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Ciclo Vital Familiar Francielli Galli “... A família é um sistema ativo em constante transformação e se altera com o passar do tempo para assegurar a continuidade e o crescimento psicossocial de seus componentes. Esse processo permite o desenvolvimento da família como unidade e, ao mesmo tempo, assegura a diferenciação de seus membros. A necessidade de diferenciação entendida como auto-expressão de cada indivíduo funde-se com a necessidade de coesão e manutenção da unidade no grupo com o passar do tempo. Teoricamente, o indivíduo é membro garantido de um grupo familiar que seja suficientemente coeso e do qual ele possa se diferenciar progressivamente e individualmente, tornando-se cada vez menos dependente em seu funcionamento do sistema familiar original, até poder separar-se e instituir, por si mesmo, com funções diferentes, um novo sistema”. (Andolfi, 1984) Ciclo Vital Familiar São etapas evolutivas do desenvolvimento familiar Conjunto de etapas ou fases definidas sob alguns critérios (idade dos pais, dos filhos, tempo de união de um casal, entre outros) pelos quais as famílias passam, desde o início da sua constituição em uma geração até a morte do ou dos indivíduos que a iniciaram. Ao longo desse processo, os afetos, as percepções dos papéis e funções de cada um, a dinâmica das relações e o investimento emocional também estão em constante mudança e reorganização, fazendo com que em cada etapa o significado que o sistema adquire na vida particular de cada indivíduo seja diferenciado. Ciclo Vital Familiar X Individual O ciclo de vida individual acontece dentro do ciclo de vida familiar, que é o contexto primário do desenvolvimento humano. A perspectiva do ciclo de vida familiar é fundamental para o entendimento dos problemas emocionais que as pessoas desenvolvem à medida em que se movimentam juntas através da vida. Ciclo Vital Familiar e a Clínica As famílias, frequentemente, não vislumbram uma perspectiva temporal quando estão com problemas. Geralmente tendem a magnificar o momento presente, esmagadas e imobilizadas por seus sentimentos imediatos, ou elas passam a fixar-se num momento futuro que temem ou pelo qual anseiam. Quando o senso de movimento é perdido ou distorcido, a terapia pode desenvolver o senso da vida como um processo e movimento “desde e rumo a”. Ciclo Vital Familiar e a Clínica Terapia pode ajudar a restabelecer o momento desenvolvimental da família Formula problemas acerca do curso que a família seguiu em seu passado, sobre as tarefas que está tentando dominar e do futuro para o qual se está dirigindo. Ciclo Vital Familiar e a Clínica Quando essa família começou? Os filhos ainda são pequenos ou já estão adolescentes? Os pais são jovens ou estão na meia idade? É uma família na qual convivem três, quatro gerações, com netos, noras, genros, avós? Ou é um núcleo familiar reduzido a pessoas de muito mais idade que já não têm a responsabilidade da criação de geração mais novas? Ciclo Vital Familiar e a Clínica O estresse familiar é geralmente maior nos pontos de transição de um estágio para o outro no processo de desenvolvimento familiar Os sintomas tendem a aparecer mais quando há uma interrupção ou deslocamento no ciclo de vida familiar em desdobramento. Ciclo Vital Familiar e Padrões de Normalidade Não busca a estereotipia, nem classificações de normalidade Cada vez mais difícil determinar quais são os padrões “normais” e isso é, muitas vezes, causa de grande estresse para os membros da família, que têm poucos modelos para as passagens que estão atravessando A aplicação rígida das ideias psicológicas ao ciclo de vida “normal” pode ter um efeito prejudicial, caso promova o medo que qualquer desvio da norma seja patológico Ciclo Vital Familiar Em cada estágio do ciclo de vida existe um complexo de papéis distintos para os membros da família, uns em relação aos outros Oscilações entre períodos centrípetos (tendência a se aproximar do centro) e centrífugos (tendência a se afastar do centro) no desenvolvimento familiar Experiências de vida como nascimento ou enfermidade requerem um estreitamento dos relacionamentos (períodos centrípetos) Experiências como iniciar a escola ou um novo emprego, que exigem um foco na individualidade (períodos centrífugos) Ciclo Vital Familiar Os relacionamentos com os pais, irmãos e outros membros da família passam por estágios, na medida em que a pessoa se move ao longo do ciclo de vida, exatamente como acontece com os relacionamentos