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A Crise do Populismo e os Caminhos do Golpe Militar de 1964 Independentemente da posição ideológica, ninguém que conheça um pouco de história discorda de que Getúlio Vargas figura entre os maiores presidentes de nossa curta história republicana. Contudo, seu estilo populista, suas leis trabalhistas e suas reformas sociais deixavam muito preocupados setores reacionários da sociedade brasileira. A última fase da Era Vargas, nos anos 1950, foi marcado por intrigas e atritos com a oposição, encabeçada por Carlos Lacerda, político de fortes posições conservadoras e inimigo confesso de Getúlio. Suas propostas de aumento do salário mínimo e a criação de estatais como a Petrobrás não deixavam dúvidas, aos olhos da oposição, de que o chamado “pai dos pobres” estava flertando com a esquerda. O exército, por meio de seus principais generais, exigia a renúncia imediata de Vargas. A UDN de Lacerda desencadeava uma série de acusações pela imprensa, e o cerco contra o presidente estava armado. Para complicar ainda mais o cenário, uma conspiração tramada por seguranças de Getúlio contra Lacerda, na rua Tonelero, envolvia seu nome em uma nova rodada de acusações. Sentindo-se pressionado e acuado, Vargas dá cabo da própria vida no dia 24 de agosto de 1954. Um tiro no peito acabou com a vida do homem que forjou metade de nossos direitos trabalhistas. A morte de Getúlio Vargas desencadeou uma onda de comoção popular que levou milhares de brasileiros em luto ao seu velório. Simultaneamente, a oposição planejava uma maneira de tomar o poder com a ajuda das Forças Armadas. Os historiadores são quase unânimes em afirmar que, após a morte de Vargas, houve uma primeira tentativa de golpe de estado; porém, o medo de uma forte reação popular teria recuado os conspiradores, levando- os a guardarem o golpe para um momento mais propício. Do trágico suicídio de Vargas até a posse de Juscelino Kubitschek, o país foi governado por três presidentes “provisórios”: Café Filho, vice de Getúlio, Carlos Luz, que era presidente da Câmara dos Deputados, e por fim, Nereu Ramos, presidente do Senado. Foi um período de instabilidade, e o Brasil, no que diz respeito às principais questões administrativas, ficou paralisado. O caos reinava e o povo não sabia o porquê dessa ciranda política e ainda havia os conspiradores, em modo de espera, prontos para um golpe de Estado. Passada essa fase de instabilidade, as eleições foram realizadas e, após um pleito dos mais disputados da nossa história, Juscelino Kubitschek foi eleito por uma pequena margem de votos. Sua campanha, baseada em ideias desenvolvimentistas, garantiu-lhe a vitória. Faltava apenas, ao recém-eleito presidente, cumprir a promessa de fazer o Brasil crescer “50 anos em 5”. Político talentoso e empreendedor, Juscelino nutria grandes planos para o Brasil. Contudo, o contexto não lhe era nada favorável, já que, após enfrentar uma tentativa de golpe de Lacerda, que pretendia impedir a sua posse, teve de lidar com sérios problemas internos e externos ao Brasil – inflação, crise financeira e desconfiança internacional eram seus maiores desafios no cumprimento das promessas que havia feito durante a campanha. Diplomático e extremamente inteligente, Juscelino foi estabelecendo alianças que lhe garantiam o mínimo de governabilidade e apoio político, a fim de prosseguir com os projetos que havia estabelecido em um plano de metas. Sua proposta baseava-se em trinta e uma metas relacionadas à indústria, energia, agricultura, educação e construção de uma nova capital federal para o Brasil, de modo que pudesse deslocar o desenvolvimento do litoral para o interior do país. Trabalhador e persistente, Juscelino não media esforços para ver seus sonhos realizados e, talvez, aí resida seu principal defeito como político, pois não se preocupava com gastos e custos, no intuito de impulsionar seus projetos. Suas obras faraônicas aumentaram consideravelmente a dívida externa do Brasil e o incentivo feito por ele a multinacionais atrasou em décadas o desenvolvimento de uma indústria nacional autônoma. A construção de Brasília no Planalto Central foi a menina dos olhos de sua gestão, mas a cidade de ruas planejadas e futuristas, rabiscadas