as- sociações de cor/letra e cor/número para uma pessoa com sinestesia. Objetivos de aprendizagem � Distinguir entre sensação e percepção. � Descrever como a informação secundária é traduzida em estímulos significativos. � Explicar o conceito de limiar. Distinguir entre limiar absoluto e limiar de diferença. � Explicar como os limiares estão relacionados à detecção de sinal e à adaptação sensorial. Sensação A detecção de estímulos externos e a transmissão dessa informação para o cérebro. Percepção O processamento, a organização e a interpretação de sinais sensoriais. Capítulo 5 Sensação e percepção 175 (luz). Quando o seu cérebro processa os sinais neurais resultantes, você tem a expe- riência da luz verde e registra o significado dessa luz (Siga!). Como resultado dessas etapas adicionais, você percebe a luz e o sinal. (O movimento básico da sensação à percepção é representado na FIG. 5.2.) A sensação e a percepção estão integradas na experiência. Ao mesmo tempo, a experiência guia a sensação e a percepção. Em outras palavras, o processamento da informação sensorial é uma via de mão dupla. O processamento de baixo para cima é baseado nas características físicas do estímulo. Você reconhece um jorro de suco de toranja com base em sua experiência do cheiro forte, da umidade fria e do sabor acentuado. O processamento de cima para baixo é o modo como o conhecimento, as expectativas ou as experiências passadas moldam a interpretação da informação sensorial. Ou seja, o contexto afeta a percepção: aquilo que esperamos ver (nível su- perior) influencia aquilo que percebemos (nível inferior). É improvável que enxergue- mos um objeto azul com forma de maçã como uma maçã verdadeira, pois sabemos por experiência anterior que as maçãs não são azuis.Considere as letras incompletas mostradas na FIGURA 5.3. O mesmo formato aparece no centro de cada palavra, mas você o percebe (nível inferior) primeiro como um “H” e, em seguida, como um “A”. A sua percepção depende de qual interpretação faz sentido no contexto da palavra em particular (nível superior). Do mesmo modo, é possível ler V0C3 N4O T3M D1F1CULD4D3 P4R4 L3R 1550, mesmo que não tenha sentido. A habilidade de dar sentido aos estímulos “incorretos” por meio do processa- mento de cima para baixo faz com que a revisão daquilo que nós mesmos escrevemos possa ser muito difícil. A informação sensorial é traduzida em sinais com significado Os nossos sistemas sensoriais traduzem as propriedades físicas dos estímulos em padrões de impulsos neurais. Esse processo é chamado codificação sensorial. As diferentes características do ambiente físico são codificadas pela atividade em dife- rentes neurônios. Exemplificando, a luz verde do semáforo será codificada por um padrão de resposta neural particular em parte do olho antes de ser lida pelas áreas cerebrais envolvidas na percepção da informação visual. Quando uma mão toca uma frigideira quente, os neurônios presentes na mão e no cérebro sinalizam a dor. O cérebro não pode processar diretamente os estímulos físicos, por isso eles devem ser traduzidos em sinais que o órgão pode interpretar. A tradução dos estímulos é chamada transdução. Esse processo envolve célu- las especializadas nos órgãos do sentido, chamadas receptores sensoriais. Os receptores sensoriais recebem estimulação física (no caso da visão, da audição e do toque) ou química (sabor e odor) e transmitem os impulsos resultantes ao cérebro, na forma de impulsos neurais. A maior parte da informação sensorial segue primeiro para o tálamo, uma estrutura localizada no meio do cérebro (ver Fig. 3.24). Os neurônios no tálamo enviam a informação ao córtex cerebral, Estímulo Exemplo: uma luz verde emite propriedades físicas na forma de fótons (ondas luminosas). Sensação Receptores sensoriais nos olhos do motorista detectam o estímulo. Codificação sensorial O estímulo é transduzido (traduzido em sinais elétricos que são transmitidos para o cérebro). Percepção O cérebro do motorista processa os sinais neurais e constrói uma representação da luz verde à frente. O cérebro interpreta a representação da luz como um sinal para continuar dirigindo. 1 2 3 4 FIGURA 5.2 Da sensação à percepção. Processamento de baixo para cima A percepção baseada nas características físicas do estímulo. Processamento de cima para baixo Como o conhecimento, as expectativas ou as experiências anteriores moldam a interpretação da informação sensorial. Transdução Processo pelo qual os estímulos sensoriais são convertidos em sinais que o cérebro pode interpretar. FIGURA 5.3 Contexto. O con- texto exerce papel importante no reconhecimento do objeto. 176 Ciência psicológica onde os impulsos neurais que chegam são interpretados como imagem, som, sabor, cheiro ou toque. Cada órgão do sentido contém diferentes tipos de receptores pro- jetados para detectar diferentes tipos de estímulos. Exemplificando, os receptores junto ao sistema visual respondem apenas às ondas de luz e podem sinalizar somente informações visuais. (A TAB. 5.1 lista os estímulos, os receptores e as vias para o cérebro, para cada um dos principais sistemas sensoriais.) Para funcionar efetivamente, o cérebro necessita de informação qualitativa e quantitativa sobre um estímulo. A informação qualitativa consiste nas qualida- des mais básicas de um estímulo. Exemplificando, é a diferença entre o toque da trombeta e o toque de uma flauta. É a diferença entre um sabor salgado e um doce. A informação quantitativa consiste no grau, na magnitude ou nas seguintes qualida- des: o volume do som do toque, a suavidade do som do toque, a qualidade salgada ou adocicada relativa. Se você estivesse se aproximando de um semáforo, a informação qualitativa poderia incluir a cor do sinal (vermelho ou verde). Independentemente da cor, a informação quantitativa incluiria o brilho da luz. Podemos identificar as diferenças qualitativas porque os diferentes receptores sensoriais respondem a estímulos qualitativamente diferentes. Em contraste, as di- ferenças quantitativas entre os estímulos são codificadas pela taxa de disparos de um neurônio em particular. Um neurônio que dispara mais rápido responde a uma frequência maior a um estímulo mais intenso, como uma luz brilhante, um som mais alto ou um peso maior (FIG. 5.4). A sensação e a percepção resultam de uma sinfonia entre receptores sensoriais e os neurônios com os quais esses receptores se comunicam. Os receptores e neurônios disparam em combinações distintas e a diferentes velocidades. A soma dessa atividade é a enorme gama de percepções que constituem a nossa experiência de mundo. A detecção requer certa quantidade de estímulo Há muito tempo, sabemos que a experiência perceptiva é construída a partir da infor- mação detectada pelos órgãos dos sentidos. Há mais de um século, os psicólogos tentam entender a relação existente entre as propriedades físicas do mundo e o modo como nós as sentimos e percebemos. A psicofísica, uma subárea desenvolvida durante o século XIX pelos pesquisadores Ernst Weber e Gustav Fechner, examina as nossas experiências psicológicas dos estímulos físicos. Exemplificando, quanta energia física é requerida para os nossos órgãos dos sentidos detectarem um estímulo? Quanta mudança é neces- sária para percebermos a alteração? Para testar essas coisas, os pesquisadores intro- duzem diferenças muito sutis nos estímulos e observam como os participantes respon- dem. Eles estudam os limites dos sistemas sensoriais dos seres humanos. LIMIARES SENSORIAIS. Os seus órgãos sensoriais estão constantemente adquirindo informação a partir do ambiente. Você não percebe grande parte dessa informação, que precisa ultrapassar determinado nível para ser detectada. O limiar absoluto é a intensidade mínima de estimulação que deve ocorrer para experimentar uma sensa- Limiar absoluto A intensidade mínima de estimulação que deve ocorrer para que você experimente uma sensação. Limiar de diferença Quantidade mínima de alteração requerida para uma pessoa detectar uma diferença entre dois estímulos. TABELA 5.1 Os estímulos, os receptores e as vias de cada sentido Sentido Estímulos Receptores Vias para o cérebro Visão Ondas de luz Bastonetes e cones sensíveis à luz na retina do olho Nervo óptico Audição Ondas sonoras Células ciliadas sensíveis à pressão na cóclea da orelha interna Nervo auditivo Paladar Moléculas dissolvidas em líquido sobre a língua Células nas papilas gustativas na língua Partes dos nervos facial, glossofaríngeo e vago Olfato Moléculas dissolvidas em líquido sobre membranas no nariz Terminações sensíveis de neurônios da mucosa olfativa nas membranas mucosas Nervo olfativo Toque Pressão sobre a pele Terminações sensíveis de neurônios do toque na pele Nervos cranianos para toque acima do pescoço, nervos espinais para toque em outro local qualquer Capítulo 5 Sensação e percepção 177 ção. Em outras palavras, é a intensidade do estímulo que você detectaria com maior frequência do que ao acaso. O limiar absoluto da audição é o som mais fraco que uma pessoa consegue detectar em 50% das vezes (FIG. 5.5). Exemplificando, a que altura deveria