progenitor-filho e conjugal (Cicirelli, 1985) Em geral, a famílias incorporam novos membros apenas pelo nascimento, adoção ou casamento, e os membros podem ir embora somente pela morte (Carter e McGoldrick, 1989) Ciclo Vital Familiar Na maioria dos relacionamentos familiares não se entra por escolha (exceção do casamento - recentemente) As pessoas não podem alterar o fato de serem relacionadas a quem são na complexa teia de laços familiares ao longo de todas as gerações. Obviamente, os membros da família agem como se isso não fosse assim – rompem relações em virtude de seus conflitos ou porque acham que ‘não tem nada em comum’-, mas quando os membros da família agem como se os relacionamentos familiares fossem opcionais, eles o fazem em detrimento de seu próprio senso de identidade e da riqueza de seu contexto emocional e social. (Carter e McGoldrick, 1989) Diferenças no Ciclo Vital Familiar As famílias são configuradas por padrões econômicos, sociais e culturais diversos Padrões étnicos e variabilidade cultural influenciam as definições de normalidade do ciclo de vida (ex. gravidez na adolescência) Mudanças no Ciclo Vital O poder exercido pelos mais velhos Mudanças nos papéis de homens e mulheres A invenção da infância Opção de viver junto sem casar ou não ter filhos Divórcio e recasamento Expectativa de vida aumentada Mudanças no Ciclo Vital É importante que os terapeutas reconheçam a extensão das mudanças históricas e sociais e as variações em relação à norma, e que ajudem as famílias a parar de comparar sua estrutura e curso de vida com aqueles de famílias há décadas. As Gerações e o Ciclo Vital Familiar A influência da família não está restrita ao sistema nuclear. As famílias nucleares são subsistemas emocionais, reagindo aos relacionamentos passados, presentes e antecipando futuros, dentro do sistema familiar maior de três gerações. Para Carter e McGoldrick (1989) a família compreende todo o sistema emocional de pelo menos três, e frequentemente, quatro gerações. Três ou quatro gerações devem acomodar-se simultaneamente às transições do ciclo de vida. Enquanto uma geração está indo para uma idade mais avançada, a próxima está lutando com o ninho vazio, a terceira com sua idade adulta jovem, estabelecendo carreiras e relacionamentos íntimos adultos com seus iguais e tendo filhos, e a quarta está sendo introduzida no sistema. Existe, naturalmente uma mistura das gerações, e os eventos em um determinado nível têm um poderoso efeito nos relacionamentos em cada um dos outros níveis. Transições no Ciclo de Vida Familiar Estresses desenvolvimentais predizíveis Estresses desenvolvimentais não predizíveis : os “golpes do destino” que podem romper o processo de ciclo de vida (uma morte prematura, o nascimento de uma criança com alguma deficiência, uma enfermidade crônica, uma guerra, etc.). Embora toda a mudança normativa seja estressante até certo ponto, quando o estresse desenvolvimental faz uma intersecção com um estresse transgeracional, existe um aumento importante da ansiedade no sistema. Ciclo Vital Familiar Há estudos sobre o casal ao longo do ciclo vital e há estudos sobre o modelo de três pessoas ou familiar, que focaliza, na maioria das vezes, a educação dos filhos como elemento organizador da vida familiar. Duvall (1957) divide o ciclo familiar em torno de fatos nodais, entrada e saída dos membros: 1 – Casais sem filhos 2 – Famílias com filhos até 30 meses 3 – Famílias com crianças em idade pré-escolar4 – Famílias com crianças em idade escolar 5 – Famílias com filhos adolescentes 6 – Famílias com jovens adultos 7 – Casal na meia idade 8 – Envelhecimento Estágios do Ciclo de Vida Familiar Minuchin e Fishman (1990) 1 – Formação do casal 2 – Casal com crianças pequenas 3 – Famílias com crianças em idade escolar ou adolescentes 4 – Famílias com filhos adultos Estágios do Ciclo de Vida Familiar Estágios do Ciclo de Vida Familiar Carter e McGoldrick (1989) – introduzem a noção de intergeracionalidade 1 – Saindo de casa: jovens solteiros 2 – A união de famílias no casamento: o novo casal 3 – Famílias com filhos pequenos 4 – Famílias com adolescentes 5 – Lançando os filhos e seguindo em frente 6 – Famílias no estágio tardio da vida Estágios do Ciclo de Vida Familiar Cerveny e Berthoud (1997): quatro etapas não rigidamente circunscritas: 1 – Família na Fase de Aquisição 2 – Família na Fase Adolescente 3 – Família na Fase Madura 4 – Família na Fase Última Estágios do Ciclo de Vida Familiar Estas classificações não contemplam toda a