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LUIS-GRECO-Dolo-Sem-Vontade

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Dolo Sem Vontade
LUÍS GRECO*
I. Considerações introdutórias
1. Conceito cognitivo de dolo e o art. 14.° do Código Penal de Portugal
O Código Penal Português, diversamente do de outros países, como a Alemanha,
a Espanha e a Argentina, mas similar ao do Brasil, define de modo expresso o
conceito de dolo. A lei portuguesa chega ao ponto de determinar o conteúdo das
três reconhecidas formas de dolo: há dolo direto de primeiro grau, se o agente,
“representando um facto que preenche um tipo de crime, actuar com intenção de
o realizar” (Art. 14.° I); dolo direto de segundo grau, se o agente “representar a
realização de um facto que preenche um tipo de crime como consequência neces-
sária da sua conduta” (Art. 14.° II); e, por fim, dolo eventual, se “a realização de
um facto que preenche um tipo de crime for representada como consequência
possível da conduta, … o agente actuar conformando-se com aquela realização”
(Art. 14.° III). 
Noutras circunstâncias, a existência de semelhante dispositivo legal faria de um
artigo intitulado “dolo sem vontade” um empreendimento duvidoso. Se for ver-
dade que “onde o legislador fala, a filosofia cala”,1 parece não haver mais qual-
quer lugar para filosofarmos sobre o conceito de dolo. Felizmente, o presente
estudo é dedicado ao Prof. José de Sousa e Brito, um estudioso cuja curiosidade
nunca se deixou tolher pelas últimas três palavras do legislador.2 Isso nos permite
supor sua concordância com a premissa de que partiremos, a saber, de que a 
dogmática do direito penal é ciência jurídica, e não mero saber legal — Rechts-
wissenschaft e não apenas Gesetzeskunde. De uma tal perspectiva, a decisão do
legislador não significa o fim, e sim o início da filosofia, cuja tarefa passa a ser
* Doutor em Direito pela Universidade Ludwig Maximilan, Munique; LL.M. pela mesma instituição; wis-
senschaftlicher Assistent junto à cátedra do Prof. Dr. h. c. mult. Bernd Schünemann; bacharel em Direito pela
Universidade Federal do Rio de Janeiro.
1 Feuerbach, Über Philosophie und Empirie in ihrem Verhältnis zur positiven Rechtswissenschaft, in:
Lüderssen (coord.), Theorie der Erfahrung in der Rechtswissenschaft des 19. Jahrhunderts, Frankfurt a. M.,
1968, (orig. 1804), p. 61 e ss. (p. 93). 
2 Vide seus estudos, dedicados a temas predominantemente filosóficos: Praktische Vernunft und Utilitaris-
mus, in: ARSP Beiheft 51 (1993), p. 87 e ss.; Die gerechte Begrenzung der Gerechtigkeit im Recht, in: Dem-
merling/Rentsch (coords.), Die Gegenwart der Gerechtigkeit, Berlin, 1995, p. 29 e ss.; A questão dos funda-
mentos da ética em Bentham e em Mill, in: — Revista Iberoamericana de Estudios Utilitaristas XII
(2003), p. 1 e ss.; Arthur Kaufmanns Gerechtigkeitslehre und die Grundlagen der Ethik, in: ARSP Beiheft 100
(2005), p. 25 e ss.; Der praktische Syllogismus im Recht und in der Ethik, in: Schünemann et alii (coords.),
Gerechtigkeitswissenschaft, Berlin, 2005, p. 77 e ss. 
descobrir se essa decisão está arrimada apenas na autoritas do poder de quem
decide, ou também na veritas das razões que a justificam. Ou seja, ainda que o
legislador português tenha decidido qual o conteúdo do dolo, aos olhos da ciên-
cia jurídica permanece em aberto a questão quanto a se essa decisão é ou não cor-
reta, se ela está ou não justificada. 
2. Vontade em sentido psicológico-descritivo, vontade em sentido 
atributivo-normativo
O legislador português não está sozinho em supor que o dolo apresenta compo-
nentes volitivas. Também a doutrina amplamente dominante entende o dolo
como conhecimento e vontade de realizar o tipo objetivo.3
Como já desenvolvi noutra sede,4 tal parece uma visão simplificada das coisas.
Ainda que se reconheça nos termos “intenção” ou “conformando-se com” (art. 14
I e III, Código Penal Português), “quis” ou “assumiu o risco” (art. 18 I Código
Penal Brasileiro) uma conotação volitiva, há uma ambigüidade fundamental que
nos permite questionar as certezas da postura dominante. Esta ambigüidade diz
respeito à palavra vontade. Como demonstrou Puppe, a quem se filiou no Brasil
H. Souza Santos,5 na discussão sobre o dolo, o termo vontade é empregado em
dois sentidos um tanto diversos, que aqui serão caracterizados de forma bastante
grosseira, é verdade.6 Por vezes, designa-se por vontade um estado mental, algo
que ocorre literalmente na cabeça do autor, uma entidade empírica que pertence
ao universo psíquico de alguém. A proposição “a vontade do autor estava dirigida
886 DOLO SEM VONTADE
3 Em Portugal Correia, Direito Criminal, Coimbra, 1963, p. 367, 368, 375; Figueiredo Dias, Direito Penal,
Parte Geral, Tomo I, 2ª ed., Coimbra, 2007, 13.° cap. § 4 (p. 349); Pizarro Beleza, Direito Penal, 2.° vol.,
Lisboa, 1983, p. 180; na Alemanha, Lackner/Kühl, Strafgesetzbuch, 26ª ed., Munique, 2007, § 15 nm. 3 
e ss.; Sternberg-Lieben, in: Schönke/Schröder, Strafgesetzbuch, 27ª ed., Munique, 2006, § 15 nm. 9 e ss.;
Stratenwerth/Kuhlen, Strafrecht, Allgemeiner Teil, 5ª ed., Köln/Berlin/München, 2004, § 8 nm. 61, 66; no
Brasil, Bitencourt, Código Penal Comentado, São Paulo, 2002, p. 55; Cirino dos Santos, Direito Penal, Parte
Geral, Curitiba, 2006, p. 132; Reale Jr., Instituições de Direito Penal, Parte Geral, vol. I, Rio de Janeiro,
2002, p. 219, 221; na Argentina Zaffaroni/Alagia/Slokar, Derecho Penal, Parte General, 2ª ed., Buenos Aires,
2002, p. 519. 
4 Greco, Algumas observações introdutórias à “Distinção entre dolo e culpa”, de I. Puppe, em: Puppe, A dis-
tinção entre dolo e culpa, trad. Greco, São Paulo, 2004, p. IX e ss. (p. XVI e ss.).
5 Puppe, A distinção…, p. 31 e ss.; H. Souza Santos, Problemas estruturais do conceito volitivo de dolo, em:
Greco/Lobato (coords.), Temas de Direito Penal, Rio de Janeiro, 2008, p. 263 e ss. (268 e ss.).
6 A delimitação mais exata do sentido desses conceitos talvez seja a maior contribuição que a dogmática 
do dolo pode esperar da filosofia da linguagem e da mente. Para tentativas de recepção vide Kindhäuser, Der
Vorsatz als Zurechnungskriterium, in: ZStW 86 (1984), p. 1 e ss. (5 e ss.); recentemente Bung, Wissen und
Wollen im Strafrecht, Frankfurt a. M., 2009, p. 57 e ss., 133 e ss., que se apóia quase que exclusivamente em
Davidson; e principalmente Stuckenberg, Vorüberlegungen zu Vorsatz und Irrtum im Völkerstrafrecht, Berlin,
2007, p. 174 e ss.; no Brasil Busato, Dolo e significado, em: Modernas tendências sobre o dolo em direito penal,
Rio de Janeiro, 2008, p. 93 e ss. (p. 115 e ss.), com referências à doutrina espanhola. Isso não significa que 
se deva daí extrair mais do que um auxílio na precisão dos conceitos (assim também Stuckenberg, Vorüberle-
gungen…, p. 168 nota 855) — cf. a crítica mais abaixo, item IV. 
a X” teria, segundo esse primeiro sentido do termo vontade, conteúdo empírico,
seria uma questão de fato, referida a um estado de coisas que está no mundo.
Aqui “vontade” é entendida como conceito psicológico-descritivo.
É possível usar o termo vontade também num segundo sentido, não mais psi-
cológico-descritivo, e sim atributivo-normativo. Aqui, vontade não é mais uma
entidade interna à psique de alguém, mas uma atribuição, isto é, uma forma de
interpretar um comportamento, com ampla independência da situação psíquica
do autor. Dizer “a vontade do autor estava dirigida a X” significa, com base neste
segundo entendimento, não a existência, em algum momento, de algo dentro da
cabeça do autor suscetível de ser designado pelo termo vontade, mas sim que a
melhor maneira de compreender o comportamento do autor é aquela que, de
alguma forma, o aproxima daquilo que ele veio a realizar e o considera plena-
mente responsável por isso. 