sussurrar alguém que está no recinto ao lado para que você ouvisse? Nesse caso, o limiar absoluto para estímulos auditivos seria o sussurro mais baixo que você poderia ouvir em 50% das vezes. (A TAB. 5.2 lista alguns estímulos mínimos apro- ximados para cada sentido.) Um limiar de diferença, por vezes chamado diferen- ça imediatamente perceptível, é a menor diferença entre dois estímulos que você consegue perceber. Em outras palavras, é a quantidade mínima de alteração requerida para uma pessoa detectar uma diferença. Se seu amigoestá assistindo a um programa de TV enquanto você está lendo e surge um comercial cujo volume é mais alto que o do programa, é possível que você erga os olhos perce- bendo que alguma coisa mudou (FIG. 5.6). O limiar de diferença é a alteração mínima de volume requerida para você detectar uma diferença. O limiar de diferença aumenta com o aumento da intensidade do estímulo. Pegue uma carta pesando 31 g e outra pesando 62 g, e você conseguirá detectar facilmente a diferença. Entretanto, se você pegar um pacote que pese 2 kg e outro pesando 1 g a mais, será mais difícil (ou até impossível) dizer a diferença. Nesse exemplo, o princí- pio é chamado Lei de Weber. Essa lei estabelece que a diferença imediatamente per- ceptível entre dois estímulos é baseada na proporção do estímulo original e não em Informação qualitativa: receptores sensoriais respondem a diferenças qualitativas disparando em combinações distintas. Informação quantitativa: receptores sensoriais respondem a diferenças quantitativas disparando a taxas distintas. Uma luz verde é codificada por receptores diferentes daqueles que codificam a luz vermelha. Frequência de disparo neural Uma luz brilhante faz os receptores dispararem mais rápido (a uma frequência maior) do que uma luz fraca. Tempo Tempo FIGURA 5.4 Informação sensorial qualitativa versus quantitativa. TABELA 5.2 Limiar sensorial absoluto aproximado (estímulo mínimo) para cada sentido Sentido Estímulo mínimo Paladar 1 colher de chá de açúcar em 7,5 L de água Olfato 1 gota de perfume difundida em um volume inteiro de 6 quartos Toque A asa de uma mosca caindo na sua bochecha de uma distância de 0,1 cm Audição O tique de um relógio a 6 m, sob condições de silêncio Visão A chama de uma vela vista a 48 km, em uma noite escura e límpida FONTE: Galanter (1962). 0 Limiar absoluto é o nível de intensidade em que os participantes (corretamente) detectam um estímulo em 50% dos estudos em que é apresentado. Percentual de precisão 50 100 Intensidade do estímulo Baixa Alta FIGURA 5.5 Limiar absoluto. FIGURA 5.6 Limiar de di- ferença. Quanto o volume da TV precisa ser alterado para que você perceba? A quantidade de alteração é o limiar de diferença. 178 Ciência psicológica uma quantidade fixa de diferença. Ou seja, quanto mais intenso é o estímulo, maior é a alteração necessária para que você a perceba. TEORIA DA DETECÇÃO DE SINAL. De acordo com a psicofísica clássica, os limiares sensoriais não seriam ambíguos. Você detecta ou não um estímulo de acordo com o fato de sua intensidade estar acima ou abaixo de um limiar específico. Com o avanço das pesqui- sas, ficou claro que os primeiros psicofísicos ignoraram o fato de as pessoas serem bombardeadas por estímulos competidores, desde um “ruído” produzido por estímulos internos (humores, emoções, memória, estados físicos como a náusea) a outro causado por estí- mulos externos (barulhos altos, como o choro de um bebê, ventos muito frios, um recinto barulhento). As fontes competidoras inter- nas e externas afetam o julgamento e a atenção. Imagine que você seja um dos participantes de um estudo so- bre limiares sensoriais. Você está sentado em um quarto escuro, e o pesquisador lhe pergunta se ouviu um som. Você não ouviu nada, mas é possível que depois você se autocritique, uma vez que alguém lhe fez essa pergunta. É possível, ainda, que você até se convença de ter sentido um estímulo fraco. Após perceber que seus métodos de teste de limiares absolutos eram falhos, os pesquisadores formularam a teoria da detecção de sinal (TDS). Essa teoria estabelece que a detecção de um estímulo não é um processo objetivo. Detectar um estímulo é, em vez disso, uma decisão subjetiva com dois compo- nentes: (1) a sensibilidade ao estímulo em presença de distrações a partir de outros estímulos e (2) os critérios usados para fazer o julgamento a partir de informação ambígua (Green & Swets, 1966). Suponha que um radiologista esteja procurando um tipo de sombra fra- ca que, entre outras possibilidades, poderia sinalizar um câncer em estágio inicial (FIG. 5.7). O julgamento do profissional pode ser influenciado pelo co- nhecimento sobre o paciente (p. ex., idade, sexo, história médica da família), treinamento médico, experiência, motivação e atenção. O julgamento do ra- diologista também pode ser influenciado pela consciência das consequências: errar poderia implicar a não detecção de um câncer fatal ou, ao contrário, levar a um tratamento desnecessário e potencialmente perigoso. Qualquer estudo científico sobre detecção de sinal envolve uma série de tentativas em que um estímulo é apresentado somente em algumas delas. Em cada tentativa, o participante deve estabelecer se sentiu o estímulo. Uma tentativa desse tipo, em que um participante julga se um evento ocorre, pode ter 1 entre 4 desfechos possíveis. Se o sinal estiver presente e o participante o detecta, o desfecho é um acerto. Se o participante falhar em detectar o sinal, o desfecho é um erro. Se o participante “detecta” um sinal que não foi apresen- tado, o desfecho é um alarme falso. Se o sinal não foi apresentado e o parti- cipante não o detecta, o desfecho é uma rejeição correta (FIG. 5.8). A sensi- bilidade do participante ao sinal geralmente é calculada comparando a taxa de acertos com a taxa de alarmes falsos. Essa comparação corrige quaisquer tendenciosidades que o participante possa vir a trazer à situação do teste. A tendenciosidade de resposta é uma tendência do participante de re- latar a detecção de sinal em um estudo ambíguo. O sujeito poderia ser forte- mente tendencioso ao responder e precisar de evidências significativas da pre- sença do sinal. Em tais condições, esse mesmo participante poderia precisar apenas de uma pequena quantidade de evidência. ADAPTAÇÃO SENSORIAL. Os nossos sistemas sensoriais são ajustados para detectar as alterações que ocorrem ao nosso redor. É importante que consiga- mos detectar essas alterações, porque elas exigem respostas. Menos importan- te é continuar respondendo a estímulos inalterados. A adaptação sensorial é a diminuição da sensibilidade a um nível constante de estimulação (FIG. 5.9). Imagine que você está estudando e uma obra é iniciada em terreno pró- ximo. Quando os equipamentos começam a funcionar, o barulho parece parti- cularmente alto e perturbador. Decorridos alguns minutos, o ruído aparente- mente desaparece ao fundo. Pesquisadores notam com frequência que diante FIGURA 5.7 Teoria de detecção de sinal. A radiologia ilustra a natureza subjetiva da de- tecção de um estímulo. Sim Não Resposta fornecida Existem quatro resultados possíveis quando perguntamos a um participante se algo ocorreu durante um estudo: Acerto Erro Sinal do estímulo Alarme falsoDesligado Ligado Rejeição correta 89% 11% 41% 59% Sim Não Resposta fornecida Sinal do estímulo Desligado Ligado 45% 55% 26% 74% Sim Não Resposta fornecida Sinal do estímulo Desligado Ligado Aqueles que apresentam tendenciosidade a relatar determinado sinal tendem a responder sim. Entre esses, há muitos alarmes falsos: Aqueles com tendenciosidade a negar a ocorrência de um sinal tendem a responder não. Entre esses, há muitos erros: FIGURA 5.8 Matrizes da teoria da detecção de sinal. Os percentuais mostrados na figura foram inven- tados para mostrar números repre- sentativos. Os percentuais reais variam de questão para questão. Capítulo 5 Sensação e percepção 179 da presença contínua de um estímulo, as respostas dos sistemas sensoriais que o detectam tendem a diminuir com o passar do tempo. De modo similar, quando um estímulo contínuo cessa, os sistemas sensoriais em geral também respondem forte- mente. Se o barulho da construção de repente for interrompido, você provavelmente perceberá o silêncio. O cérebro constrói representações estáveis Exatamente neste minuto, o seu cérebro está fazendo milhões de cálculos para pro- duzir uma experiência coerente doseu ambiente. Apesar da ilusão de que os objetos e eventos por você experimentados existem no espaço ao seu redor, a sua experiência é uma construção do seu cérebro e reside dentro do seu crânio. Os neurônios loca- lizados dentro do seu cérebro não experimentam diretamente o mundo exterior. Em vez disso, eles se comunicam com outros neurônios localizados dentro e fora do cérebro. Neurônios conversam com neurônios na escuridão total. Mesmo assim, a sua experiência consciente do mundo emerge a partir dessa comunicação. Esse processo acontece em milésimos de segundo. Se você deitar esse livro na mesa e olhar as páginas como um todo, verá uma única imagem. Não verá as milhares de imagens