diversidade e as inúmeras configurações que temos hoje em dia, mesmo nas famílias consideradas típicas Cuidado para não olhar o ciclo vital de forma rígida nos estágios As sobreposições das fases, as transições entre as fases existem em um grande número de famílias Ex. uma gravidez na adolescência “desarruma” qualquer classificação rigidamente estruturada do ciclo vital E estes? Solteiros de meia idade que cuidaram de suas carreiras antes de assumir o casamento e a aquisição de filhos Recasamentos e famílias reconstituídas Filhos separados que voltam para a casa dos pais levando os netos Casais que adotam tardiamente crianças Famílias monoparentais Famílias homessexuais 1. Saindo de casa: jovens solteiros Processo emocional de transição: Aceitar a responsabilidade emocional e financeira pelo “eu” Mudanças necessárias: - Diferenciação do eu em relação à família de origem - Desenvolvimento de relacionamentos íntimos Estabelecimento do eu com relação ao trabalho e independência financeira Saindo de casa: jovens solteiros Relação mais horizontal com os pais: adulto para adulto 2. A união de famílias no casamento: o novo casal Processo emocional de transição: Comprometimento com um novo sistema Mudanças necessárias: - Formação do sistema conjugal/marital - Realinhamento dos relacionamentos com as famílias ampliadas e os amigos para incluir o cônjuge 3. Famílias com filhos pequenos Processo emocional de transição: Aceitar novos membros no sistema Mudanças necessárias: - Ajustar o sistema conjugal para criar espaço para o(s) filho(s) - Unir-se nas tarefas de educação dos filhos, nas tarefas financeiras e domésticas - Realinhamento dos relacionamentos com a família ampliada para incluir os papéis de pais e avós Fase de Aquisição O nascimento da família O nascimento dos filhos Caracterizada pela tarefa de aquisição de modo geral (patrimônio, novas formas de relacionamento, reorganização do sistema em função da definição e adoção de novos papéis de cada um de seus membros) Os cônjuges renegociam valores e regras de relacionamento, em um processo de construir o modelo particular de família que desejam constituir Fase de Aquisição Pode durar muitos anos, em especial para casais que adiam a decisão de ter filhos As vivências apresentam características particulares em função de aspectos como idade dos cônjuges, estilos de vida e contexto social no qual o novo núcleo familiar está inserido 4. Famílias com adolescentes Processo emocional de transição: Aumentar a flexibilidade das fronteiras familiares para incluir a independência dos filhos e as fragilidades dos avós Mudanças necessárias: - Modificar os relacionamentos progenitor-filho para permitir ao adolescente movimentar-se para dentro e para fora do sistema - Novo foco nas questões conjugais e profissionais do meio da vida - Começar a mudança no sentido de cuidar da geração mais velha Fase Adolescente Questionamento de crenças, regras e valores Filhos: período de transição e mudanças para a fase adulta Pais: geralmente vivenciando a “crise do meio da vida”, na qual revêm as experiências passadas e reavaliam suas vidas vivendo uma “segunda adolescência” (preocupam-se com a aparência, saúde e o envelhecimento O sistema familiar altera-se; as relações são revistas e readaptadas para que a família prossiga seu desenvolvimento 5. Lançando os filhos e seguindo em frente Processo emocional de transição: Aceitar várias saídas e entradas no sistema familiar Mudanças necessárias: - Renegociar o sistema conjugal como díade - Desenvolvimento de relacionamentos de adulto-para-adulto entre os filhos crescidos e seus pais - Realinhamento dos relacionamentos para incluir parentes por afinidades e netos - Lidar com incapacidades e mortes dos pais (avós) Fase Madura Os filhos atingem a idade adulta Família tem a tarefa de mudar o relacionamento entre pais e filhos, que agora são iguais em independência e capacidade de gerenciar as próprias vidas Transições importantes, nas quais conflitos e ambiguidades estão presentes: saída dos filhos de casa e reestruturação do sistema conjugal Os filhos conquistam um estilo de vida próprio e desafiam os pais a rever suas metas de vida Pais e mães têm que resolver questões pessoais, como perda do papel funcional pela aposentadoria e mudanças no padrão de vida Adaptação a novos membros na família extensa, como genros e noras, e renegociar regras de convivência e padrões de relacionamento 6. Famílias no estágio tardio da vida Processo emocional de transição: Aceitar a mudança dos