As diferenças ficam mais claras se imaginamos o caso do estudante que não
estuda até a véspera da prova e, ao abrir livro, recebe um telefonema, sai, bebe,
não dorme e chega direto da discoteca para fazer a prova. Pode ser que ele
lamente com sinceridade a reprovação: “Minha vontade não era isso”,“foi sem
querer”. O amigo honesto talvez responda: “não reclame, você quis ser repro-
vado”. Neste diálogo, o estudante usa o termo vontade em sentido psicológico-
-descritivo, o amigo em sentido atributivo-normativo. 
Em que sentido usará a doutrina, então, o termo vontade? Querer a realização
do tipo, conformar-se com ela devem ser entendidos como entidades psicológi-
cas ou como adscrições normativas? Por enquanto, podemos contentar-nos em
assentar o seguinte: o Código Português nem sempre exige a presença de uma von-
tade em sentido psicológico para que se configure o dolo. Isso deriva não apenas da
redação do inciso II, em que não aparece nenhum termo de conotação volitiva,
mas também de considerações independentes, que vêm à tona ao pensarmos no
famoso caso do atirador de Lacmann, a que sempre se refere Puppe,7 e que será
aqui levemente modificado.8 Dois fazendeiros que brincam de tiro ao alvo numa
feira popular decidem fazer uma aposta. O desafio: que o primeiro deles atire no
chapéu da menina que se encontra vinte metros adiante, sem a ferir. O prêmio:
todo o patrimônio do perdedor. O primeiro fazendeiro atira e ocorre o dupla-
mente indesejado, a menina é atingida e morre. Neste caso, é óbvio que o atira-
dor não quis, em sentido psicológico-descritivo, o resultado. Era-lhe sumamente
indesejado sequer ferir a menina, uma vez que isso significaria a perda de todo o
LUÍS GRECO 887
7 Lacmann, Über die Abgrenzung des Vorsatzbegriffes, in: GA 58 (1911), p. 109 e ss. (p. 119); idem, Die
Abgrenzung der Schuldformen in der Rechtslehre und im Vorentwurf zu einem deutschen Strafgesetzbuch,
ZStW 31 (1911), p. 142 e ss. (p. 159); Puppe, A distinção…, p. 45 e s.; idem, Der Vorstellungsinhalt des dolus
eventualis, in: ZStW 103 (1991), p. 1 e ss. (4 e s.); idem, Begriffskonzeptionen…, p. 73. 
8 Essa variante se deve a Souza Santos, Problemas estruturais…, p. 285. No caso original, o atirador é um
garoto, a quem se promete o montante de 20 marcos caso consiga acercar uma bola de vidro que se encontra
na mão da menina que trabalha na tenda de tiro ao alvo.
seu patrimônio. Ainda assim, parece que ninguém hesitará em afirmar o dolo, e
se essa conclusão é correta, isso significa que tanto o Código, quanto a doutrina
dominante conhecem casos de dolo sem vontade em sentido psicológico.
As próximas linhas terão por objeto o conteúdo psicológico do dolo. Em prin-
cípio, o termo “vontade” será utilizado no restante do texto em sentido exclusi-
vamente psicológico-descritivo, e assim também o é no título do presente tra-
balho.
3. Teorias volitivas e teorias cognitivas do dolo
A definição de dolo atualmente aceita pela generalidade dos bons manuais é a de
“conhecimento e vontade de realizar o tipo objetivo”.9 Segundo esse entendi-
mento, o dolo teria um dúplice conteúdo psicológico, uma componente cogni-
tiva e outra volitiva. A primeira delas significa que a cabeça do autor conteria algo
como uma fotografia interna da realidade, uma espécie de imagem de como o
mundo se encontra no momento da ação e de como ele se encontrará depois dela.
Além dessa componente cognitiva, dolo pressuporia vontade em sentido psicoló-
gico, uma tomada de posição do autor diante dessa fotografia interna ou dessa
imagem mental. O autor poderia “ser-lhe indiferente”,10 “aprová-la”,11 “consen-
tir nela”,12 “não confiar” na sua não ocorrência,13 “levá-la a sério”,14 “decidir-se
contra o bem jurídico”,15 “apropriar-se das condições constitutivas do injusto”,16
a depender da teoria que se defenda17, e somente quando comprovada a existên-
888 DOLO SEM VONTADE
9 Cf. acima nota 3. 
10 Engisch, Untersuchungen über Vorsatz und Fahrlässigkeit im Strafrecht, reimpressão, Aalen, 1964 (orig.:
1930), p. 186 e ss. 
11 Como defende a jurisprudência alemã, BGHSt 7 (1955), 363; 36 (1990), 1 (9); para uma exposição mais
detalhada, com exaustivas referências, Vogel, Leipziger Kommentar, 12ª ed., Berlin, 2007, § 15 nm. 103 e ss.
12 A formulação mais difundida na doutrina brasileira, desde pelo menos Hungria, Comentários ao Código
Penal, vol. I, tomo II, 5ª edição, Forense, Rio de Janeiro, 1978, p. 122; posteriormente Bruno, Direito penal,
Parte geral, tomo II, 3ª edição, Rio de Janeiro, 1967, p. 75; Magalhães Noronha, Direito penal, vol. I, 32ª edi-
ção, São Paulo, 1997, n.°. 79, p. 138; Delmanto/Delmanto/Delmanto Jr./Delmanto, Código penal comentado,
5ª edição, Rio de Janeiro, 2000, p. 31; Mirabete, Manual de direito penal, vol. I, 16ª edição, São Paulo, 2000,
p. 141; Bitencourt, Código…, p. 57. 
13 Correia, Direito criminal…, p. 385. 
14 Assim, a teoria aparentemente dominante, fundada por Stratenwerth, Dolus eventualis und bewußte
Fahrlässigkeit, ZStW 71 (1959), p. 51 e ss. (p. 55 e ss.); em Portugal Figueiredo Dias, Direito Penal…, 13.° cap.
§ 45 (p. 372). 
15 Roxin, Zur Abgrenzung von bedingtem Vorsatz und bewusster Fahrlässigkeit, JuS 1964, p. 53 e ss. (p. 58);
idem, Strafrecht, Allgemeiner Teil, 4ª. ed., vol. I, München, 2006, § 12 nm. 21 e ss.; de acordo Rudolphi, in:
Systematischer Kommentar zum Strafgesetzbuch, 7a ed., 2002, § 15 nm. 1 s., 43. 
16 Schroth, Die Differenz von dolus eventualis und bewußter Fahrlässigkeit, in: JuS 1992, p. 1 e ss. (p. 6);
idem, Vorsatz als Aneignung der unrechtskonstituierenden Merkmale, Frankfurt a. M., 1994, p. 118 e ss.
17 Isso vale — no mais das vezes — para as cada vez mais difundidas teorias indiciárias, que em geral 
partem de uma concepção volitiva e definem a vontade com base em uma série de critérios ou indicadores: 
Prittwitz, Die Ansteckungsgefahr bei Aids, in: JA 1988, p. 486 e ss. (p. 497 e ss.); Hassemer, Kennzeichen
cia empírica dessas duas componentes psíquicas estaria justificado o reproche por
dolo. Este grupo de posturas dualistas, que exige conhecimento e vontade para
que se configure o dolo, é o das chamadas teorias volitivas. 
O objetivo do presente trabalho é, obviamente, questionar as posturas voli-
tivas, defendendo uma teoria cognitiva do dolo. Procederemos em dois passos: 
primeiro, perguntando se sequer a exigência de conhecimento, em sentido psi-
cológico, está justificada; e, após darmos uma resposta afirmativa a esta pergunta,
se a exigência de vontade (em sentido psicológico) também está justificada. A esta
segunda pergunta será dada uma resposta negativa. 
II. O conteúdo psicológico do dolo (1): conhecimento
Que o dolo pressupõe conhecimento, também parece, à primeira vista, claro.
Ocorre que o termo “conhecimento” padece da mesma ambigüidade acima
apontada ao nos referirmos à vontade. Conhecimento pode designar tanto um
estado mental, isto é, tanto pode ser entendido em sentido psicológico-descri-
tivo, como uma interpretação, algo dotado de um sentido atributivo-normativo.
Para usar outro exemplo da vida cotidiana: ao invés de submeter-se à prova 
e depois lamentar a nota baixa, o nosso estudante poderia sequer tê-la escrito.
Ele vai da discoteca não para a sala de aula, e sim para a casa de uma nova amiga,
onde se entretém com questões mais urgentes, sem sequer pensar na prova a que
tinha de comparecer. Ele poderá, depois, sinceramente dizer: “eu me esqueci 
da prova”, ou, em juridiquês, “no momento da não-prática da ação demandada,
eu não tinha conhecimento da prova, não sabia dela”. Já o amigo novamente
poderá responder: “você sabia, sim”. Os participantes deste diálogo podem usar
as mesmas palavras, mas falam, aqui também, língua diversa: o estudante usa 
o termo “saber” em sentido psicológico, o amigo em sentido normativo. O pri-
meiro problema que devemos enfrentar, assim, diz respeito a qual das duas lín-
guas seria a apropriada quando afirmamos que dolo é conhecimento. Será neces-
sário um conhecimento, um saber em sentido psicológico-descritivo, ou bastará
já um conhecimento, um saber em sentido normativo-atributivo?