pelos gênios Oscar Niemeyer e Lúcio Costa, deixaram um saldo “negativo” de um bilhão de dólares, uma fortuna para a época e uma dívida que demoramos décadas para quitar. A fim de pagar os credores, Kubitschek implantou um arrocho salarial, que diminuía a cada ano o poder de compra dos trabalhadores. Manifestações e greves despontavam por todos os lados. Apesar do clima de descontentamento, é importante ressaltar que o presidente não usou de violência contra os manifestantes e não era raro ver JK negociando com lideranças estudantis e sindicais por uma saída pacífica para a crise. Porém, sua impopularidade, no final do governo, era notória. Brasília foi inaugurada em abril de 1960, mas sua beleza e genialidade não impediram a saída melancólica de Juscelino, que viu as eleições sagrarem como novo presidente o político de carreira meteórica – Jânio Quadros. Os anos 1960 começam turbulentos: a revolução cubana de Fidel Castro e Che Guevara implantavam, pela primeira vez, um sistema comunista em solo americano. Por ironia do destino, Cuba está a 150 km dos Estados Unidos, e essa vizinhança com o gigante capitalista do Norte traria um constante clima de tensão para a região. A Guerra Fria ganhava contornos nucleares e a crise dos mísseis revelou ao mundo a ameaça iminente de uma destruição global. As potências que surgiram dos escombros da Segunda Guerra Mundial ensaiavam um rastro de aniquilação como nunca antes visto na história da humanidade. Com a Revolução Cubana, ficou claro que o perigo de uma expansão comunista pelo continente era uma realidade e, para os norte-americanos, era questão de honra evitar que isso acontecesse dentro da sua área de influência. Uma política de contenção foi posta em prática para afastar o “perigo vermelho” e, a fim de evitar que mais países latinos viessem a seguir o exemplo cubano, o serviço secreto norte-americano, a temível CIA, passou a treinar e apoiar golpes militares de direita, como mecanismo de contenção de regimes esquerdizantes. Na balança da Guerra Fria,valia a pena apoiar regimes ditatoriais pró-Estados Unidos, mesmo que isso contrariasse os seculares princípios democráticos vendidos aos quatro cantos do mundo, desde a sua independência. A diplomacia norte-americana acompanhava de perto o desenrolar dos acontecimentos em toda a América Latina, com a missão de deter o avanço de políticos ligados a partidos de esquerda e movimentos sindicais. Recentemente foram revelados documentos secretos da CIA que demonstram a participação direta dos Estados Unidos na série de golpes militares que eclodiram por toda a América Latina. Agentes americanos deram treinamento, armas e, além disso, custearam toda a logística necessária para a derrubada de presidentes populistas ou ligados a movimentos de esquerda. Os documentos apontam envolvimento direto dos Estados Unidos nos golpes que derrubaram Juan Domingos Perón, na Argentina, João Goulart, no Brasil, e Salvador Allende, no Chile. O governo Jânio Quadros era monitorado de perto, desde o início de seu mandato, em razão do seu perigoso flerte com a esquerda mundial em plena Guerra Fria. O governo americano já ensaiava uma pressão política, quando, para espanto de todos, o presidente renuncia com apenas seis meses de mandato. Seu efêmero governo foi marcado por medidas polêmicas e excêntricas, visto que Jânio parecia não enxergar o turbilhão político ao seu redor. Seu moralismo conservador era um contraste com as medidas descabidas de sua gestão. Ele se ocupou de proibir rinhas de galo, jogo do bicho e biquíni em praias brasileiras. Nada comparado à homenagemdada por ele ao guerrilheiro comunista Ernesto Che Guevara: a ordem do Cruzeiro do Sul, maior comenda brasileira entregue ao inimigo número 2 dos Estados Unidos. Entregar uma honraria tão grande a um guerrilheiro comunista, sendo o Brasil um país conservador por natureza, foi como cavar a própria sepultura. A oposição, capitaneada pela UDN, elevou o discurso contra Jânio, que não teve outra saída a não ser renunciar ao cargo. Por meio de uma carta entregue ao Senado, Jânio Quadros renuncia ao cargo, atitude prontamente aceita pelos senadores. Um grupo grande de pensadores interpreta essa renúncia de Jânio como uma estratégia política, com a intenção