papéis geracionais Mudanças necessárias: - Manter o funcionamento e os interesses próprios e/ou do casal em face ao declínio fisiológico - Apoiar um papel mais central da geração do meio - Abrir espaço no sistema para a sabedoria e experiência dos idosos, apoiando a geração mais velha, sem superfuncionar sem ela - Lidar com a perda do cônjuge, irmãos e outros iguais a preparar-se para a própria morte. Revisão e integração da vida Fase Última Pais vivenciam o envelhecimento Considerando que, em nossa cultura, o velho não tem um papel valorizado, muitas vezes a família confronta-se com a tarefa de como conviver com os pais idosos Viuvez : além das questões práticas (com quem morar e financeiro), o idoso tem que resolver questões pessoais de adaptação às novas condições emocionais de perda de funções e papéis Quando as relações foram bem resolvidas nas fases anteriores, geralmente o sistema familiar consegue se adaptar às novas demandas dessa fase. Porém, conflitos trazidos de fases anteriores dificultam em muito as renegociações necessárias nesse momento. Metáfora: Fases da Lua A fase da aquisição é a lua nova despontando brilhante no céu. A crescente é a fase da família adolescente. A fase madura é a lua cheia, a família grande e pesada. A fase última, é aquela lua nova que se formou anos atrás, muitas vezes minguando com apenas uma ou duas pessoas, mas que vai se perpetuar na próxima lua nova. (Cerveny & Berthoud, 1997, p. 27) A transição pode gerar uma crise... “Um estado temporário de confusão e desorganização, caracterizado, principalmente, pela falta de habilidade do indivíduo para lidar com uma situação particular, usando métodos rotineiros de resolução de problemas” Caplan (1960) A crise resulta em: Tensão Ansiedade Tumulto emocional Inabilidade de manter o funcionamento normal O que facilita/dificulta as transições? - História pessoal e familiar (padrões, mitos, segredos e legados familiares; estressores impredizíveis) - Momento vital e familiar - Recursos emocionais pessoais e familiares - Suporte social e familiar ↓ Vulnerabilidade individual e familiar Ciclo Vital e Vulnerabilidade Familiar Segundo o Índice de Desenvolvimento Familiar (IDF), as famílias mais vulneráveis: Filho nascido no último ano Filho nascido nos últimos dois anos Presença de criançaPresença de criança e adolescentes Presença de criança, adolescente ou jovem Presença de pessoa idosa Ausência de cônjuge Menos da metade dos membros em idade ativa Quando as famílias buscam terapia? - Terapia de família é mais procurada nos estágios: Famílias com filhos pequenos Famílias com adolescentes “Lançando os filhos e seguindo em frente” é mais procurada de forma separada por filhos e pais (casal) “O novo casal” busca terapia de casal No “Estágio tardio da vida”, os membros mais velhos raramente buscam terapia, geralmente são os membros da geração seguinte que buscam ajuda (e não definem o problema a partir do familiar idoso) Divórcio e Recasamento Entendido como interrupção ou deslocamento do tradicional ciclo vital familiar Picos de tensão emocional do divórcio Momento da decisão de separar-se ou divorciar-se Quando a decisão é anunciada à família e aos amigos Quando são discutidos os arranjos financeiros e de custódia / visitação Quando ocorre a separação física Quando ocorre o divórcio legal real Quando os cônjuges separados ou ex-cônjuges têm contato para conversar sobre dinheiro ou filhos Quando cada filho se forma, casa, tem filhos ou adoece Quando cada cônjuge casa novamente, se muda, adoece ou morre Recasamento Lutar com os medos relativos ao investimento em um novo casamento e uma nova família (medos do indivíduo, do novo companheiro, da família...) Lidar com as reações hostis ou de perturbação (filhos, famílias ampliadas, ex-cônjuge...) Lidar com a ambigüidade da nova estrutura, papéis e relacionamentos familiares Ressurgimento da intensa culpa e preocupação dos pais em relação ao bem-estar dos filhos Ressurgimento do antigo apego ao ex-cônjuge Referências Carter, Betty, Mcgoldrick, Mônica. As Mudanças no Ciclo de Vida Familiar: Uma Estrutura Para a Terapia Familiar. Porto Alegre. Artmed, 2001. Cerveny, Ceneide; Berthoud, Cristiana. Visitando a família ao longo do ciclo vital. São Paulo: Casa do Psicólogo. 2002. Falceto, Olga; Waldemar, José. “O Ciclo Vital da Família”. In Eizirik, Cláudio; Kapczinski, Flávio; Bassols, Ana. O Ciclo da Vida Humana: Uma Perspectiva Psicodinâmica. Porto Alegre: Artmed, 2001.
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