Essa pergunta nos leva ao problema da chamada cegueira diante dos fatos.
Jakobs, partindo de um funcionalismoque se declara radicalmente normativista,
LUÍS GRECO 889
des Vorsatzes, in: Gedächtnisschrift für Armin Kaufmann, 1989, p. 289 e ss. (p. 304 e ss.); Díaz Pita, El dolo
eventual, Valencia, 1994, p. 311 e ss.; Canestrari, Die Struktur des dolus eventualis, in: GA 2004, p. 210 e ss.
(p. 219 e ss.); e Philipps, An der Grenze von Vorsatz und Fahrlässigkeit, in: Festschrift für Roxin, Berlin/New
York, 2001, p. 365 e ss., que propõe nada menos do que 26 parâmetros. Simpático também Roxin, Zur Nor-
mativierung des dolus eventualis und zur Lehre von der Vorsatzgefahr, in: Festschrift für Rudolphi, Neuwied,
2004, p. 243 e ss. (p. 246 e ss.). Para uma crítica convincente, que demonstra o quanto esta perspectiva se apro-
xima de um direito penal de autor, Puppe, Begriffskonzeptionen des dolus eventualis, in: GA 2006, p. 65 e ss.
(p. 78). 
considera metodologicamente suspeito derivar quaisquer conseqüências jurídicas
de meros fatos naturalísticos, em especial de dados psicológicos.18 Ele propõe
uma revisão normativista do conceito de dolo, de maneira que o decisivo para 
o dolo passa a ser não o que ocorre na cabeça de quem pratica certo comporta-
mento, e sim o sentido social que esse comportamento expressa. O dolo é expres-
são de desafio ou, pelo menos, de indiferença à vigência da norma, é expressão
de que o autor não reconhece a norma como um padrão de comportamento a
que está vinculado. Um tal sentido pode ser expressado não apenas por compor-
tamentos praticados com conhecimento em sentido psicológico, mas também
por comportamentos em que falte esse conhecimento, se essa falta decorrer da
indiferença do autor. Estes casos de desconhecimento por indiferença, em que 
o comportamento do autor tem a mesma carga expressiva e, por isso, merece o
mesmo reproche que o comportamento de alguém que sabe o que sabe, são bati-
zados por Jakobs de “cegueira diante dos fatos” (Tatsachenblindheit).19
Jakobs ilustra sua idéia com um exemplo um tanto intuitivo.20 Dois terroristas,
que num carro fogem da polícia, vêem-se de súbito diante de um bloqueio da rua
por viaturas policiais. De comum acordo decidem eles furar o bloqueio. O pri-
meiro terrorista pensa que essa decisão poderá custar a vida de algum policial que
por acaso se encontre atrás das viaturas: “azar o dele”. Já o segundo terrorista nem
chega a pensar que algum policial possa sofrer qualquer lesão, porque a vida de
um policial não é algo que sequer mereça um pensamento seu. De fato havia um
policial escondido atrás das viaturas, que se salva por um triz. Jakobs pergunta se
890 DOLO SEM VONTADE
18 Cf. principalmente as considerações metodológicas em Jakobs, Strafrecht, Allgemeiner Teil, 2ª ed., Berlin/
/New York, 1993, p. VII e s.; para os fundamentos jusfilosóficos Jakobs, Das Strafrecht zwischen Funktiona-
lismus und ‘alteuropäisches’ Prinzipiendenken, in: ZStW 107 (1995), p. 843 e ss. (trad. para o espanhol de
Cancio Meliá/Feijóo Sánchez intitulada Sociedad, norma, persona en una teoría de un derecho penal funcio-
nal, Bogotá 1996); idem, Norm, Person, Gesellschaft, 3ª ed., Berlin, 2008; sobre o funcionalismo de Jakobs
vide, entre muitos outros, brevemente Greco, Introdução à dogmática funcionalista do delito, in: RBCC 32
(2000), p. 120 e ss. (138 e ss.); mais extensamente Peñaranda Ramos/Suárez González/Cancio Meliá, Conside-
raciones sobre la teoría de la imputación de Jakobs, in: Jakobs, Estudios de Dereco Penal, Madrid, 1997, p. 17
e ss.; Montealegre Lynett/Perdomo Torres, Funcionalismo y normativismo penal. Una introducción a la obra de
Jakobs, Bogotá, 2006. 
19 Jakobs, Studien zum fahrlässigen Erfolgsdelikt, Berlin/New York, 1972, p. 105 e s.; idem, Das Fahrläs-
sigkeitsdelikt, in: ZStW-Beiheft 1974, p. 6 e ss. (p. 8); idem, Über die Behandlung von Wollensfehlern und
von Wissensfehlern, in: ZStW 101 (1989), p. 516 e ss. (528 e ss.) (trad. para o espanhol de Suárez González
em Jakobs, Estudios…, p. 127 e ss.); idem, Das Strafrecht zwischen Funktionalismus…, p. 861 ff.; idem, Straf-
rechtliche Zurechnung und die Bedingungen der Normgeltung, in: ARSP-Beiheft 74 (2000), p. 57 e ss. (62
nota 7) (trad. para o espanhol de Sánchez-Vera em Gómez-Jara [coord.], Teoría de sistemas y Derecho penal,
Granada, 2005, p. 177 e ss.); idem, Gleichgültigkeit als dolus indirectus, in: ZStW 114 (2002), p. 584 e ss.
(trad. para o espanhol de Pérez del Valle em Libro Homenaje a Bacigalupo, Madrid, 2004, p. 345 e ss.); idem,
Handlungssteuerung und Antriebssteuerung, in: Festschrift für Schreiber, Heidelberg, 2003, p. 949 e ss. (956);
idem, Dolus Malus, in: Festschrift für Rudolphi, Neuwied, 2004, p. 107 e ss.; de acordo Lesch, Dolus directus,
indirectus und eventualis, JA 1997, p. 802 e ss. 
A crítica de Vogel, Normativierung und Objektivierung des Vorsatzes?, in: GA 2006, p. 386 e ss. (388 e s.;
= Leipziger Kommentar…, Vor § 15 nm. 70), segundo a qual a teoria de Jakobs leva a que se punam fatos não
dolosos como se dolosos fossem, é uma clara petitio principii. 
20 Jakobs, Über die Behandlung…, p. 529. 
parece correto punir o primeiro terrorista por tentativa de homicídio, vez que
houve início da execução e dolo eventual, ao mesmo tempo em que se isenta o
segundo terrorista de responsabilidade pela tentativa, uma vez que falta o conhe-
cimento e, portanto, o dolo, segundo o conceito psicológico dominante, e é
impossível puni-lo por homicídio culposo, pois o resultado não se produziu.
Jakobs considera essa disparidade de tratamento injustificável e com isso lança um
interessante desafio a quem se propuser a defender um conceito do dolo como
conhecimento em sentido psicológico. 
A pergunta, portanto, é se o dolo deve sequer apresentar uma componente psi-
cológica, se o dolo sequer pressupõe conhecimento em sentido psicológico.21
O defensor da posição dominante, que responde a esta pergunta de modo afir-
mativo, tem de ser capaz de aduzir uma razão que fundamente por que a con-
duta daquele que atua com conhecimento apresenta um maior conteúdo de des-
valor do que a daquele que atua sem conhecimento. E esta razão tem de ter peso
o suficiente para explicar o tratamento duplamente mais severo que o dolo recebe
em comparação com a culpa: mais severo, primeiramente, pela sua extensão, uma
vez que na maior parte dos crimes só se pune a realização dolosa, e não a culposa,
e só nos casos de dolo se pune a tentativa22; e mais severo também no que se
refere à intensidade, uma vez que, nos crimes que apresentam forma culposa, a
dolosa recebe pena muito mais grave. 
Parece-me que a existência de conhecimento naquele que age faz, sim, surgir
uma razão que atende às exigências que se acaba de mencionar. Essa razão deriva
do fato de que o conhecimento é o fator subjetivo fundamental para que se possa
considerar que o autor agiu com domínio ou controle sobre aquilo que estava em
vias de realizar.23 Conhecimento significa domínio. Aquele que sabe o que faz e
LUÍS GRECO 891
21 No sentido em que se usa o termo querer no direito penal, só se pode querer algo, se se sabe o que é esse
algo. Por isso, a pergunta quanto a se o dolo sequer tem uma componente psicológica é idêntica à pergunta
quanto a se o dolo tem uma componente cognitiva. 