de exigir plenos poderes para governar sem as amarras do legislativo. Como a suposta simulação de renúncia foi aceita pelo Senado, não houve saída, a não ser entregar a presidência e partir para o exílio político “voluntário”. Uma trapalhada digna de uma grande comédia dos erros que lhe custou o maior cargo do executivo brasileiro. O momento político era realmente crítico e turbulento e, para piorar ainda mais a situação, o vice-presidente, que, com a renúncia de Jânio deveria assumir o cargo vago, estava em visita oficial à China comunista de Mao Tsé-tung. Um presidente tinha acabado de sair do poder sob acusações de estar alinhando o Brasil com o bloco comunista da Guerra Fria, e o vice alimentava a fúria dos reacionários com sua estadia em uma nação comunista. Para o exército e para a UDN de Lacerda, não restava dúvida – Jango não podia assumir a presidência. Os mais radicais afirmavam que Jango estava buscando apoio chinês para implantar uma ditadura de esquerda no Brasil ou, no mínimo, estava à procura de treinamento e logística para pôr em prática suas ideias esquerdizantes. O golpe de Estado, engavetado desde a morte de Vargas, foi retirado das sombras e estava em vias de entrar em cena. A democracia estava com seus dias contados. João Goulart não voltou ao Brasil de imediato, pois sabia da conspiração que estava em curso contra ele. O plano da oposição era prendê-lo assim que desembarcasse no país. Por questão de segurança, João Goulart viajou à Europa e, do velho continente, monitorou a situação no Brasil, esperando o melhor momento de retornar, a fim de reivindicar o cargo que era seu por direito. Enquanto o vice esperava ansioso o desenrolar dos fatos, Carlos Lacerda e Leonel Brizola travavam uma batalha nos bastidores. Este, pavimentando o caminho para a posse do cunhado, aquele, tramando (um complô?) contra Jango. O exército brasileiro também não via com bons olhos a ascensão de um político populista ligado a um passado varguista, uma vez que João Goulart era ligado a movimentos sindicalistas e trabalhara como ministro do trabalho no governo de Getúlio. Obviamente, sua antiga ligação com movimentos sociais deixava as Forças Armadas temerosas de que o mesmo pudesse aliar o Brasil ao bloco comunista da Guerra Fria. Os opositores da posse de Jango sabiam de sua imensa popularidade junto às camadas mais pobres da população. A prova viva disso eram suas constantes vitórias como vice-presidente em eleições anteriores e ninguém tinha a ilusão de que seria fácil barrá-lo. Ainda mais se levarmos em conta que ele era aliado e cunhado de uma figura política poderosa na época – Leonel Brizola, que tinha forte apelo popular e um histórico de ligação com alas sindicalistas. Suas posições ideológicas demonstravam ligações com a esquerda e, sem dúvida, era um político mais radical do que o cunhado. Para garantir a posse de Jango, ele avisou que faria uma guerrilha armada, se necessário. Com certeza, sem sua ação, Jango não teria muitas chances de assumir a presidência da República. Com bastante habilidade, Brizola soube trazer o povo para o seu lado na luta pela posse de Jango, por meio de uma campanha de rádio intitulada “Rede da Legalidade”. Começou modestamente nas rádios gaúchas, reduto eleitoral de Brizola, e, em pouco tempo, sua campanha tomou conta do país. Seu grito era pelo cumprimento da lei, que previa a posse do vice em caso de renúncia. No seu auge, a rede da legalidade contou com o apoio de 104 emissoras de rádio de todo o país. A causa ganhava corpo e grande parte do povo era a favor do cumprimento da Constituição. A oposição estava atordoada e cada vez mais acuada pela campanha bem sucedida de Brizola. No dia 27 de agosto de 1961, Leonel Brizola fez o seguinte pronunciamento, transmitido pela Rede da Legalidade: “O Governo do Estado do Rio Grande do Sul cumpre o dever de assumir o papel que lhe cabe nesta hora grave da vida do País. Cumpre-nos reafirmar nossa inalterável posição ao lado da legalidade constitucional. Não pactuaremos com golpes ou violências contra a ordem constitucional e contra as liberdades públicas. Se o atual regime não satisfaz em muitos de seus aspectos, desejamos o seu aprimoramento e não sua supressão, que representaria uma regressão e