que dançam diante dos seus olhos para criar uma vista constante e, talvez, estática. Aquilo que você percebe, então, difere vastamente do padrão de estimulação que os seus olhos estão captando. Se você tivesse consciência do que o seu cérebro faz o tempo todo, seria paralisado pela sobrecarga de informação. A maioria dos cálculos realizados pelo cérebro nunca atinge a sua consciência. Isso acontece somente com as respostas novas que são relevantes. Como o cérebro extrai uma repre- sentação estável do mundo a partir da informação fornecida pelos sentidos? Até aqui, você aprendeu como a sensação ocorre: os receptores sensoriais transduzem estímulos em impulsos elétricos, que então são transmitidos pelos nervos ao cérebro. Trabalhando apenas com os impulsos elétricos recebidos dos nervos, o cérebro cria uma rica variedade de experiências perceptivas. Com exceção do cheiro, toda a informação sensorial é transmitida para a área corti- cal e outras áreas cerebrais, a partir do tálamo. A informação oriunda de cada sentido é projetada separadamente do tálamo a uma região específica do córtex cerebral. Nessas áreas sensoriais primárias, o processo perceptivo começa de fato (FIG. 5.10; ver também a Fig. 3.25). A seguir, abordaremos os principais sentidos e o modo como os percebemos. Teoria da detecção de sinal (TDS) Teoria sobre percepção, baseada na ideia de que a detecção de um estímulo requer seu julgamento – não se trata de um processo tudo ou nada. Adaptação sensorial Diminuição da sensibilidade a um nível constante de estimulação. FIGURA 5.9 Adaptação sen- sorial. Por causa da adaptação sensorial, as pessoas que vivem perto de barulhos constantes se tornam menos conscientes do ruído. A ilustração mostra casas nas proximidades do London’s Heathrow Airport. Toque Lobo parietal Lobo frontal Olfato Lobo temporal Audição Lobo occipital Visão ViaVia “onde”“onde” dorsal dorsal Via “onde” dorsal ViaVia “o que”“o que” ventral ventral Via “o que” ventral Tálamo Paladar FIGURA 5.10 Áreas sensoriais primárias. Essas são as regiões cerebrais primárias onde as informações sobre visão, audição, paladar, olfato e toque são projetadas. A informação visual segue em “vias” separadas – aquilo que você vê e onde isso está – desde o lobo oc- cipital (córtex visual) até diferentes partes do cérebro, para processamento adicional. 180 Ciência psicológica Você acredita no chamado “sexto sen- tido”, a sensação “inexplicável” de que alguma coisa está para acontecer? Os nossos numerosos sistemas sensoriais fornecem informação sobre o mundo, mas são sensíveis a apenas uma pe- quena faixa da energia disponível em qualquer ambiente. Exemplificando, os cães conseguem ouvir frequências mui- to mais altas do que aquelas que con- seguimos ouvir, e muitos insetos po- dem sentir formas de energia que não conseguimos detectar. É possível que existam outras frequências ou formas de energia e os cientistas simplesmen- te ainda não as descobriram? Se esse for o caso, essas forças de energia não descobertas poderiam permitir que as pessoas “lessem” a mente de outras pessoas ou se comunicassem com fantasmas? Em outras palavras, as pes- soas poderiam ser capazes de perceber a informação subjacente à informação sensorial ordinária por meio da percep- ção extrassensorial (PES)? Muitos relatos de PES são susten- tados apenas por argumentos pouco confiáveis, e não por evidências válidas. Além disso, as principais alegações so- bre a capacidade das pessoas de pre- ver eventos podem ser explicadas por meio da lógica. Exemplificando, se você vê um casal brigando o tempo todo, é possível que preveja com precisão que o casal irá se separar, mas isso não faz de você um paranormal. Por fim, muitos casos de PES evidente aparentemente não passam de coincidência. Considere o dia em que físico Luis Alvarez, ganhador do Prêmio Nobel da Paz, se viu pensando em um amigo dos tempos de faculdade, com quem per- dera o contato há muitos anos. Depois de alguns minutos, ele se deparou com o obituário desse amigo em um jornal. Poderia Alvarez ter vivenciado a expe- riência de algum tipo de premonição? Como cientista, ele decidiu calcular a probabilidade dessa coincidência. De- senvolveu estimativas razoáveis sobre a frequência com que as pessoas pensam em pessoas que fizeram parte do pas- sado. Calculou então que a probabilida- de de pensar em uma pessoa momen- tos antes de saber de sua morte tende a acontecer cerca de três mil vezes ao ano nos Estados Unidos. Dito de outro modo: cerca de 10 pessoas tendem a passar por essa experiência diariamente apenas por acaso (Alvarez, 1965). Muitos casos de PES evidente aparentemente não passam de coincidência Daryl Bem, psicólogo social, e Charles Honorton (1994), seu colabo- rador, alegaram ter encontrado evi- dências de PES. Em seus estudos, um “emissor” em uma cabine acústica fo- cava uma imagem gerada ao acaso. Um “receptor” que ficava em outro recinto tentava entender o imaginário do emis- sor. Então, o receptor era orientado a escolher uma entre quatro alternativas, a qual seria a correta. Aleatoriamente, os receptores deveriam estar corretos em 25% do tempo. Em 11 estudos, po- rém, Bem e Honorton descobriram que os receptores estavam certos em cer- ca de 33% do tempo. Seria essa uma evidência de PES? Muitos psicólogos dizem que outros fatores contidos nos experimentos poderiam ter afetado os resultados. Uma revisão estatística de muitos desses estudos encontrou pouco suporte para PES (Milton & Wi- seman, 2001). Samuel Moulton e Stephen Kosslyn (2008) conduziram um estudo de IRMf para investigar o funcionamento cerebral em busca de evidência de PES. Usando um paradigma de emissor/receptor, em que o emissor estava em um recinto e o receptor estava no aparelho de IRM, os pesquisadores procuraram diferenças cerebrais entre as respostas à imagem em que o emissor estava pensando e a outra imagem que era desconhecida do emissor. Para aumentar a probabilidade dos efeitos, os pesquisadores incluíram gêmeos como pares de emissor/recep- tor (porque os gêmeos supostamente estão especialmente sintonizados entre si) e usaram estímulos emocionais (que supostamente aumentam os efeitos de PES). Se a PES existisse, os cérebros dos receptores deveriam ter respondido de modo diferente à imagem na qual o emissor pensava e à imagem que o emissor desconhecia. Entretanto, não houve absolutamente nenhuma diferen- ça entre as respostas cerebrais. Moulton e Kosslyn argumentam que, como toda experiência e comportamento resultam da atividade cerebral, a ausência de qualquer tipo de atividade como essa é forte evidência contra a existência de PES. Mesmo assim, em 2011, Bem pu- blicou um artigo apresentando dados de uma série de estudos que tiveram o propósito de mostrar evidências de PES. Em um exemplo desses estudos, os participantes foram solicitados a pre- ver onde imagens eróticas apareceriam em uma tela de computador. Em cada estudo, o participante identificaria um local antes que um programa de com- putador mostrasse a imagem de modo independente. A uma taxa melhor do que ao acaso, os participantes con- seguiram prever onde o computador mostraria as imagens eróticas. Esses achados sãoaltamente controversos. A maioria dos resultados positivos era muito pequena, e eles podem ter sido produzidos por meio do uso inadequa- do de procedimentos estatísticos. Até o presente, nenhum outro pesquisador conseguiu reproduzir os resultados. A única conclusão razoável é a de que as evidências de PES atualmente dispo- níveis são fracas ou inexistentes, e um ceticismo saudável demanda evidên- cias melhores. No que acreditar? Aplicando o raciocínio psicológico Estatística equivocada: a percepção extrassensorial existe? Capítulo 5 Sensação e percepção 181 Resumindo Como a percepção emerge da sensação? � A sensação consiste na detecção de estímulos físicos presentes no ambiente. A percep- ção é a nossa experiência consciente desses estímulos. � O processamento de baixo para cima é baseado nas características de um estímulo. O processamento de cima para baixo é baseado no contexto e nas expectativas. � A transdução é o processo pelo qual os estímulos sensoriais são traduzidos em sinais que o cérebro consegue interpretar. � A transdução ocorre em células receptoras sensoriais especializadas junto a cada órgão do sentido. Os receptores sensoriais enviam mensagens ao tálamo, e este envia projeções para as áreas corticais, para o processamento perceptivo. � O limiar absoluto é a quantidade mínima detectável de energia requerida para ativar um receptor sensorial. � O limiar de diferença é a quantidade de alteração de energia necessária para um receptor sensorial detectar uma mudança de estimulação. � A teoria de detecção de sinal trata da natureza subjetiva da detecção de um estímulo. � A adaptação sensorial ocorre quando os receptores sensoriais param de responder a estí- mulos inalterados. � O cérebro integra estímulos neurais diversos para produzir representações estáveis. Avaliando 1. A transdução é o processo de: a. detecção de energia ambiental por meio de um órgão do sentido. b. conversão de estímulo sensorial em atividade neural. c. conversão de percepções em atividade neural. d. percepção da informação. 