22 Nem tanto por ser impensável a tentativa na culpa, pois é uma questão terminológica falar em “tentativa
culposa” ou em “mero desvalor da ação culposa, sem desvalor do resultado”, havendo quem se valha dessa pri-
meira terminologia sem maiores preocupações (por ex. Jakobs, Strafrecht…, § 9 nm. 27, § 25 nm. 29, com
mais referências). Observe-se que colocar o problema nestes termos, supondo que o conceito de dolo depen-
derá das razões que fundamentam a pena mais severa do dolo (assim também Frisch, Vorsatz und Risiko, Köln
etc., 1983, p. 31 e ss., 34: “por que punimos o agir doloso mais freqüente e mais severamente que o culposo?”;
Silva Sánchez, Aproximacion al Derecho Penal Contemporáneo, Barcelona, 1992, p. 402; Figueiredo Dias,O Problema da Consciência da Ilicitude em Direito Penal, 4ª ed., Coimbra, 1995, p. 374; Ragués i Valles, El
dolo y su prueba en el proceso penal, Barcelona, 2002, p. 33; e já anteriormente Engisch, Untersuchungen…,
1930, p. 30, 52), implica a adoção de uma postura funcional, defendida também pelo homenageado (Sousa 
e Brito, Etablierung eines Strafrechtssystems zwischen formaler Begriffsjurisprudenz und funktionalistischer
Auflösung, in: Schünemann/Figueiredo Dias [coords.], Bausteine des europäischen Strafrechts, Köln etc., 1995,
p. 71 e ss.; há trad. espanhola, de Castineira Palau, in: Silva Sánchez [coord.], Fundamentos de um sistema
europeo del derecho penal, Barcelona, 1995, p. 99 e ss.). 
23 Assim também Schünemann, Vom philologischen zum typologischen Vorsatzbegriff, in: Festschrift für
Hirsch, Berlin/New York, 1999, p. 363 e ss. (p. 371); sobre o conceito de domínio em sua relevância para a
teoria do injusto fundamental Schünemann, Grund und Grenzen der unechten Unterlassungsdelikte, Göttingen,
1971, p. 229 e ss., 236.; mais recentemente idem, Lo permanente y lo transitorio del pensamiento de Welzel
o que pode decorrer de seu fazer controla, em um certo sentido, aquilo que faz e
o que pode decorrer de seu fazer. O conhecimento é necessário para a existência
de domínio sobre a realização do fato, e esse domínio dá origem a duas fortes
razões para que aquele que o possui receba um tratamento mais severo. 
A primeira dessas razões é de ordem conseqüencialista, isto é, tem a ver com a
conveniência, com as boas conseqüências que podemos esperar se punimos mais
gravemente quem atua com conhecimento.24 Se queremos prevenir crimes, mas
a prevenção gera custos, é racional empenharmos nossos limitados recursos pri-
meiramente na prevenção de condutas que, por serem dominadas, são — ceteris
paribus (isto é, mantendo-se o resto constante) — tanto mais perigosas para bens
jurídicos penalmente protegidos, como também mais passíveis de virem a ser re-
pensadas e abandonadas pelos agentes que estão a ponto de as praticar. A exis-
tência de um domínio sobre a realização do fato gera, portanto, maior necessidade
de prevenção, e é este o primeiro fundamento, de natureza conseqüencialista, para
a exigência de conhecimento no conceito de dolo.25
Mas nem tudo que é conveniente é correto. Os fins não justificam os meios. 
É preciso averiguar se o tratamento que nos convém dispensar ao autor não
acaba por instrumentalizá-lo e a desrespeitá-lo como pessoa. Noutras palavras, 
é preciso encontrar ainda uma razão de ordem deontológica para a punição mais
severa daquele que atua com conhecimento e, conseqüentemente, com domínio
sobre o fato. Essa razão está em que aquele que atua com domínio, por deter em
suas mãos o poder de decidir que curso de ação tomará e, em certa medida, que
conseqüências daí decorrerão, possui ceteris paribus uma muito maior responsa-
bilidade pela prática dessa ação e pelas conseqüências que venham a produzir-se
do que aquele que atua sem esse domínio. Ações praticadas com conhecimento
e, portanto, com domínio são ações que “pertencem” àquele que as pratica de
uma maneira muito mais íntima do que ações praticadas sem esse conheci-
mento.26
892 DOLO SEM VONTADE
en la dogmática penal de principios del siglo XXI, in: Hirsch/Cerezo/Donna (coords.), Hans Welzel en el pen-
sameniento penal de la modernidad, Buenos Aires, 2005, p. 251 e ss. (262 e ss.); idem, El dominio sobre el
fundamento del resultado, in: Homenaje a Rodríguez Mourullo, Navarra, 2005, p. 981 e ss. (987 e ss.); versão
mais atual em Leipziger Kommentar zum Strafgesetzbuch, 12ª. ed., vol. I, § 25 nm. 16, 39 e ss., com referên-
cias. Próximos Otto, Grundkurs Strafrecht, 7ª. Ed., Berlin, 2004, § 7 nm. 26 (“dirigibilidade”, Steuerbarkeit);
Frisch, Vorsatz.., p. 103 e ss., que fala num “poder superior de evitação” (erhöhte Vermeidemacht) e também
separa com cuidado o aspecto deontológico do conseqüencialista. 
24 Para o conceito de conseqüencialismo cf. Shaw, The Consequentialist Perspective, in: J. Dreier (coord.),
Contemporary Debates in Moral Theory, Malden, 2006, p. 5 e ss. (p. 5); Birnbacher, Analytische Einführung
in die Ethik, Berlin/New York, 2003, p. 173; Frey, Act-Utilitarianism, in: LaFollette (coord.), The Blackwell
Guide to Ethical Theory, Malden, 2000, p. 165 e ss. (165); Kamm, Nonconsequentialism, no mesmo volume,
p. 205 e ss. (p. 205).
25 Este argumento aparece em Schünemann, Leipziger Kommentar…, § 25 nm. 41; idem, Lo permanente…,
p. 266; idem, El dominio…, p. 990; e também em Schünemann/Greco, Der Erlaubnistatbestandsirrtum und
das Strafrechtssystem, in: GA 2006, p. 777 e ss., p. 784, se bem que aqui não tão claramente diferenciado da
próxima razão. 
26 Schünemann/Greco, Der Erlaubnistatbestandsirrtum…, p. 784 (com a reserva feita na nota anterior). 
O conhecimento em sentido psicológico é, portanto, necessário para o dolo,
porque só o conhecimento gera domínio sobre a realização do fato, domínio esse
que justifica uma punição mais severa tanto por aumentar as necessidades de pre-
venção, como a responsabilidade de quem atua. E estas considerações oferecem a
chave para explicar o porquê da impropriedade de punir por dolo aquele que atua
numa situação de cegueira diante dos fatos: o segundo terrorista de Jakobs, que
sequer pensou na vida do policial, não controla a ação de homicídio da mesma
maneira que o primeiro, que conhece os perigos que cria.27 A conclusão de
Jakobs só seria convincente se ele oferecesse um argumento capaz de explicar por
que a expressão de indiferença tem a mesma gravidade que o domínio. Se um
argumento dessa ordem é ou não possível, pode ficar em aberto nos limites do
presente trabalho. Fato é que, até agora, esse argumento não foi apresentado, de
modo que não temos uma razão para supor que deva ser abandonada a tese majo-
ritariamente aceita de que o dolo pressupõe pelo menos conhecimento — e
conhecimento em sentido psicológico. 
III. O conteúdo psicológico do dolo (II): vontade?
A pergunta a que nos devemos voltar é se o dolo, além de conhecimento, possui
uma segunda componente psicológica, de conteúdo volitivo. Se pensarmos na já
mencionada variante do caso do atirador de Lacmann, concluíremos que ao menos
parte da resposta a esta pergunta já nos é conhecida. O fazendeiro que dispara em
direção a uma menina, com vontade de acertar-lhe o chapéu, e não a cabeça, sob
pena de perder todo o seu patrimônio, não quer, em sentido psicológico, acertar
a cabeça da menina, nem quer perder todo o patrimônio. Se ainda assim afirma-
mos que este fazendeiro age dolosamente, tal se deve a que consideramos possí-
vel a existência de um dolo sem vontade em sentido psicológico.
1. Vontade e “dolo direto de primeiro grau”?
Põe-se, assim, uma nova pergunta: ainda que se admita que a vontade é desne-
cessária para afirmar o dolo, terá ela qualquer relevância para fundamentá-lo?
Pensemos no caso estruturalmente inverso ao da variante do atirador de Lac-
mann: nesta variante, não havia vontade em sentido psicológico, mas só conhe-
cimento da própria ação de efetuar um disparo em direção à cabeça de uma
menina e, portanto, da criação de um risco relativamente intenso de que se pro-
duza o resultado morte da menina. A situação inversa, em que há vontade, mas
LUÍS GRECO 893
27 Vide já Schünemann, Strafrechtsdogmatik als Wissenschaft, in: Festschrift für Roxin, Berlin/New York,
2001, p. 1 e ss. (20); Schünemann/Greco, Der Erlaubnistatbestandsirrtum…, p. 784. 
não conhecimento de criar um risco relativamente intenso, é exemplificada pelo
por vezes denominado caso Thyren, em que um leigo efetua, com uma pistola
normal, um disparo a uma enorme distância em direção à pessoa que ele deseja
matar.28 Poderemos admitir, neste caso, o dolo? 