obscurantismo”. Nenhum dos lados dessa briga política parecia disposto a ceder; o país estava ingovernável e à beira de uma guerra civil entre partidários de Jango e oposicionistas. Hoje, se sabe que os militares possuíam um plano articulado para matar Brizola e seus partidários, mas a ação teria sido abortada em razão do apoio de parte do exército ao governador gaúcho. No Rio Grande do Sul, Brizola estava pronto para a luta: armou apoiadores e simpatizantes da posse de Jango e recebeu ajuda e logística de militares gaúchos que estavam fiéis a sua causa. Mas o pior estava prestes a acontecer, pois, no dia 29 de agosto de 1961, militares oposicionistas programaram um ataque aéreo ao Palácio do Piratini, para dar fim à vida do ferrenho defensor da ordem constitucional e da legalidade. Era preciso silenciar sua voz. O plano para matar Brizola não deu certo, em razão da intervenção de militares integrantes do 3º exército, grupo fiel ao governador gaúcho. Enquanto os acontecimentos caminhavam para uma inevitável guerra civil, que causaria um banho de sangue no congresso, Tancredo Neves buscava uma saída política e diplomática para o imbróglio. Depois de muitos debates e discussões acaloradas, foi aprovada, no dia 2 de setembro de 1961, a emenda constitucional nº 4, que previa a mudança no regime político brasileiro. Essa emenda implantou o parlamentarismo, que provia João Goulart de poderes de chefe de Estado, mas o governo, na prática, ficaria a cargo de um primeiro- ministro. Mesmo sob a ameaça de ter seu avião abatido pelos conspiradores, João Goulart retorna ao Brasil no dia 5 de setembro de 1961, vindo a tomar posse do cargo de presidente dois dias depois. De 1961 a 1963, o Brasil ficou literalmente parado, em razão das limitações de poder e sabotagens impostas ao governo Jango pela oposição, encabeçada pela UDN, de Lacerda. O presidente estava de mãos amarradas, seus projetos e ideias ficavam engavetados, políticos da oposição faziam o possível para barrar suas ações, e isso sem falar do imenso corte de recursos por parte do governo americano. Milhões de dólares deixaram de ser investidos no país, como forma de criar impopularidade para João Goulart. Como estava previsto no acordo que possibilitou a posse de Jango em 6 de janeiro de 1963, foi realizado um plebiscito popular, para decidir o regime político que continuaria em vigor até o término do mandato. As opções de voto seriam manter o parlamentarismo ou retornar ao regime presidencialista, devolvendo a plenitude do cargo ao presidente que, até então, tinha sido mero fantoche. Recuperar a plenitude do cargo não foi sinal de paz ou de bandeira branca para João Goulart. Ele sabia que, nos bastidores, setores da oposição e das Forças Armadas continuariam armando sua derrubada na primeira oportunidade que surgisse. A pressão política continuava subindo no mesmo ritmo que a grave crise financeiraque se instalava, o boicote norte- americano começava a dar os primeiros frutos. Sem muitas alternativas, o presidente chegou a cogitar o calote, já que, aparentemente, a única saída era decretar moratória, pois nossas dívidas externas dissipavam as reservas do País. No plano interno, João Goulart começava a se articular com partidos da base aliada para tentar a aprovação das chamadas Reformas de Base, um conjunto de medidas que, segundo o presidente, eram necessárias para se fazer justiça aos anos de exclusão impostos à classe trabalhadora. A meta era atrair o apoio das massas e dos partidos de esquerda. Existia muita gente poderosa que moveria céus e terras para impedir esse conjunto de reformas cujo cerne defendia a distribuição de terras, a diminuição de impostos para os mais pobres e a melhoria da qualidade de ensino. Na área da educação, Jango contava com o apoio do genial pedagogo Paulo Freire para pôr em prática uma educação de melhor qualidade. Algumas propostas possuíam, sim, cunho esquerdizante, mas daí a afirmar que Jango pretendia implantar o “bolchevismo” no Brasil beira a insanidade. O exagero é fruto de uma sociedade conservadora e reacionária que via em projetos sociais uma ameaça a seus interesses individuais. Vejo João Goulart como um homem que enxergava as disparidades sociais em um país tão rico e com um povo pobre e