2. Identifique cada um dos eventos a seguir como exemplo de limiar absoluto, limiar de diferença ou adaptação sensorial: a. Você capta uma lufada do aroma que vem da comida que o seu vizinho está preparando. b. Você pede ao colega de quarto para abaixar o volume do rádio e ele assim o faz, mas o som continua alto para você. c. Você percebe que a lâmpada sobre a sua cabeça está mais fraca. d. Você para de prestar atenção ao som do rádio, embora possa ouví-lo se prestar atenção. RESPOSTAS: (1) b. (2) a. limiar absoluto; b. limiar de diferença; c. limiar de diferença; d. adaptação sensorial. 182 Ciência psicológica 5.2 Como conseguimos enxergar? Se adquirimos conhecimento por meio dos nossos sentidos, então a visão é sem dúvida a fonte mais importante de conhecimento. A visão nos permite perceber a informação a determinada distância. Um lugar parece ser seguro ou perigoso? Uma pessoa lhe parece amigável ou hostil? Até as nossas metáforas para conhe- cimento e compreensão com frequência são visuais: “Estou vendo”, “A resposta é clara”, “Estou confuso com relação àquele ponto”. Não surpreende, então, que a maior parte do estudo científico sobre a sensação e percepção esteja voltada para a visão. De fato, grande parte do cérebro está envolvida na visão. Algumas estima- tivas sugerem que até metade do córtex cerebral pode participar de algum modo na percepção visual. Receptores sensoriais no olho transmitem informação visual ao cérebro A visão parece ser tão passiva e automática que a maioria de nós a toma como certa. Toda vez que uma pessoa abre os olhos, seu cérebro entra imediatamente em ação para dar sentido à energia que é vista. Certamente, o cérebro consegue fazer isso apenas com base nos sinais sensoriais que chegam dos olhos. Se esses forem danifi- cados, o sistema sensorial falha em processar informação nova. Esta seção enfoca o modo como a energia é transduzida no sistema visual e, em seguida, percebida. Entretanto, aquilo a que comumente chamamos visão é muito mais do que transdução de energia. Conforme observa o psicólogo James Enns em seu livro The Thinking Eye, the Seeing Brain (2005), uma parte muito pequena da- quilo que chamamos visão ocorre nos olhos. Em vez disso, aquilo que vemos resulta de processos construtivos que ocorrem ao longo de grande parte do cérebro, para produzir as nossas experiências visuais. De fato, mesmo que os olhos sejam comple- tamente normais, um dano ao córtex visual comprometerá a visão. Algumas pessoas descrevem o olho humano como uma estrutura que trabalha de modo semelhante a uma câmera imperfeita, porque foca a luz para formar uma imagem. Entretanto, essa analogia não faz jus aos intrincados processos que ocorrem no olho. A luz primeiramente atravessa a córnea, a camada externa transparente e espessa desse órgão . A córnea foca a luz que chega, e esta, então, entra na lente. Aí, a luz é ainda mais inclinada para dentro e focada para formar uma imagem sobre a retina, a delgada superfície interna da parte de trás do globo ocular. Se você acender uma luz na frente dos olhos de uma pessoa, de modo a poder ver a retina dela, você na verdade estará olhando apenas uma pequena parte do cérebro que é visível de fora do crânio. De fato, a retina é uma parte do sistema nervoso central localizada onde conseguimos enxergá-la. Contém os receptores sensoriais que transduzem luz em sinais neurais. Mais luz é focada na córnea do que na lente. Essa, porém, é ajustável, mas a cór- nea não é. A pupila, um círculo escuro localizado no centro do olho, consiste em uma pequena abertura na frente da lente. Por contração (aproximação) ou dilatação (aber- tura), a pupila determina a quantidade de luz que entra no olho. A íris, um músculo circular, determina a cor do olho e controla o tamanho da pupila. A pupila dilata com a luz fraca e também quando vemos algo de que gostamos, como uma bela pintura ou um bebê engraçadinho (Tombs & Silverman, 2004). Por trás da íris, os músculos alteram o formato das lentes. Esses músculos achatam as lentes para focar objetos distantes e as aumentam para focar objetos pró- ximos. Esse processo é chamado acomodação. A lente e a córnea atuam juntas para coletar e focar os raios de luz refletidos a partir de um objeto. BASTONETES E CONES. A retina tem dois tipos de células receptoras: bastonetes e cones. O nome de cada tipo advém de seu formato distintivo. Os bastonetes res- pondem a níveis muito baixos de luz e são responsáveis primariamente pela visão noturna. Não sustentam a visão colorida e são fracos para detalhes finos. É por isso que, em noites sem luar, os objetos aparecem em tons de cinza. Em contraste com os bastonetes, os cones são menos sensíveis a níveis baixos de luz. São responsáveis Objetivos de aprendizagem � Explicar como a luz é processada pelos olhos e pelo cérebro. � Descrever como se dá a visão da cor. � Comparar e contrastar as teorias tricromática e de processos oponentes da visão da cor. � Identificar os princípios da Gestalt de organização perceptiva. � Distinguir entre indícios de profundidade monocular e binocular. � Descrever a percepção do movimento e as constâncias de objeto. Retina A delgada superfície interna da parte de trás do globo ocular; contém os receptores sensoriais que transduzem a luz em sinais neurais. Bastonetes Células retinais que respondem a baixos níveis de luz e resultam na percepção em branco e preto. Cones Células retinais que respondem a níveis maiores de luz, com resultante percepção da cor. Capítulo 5 Sensação e percepção 183 primariamente pela visão sob condições de maior luminosidade e pela visão tanto co- lorida como detalhada. Junto aos bastonetes e cones, compostos químicos sensíveis à luz iniciam a transdução das ondas luminosas em impulsos elétricos neurais. Cada retina contém cerca de 120milhões de bastonetes e 6 milhões de cones. Perto do centro da retina, os cones estão densamente concentrados em uma pequena região chamada fóvea. Embora estejam espalhados por todo o resto da retina (exceto no ponto cego, conforme você logo verá), os cones se tornam cada vez mais escas- sos nas proximidades da borda externa. Por sua vez, os bastonetes estão concen- trados nas bordas da retina. Não há bastonetes na fóvea. Ao olhar diretamente para uma estrela muito distante no céu de uma noite sem luar, você verá que ela parece desaparecer. Isso é o efeito da luz caindo na fóvea, onde não há bastonetes. Se você olhar imediatamente ao lado da estrela, porém, verá que a estrela ficará visível. Sua luz cairá fora da fóvea, onde há bastonetes. TRANSMISSÃO DO OLHO PARA O CÉREBRO. O processo visual começa com a gera- ção de sinais elétricos por receptores sensoriais presentes na retina. Esses receptores contêm fotopigmentos, moléculas proteicas que se tornam instáveis e se partem ao serem expostas à luz. Os bastonetes e cones não disparam potenciais de ação como fazem outros neurônios. Em vez disso, a decomposição dos fotopigmentos altera o potencial de membrana dos fotorreceptores e deflagra potenciais de ação em neurô- nios localizados adiante. Imediatamente após a transdução da luz pelos bastonetes e cones, outras células presentes na camada média da retina realizam uma série de cálculos sofisticados. As respostas oriundas dessas células convergem sobre as células ganglionares retinais (FIG. 5.11). As células ganglionares são os primeiros neurônios na via visual a apresentarem axônios. Durante o processo de visão, essas células são os primeiros neurônios a gerar potenciais de ação. As células ganglionares enviam seus sinais ao longo de seus axônios, de dentro do olho para o tálamo. Esses axônios são reunidos em um feixe, o nervo óptico, que sai do olho por trás da retina. O ponto em que o nervo óptico sai da retina não con- tém bastonetes nem cones, produzindo um ponto cego em cada olho. Se você alongar um dos seus braços, cerrar um punho e olhar para ele, o tamanho do seu punho lhe parecerá aproximadamente igual ao tamanho do seu ponto cego. O cérebro nor- malmente preenche essa lacuna de maneira automática, por isso você assume que o mundo continua e não tem consciência da existência de um ponto cego no meio do seu campo visual. Entretanto, você pode encontrar o seu ponto cego usando o exercí- cio mostrado na FIGURA 5.12. Pelo quiasma óptico, passam metade dos axônios do nervo óptico. (Os axônios que o cruzam são aqueles que começam a partir da parte da retina que está mais próxima do nariz.) Esse arranjo faz com que toda a informação oriunda do lado es- querdo do espaço visual (i.e., tudo que é visível à esquerda do ponto de fixação do olhar) seja projetada para o hemisfério direito do cérebro e vice-versa. Em cada caso, a informação atinge as áreas visuais do tálamo e, em seguida, viaja até o córtex visual primário, áreas corticais junto aos lobos occipitais na parte traseira da cabeça. A via desde a retina até essa região traz toda a informação que experimentamos conscien- temente como visão. VIAS DE “O QUE” E “ONDE”. Uma importante