A doutrina dominante, quando sequer se manifesta sobre o problema, não
hesita em responder afirmativamente a esta pergunta.29 Ocorre que quase nuncase oferece uma fundamentação para esta resposta. A doutrina dominante parece
mais confiar no acerto de sua intuição — se alguém quer matar e dispara em
direção à vítima por ele escolhida, não se pode afirmar que não há dolo, parece
gritar uma voz dentro de nós. Ainda que intuições não mereçam ser de todo
ignoradas, é exagerado conferir-lhes a última palavra. Elas são, no máximo, pon-
tos de partida, que, longe de substituir boas fundamentações, nos orientam
quando saímos em busca destas. Se o fundamento desta intuição for que há
dolo, porque há vontade de realizar o tipo objetivo, ter-se-á uma mera petitio
principii, uma repetição da intuição, que obviamente não pode pretender fun-
damentá-la. 
Mais relevante que a dificuldade de encontrar um fundamento jurídico para
essa intuição, provavelmente moral, de que a vontade má pesa contra o agente, 
é um segundo problema, qual seja: o de que num caso como o presente, não há
domínio, inexistindo, assim, as duas razões que tornam indicada a punição mais
severa de quem age com conhecimento. O fazendeiro da variante do exemplo de
Lacmann sabia o que fazia, sabia que daí podia com grande probabilidade decor-
rer um resultado típico, e neste sentido dominava a realização do tipo. Já o ati-
rador de Thyren sabe o que faz, mas não que um resultado típico tem grande pro-
babilidade de ocorrer. Ele não domina a realização do tipo. Se o punimos pela
realização de algo que não controla com a mesma severidade com que punimos
aquele que controla o que realiza, estamos reconhecendo que a vontade contrá-
ria ao direito é suficiente para fundamentar uma punição por dolo. Não se en-
xerga como essa conclusão, de que no caso do atirador de Thyren, se pune a mera
vontade contrária ao direito como equivalente ao controle, possa ser harmoni-
zada com os princípios do direito penal de um estado de direito, segundo os quais
o direito penal penaliza fatos, e não atitudes internas. À primeira vista — volta-
894 DOLO SEM VONTADE
28 Vide a discussão em Puppe, A distinção…, p. 66 e ss.; ademais idem, Vorsatz und Zurechnung., Heidel-
berg, 1992, p. 63 e ss., que chega a conclusão idêntica à que abaixo defenderei. A denominação “caso Thyren”,
a rigor não tão comum na Alemanha, aparece, por ex., em Rueda Martin, La teoría de la imputación objetiva
del resultado en el delito doloso de acción, Barcelona, 2001, p. 130 e ss. 
29 Por ex. Roxin, Zur Normativierung…, p. 250 e s.; idem, Strafrecht…, § 12 nm. 51; Schünemann, Über
die objektive Zurechnung, in: GA 1999, p. 207 e ss. (p. 220); Figueiredo Dias, Direito penal…, 13 cap. § 40
(p. 369); Herzberg, Zum Fahrlässigkeitsdelikt in kriminologischer Sicht und zum Gefahrmerkmal des Vorsatz-
delikts, in: Festschrift für Schwind, Heidelberg, 2006, p. 317 e ss. (p. 330); Laurenzo Copello, Algunas refle-
xiones críticas sobre la tradicional división tripartita del dolo, in: Libro homenaje a Torío López, Granada,
1999, p. 423 e ss. (p. 431 e s.); Vogel, Leipziger Kommentar…, § 15 nm. 85; mais referências em Rueda 
Martín, La teoría…, p. 132 e ss. Anteriormente já Engisch, Untersuchungen…, p. 152 e ss. 
remos logo mais a essa questão30 — não parece possível que, num direito penal
de fato, uma mera vontade, sem domínio, possa equivaler ao domínio. O fato 
de que o autor queira realizar o que não domina não gera nem uma maior neces-
sidade de prevenção, uma vez que o fato não é tão perigoso, nem uma maior res-
ponsabilidade do autor, uma vez que a eventual ocorrência do resultado se dá em
parte por acaso. 
Com o que chegamos a mais uma conclusão intermediária: a de que, nos cha-
mados casos de dolo direto de primeiro grau, tem de existir um conhecimento tal
que confira ao autor o domínio sobre aquilo que ele está a ponto de realizar. 
A mera vontade não pode transformar em dolosa uma realização de tipo objetivo
que o autor não domina. 
2. Vontade e “dolo eventual”?
Resta, assim, uma última indagação. Se a vontade não substitui o domínio,
poderá ela ao menos alterar algo em sua relevância jurídica? Dito mais concreta-
mente: se o autor que atua com conhecimento e, portanto, domínio, não quiser
o fato, poderá esse não-querer excluir o dolo? 
Imagine-se a seguinte situação. A vítima, até pouco tempo namorada do autor,
o abandonou, o que aos olhos dele é simplesmente inaceitável. Ela merece pelo
menos um belo susto. O autor a agarra num estrangulamento até que ela perca a
consciência. Nesse momento, ele pensa em soltá-la, mas como não está seguro de
que ela não acordará de imediato, aguarda mais alguns minutos. Se ela não acor-
dar nunca mais, paciência, “ela deveria ter pensado melhor antes de me deixar”,
pensa o autor. A vítima falece. Neste primeiro caso, não há dúvida quanto à exis-
tência do dolo. A doutrina dominante falaria aqui em dolo eventual, porque o
autor assumiu o risco de produção do resultado, o levou a sério, o aceitou, nele
consentiu etc.
Digamos que esse autor tivesse outro plano. A seu ver, deixar a namorada
inconsciente não chega a assustar de verdade. Um estupro é o que ela merece.
Mas para estuprá-la, ele tem de transportá-la de carro a um lugar ermo, e a
melhor maneira de fazê-lo é deixando-a inconsciente. Ele procede exterior-
mente de maneira de todo idêntica ao caso anterior: estrangula a ex-namorada
até que ela perca a consciência e ainda mais por alguns minutos, para que ela
não acorde de imediato, uma vez que ela ainda tem de ser transportada. A ví-
tima, porém, falece. O autor está frustrado, porque agora não poderá mais
estuprá-la. Alguém dirá que o autor aqui age sem dolo, que neste caso há mera
culpa consciente?
LUÍS GRECO 895
30 Cf. abaixo, IV. 
Neste segundo caso, o autor não quer, em sentido psicológico, a morte da
vítima. A realização integral de seu plano depende, isso sim, de que ela perma-
neça viva, para que ele possa estuprá-la. Intuitivamente, parece inadequado bene-
ficiá-lo, negando-lhe o dolo por causa desse plano, ou prejudicar o autor porque,
no primeiro caso, ele não queria estuprar a vítima, mas tão somente dar-lhe um
susto, quaisquer que fossem as conseqüências. Como já se disse acima, intuições
não são a última palavra. É preciso inquirir se elas estão bem fundamentadas. 
Na presente situação, parece-me que sim. 
O que incomoda na disparidade de tratamento dispensado às duas situações 
é que elas são idênticas no que diz respeito ao domínio.31 Se o domínio já é sufi-
ciente para fundamentar o tratamento mais severo que se reserva aos casos de
dolo, uma vez que faz surgir uma maior necessidade de prevenção e uma maior
responsabilidade, não se vê que papel uma vontade pode ainda ter, qualquer
que seja o seu sentido, coincidente ou contrário àquilo que o autor conhece 
e, portanto, domina. Ou o agente quer o que domina, e neste caso a vontade
parece redundante; ou ele não o quer, e neste caso não se vê porque o que ele
não quer tem de ter mais importância do que aquilo que ele conscientemente
domina. A vontade não acrescenta, nem retira nada às necessidades de pre-
venção e possibilidades de responsabilização geradas pela existência do do-
mínio. 
Como argumento adicional pode-se recordar a crítica feita por Herzberg e aco-
lhida por Puppe contra a doutrina dominante. Considerar decisiva para o dolo a
vontade de quem atua significa, em última análise, atribuir a quem atua a com-
petência para decidir se há ou não dolo. Ocorre que não é o agente, e sim o di-
reito quem tem de exercer essa competência32. Não se pode relegar ao arbítrio do
autor essa decisão, doutro modo — dito agora com base em nossos exemplos —
todo aquele que conscientemente realiza uma ação perigosa para a vida da vítima
pode escapar da responsabilização por dolo, se tiver uma segunda intenção
incompatível com a morte da vítima, como por ex. a intenção de cometer um
estupro.
