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A Crise do Populismo e os Caminhos do Golpe Militar de 1964

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A Crise do Populismo e os Caminhos do Golpe Militar de 1964 
Independentemente da posição ideológica, ninguém que conheça um pouco de história 
discorda de que Getúlio Vargas figura entre os maiores presidentes de nossa curta história 
republicana. Contudo, seu estilo populista, suas leis trabalhistas e suas reformas sociais 
deixavam muito preocupados setores reacionários da sociedade brasileira. 
 
A última fase da Era Vargas, nos anos 1950, foi marcado por intrigas e atritos com a oposição, 
encabeçada por Carlos Lacerda, político de fortes posições conservadoras e inimigo confesso 
de Getúlio. Suas propostas de aumento do salário mínimo e a criação de estatais como a 
Petrobrás não deixavam dúvidas, aos olhos da oposição, de que o chamado “pai dos pobres” 
estava flertando com a esquerda. O exército, por meio de seus principais generais, exigia 
a renúncia imediata de Vargas. A UDN de Lacerda desencadeava uma série de acusações pela 
imprensa, e o cerco contra o presidente estava armado. Para complicar ainda mais o cenário, 
uma conspiração tramada por seguranças de Getúlio contra Lacerda, na rua Tonelero, envolvia 
seu nome em uma nova rodada de acusações. Sentindo-se pressionado e acuado, Vargas dá 
cabo da própria vida no dia 24 de agosto de 1954. Um tiro no peito acabou com a vida do 
homem que forjou metade de nossos direitos trabalhistas. 
 A morte de Getúlio Vargas desencadeou uma onda de comoção popular que levou 
milhares de brasileiros em luto ao seu velório. Simultaneamente, a oposição planejava uma 
maneira de tomar o poder com a ajuda das Forças Armadas. Os historiadores são quase 
unânimes em afirmar que, após a morte de Vargas, houve uma primeira tentativa de golpe de 
estado; porém, o medo de uma forte reação popular teria recuado os conspiradores, levando-
os a guardarem o golpe para um momento mais propício. 
Do trágico suicídio de Vargas até a posse de Juscelino Kubitschek, o país foi governado por três 
presidentes “provisórios”: Café Filho, vice de Getúlio, Carlos Luz, que era presidente da 
Câmara dos Deputados, e por fim, Nereu Ramos, presidente do Senado. Foi um período de 
instabilidade, e o Brasil, no que diz respeito às principais questões administrativas, ficou 
paralisado. O caos reinava e o povo não sabia o porquê dessa ciranda política e ainda havia os 
conspiradores, em modo de espera, prontos para um golpe de Estado. Passada essa fase de 
instabilidade, as eleições foram realizadas e, após um pleito dos mais disputados da nossa 
história, Juscelino Kubitschek foi eleito por uma pequena margem de votos. Sua campanha, 
baseada em ideias desenvolvimentistas, garantiu-lhe a vitória. Faltava apenas, ao recém-eleito 
presidente, cumprir a promessa de fazer o Brasil crescer “50 anos em 5”. 
Político talentoso e empreendedor, Juscelino nutria grandes planos para o Brasil. Contudo, o 
contexto não lhe era nada favorável, já que, após enfrentar uma tentativa de golpe de Lacerda, 
que pretendia impedir a sua posse, teve de lidar com sérios problemas internos e externos ao 
Brasil – inflação, crise financeira e desconfiança internacional eram seus maiores desafios no 
cumprimento das promessas que havia feito durante a campanha. 
 Diplomático e extremamente 
inteligente, Juscelino foi estabelecendo alianças que lhe garantiam o mínimo de 
governabilidade e apoio político, a fim de prosseguir com os projetos que havia estabelecido 
em um plano de metas. Sua proposta baseava-se em trinta e uma metas relacionadas à 
indústria, energia, agricultura, educação e construção de uma nova capital federal para o 
Brasil, de modo que pudesse deslocar o desenvolvimento do litoral para o interior do país. 
 