teoria propõe que as áreas visuais situadas além do córtex visual primário formam duas vias ou correntes de processa- mento paralelas. A inferior, via ventral, parece ser especializada para a percepção e o reconhecimento de objetos, como a determinação de suas cores e formatos. A supe- rior, via dorsal, parece ser especializada para a percepção espacial – determinar onde um objeto está e relacioná-lo a outros objetos presentes na cena. (Ambas as correntes são mostradas na Fig. 5.10.) Essas duas correntes de processamento são, portanto, conhecidas como via “o que” e via “onde” (Ungerleider & Mishkin, 1982). O dano a certas regiões do córtex visual fornece evidência que permite dis- tinguir essas duas correntes de informação. Considere o caso de D. F. (Goodale & Milner, 1992). Aos 34 anos, essa paciente sofreu um envenenamento por monóxido de carbono que danificou seu sistema visual. As regiões envolvidas na via “o que” estavam particularmente danificadas. D. F. perdeu a capacidade de reconhecer os Fóvea Centro da retina, onde os cones estão densamente concentrados. FIGURA 5.12 Encontre seu ponto cego. Para encontrar seu ponto cego usando o olho direito, segure este livro na sua frente e olhe para o ponto acima. Feche o olho esquerdo. Mova o livro para a frente e para trás, até a cabeça do coelho desaparecer. Você pode repetir esse exercício para o olho esquerdo, virando o livro de cabeça para baixo. 184 Ciência psicológica rostos dos amigos e familiares, objetos comuns ou até desenhos de quadrados ou círculos. Ela conseguia reconhecer as pessoas pela voz, contudo, e identificava os objetos colocados em suas mãos. A condição dessa paciente – agnosia de objeto, que é a incapacidade de reconhecer objetos – foi decisiva para determinar aqui- lo que ela podia ou não fazer. Por exemplo, se pedissem-lhe para desenhar uma maçã, ela conseguia fazer isso a partir da memória. Quando lhe mostravam o dese- nho de uma maçã, porém, ela não conseguia identificar nem reproduzir o que via. Mesmo assim, D. F. conseguia usar as informações visuais sobre tamanho, formato e orientação da fruta para controlar os movimentos visualmente guiados, bem como conseguia alcançar outros objetos e agarrar a maçã. Ao realizar essa ação, D. F. colocaria exatamente a distância correta entre seus dedos, mesmo que não pudesse dizer o que iria pegar nem seu tamanho. Como a percepção visual consciente de D. F. acerca dos ob- jetos – sua via “o que” – estava comprometida, ela não tinha consciência de estar assimi- lando qualquer informação visual sobre os objetos que via. Como sua via “onde” parecia estar intacta, essas regiões de seu córtex visual permitiam que ela usasse as informações sobre o tamanho e o local dos objetos, apesar de sua falta de consciência em relação a tais objetos. Conforme ilustra o caso de D. F., diferentes sistemas neurológicos operam de modo independente para nos ajudar a conhecer o mundo ao nosso redor. FIGURA 5.11 Como conseguimos ver Estímulo físico: Ondas luminosas refletidas da imagem atravessam a córnea e entram no olho por meio da pupila. A lente foca a luz na retina. 1 Sensação: Receptores sensoriais na retina, chamados bastonetes e cones, detectam as ondas luminosas. 2 Transdução: Bastonetes e cones convertem ondas luminosas em sinais. Esses sinais são processados por células ganglionares, que geram potenciais de ação, os quais, por sua vez, são enviados ao cérebro pelo nervo óptico. 3 Células ganglionares Cone Córnea Pupila Ondas luminosas Retina Fóvea Ponto cego Lente Íris Bastonete Camada média Nervo óptico Nervo óptico (para o cérebro) Capítulo 5 Sensação e percepção 185 A cor da luz é determinada por seu comprimento de onda Nós podemos distinguir milhões de tons de cor. Um objeto parece ser de determinada cor em particular, todavia, por causa dos comprimentos de onda que reflete. A cor não é uma propriedade do objeto, e isso é um fato esquisito, porém verdadeiro: a cor não existe no mundo físico. A cor é sempre um produto do nosso sistema visual. A luz visível consiste em ondas eletromagnéticas cujos comprimentos variam de 400 a 700 nanômetros (abreviatura: nm; equivale a cerca de 1 bilionésimo de 1 metro). Em termos mais simples, a cor da luz é determinada pelos comprimentos das ondas eletromagnéticas que chegam ao olho. No centro da retina, as células em forma de cone transduzem a luz em impulsos neurais. Diferentes teorias explicam essa transdução. TEORIA TRICROMÁTICA. De acordo com a teoria tricromática, a visão colorida resul- ta da atividade em três tipos de cones. Esses receptores são sensíveis a diferentes com- primentos de onda. Um tipo de cone é mais sensível a comprimentos de onda curtos (luz azul-violeta), outro tipoé mais sensível a comprimentos de onda médios (luz amarela- -verde), e o terceiro tipo é mais sensível a comprimentos de onda longos (luz vermelha- -laranja) (FIG. 5.13). Os três tipos de cones presentes na retina são, portanto, chamados Percepção: Sinais oriundos de cada campo visual são processados em um lado de cada retina. Seguem ao longo do nervo óptico e pelo tálamo e são processados no córtex visual que é oposto ao campo visual. 4 Nervo óptico Tálamo Campo visual esquerdo Campo visual direito Quiasma óptico Córtex visual primário esquerdo Córtex visual primário direito 186 Ciência psicológica cones “C”, “M” e “L”, porque respondem maxima- mente a comprimentos de onda curtos, médios e longos, respectivamente. Exemplificando, a luz amarela assim se parece porque estimula os cones L e M de modo quase equivalente e dificilmente es- timula os cones C. De fato, podemos criar luz ama- rela combinando luzes vermelhas e verdes, porque cada tipo de luz estimula a população de cones cor- respondente. Até onde o cérebro pode dizer, não há diferenças entre a luz amarela e uma combinação de luzes vermelha e verde! Existem dois tipos principais de cegueira para cores (i.e., daltonismo), determinados pela atividade relativa entre os três tipos de cones receptores. O termo cegueira é algo enganador, porque as pessoas afetadas conseguem enxergar e apresentam cegueira apenas para certas cores. As pessoas podem não ter o fotopigmento sensí- vel a comprimentos de onda médios ou longos, resultando em uma cegueira às cores vermelha e verde. Alternativamente, essas pessoas podem não ter o fotopigmento de ondas curtas e, como resultado, apresentar cegueira às cores azul e amarela (FIG. 5.14). Esses distúrbios genéticos ocorrem em cerca de 8% dos indivíduos do sexo masculino e em menos de 1% dos indivíduos do sexo feminino. TEORIA DOS PROCESSOS OPONENTES. Alguns aspectos da visão a cores, po- rém, não podem ser explicados pelas respostas dos três tipos de cones na reti- na. Exemplificando, por que algumas pessoas com cegueira às cores vermelha e verde conseguem enxergar o amarelo? Além disso, as pessoas têm problemas para visualizar certas misturas de cores. É mais fácil imaginar a cor amarela- -avermelhada ou verde-azulada do que, digamos, verde-avermelhada ou amare- la-azulada. Além disso, algumas cores parecem ser “opostas”. Uma alternativa à teoria tricromática é a teoria do oponente-processo (He- ring, 1878/1964). De acordo com essa teoria, as cores vermelha e verde são cores oponentes, do mesmo modo que as cores azul e amarela. Quando encaramos uma imagem vermelha durante algum tempo, vemos uma pós-imagem verde ao olharmos para outro lugar. Quando encaramos uma imagem verde, vemos uma pós-imagem vermelha. Do mesmo modo, ao encararmos uma imagem azul du- rante certo tempo, vemos uma pós-imagem amarela quando afastamos o olhar, e ao encararmos uma imagem amarela, vemos uma pós-imagem azul (FIG. 5.15). Se as cores em si são efeitos ópticos, como explicar aquilo que parecem ser cores oponentes? Para essa explicação, devemos nos voltar para o segundo estágio do processamento visual. Esse estágio ocorre nas células ganglionares – as células que constituem o nervo óptico, transportador de informação para o cérebro. Diferentes combinações de cones convergem para as células gan- glionares localizadas na retina. Um tipo de célula ganglionar recebe estímulo excitatório dos cones L (responsivos a comprimentos de onda longos, que são vistos em vermelho), porém é inibido pelos cones M (responsivos a compri- mentos de onda médios, que são vistos em verde). As células desse tipo criam a percepção de que as cores vermelha e verde são oponentes. Outro tipo de célula ganglionar é excitada pelo estímulo oriundo dos cones C (comprimen- tos de onda curtos, vistos como azul), mas é inibida pela atividade dos cones M e L (em que a luz inclui comprimentos de onda médios e longos, com a per- cepção do amarelo). Esses diferentes tipos de células ganglionares, atuando em pares opostos, criam a percepção de que azul e amarelo são oponentes. MATIZ, SATURAÇÃO E BRILHO. Por fim, o modo como o cérebro converte a energia física em experiência de cor é bastante complexo e somente pode ser compreendido considerando a resposta do sistema visual a diferentes com- Ondas de comprimento mais longo na faixa do vermelho ao laranja Ondas de comprimento médio na faixa do