896 DOLO SEM VONTADE
31 Outro bom exemplo no mesmo sentido é formulado por Feijóo Sánchez, El dolo eventual…, p. 35:“um
empresário danifica os freios de um caminhão em que viajam dois empregados, porque é amante da esposa 
de um deles e quer livrar-se do marido de sua amante. Haverá um homicídio doloso e outro culposo porque
ele ‘quer’ que morra apenas o marido de sua amante e ‘deseja’ ferventemente que ao outro ocorra o mínimo
possível?” Vide abstratamente também Jakobs, Strafrecht…, § 8 nm. 26.
32 Puppe, A distinção…, p. 61 e s. A passagem de Herzberg encontra-se em Die Abgrenzung von Vorsatz
und Fahrlässigkeit — ein Problem des objektiven Tatbestandes, in: JuS 1986, p. 249 e ss. (262): “para o dolo
não importa se o autor levou a sério o perigo que conhecia, e sim se ele conhecia um perigo que devia ser levado
a sério”; de acordo Souza Santos, Problemas estruturais…, p. 288; Feijóo Sánchez, El dolo eventual…, p. 33; no
mesmo sentido Sancinetti, Teoría del delito y disvalor de acción, 2ª. reimpressão, Buenos Aires, 2005, p. 201.
A crítica de Vogel, Normativierung…, p. 387 (= Leipziger Kommentar…, vor § 15 nm. 67), de que com isso
a vontade do autor seria declarada irrelevante, é na melhor das hipóteses uma descrição, mas mais provavel-
mente uma outra petitio principii. 
Observe-se que a objeção aqui formulada contra o conceito volitivo de dolo
não se refere nem ao problema de definição, nem ao de prova. Estes problemas,
é claro, existem. O primeiro deles, o problema de definição, diz respeito a que 
há uma série de teorias volitivas no mercado, cada uma se referindo a um estado
psíquico diverso — consentimento, assunção do risco, assunção aprovadora do
risco, decisão contra um bem jurídico etc.33 —, sendo que nunca se explica bem
no que uma teoria difere da outra. O segundo deles, o problema de prova, diz res-
peito ao fato de que, qualquer que seja o elemento volitivo que se considere cor-
reto, nunca é realmente possível provar a sua existência de maneira compatível
com as exigências da presunção de inocência e do in dubio pro reo. Por causa do
chamado acesso privilegiado que tem o autor em relação aos seus estados men-
tais,34 a rigor sempre lhe será possível negar ter agido com o estado mental a que
a teoria volitiva preferida se refere, sem que o juiz tenha como atestar estar o
autor mentindo. O fato de que ainda assim existam condenações por dolo
mesmo em casos em que não há confissão revela que, no fundo, a vontade em
sentido psicológico nunca foi levada muito a sério. 
A objeção que compõe a espinha dorsal do presente trabalho — de que a von-
tade é irrelevante para o domínio e, portanto, para justificar o tratamento mais
severo que deve receber aquele que age com dolo — é, entretanto, independente
desses dois problemas. O elemento volitivo, ainda que pudesse ser definido com
clareza e provado com precisão, não deve compor o conceito de dolo, pelo sim-
ples fato de que não se enxerga um fundamento para tanto. O problema a que 
se refere o presente artigo é, portanto, de fundamentação. 
IV. Desvalor da vontade?
Resta, assim, uma única saída para o defensor da doutrina dominante: forne-
cer um tal fundamento para a relevância da vontade. Este fundamento, como
acima foi dito, tem de conseguir dar conta de justificar o tratamento dupla-
mente mais severo dispensado pelo direito positivo ao dolo em comparação 
à culpa. Dessa colocação do problema já deriva uma série de importantes con-
siderações. A primeira delas é que o difundido apelo à linguagem cotidiana, 
ao sentido da palavra dolo ou intenção,35 é insuficiente, uma vez que o que 
está em jogo não é a descrição do sentido de uma palavra à maneira do dicio-
LUÍS GRECO 897
33 Cf. as referências nas notas 10-17. 
34 A respeito desse termo corrente na filosofia da mente e na epistemologia, vide os estudos compilados em
Pessin/Goldberg (coords.), The Twin Earth Chronicles, New York/London, 1996, p. 319 e ss., com a introdu-
ção dos coordenadores. 
35 Por todos Spendel, Zum Begriff des Vorsatzes, in: Festschrift für Lackner, Berlin/New York, 1987, p. 167
e ss. (p. 169 e ss.). 
narista, e sim a justificação de um sancionamento duplamente mais severo.36
Tampouco o recurso a um conceito pré-jurídico de ação, seja nos moldes do
finalismo,37 seja nos moldes da filosofia analítica,38 pode resolver o problema
de justificação. O mesmo se diga do apelo a qualquer abordagem sociológica,
como à teoria sistêmica,39 psicológica, como à chamada lógica das emoções
(Affektlogik),40 ou a uma abordagem moral, seja nos moldes como ela em Por-
tugal é defendida por Figueiredo Dias, que reconduz a componente volitiva do
dolo à teoria da culpabilidade pelo caráter,41 seja nos moldes da tradicional teo-
ria do chamado duplo efeito.42
Uma primeira possibilidade seria alegar que a ação praticada com vontade de
produzir o resultado é já objetivamente mais perigosa.43 Ocorre que aqui há uma
ligeira confusão. O que torna a ação objetivamente mais perigosa, a rigor, não 
898 DOLO SEM VONTADE
36 No mesmo sentido, por ex., Schmidhäuser, Vorsatzbegriff und Begriffsjurisprudenz im Strafrecht,
Tübingen, 1968, p. 12 e ss.; idem, Strafrecht Allgemeiner Teil, Ein Studienbuch, 2ª ed., Tübingen, 1984,
§ 7 nm. 40; Herzberg, Das Wollen beim Vorsatzdelikt und dessen Unterscheidung vom bewußt fahrlässigen
Verhalten, in: JZ 1988, p. 573 e ss., 635 e ss. (p. 573); críticas gerais ao método de recorrer à linguagem
cotidiana no trabalho de conceituação jurídica Greco, Lebendiges und Totes in Feuerbachs Straftheorie, Ber-
lin, 2009, p. 278 e ss.
37 Welzel, Das Deutsche Strafrecht, 11ª ed., Berlin, 1969, p. 65 e ss.; Armin Kaufmann, Der dolus eventua-
lis im Deliktsaufbau, Strafrechtsdogmatik zwischen Sein und Wert, Köln etc., 1982 (orig. 1959), p. 59 e ss.; 
e recentemente Bung, Wissen und Wollen…, p. 74, para o qual “o conceito de dolo depende por completo do
conceito de ação”. Cético quanto à geral utilidade do conceito de ação no direito penal Greco, Tem futuro 
o conceito de ação?, in: Greco/Lobato (coords.), Temas de Direito Penal, Parte Geral, Rio de Janeiro, 2008, 
p. 147 e ss. 
38 Bung, Wissen und Wollen…, p. 70 e ss., 133 e ss.
39 Recentemente Bleckmann, Strafrechtsdogmatik — wissenschaftstheoretische, soziologisch, historisch.
Das Beispiel des strafrechtlichen Vorsatzes, Freiburg i. Br., 2002, p. 130 e ss.; convincentes as críticas de
Stuckenberg, Vorüberlegungen…, p. 163 e ss. 
40 Assim Kargl, Der strafrechtliche Vorsatz auf der Basis der kognitiven Handlungstheorie, Frankfurt a. M.,
1993, p. 61 e ss.; também partindo de considerações psicológicas Janzarik, Vorrechtliche Aspekte des Vorsatzes,
in: ZStW 104 (1992), p. 65 e ss. (72 e ss.). 
41 Figueiredo Dias, O Problema…, p. 374; idem, Liberdade, culpa, direito penal, 3ª ed., Coimbra, p. 210;
idem, Direito Penal…, 10.° cap. § 71 (p. 278). Deve-se notar, aqui, uma dificuldade interpretativa: as citadas
considerações de Figueiredo Dias se referem ao dolo enquanto componente da culpabilidade (fazendo ressalva
expressa O Problema…, p. 374 nota 18). Ocorre que o autor considera a vontade um elemento já do dolo de
tipo (Direito Penal.., 13.° cap. § 34 e ss. [p. 368 e ss.]). Claramente, porém, Correia, Direito criminal…, 
p. 376 e Engisch, Die Lehre von der Willensfreiheit in der strafrechtsphilosophischen Doktrin der Gegenwart,
2ª ed., Berlin, 1965, p. 59 (que antes criticara a primeira fórmula de Frank, alegando que ela levaria a um juízo
sobre o caráter do agente, Untersuchungen…, p. 195 e ss.); e na doutrina atual Jescheck/Weigend, Lehrbuch des
Strafrechts, 5ª ed., Berlin, 1995, p. 300, 305. Na literatura anglo-saxônica M. Moore, Prima Facie Moral Cul-
pability, in: Placing Blame. A General Theory of the Criminal Law, Oxford, 1997, p. 409.