miserável que, historicamente, foi obrigado a sobreviver com as migalhas doadas com ar de caridade pela elite brasileira. No dia 13 de março de 1964, o presidente organizou um megacomício no Rio de Janeiro para apresentar ao povo o projeto das reformas de base na íntegra. Sua meta era angariar apoio para sua plena implantação. O evento contou com a presença de centrais sindicais, partidos de esquerda, simpatizantes do governo e de uma multidão que ultrapassava 400 mil pessoas. A multidão escutava atenta as ideias de Jango, outros milhões ouviram pelo rádio já que o discurso foi transmitido para todo o país. Entre as frases de efeito e a promessa de reforma agrária, o presidente assinou, em gesto simbólico, decretos que ligaram o sinal de alerta dos setores conservadores que seriam, com certeza, atingidos pelas reformas de base. Para que o leitor tenha clareza do temor criado pela assinatura dos decretos aprovados pelo presidente, resolvi colocá-los na íntegra, em razão da função pedagógica dos mesmos para o entendimento do momento histórico que o país vivia: Decreto Nº 53.700: Declara de interesse social para fins de desapropriação as áreas rurais que ladeiam os eixos rodoviários federais, os leitos das ferrovias nacionais e as terras beneficiadas ou recuperadas por investimentos exclusivos da União em obras de irrigação, drenagem e açudagem, atualmente inexploradas ou exploradas contrariamente à função social da propriedade, e dá outras providências. Decreto Nº 53.701: Declara de utilidade pública, para fins de desapropriação em favor da Petróleo Brasileiro S.A. – Petrobrás, em caráter de urgência, as ações da companhias permissionárias do refino de petróleo. Decreto Nº 53.702: Tabela os aluguéis de imóveis no território nacional, e dá outras providências. Não é difícil mensurar a preocupação que tais medidas desencadearam nas elites nacional e internacional. Os decretos assinados por Jango interferiam diretamente nos interesses de multinacionais do petróleo, assustavam os fazendeiros que temiam a reforma agrária e ainda davam um duro golpe nos lucros extorsivos praticados nos aluguéis cobrados no Brasil. Para o Exército, não restavam dúvidas quanto às posições de esquerda do presidente e, para os mais exaltados, os planos de João Goulart seriam o alinhamento político do Brasil com o bolchevismo soviético. A resposta dos reacionários não tardou e, no dia 19 de março de 1964, setores da igreja Católica, com o apoio da classe média, da elite e de alguns setores da imprensa conservadora, organizam em São Paulo a “Marcha da Família”, que reuniu 500 mil pessoas cujo objetivo era deixar clara sua aversão às propostas de base de Jango. O evento deixou evidente que uma grande parcela da população não apoiava as propostas apresentadas no Rio de Janeiro, pois elas afetavam o sagrado direito à propriedade privada. Durante o evento em São Paulo, alguns dos cartazes pediam a intervenção das Forças Armadas na contenção das reformas. O apoio civil era necessário para legitimar o que estava prestes a acontecer. O golpe que se preparava nos bastidores talvez não lograsse êxito sem a participação de inúmeros setores conservadores que não apoiavam as ideias supostamente radicais do presidente da República. Sem dúvida, o golpe foi civil-militar e contou com o apoio financeiro, político e logístico de membros que ocupavam posições de destaque na sociedade brasileira. Os preparativos que visavam à tomada do poder contavam com o apoio de políticos opositores do governo populista de João Goulart. Carlos Lacerda (Guanabara), Adhemar de Barros (São Paulo) e Magalhães Pinto (Minas Gerais) estavam à frente do grupo político que apoiava claramente um golpe militar que pusesse fim ao governo vigente. O Golpe foi desencadeado pelo general Olympio Mourão Filho. Na madrugada do dia 31 março de 1964, tropas sob seu comando partiram de Juiz de fora rumo ao Rio Janeiro. No passado, Mourão Filho já havia participado de outro golpe. Durante o governo Vargas, ele foi o principal responsável pela criação de um suposto plano comunista de invasão do Brasil, o chamado Plano Cohen, que serviu de argumento para que Getúlio decretasse o Estado Novo, implantando uma ditadura com feições fascistas no país. Os militares