amarelo ao verde Ondas mais curtas na faixa do azul ao violeta Comprimento de onda (nanômetros) Sensibilidade dos cones à luz (%) 400 50 100 500 600 700 FIGURA 5.13 A experiência da cor. A cor da luz é determinada pelo comprimento de onda da onda eletromagnética que atinge o olho. Este gráfico mostra o percentual de luz em diferentes comprimentos de onda que é absorvido por cada tipo de cone. (a) (b) FIGURA 5.14 Cegueira verme- lho-verde. Você deve ser capaz de ver o número 45 em um des- ses círculos. (a) Se você não é cego às cores vermelha e verde, verá o 45 aqui. (b) Se você for cego às cores vermelha e verde, verá o 45 aqui. Capítulo 5 Sensação e percepção 187 primentos de onda ao mesmo tempo. De fato, quando vemos a luz branca, os nos- sos olhos estão recebendo a gama inteira de comprimentos de onda do espectro vi- sível (FIG. 5.16). A cor é classificada ao longo de três dimensões: matiz, saturação e brilho. O matiz consiste nas características dis- tintivas que incluem uma determinada cor em particular dentro do espectro – a tonalidade alaranjada ou esverdeada, por exemplo. Essas características dependem primariamente do comprimento de onda dominante da luz quando essa chega ao olho. A saturação consiste na pureza da cor. Ela varia de acordo com a mistura de comprimentos de onda em um estímulo. As cores básicas do espectro (p. ex., azul, verde, vermelho) têm apenas 1 compri- mento de onda, enquanto os tons pastéis (p. ex., azul-bebê, verde-limão e pink) contêm uma mistura de muitos comprimentos de onda, sendo por isso menos puros. O brilho é a intensidade percebida da cor. Essa característica é determinada principalmente pela quantidade total de luz que chega ao olho – pense na diferença entre azul-marinho e azul-claro da mesma tonalidade (FIG. 5.17A). FIGURA 5.15 Pós-imagem. Durante pelo menos 30 segundos, olhe fixamente para essa versão da bandeira do Union Jack, do Reino Unido. Em seguida, olhe para o espaço em branco à direita. Como seus recep- tores se adaptaram ao verde e ao laranja na primeira imagem, a pós-ima- gem aparece nas cores opostas vermelho e azul. Você pode dizer que as pós-imagens são causadas por eventos na retina, porque a pós-imagem se move com você conforme você move os olhos, como se estivesse “pintada” na retina. 400 500 600 103 105 107 109 1011 101310110–110–310–5 Espectro visível Infra- vermelho Micro- -ondas Ondas de rádioUVRaios XRaios gama Um prisma pode partir a luz visível para mostrar o espectro de cores. Comprimento de onda Comprimento de onda (nanômetros) Amplitude 700 (a) (b) (c) FIGURA 5.16 O espectro colorido. (a) Quando a luz branca brilha através de um prisma, o espectro de cores visível aos humanos é revelado. Como mostrado na figura, o espectro de cor visível é somente uma parte do espectro eletro- magnético: consiste em comprimentos de onda eletromagnética que vão de pouco abaixo de 400 nm (cor violeta) a pouco acima de 700 nm (cor vermelha). Usando binóculos de visão noturna, os seres humanos conseguem ver ondas infravermelhas (i.e., ondas abaixo do vermelho, em termos de frequência). (b) Alguns insetos conseguem ver a luz ultra- violeta (i.e., luz acima da violeta em termos de frequência). Esta habilidade os ajuda a encontrar as glândulas de néctar das flores, que podem aparecer fluorescentes sob iluminação UV. (c) Quando os seres humanos veem as mesmas flores sob luz visível, não veem os mesmos padrões de néctar vistos pelos insetos. 188 Ciência psicológica Não confunda brilho com luminosidade.A luminosidade de um estímulo visual é determinada pelo brilho do estímulo em relação a suas adjacências. Sendo assim, dois exemplos da mesma cor – dois cinzas com o mesmo brilho – podem diferir quanto à luminosidade. A luminosidade de cada exemplo depen- derá do nível de brilho circundante. Como a luminosidade está relacionada ao contexto em que uma cor aparece, é mais útil do que o brilho para descrever a aparência (FIG. 5.17B). A percepção dos objetos requer organização da informação visual No cérebro, o que acontece exatamente com a informação captada pelos sen- tidos referente às características de um objeto? Como a informação é organi- zada? As ilusões de ótica estão entre as ferramentas de que os psicólogos dis- põem para entender como o cérebro usa essa informação. Muitos psicólogos da percepção acreditam que as ilusões revelam mecanismos que ajudam os sistemas visuais a determinar os tamanhos e as distâncias dos objetos no am- biente. Desse modo, as ilusões ilustram como formamos representações pre- cisas do mundo tridimensional. Os pesquisadores se baseiam nesses truques para revelar sistemas perceptivos automáticos que, na maioria das circunstân- cias, resultam em percepção precisa (FIG. 5.18). PRINCÍPIOS DA GESTALT DE ORGANIZAÇÃO PERCEPTIVA. Gestalt é uma palavra alemã que significa “formato” ou “forma”. Os psicólogos da Gestalt hipotetizaram que a percepção é mais do que o resultado de dados sensoriais acumulados. Propuseram que o cérebro usa princípios inatos para organizar a informação sensorial em todos organizados. Esses princípios explicam por (a) (b) FIGURA 5.17 Brilho versus lu- minosidade. (a) Qual é o azul mais brilhante, o azul-marinho à esquerda ou o azul-claro à direita? (b) Para cada par, qual é o quadra- do central mais claro? De fato, os quadrados centrais em cada par são idênticos. A maioria das pes- soas vê o quadrado cinza circun- dado de vermelho, por exemplo, como mais claro do que o quadra- do cinza circundado de verde. (a) (b) FIGURA 5.18 Ilusões de ótica. (a) A ilusão de Ouchi recebeu o nome do artista japonês Hajime Ouchi, que a inventou. Essa ilusão mostra como separamos uma figura de seu fundo. O círculo é feito de linhas apartadas do restante da exibição. Rolando a imagem na horizontal ou na vertical, um efeito bem mais forte é pro- duzido. Algumas pessoas relatam que veem cores e movimento. (b) O efeito de McCollough recebeu o nome de um estudioso da visão, Celeste McCollough, que foi o primeiro a descrevê-lo. Alterne o olhar fixo do estímulo verde com linhas ver- ticais para o estímulo magenta com linhas horizontais, mudando de um para o ou- tro aproximadamente a cada 1 segundo, durante 40 segundos. Em seguida, olhe o estímulo em branco e preto com linhas horizontais e verticais. Você deverá ver linhas verticais magenta e linhas horizontais verdes. Como o efeito de McCollou- gh pode durar horas ou até 1 dia, não é possível explicá-lo com uma simples fadi- ga neural (em que os neurônios diminuem os disparos após o uso repetido). Por esse motivo, o efeito ocorre mais provavelmente nas regiões cerebrais superio- res, e não no olho. Conforme observado no texto, o sistema visual é especialmen- te condicionado a processar informação sobre as bordas, e a percepção da borda relacionada à cor pode estar envolvida. Capítulo 5 Sensação e percepção 189 que percebemos “um carro” como oposto a “metal, pneus, vidro, maçanetas, calotas, para-lamas” e assim por diante. Para nós, um objeto existe como uni- dade e não como uma coleção de características. As regras de agrupamento perceptivo da Gestalt incluem: � Proximidade: Quanto mais perto estiverem duas figuras uma da outra, maior será a probabilidade de nós a agruparmos e vermos como parte do mesmo objeto (FIG. 5.19). � Similaridade: Tendemos a agrupar figuras conforme a proximidade com que uma se assemelha a outra, seja quanto ao formato, seja quanto à cor ou à orientação (FIG. 5.20). De acordo com os princípios de similaridade e proximidade, tendemos a agrupar os elementos da cena visual. O agrupamento nos permite considerar uma cena como um todo, em vez de partes individuais. Exemplificando, mui- tas vezes percebemos um bando de aves como uma entidade única, porque todos os elementos (as aves) são similares e estão em estreita proximidade. � Continuidade: Tendemos a agrupar as bordas ou contornos que têm a mesma orientação, conhecidos como “boa continuação” pelos psicólogos da Gestalt. A boa continuação de contorno (linha limítrofe) parece exer- cer papel na conclusão de um objeto que esteja atrás de um oclusor, que pode ser qualquer coisa que esconda da vista uma parte de um objeto ou um objeto inteiro (FIG. 5.21A). Entretanto, a boa continuação pode operar sobre as características que sejam mais complexas do que os con- tornos (FIG. 5.21B). � Fechamento: Tendemos a completar figuras com lacunas (FIG. 5.22). � Contornos ilusórios: Por vezes, percebemos contornos e indícios da profundidade, mesmo quando inexistem (FIG. 5.23). FIGURA E FUNDO. Um dos princípios de organização mais básicos do sis- tema de percepção visual é a distinção entre figura e fundo. Uma ilustração clássica é a ilusão da figura reversível. Olha novamente a Figura 1.18, onde você poderá ver uma face ou duas faces olhando uma para outra – mas não conseguirá ver as duas alternativas ao mesmo tempo. Na identificação de qual- quer figura – qualquer figura mesmo – o cérebro atribui o restante da cena ao fundo. Nessa ilusão, a atribuição “correta” da figura e do fundo é ambígua. As figuras são periodicamente revertidas (mudam de trás para frente), conforme