42 Para a teoria do duplo efeito, segundo a qual, grosseiramente, haveria uma diferença moral fundamental
entre os efeitos que se quer produzir e aqueles cuja produção apenas se prevê, cf. por ex. Cavanaugh, Double
Effect Reasoning, Oxford, 2006, p. 118 e ss.; criticamenteScanlon, Moral Dimensions, Cambridge etc., 2008,
p. 8 e ss. 
43 Mir Puig, Función de la pena y teoría del delito en el estado social y democrático de derecho, in: El dere-
cho penal en el estado social y democrático de derecho, Barcelona, 1994, p. 29 e ss. (p. 69); idem, Derecho
Penal, 7ª ed., Barcelona, 2006, Lección 6 nm. 56, se bem que aqui o autor mencione uma razão adicional, 
a de que o fato doloso se encontre numa relação mais direta de negação do bem jurídico. Mir se aproxima,
assim, da posição de Brammsen e Díaz Pita, que logo mais criticaremos. 
é a vontade, e sim a maneira como a ação é externamente executada. Os dois
exemplos que acabamos de discutir, o do tiro à distância e o do estrangulamento,
demonstram que a vontade, enquanto dado interno, não aumenta nem diminui
o grau de perigo criado pela ação do autor. O que pode ocorrer, sim, é que a von-
tade de matar leve o autor a efetuar o disparo não de tão longe, e sim à queima-
roupa. Mas, neste caso, não é preciso mais mencionar a vontade no momento de
verificar a intensidade do perigo. Essa intensidade deriva da circunstância obje-
tiva, externa de que o tiro foi disparado à queima-roupa. 
Ainda que se conceda que a ação praticada com vontade não é necessariamente
mais perigosa, talvez se recue e afirme a maior periculosidade do autor. Dir-se-ia,
assim, que quem quer lesionar o bem jurídico dá provas de ser capaz de um tal
querer, e que quem é capaz de querer algo, pode querê-lo outra vez. Próximo
disso está Schroth, para o qual o ordenamento jurídico dirige expectativas diver-
sas àquele que atua com culpa ou com dolo: do autor culposo, espera o direito
mais atenção, do autor doloso uma mudança na sua valoração dos interesses juri-
dicamente protegidos. Daí porque seria necessário para o dolo um elemento voli-
tivo, como manifestação da negação destes interesses pelo autor.44 Não se discu-
tirá aqui o acerto dessa prognose empírica. Ainda que ela fosse correta, ela levaria
a que puníssemos o autor não pelo que ele fez, mas pelo que ele pode vir a fazer.
Tal é próprio não de um direito penal de fato, e sim de autor. 
Uma vez que a fundamentação preventivo-especial não convence, poder-se-
ia tentar uma fundamentação preventivo-geral. O argumento que aqui desen-
volvi para justificar a exigência de conhecimento em sentido psicológico tam-
bém recorre, em parte, à prevenção geral negativa ou de intimidação. Por que não
insistir nessa perspectiva, perguntando se dela não pode derivar algum funda-
mento para a componente volitiva do dolo? Tal foi sustentando por ninguém
menos que Feuerbach. A seu ver, a vontade do potencial delinquente é justa-
mente o que deve ser neutralizado pela ameaça de sanção penal.45 O dolo seria
conseqüência de “perigosos e hostis afetos e paixões”, fazendo-se necessária
uma sanção mais severa para “domar esse real inimigo, o desejo antijurídico”46.
Deixemos mais uma vez de lado a defensabilidade dessa versão da teoria da coa-
ção psicológica47 e nos contentemos com um argumentum ad absurdum: por
que parar por aqui, na vontade? Por que não levar em conta como agravantes
também outros fatores consideradores facilitadores da decisão de cometer um
LUÍS GRECO 899
44 Schroth, Vorsatz…, p. 117. Similar Hassemer, Einführung in die Grundlagen des Strafrechts, 2ª ed.,
Munique, 1990, p. 223; idem, Kennzeichen…, p. 297, em cujo argumento aparecem fortes tonalidades de pre-
venção geral positiva. 
45 Por ex. Feuerbach, Revision I…, p. 44 e s.
46 Feuerbach, Kritik des Kleinschrodischen Entwurfs zu einem peinlichen Gesetzbuche für die Chur-Pfalz-
Bayrischen Staaten, vol. II, Giessen, 1804, p. 71. Para o conceito de dolo em Feuerbach cf. ademais Greco,
Lebendiges…, p. 60 e ss. 
47 Sobre essa questão Greco, Lebendiges…, especialmente p. 356 e ss., p. 361 s. 
delito, como a emoção, a má educação do autor48, ou mesmo a sua semi-impu-
tabilidade49 ou a provocação da vítima? 
Seria imaginável, contudo, recorrer à cada vez mais aceita teoria da prevenção
geral positiva, segundo a qual a pena não deve buscar a intimidação, e sim a inte-
gração, a estabilização da vigência da norma, a pacificação social. Brammsen pro-
pôs um fundamento dessa ordem: quem atua com vontade manifesta um maior
desprezo pelo bem jurídico, o que abalaria de modo mais intenso a confiança da
comunidade no ordenamento jurídico.50 Seria o “questionamento interno da
ordem jurídica”51 manifestado pelo autor que justificaria a punição duplamente
mais severa. Similares as considerações de Díaz Pita: num direito penal de pro-
teção de bens jurídicos, atua dolosamente quem se decide contra um bem jurí-
dico; e essa decisão é relevante, porque ela questiona diretamente a vigência da
norma.52 Também Schünemann propõe um argumento próximo.53 Não se ques-
tionará, nesta sede, a teoria da prevenção geral positiva, ainda que ela seja criti-
cável por uma série de razões.54 Bastará que se critique o moralismo destas pro-
postas, o fato de que elas levem a que se castigue o autor não pelo que ele fez,
mas por sua atitude interna. 
Uma outra possibilidade, inspirada na filosofia do idealismo alemão, isto é, 
de Kant, Fichte e especialmente Hegel, veria na consideração da vontade algo
como um verdadeiro direito da pessoa, derivado de sua pretensão de ser respeitada
enquanto pessoa. 55 O principal representante dessa abordagem hoje é Köhler,
para quem o dolo representa “um juízo prático-reflexivo de significado universal
concreto-essencial”.56 Mas não é nada claro que a única maneira de respeitar
alguém enquanto pessoa é considerar a sua própria vontade em sentido psicoló-
900 DOLO SEM VONTADE
48 Defendendo essas conclusões, expressamente no que se refere à emoção e à má educação, Feuerbach,
Revision der Grundsätze und Grundbegriffe des positiven peinlichen Rechts, Vol. II, Chemnitz, 1800, p. 338
e ss., 393 e ss., 417 e ss.; idem, Lehrbuch des gemeinen in Deutschland gültigen peinlichen Rechts, 14ª. ed.,
Giessen, 1847 § 121. 
49 Críticas a essa conclusão, que a seu ver provava a “impossibilidade prática” da teoria de Feuerbach, já no
contemporâneo Klein, Ueber die Unmöglichkeit, die Feuerbachsche Theorie, so weit sie sich auf die Milderung
oder Schärfung der Strafen wegen natürlicher Schwäche und Stumpfheit der Geisteskräfte bezieht, practisch
anzuwenden, in: Archiv des Criminalrechts Vol. III Fasc. III (1800), p. 137 ss. 
50 Brammsen, Inhalt und Elemente des Eventualvorsatzes, JZ 1989, p. 71 e ss. (p. 78). 
51 Brammsen, Inhalt und Elemente…, p. 79. 
52 Díaz Pita, El dolo eventual…, p. 302 e ss., 306. 
53 Schünemann, Vom philologischen…, p. 372. 
54 Greco, Lebendiges…, p. 396 e ss., 453 e ss. 
55 Hegel, Grundlinien der Philosophie des Rechts, Frankfurt a. M., 1986 (originalmente publicado em
1821), §§ 115 e ss., principalmente § 117: “A vontade tem o direito de reconhecer em seu fato (Tat) como
própria ação (Handlung) e como algo de que tem culpa (Schuld) apenas aquilo cujos pressupostos ela, vontade,
sabia compreendidos em sua finalidade, aquilo que fazia parte de sua intenção/dolo (Vorsatz)”.
56 Köhler, Die bewußte Fahrlässigkeit, Heidelberg, 1982, p. 242 e ss. (de onde retirei a citação); idem,
Strafrecht, Allgemeiner Teil, Berlin/Heidelberg, 1997, p. 161; de acordo Kelker, Zur Legitimität von Gesin-
nungsmerkmalen im Strafrecht, Frankfurt a.M., 2007, p. 421 e s. O leitor me perdoará por não explicar em
mais detalhes a concepção de Köhler, porque, para torná-la compreensível, também eu teria de havê-la com-
preendido. 
gico o decisivo para valorar seu comportamento. Uma vez que a pessoa é também
um ser que age, que atua sobre o mundo, considerar o domínio e, portanto, o
conhecimento da própria ação e das conseqüências que dela podem derivar como
os fatores decisivos parece corresponder ainda melhor a quaisquer exigências de
respeito à pessoa. 