golpistas se dirigiram inicialmente para o Rio de Janeiro, por acreditarem que João Goulart estava na cidade. Seu plano era aprisioná-lo junto a outros apoiadores de seu governo. Em questão de horas, milhares de militares já haviam ocupado locais estratégicos em vários Estados da União; soldados armados e tanques de guerra desfilavam absolutos, praticamente sem resistência. A adesão ao golpe só não foi completa por parte das Forças Armadas em razão da recusa de militares gaúchos de participarem do assalto ao poder. Alguns quartéis do Rio Grande do Sul cogitaram reagir ao golpe militar. Leonel Brizola era defensor de uma luta armada de resistência aos militares; se preciso fosse, uma guerrilha civil. João Goulart, contudo, temia o derramamento de sangue de brasileiros inocentes. Por isso, pesou sua vontade de não resistir ao golpe. Temendo uma guerra civil de proporções catastróficas, Jango se refugia no Rio Grande do Sul. Dias depois, rumava ao exílio, de onde voltou apenas para ser sepultado. Sua morte no exílio está sob investigação, e sua família tem fortes indícios de que ele foi morto por envenenamento a mando de agentes do regime militar brasileiro. Com a fuga do presidente, seu cargo foi declarado vago pelos militares golpistas. Para dar um arremedo de legalidade à presidência, foi entregue ao então presidente da Câmara dos Deputados Ranieri Mazzilli. Um poder de mentira lhe foi entregue, já que o poder de fato estava nas mãos dos militares, o chamado “Comando Supremo Revolucionário” começava as tomar as rédeas do País. A manobra político-militar que derrubou João Goulart foi um verdadeiro sucesso. Não houve reação popular ao golpe e, mesmo que tivesse havido, as chances de vitória eram ínfimas, já que os militares dispunham de um enorme arsenal e da ajuda, se necessário fosse, dos norte- americanos. A operação “Brother Sam” estava preparada para ajudar os nossos militares, caso fosse necessário combater possíveis focos de resistência ao golpe militar que se desenhava na fatídica madrugada de 31 de março de 1964. Cada passoda ação golpista para derrubar o governo populista de Jango foi acompanhado de perto pelo embaixador americano Lincoln Gordon. Hoje se sabe, por meio de documentos antes secretos, que sua atuação nos bastidores foi fundamental para o sucesso final do golpe que usurpou o poder. É notório que existiam vários grupos e interesses distintos que se congregaram para derrubar um governo que, na visão deles, era corrupto, comunista, populista e que pretendia alinhar o Brasil com o bloco vermelho da Guerra Fria. Exagero ou realidade, os inúmeros segmentos que apoiaram o golpe julgavam estar fazendo o melhor pelo Brasil na luta contra as medidas esquerdizantes de Goulart. Grande parte da elite não enxergava as reformas de base como um acerto de contas com as desigualdades que vigoravam há séculos e só conseguiam enxergar a ameaça à propriedade privada que tais medidas poderiam gerar. Para garantir esses direitos sagrados da propriedade privada, o país foi mergulhado em duro regime militar que cerceou todos os direitos políticos e individuais em nome da “Segurança Nacional”. Os grandes fazendeiros, industriais, membros do clero católico, a classe média e os Estados Unidos são os personagens que apoiaram o golpe civil-militar de 1964. Cada um deles possuía argumentos de ordem política, econômica e ideológica para se alinharem ao Exército na derrubada do governo Jango. O povo pobre e judiado assistiu atônito aos acontecimentos que se desenrolavam diante do nariz. Nos 21 anos que se seguiram, suas vozes não seriam ouvidas, pois o país estava sob nova direção. A nossa frágil e embrionária democracia criada a duras penas na jovem república brasileira entraria em um longo estado de hibernação. Ao longo das duas décadas seguintes, reinaria a vontade dos homens de farda. Nos próximos capítulos, vamos analisar os pontos positivos e negativos desse período negro da nossa história republicana, e, na medida do possível, mensurar se a ditadura militar deixou algum legado que seja motivo de orgulho para as novas gerações de brasileiros. Autor: Hilário Xavier dos Santos Trecho do livro – O Essencial da ditadura Militar Brasileira
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