o sistema visual se empenha em dar sentido à estimulação. Nesse sentido, a percepção visual é dinâmica e contínua. Richard Nisbett e colaboradores (2001) demonstraram as diferenças culturais existentes entre as percepções das pessoas que vivem no Oriente e as que vivem no Ocidente. Os orientais focam uma cena de maneira holística, enquanto os ocidentais focam os elementos únicos que surgem em primeiro plano. Dessa forma, os orientais tendem a ser mais influenciados pelo fundo de uma figura, enquanto os ocidentais tendem mais a extrair a figura de seu fundo. Agora, olhe novamente a Figura 1.17. Nessa ilusão, é difícil ver o dál- mata em pé entre as numerosas manchas negras dispersas pelo fundo bran- co. Esse efeito ocorre porque a parte da imagem correspondente ao cão não tem os contornos que definem as bordas do animal e porque seu pelo pin- tado é semelhante ao fundo. Muitos observadores constatam que primeiro reconhecem uma parte do cão – por exemplo, a cabeça. A partir desse de- talhe, os observadores conseguem discernir o formato do animal. Uma vez que você o tenha percebido, fica difícil não vê-lo na próxima vez que olhar a figura. Portanto, a experiência pode informar o processamento do formato. PERCEPÇÃO DA FACE. Uma classe especial de objetos à qual o sistema visual é sensível é a face. De fato, qualquer padrão no mundo que tenha qualidades análogas à face irá parecer um rosto (FIG. 5.24). Como animais altamente sociais, os seres humanos têm grande capacidade de perceber e interpretar as expressões faciais. Vários estudos sustentam a ideia de que as faces humanas FIGURA 5.19 Proximidade. Esses 16 pontos não são necessariamen- te parte de nenhum grupo. Devido ao princípio de proximidade da Gestalt, eles parecem estar agru- pados como três objetos. FIGURA 5.20 Similaridade. Por causa da similaridade, esse re- tângulo parece consistir em duas peças encaixadas. (a) (b) FIGURA 5.21 Boa continuação. (a) Tendemos a interpretar linhas de intersecção como contínuas. Aqui, como resultado, a barra pa- rece estar completamente atrás do oclusor. (b) Neste esboço feito pelo estudioso da visão Peter Tse, dois gatos parecem ser um único gato extremamente comprido en- rolado em torno do poste. Mesmo assim, contornos não contínuos permitem esse acabamento, e sabemos ser improvável que umgato seja tão comprido. 190 Ciência psicológica revelam informação “especial” que não é disponibilizada de nenhum outro modo. Exemplificando, podemos discernir mais prontamente a informação sobre o humor de uma pessoa, atenção, sexo, raça, idade e assim por diante, olhando para sua face, do que ouvindo-a conversar, observando-a caminhar ou estudando seu modo de se vestir (Bruce & Young, 1986). Entretanto, as pessoas são melhores em reconhecer membros de sua própria raça ou grupo étnico do que em reconhecer os demais. Há alguma ver- dade em dizer os outros parecem todos iguais, porém isso se aplica a todos os grupos. Esse efeito pode ocorrer porque as pessoas estão mais expostas a indivíduos da própria raça ou etnia (Gosselin & Larocque, 2000). Nos Estados Unidos, onde os brancos superam significativamente em número os afrodes- cendentes, os primeiros são muito melhores em reconhecer faces de brancos do que em reconhecer faces de negros (Brigham & Malpass, 1985). Algumas pessoas têm déficits particulares na habilidade de reconhecer faces – uma condição conhecida como prosopagnosia – e não na habilidade de reconhecer outros objetos (Susilo & Duchaine, 2013). Conforme discutido antes, neste mesmo capítulo, a paciente D. F. tem prosopagnosia, por isso não consegue distinguir uma face de outra. Ainda assim, ela consegue julgar se algo é uma face ou não e se essa face está de cabeça para baixo ou não. Essa habilidade implica que o reconhecimento facial difere do reconhecimento de objeto não facial (Steeves et al., 2006). As faces são tão importantes que certas regiões cerebrais parecem ser dedicadas unicamente a percebê-las. Como parte da via “o que”, já discutida, certas regiões corticais e até neurônios específicos parecem ser especializa- dos em perceber faces. Alguns estudos de imagem cerebral descobriram que uma região do giro fusiforme, no hemisfério direito, pode ser especializada na percepção de faces (Grill-Spector, Knouf, & Kanwisher, 2004; McCarthy, Puce, Gore, & Allison, 1997; FIGURA 5.25). De fato, essa área cerebral responde mais fortemente às faces na vertical, como as perceberíamos no ambiente nor- mal (Kanwisher, Tong, & Nakayama, 1998). As pessoas têm uma dificuldade surpreendente para reconhecer faces, sobretudo as desconhecidas, que estão de cabeça para baixo. A dificuldade para fazer essa tarefa piora bastante quando temos que reconhecer outros objetos invertidos. A inversão interfere na forma como as pessoas percebem as relações existentes entre as características faciais (Hancock, Bruce, & Bur- ton, 2000). Exemplificando, se as sobrancelhas são mais espessas do que o habitual, essa característica facial fica evidente se a face estiver posicionada na vertical, mas se torna indetectável se a face for invertida. Um exemplo in- teressante das dificuldades de percepção associadas às faces invertidas é evi- dente na ilusão de Thatcher (Thompson, 1980; FIG. 5.26). Em uma série de estudos, pesquisadores descobriram que as pessoas reconhecem mais rápida e precisamente as expressões faciais raivosas do que as felizes (Becker, Kenrick, Neuberg, Blackwell, & Smith, 2007). Além disso, os pesquisadores constataram que a maioria das pessoas reconhece a raiva mais rapidamente na face de um homem do que na de uma mulher, e tam- bém observaram o inverso para a expressão de felicidade. Os pesquisadores pensam que esses resultados são devidos em parte às crenças das pessoas de que os homens expressam raiva com mais frequência do que as mulheres e de que as mulheres expressam felicidade mais frequentemente do que os homens (i.e., as crenças contribuiriam para o processamento de cima para baixo – somos mais propensos a “ver” aquilo que esperamos ver). Esses pes- quisadores também pensam que as características faciais femininas e mascu- linas dirigem o efeito. Exemplificando, sobrancelhas espessas e baixas na face tendem a ser mais percebidas como uma expressão de raiva, sendo que os ho- mens em geral têm sobrancelhas mais espessas e baixas do que as mulheres. De acordo com a psicologia evolucionista, existe uma vantagem adap- tativa associada à detecção de faces raivosas. Considerando que em toda so- ciedade os homens cometem os crimes mais violentos, é adaptativo ser espe- cialmente rápido e preciso em reconhecer faces masculinas raivosas. Assim, o reconhecimento facial sustenta uma ideia enfatizada ao longo deste livro: o cérebro é adaptativo. FIGURA 5.22 Fechamento. Para nós, é difícil ver essas formas como estando separadas, sem serem par- tes de um triângulo. (a) (b) FIGURA 5.23 Contornos ilusórios. (a) Aqui, os contornos estão im- plicados. (b) Aqui, os indícios de profundidade estão implicados. O triângulo é uma ilusão criada pelo nosso sistema visual. Também pare- ce ser mais brilhante do que a área circundante, como seria esperado se estivesse mais perto de nós. FIGURA 5.24 Percepção da face. Uma face que parece estar choran- do pode ser vista nessa foto dramá- tica de uma geleira norueguesa. Capítulo 5 Sensação e percepção 191 A percepção da profundidade é importante para localizar objetos Uma das tarefas mais importantes do sistema visual é localizar objetos no espaço. Sem essa capacidade, teríamos dificuldade para navegar no mun- do e interagir com coisas e pessoas. Uma das questões mais persistentes na pesquisa psicológica é como conseguimos construir uma representação mental tridimensional do mundo visual a partir do estímulo retinal bi- dimensional. Nossa habilidade de ver a profundidade em uma fotografia ilustra esse ponto: um arranjo tridimensional de objetos cria exatamente a mesma imagem na retina que aquela criada por uma fotografia do mesmo arranjo de objetos. Apesar dessa ambiguidade inerente, não confundimos as fotos com as cenas nelas representadas. Somos capazes de perceber a profundidade nos padrões bidimen- sionais de fotografias, filmes, vídeos e imagens de TV, porque o cérebro aplica as mesmas regras ou mecanismos que usa para trabalhar as rela- ções espaciais entre os objetos no mundo tridimensional. Para tanto, ele explora rápida e automaticamente algumas de suas considerações prévias acerca da relação entre os indícios da imagem bidimensional e o mundo tridimensional. Entre essas considerações, há indícios que ajudam o sis- tema visual a perceber a profundidade. Esses indícios de profundidade podem ser agrupados em dois tipos: indícios de profundidade binocular, disponibilizados a partir dos dois olhos juntos e que contribuem para o processamento de baixo para cima, e indícios de profundidade monocular, disponibilizados a partir de cada olho e que fornecem informação organi- zacional para processamento de cima para baixo. PERCEPÇÃO DE PROFUNDIDADE BINOCULAR. Um dos indícios mais importantes de percepção de profundidade é a