Por fim, seria possível recorrer a um contra-argumento um tanto comum
entre osdefensores da teoria da vontade — de que a teoria cognitiva expande 
de maneira excessiva o alcance do dolo — e transformar esse argumento na tese
negativa de que o elemento volitivo é necessário, porque só ele pode operar uma
restrição da punibilidade57. Quanto a isso, três observações. A primeira é que a
exigência de um elemento volitivo poucas vezes é levada a sério pelos seus defen-
sores, que costumam, no mais das vezes, atribuí-lo ou negá-lo valendo-se ou de
critérios objetivos, como a intensidade do perigo,58 ou — o que é pior — recor-
rendo a uma intuição imperscrutável. A segunda é que a teoria cognitiva aqui
proposta também pune menos — vide os casos do disparo à distância. Pense-se,
também, nos casos de homicídios no trânsito, em quais a jurisprudência brasi-
leira, partindo da teoria volitiva, não raro afirma o dolo,59 de maneira que ele
poderia ser facilmente negado a partir de uma teoria cognitiva como a da pro-
babilidade. E a terceira diz respeito a que nem sempre punir menos é algo posi-
tivo. No Brasil, Hungria considerava impune o estupro praticado pelo marido
contra a esposa: exercício regular de direito.60 É superficial supor que uma razão
para punir menos será sempre uma boa razão, porque toda razão para punir
menos se torna, na sua ausência, ceteris paribus uma razão para punir mais. Exi-
gir o elemento volitivo significa, por um lado, que quem age sem o elemento
volitivo escapará da pena por dolo, mas por outro que quem apresentar essa
vontade já receberá a pena mais grave, ainda que não se saiba o porquê da rele-
vância dessa vontade.61
Nenhum dos fundamentos mencionados logra convencer. Isso significa que, se
continuamos a punir por dolo baseados na vontade, estamos punindo baseados
LUÍS GRECO 901
57 Zaffaroni/Alagia/Slokar, Derecho penal …, p. 520. Para os autores, este argumento deriva, em última aná-
lise, da premissa de que o direito penal seria de todo ilegítimo, de modo que a função da teoria do delito e dos
conceitos nela presentes não pode ser justificar ou fundamentar a pena, mas tão-somente restringi-la (por ex.
Zaffaroni/Alagia/Slokar, Derecho penal …, p. 46, 51 e ss., 372 e ss.). Como o argumento é, porém, indepen-
dente dessa premissa em boa parte questionável, não tratarei dela nesta sede (discussão da premissa em Greco,
Lebendiges…, p. 207 e ss.). 
58 Neste sentido também Ragués i Valles, El dolo…, p. 25, 83 e ss., que fala num “consenso divergente“. 
59 Referências de julgados até do Supremo Tribunal Federal Brasileiro em Nucci, Código penal comentado.
8.ed. São Paulo, 2008, p. 198 e s. Criticamente, apesar de adotarem a perspectiva volitiva, Shecaira, Dolo even-
tual e culpa consciente, in: RBCC 38 (2002), p. 142 e ss. (p. 149 e s.); Wunderlich, O dolo eventual nos homi-
cídios de trânsito: uma tentativa frustrada, in: Revista dos Tribunais 754 (1998), p. 461 e ss. 
60 Hungria, Comentários ao Código Penal, vol. VIII, Rio de Janeiro, 1959, p. 125 e s.
61 Curiosamente, os próprios Zaffaroni/Alagia/Slokar, Derecho penal…, p. 525, advertem sobre a proximi-
dade dos critérios das teorias volitivas a um direito penal de autor, sem que isso lhes sirva de razão para acolher
uma teoria cognitiva. 
em algo cujo fundamento desconhecemos. Enquanto o defensor da teoria voli-
tiva não fornecer esse fundamento — o que dificilmente ocorrerá — parece
imperioso que se abandonem antigas certezas em favor da concepção alternativa:
a de um dolo puramente cognitivo. 
V. Dolo sem vontade
Psicologicamente, dolo é conhecimento, e não conhecimento e vontade. Se todo
dolo é conhecimento, e a vontade não tem relevância alguma, não há mais qual-
quer razão para diferenciar dolo direto (em suas duas formas, de primeiro ou de
segundo grau) e dolo eventual. Há apenas uma forma de dolo.62
Seria necessário ainda precisar qual o conteúdo exato desse conhecimento. 
O presente estudo cuidou apenas da questão de fundamentação. O próximo
passo, que seria a resolução do problema de definição, tem de ser dado noutra
oportunidade. Por enquanto, deve apenas ficar assente o princípio geral que de-
verá orientar-nos nessa tarefa: para que se possa falar em dolo, tem o autor de agir
com conhecimento tal que lhe confira o domínio sobre aquilo que está realizando.
Ou seja, ao menos em parte o dolo acaba se tornando uma questão de tipo obje-
tivo:63 o autor tem de conscientemente criar um risco de tal dimensão que a
produção do resultado possa ser considerada algo que o autor domina.64 Isso
significa que, em princípio está correta a teoria da probabilidade, defendida na
atualidade em especial por Herzberg e Puppe, na Argentina por Sancinetti, e no
Brasil, por H. Souza Santos. Dolo é conhecimento de que a ocorrência do resul-
tado é algo provável. 
Como deve ser entendida em mais detalhes essa probabilidade — se como o
caráter desprotegido e imediato do perigo conscientemente criado pelo autor,65
como uma estratégia racional de produção do resultado,66 como uma não-im-
probabilidade67 ou como uma probabilidade superior a 50%, excluindo-se da
902 DOLO SEM VONTADE
62 Assim também Frisch, Vorsatz und Risiko, Köln/Berlin/Bonn/München, 1983, p. VII, 342; Puppe, A dis-
tinção…, p. 132; idem, Der Vorstellungsinhalt…, p. 15; idem, Vorsatz und Zurechnung…, p. 65; Sancinetti,
Teoría del delito…, p. 207 e ss.; Ragués i Valles, El dolo…, p. 185. 
63 No que assistia razão a Herzberg, Die Abgrenzung…, p. 249 e ss.; recentemente idem, Zum Fahrlässig-
keitsdelikt…, p. 323, 327, apesar de sua formulação exagerada. 
64 Para dizê-lo de modo mais tecnicamente exato, para agir com dolo, tem o autor de supor a criação de um
risco dessa ordem. Nos ordenamentos como o português ou brasileiro, que não punem a tentativa inidônea 
(art. 23.° III, CP português; art. 17 CP brasileiro), acaba não havendo diferença relevante entre as duas for-
mulações. Já em face do direito alemão, que pune a tentativa inidônea (§§ 22, 23 StGB) a formulação do corpo
do texto não é tão exata. 
65 Herzberg, Die Abgrenzung…, p. 253 e ss.; idem, Das Wollen…, p. 639 e ss.; idem, Der Vorsatz als
‘Schuldform’, als ‘aliud’ und als ‘Wissen und Wollen?’, in: Festschrift 50-Jahre BGH, München, 2000, p. 51
e ss. (p. 68 e ss.); idem, Zum Fahrlässigkeitsdelikt…, p. 325. 
66 Puppe, A distinção…, p. 82; idem, Vorsatz und Zurechnung…, p. 39; idem, Begriffskonzeptionen…, p. 74. 
67 Sancinetti, Teoría del delito…, p. 201 e s.
base de cálculo os fatores referidos à autoproteção da vítima,68 é o próximo pro-
blema, ao qual se deve futuramente dedicar mais atenção. 
VI. Síntese
1. A opção do vigente Código Penal Português por um conceito de dolo não
significa que seja descabido continuar discutindo sobre o conceito. 
2. Dolo é, ab initio, conhecimento, porque só o conhecimento gera domínio, 
e só o domínio fornece razões suficientemente fortes para fundamentar o tra-
tamento mais severo dispensado aos casos de dolo. Estas razões são a maior
necessidade de prevenção diante dos riscos que se dominam e a maior res-
ponsabilidade do autor por aquilo que ele realiza sob seu domínio.
3. Na cegueira diante dos fatos não há dolo, porque não há domínio. 
4. O dolo é só conhecimento, e não vontade, porque a vontade em nada altera
o domínio. A presença da vontade não é suficiente para fundamentar um
dolo sem domínio, sua ausência tampouco pode excluir o dolo quando há
domínio. 
5. Não se enxerga até a presente data qualquer fundamento convincente para
exigir uma vontade no conceito de dolo. 
6. Dolo é conhecimento tal que daí derive o domínio sobre o que o autor está
a realizar. Há uma única forma de dolo, não devendo diferenciar-se dolo
direto (de 1.° ou 2.° grau) e dolo eventual.
7. O caminho a seguir é aprimorar a teoria da probabilidade.
LUÍS GRECO 903
68 Souza Santos, O dolo e a culpa no direito penal, Rio de Janeiro, Dissertação de Mestrado (UCAM), 2006,
p. 100, 133 e s.

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