disparidade binocular (ou disparidade retinal). Esse indício é causado pela distância entre os dois olhos dos seres humanos. Como cada olho tem uma vista discretamente diferente do mundo, o cérebro tem acesso a duas imagens retinais distin- tas, porém sobrepostas. O cérebro usa a disparidade entre essas duas ima- Um conjunto de faces e objetos foi mostrado aos participantes A percepção visual das faces ativou uma área do cérebro conhecida como giro fusiforme. O hemisfério direito respondeu mais fortemente do que o esquerdo, em especial quando as faces foram apresentadas entre os objetos. Hemisfério direito Hemisfério esquerdo FIGURA 5.25 Percebendo faces. As imagens cerebrais mostram atividade aumentada no hemisfério direito quan- do as faces são vistas. Indícios de profundidade binocular Indícios da percepção da profundidade que surgem a partir do fato de as pessoas terem dois olhos. Indícios de profundidade monocular Indícios de percepção de profundidade disponibilizados para cada olho isolado. Disparidade binocular Um indício de profundidade; devido a distância entre os dois olhos, cada olho recebe uma imagem retinal discretamentediferente. FIGURA 5.26 A ilusão de Thatcher. Esse efeito foi assim chamado por ter sido es- tudado pela primeira vez usando fotos da antiga primeira ministra britânica, Margaret Thatcher. Aqui, as duas fotos invertidas de Mila Kunis parecem normais. Vire seu livro de ponta-cabeça para revelar uma perspectiva diferente. Tendemos a ver duas faces idênticas porque a configuração geral é similar e falhamos em perceber a distorção. Esse efeito implica que prestamos mais atenção nos olhos e na boca. Enquanto essas características estiverem corretamente orientadas, o restante da face parecerá normal, mesmo que não esteja. 192 Ciência psicológica gens retinais para calcular as distâncias entre objetos próximos (FIG. 5.27). A capacidade de determinar a profundidade de um objeto com base nessas projeções do objeto para cada olho é chamada visão estereos- cópica. Um indício de profundidade binocular rela- cionado é a convergência. Esse termo se refere ao modo como os músculos oculares viram os olhos para dentro quando vemos objetos próximos. O cé- rebro sabe o grau de conversão que os olhos estão sofrendo e usa essa informação para perceber a dis- tância (FIG. 5.28). PERCEPÇÃO DE PROFUNDIDADE MONOCULAR. Em- bora a disparidade binocular seja um indício impor- tante para a percepção da profundidade, é útil somen- te para objetos relativamente próximos. Além disso, podemos perceber a profundidade mesmo que um dos olhos esteja fechado, graças aos indícios de profundi- dade monocular. Os artistas usam esses indícios de forma rotineira para criar uma sensação de profundi- dade, por isso os indícios de profundidade monocular também são chamados indícios de profundidade pic- tural. O pintor, escultor, arquiteto e engenheiro renas- centista Leonardo da Vinci foi o primeiro a identificar muitos desses indícios, incluindo: � Oclusão: Um objeto próximo oclui (bloqueia) ou- tro objeto que está mais distante. � Tamanho relativo: Objetos distantes projetam uma imagem retinal menor do que a projetada por ob- jetos próximos se os objetos distantes e próximos tiverem o mesmo tamanho físico. � Tamanho familiar: Como sabemos o quão grande são os objetos familiares, podemos dizer a que distância estão com base no tamanho de suas imagens retinais. 65 milímetros A B A distância entre as imagens retinais dos objetos A e B no olho esquerdo é diferente... ...da distância entre A e B no olho direito. Esse é um indício importante para profundidade. O sistema visual vê todo objeto a partir de dois pontos de vantagem distintos: B BA A FIGURA 5.27 Disparidade binocular. Para demonstrar a sua própria disparidade binocular, segure um dos seus de- dos indicadores na frente da sua face e feche primeiro um olho, depois o outro. Seu dedo parecerá se mover porque cada olho, devido à posição em relação ao dedo, tem uma imagem retinal única. Convergência Um indício de percepção de profundidade binocular; quando uma pessoa vê um objeto que está próximo, os músculos oculares viram os olhos para dentro. Quando seus olhos veem um objeto próximo... ...os músculos oculares movem os olhos na direção um do outro. (a) (b) FIGURA 5.28 Convergência. (a) Ao verem coisas a distância, os olhos miram em linhas paralelas. (b) Conforme o objeto se aproxima, os olhos convergem. Para demonstrar essa convergência, segure um dos seus dedos indicadores em frente à sua face, a cerca de meio metro de distância. Traga o seu dedo lentamente para a frente dos olhos. Você consegue notar seus olhos convergindo? Capítulo 5 Sensação e percepção 193 � Perspectiva linear: Linhas aparentemente paralelas parecem convergir a distância. � Gradiente de textura: Conforme uma superfície uniformemente texturiza- da recua, sua textura vai se tornando continuamente mais densa. � Posição relativa ao horizonte: Quando todo o resto permanece igual, os objetos abaixo do horizonte que surgem mais alto no campo visual são per- cebidos como estando longe. Os objetos acima do horizonte que aparecem mais baixo no campo visual são percebidos como estando longe (FIG. 5.29). A percepção do tamanho depende da distância O tamanho da imagem retinal de um objeto depende da distância deste em relação ao observador. Quanto mais distante algo estiver, menor será sua imagem retinal. Para determinar o tamanho de um objeto, o sistema visual precisa saber a que distância ele está. Na maioria das vezes, há informação o suficiente disponível so- bre profundidade para o sistema visual calcular uma distância do objeto e, assim, inferir o quão grande ele é. A percepção do tamanho às vezes falha, contudo, e um objeto pode parecer maior ou menor do que realmente é (FIG. 5.30). Essa ilusão de ótica surge quando processos perceptivos normais represen- tam de modo incorreto a distância entre o observador e os estímulos. Em outras pa- lavras, os indícios de profundidade podem enganar, nos fazendo ver profundidade onde não há. Alternativamente, uma falta de indícios de profundidade pode enganar nos fazendo não ver profundidade quando de fato há. Esta seção considera dois fe- nômenos relacionados à percepção da profundidade e à percepção da distância: as caixas de Ames (também chamadas quartos de Ames) e a ilusão de Ponzo. CAIXAS DE AMES. As caixas de Ames foram manualmente confeccionadas na década de 1940, por Adelbert Ames, um pintor que se tornou cientista. Essas construções apresentam poderosas ilusões de profundidade. Dentro das caixas de Ames, os espaços jogam com perspectiva linear e outros indícios de distância. d f c e b a FIGURA 5.29 Indícios de profundidade pictóricos. Nesta foto, os indícios de profundi- dade incluem (a) oclusão, porque a cabeça da mulher está bloqueando o edifício; (b) posi- ção relativa ao horizonte, porque a mulher parece estar mais perto do que as pessoas e ob- jetos que estão na calçada; (c) tamanho relativo, porque o homem na esquina projeta uma imagem retinal menor do que os homens que estão atravessando a rua; (d) tamanho fami- liar, uma vez que nosso conhecimento sobre tamanhos de carro nos leva a estimar a possí- vel distância desse carro conforme o tamanho de sua imagem retinal; (e) perspectiva linear, porque as linhas da calçada parecem convergir a distância e (f) gradiente de textura, porque o padrão no pavimento se torna mais denso conforme a superfície se afasta da vista. FIGURA 5.30 Percepção da distância. Essa foto, de Rebec- ca Robinson, capta aquilo que parece ser uma minúscula Sarah Heatherton em pé sobre a cabe- ça de James Heatherton. Essa ilusão ocorre porque a foto falha em apresentar a informação so- bre profundidade: não abrange o monte em que Sarah está. 194 Ciência psicológica Um desses espaços faz um canto distante parecer estar à mesma distância que um canto mais próximo (FIG. 5.31). Em um quarto normal e nessa caixa de Ames, a criança que está perto projeta uma imagem retinal maior do que aquela que está longe. Normalmente, porém, a criança que está perto não parece ser gigante, porque o sistema da percepção consi- dera a profundidade ao avaliar o tamanho. Aqui, os indícios de profundidade estão errados, por isso a criança que está perto parece estar mais longe do que realmente está, e o tamanho desproporcional da imagem em sua retina a faz parecer enorme. A ILUSÃO DE PONZO. A ilusão de Ponzo, descrita pela primeira vez pelo psicólogo Mario Ponzo, em 1913, é outro exemplo clássico de ilusão de tamanho/distância (FIG. 5.32). Uma explicação comum para esse efeito é que os indícios de profundidade mo- nocular fazem a figura bidimensional parecer tridimensional (Rock, 1984). Como ob- servado antes, linhas aparentemente paralelas parecem convergir a distância. Aqui, as duas linhas desenhadas de modo a lembrar trilhos de trem retrocedendo ao longe enganam o seu cérebro, fazendo-o pensar que são paralelas. Dessa forma, você percebe as duas linhas paralelas no centro como se estivessem a dis- tâncias diferentes e, portanto, diferissem
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