 Trabalhador e persistente, Juscelino não media esforços para ver seus sonhos 
realizados e, talvez, aí resida seu principal defeito como político, pois não se preocupava com 
gastos e custos, no intuito de impulsionar seus projetos. Suas obras faraônicas aumentaram 
consideravelmente a dívida externa do Brasil e o incentivo feito por ele a multinacionais 
atrasou em décadas o desenvolvimento de uma indústria nacional autônoma. A construção de 
Brasília no Planalto Central foi a menina dos olhos de sua gestão, mas a cidade de ruas 
planejadas e futuristas, rabiscadas pelos gênios Oscar Niemeyer e Lúcio Costa, deixaram um 
saldo “negativo” de um bilhão de dólares, uma fortuna para a época e uma dívida que 
demoramos décadas para quitar. A fim de pagar os credores, Kubitschek implantou um 
arrocho salarial, que diminuía a cada ano o poder de compra dos trabalhadores. Manifestações 
e greves despontavam por todos os lados. Apesar do clima de descontentamento, é 
importante ressaltar que o presidente não usou de violência contra os manifestantes e não era 
raro ver JK negociando com lideranças estudantis e sindicais por uma saída pacífica para a 
crise. Porém, sua impopularidade, no final do governo, era notória. Brasília foi inaugurada em 
abril de 1960, mas sua beleza e genialidade não impediram a saída melancólica de Juscelino, 
que viu as eleições sagrarem como novo presidente o político de carreira meteórica – Jânio 
Quadros. Os anos 1960 começam turbulentos: a revolução cubana de Fidel Castro e Che 
Guevara implantavam, pela primeira vez, um sistema comunista em solo americano. Por ironia 
do destino, Cuba está a 150 km dos Estados Unidos, e essa vizinhança com o gigante capitalista 
do Norte traria um constante clima de tensão para a região. 
 A Guerra Fria ganhava contornos nucleares e a crise dos mísseis revelou ao mundo a 
ameaça iminente de uma destruição global. As potências que surgiram dos escombros da 
Segunda Guerra Mundial ensaiavam um rastro de aniquilação como nunca antes visto na 
história da humanidade. Com a Revolução Cubana, ficou claro que o perigo de uma expansão 
comunista pelo continente era uma realidade e, para os norte-americanos, era questão de 
honra evitar que isso acontecesse dentro da sua área de influência. Uma política de contenção 
foi posta em prática para afastar o “perigo vermelho” e, a fim de evitar que mais países latinos 
viessem a seguir o exemplo cubano, o serviço secreto norte-americano, a temível CIA, passou a 
treinar e apoiar golpes militares de direita, como mecanismo de contenção de regimes 
esquerdizantes. Na balança da Guerra Fria,valia a pena apoiar regimes ditatoriais pró-Estados 
Unidos, mesmo que isso contrariasse os seculares princípios democráticos vendidos aos quatro 
cantos do mundo, desde a sua independência. A diplomacia norte-americana acompanhava de 
perto o desenrolar dos acontecimentos em toda a América Latina, com a missão de deter o 
avanço de políticos ligados a partidos de esquerda e movimentos sindicais. 
Recentemente foram revelados documentos secretos da CIA que demonstram a participação 
direta dos Estados Unidos na série de golpes militares que eclodiram por toda a América 
Latina. Agentes americanos deram treinamento, armas e, além disso, custearam toda a 
logística necessária para a derrubada de presidentes populistas ou ligados a movimentos de 
esquerda. Os documentos apontam envolvimento direto dos Estados Unidos nos golpes que 
derrubaram Juan Domingos Perón, na Argentina, João Goulart, no Brasil, e Salvador Allende, 
no Chile. O governo Jânio Quadros era monitorado de perto, desde o 
início de seu mandato, em razão do seu perigoso flerte com a esquerda mundial em plena 
Guerra Fria. O governo americano já ensaiava uma pressão política, quando, para espanto de 
todos, o presidente renuncia com apenas seis meses de mandato. Seu efêmero governo foi 
marcado por medidas polêmicas e excêntricas, visto que Jânio parecia não enxergar o 
turbilhão político ao seu redor. Seu moralismo conservador era um contraste com as 
medidas descabidas de sua gestão. Ele se ocupou de proibir rinhas de galo, jogo do bicho e 
biquíni em praias brasileiras. Nada comparado à homenagemdada por ele ao guerrilheiro 
comunista Ernesto Che Guevara: a ordem do Cruzeiro do Sul, maior comenda brasileira 
entregue ao inimigo número 2 dos Estados Unidos. Entregar uma honraria tão grande a um 
guerrilheiro comunista, sendo o Brasil um país conservador por natureza, foi como cavar a 
própria sepultura. A oposição, capitaneada pela UDN, elevou o discurso contra Jânio, que não 
teve outra saída a não ser renunciar ao cargo. Por meio de uma carta entregue ao Senado, 
Jânio Quadros renuncia ao cargo, atitude prontamente aceita pelos senadores. 
 Um grupo grande de pensadores interpreta essa renúncia de Jânio 
como uma estratégia política, com a intenção de exigir plenos poderes para governar sem as 
amarras do legislativo. Como a suposta simulação de renúncia foi aceita pelo Senado, não 
houve saída, a não ser entregar a presidência e partir para o exílio político “voluntário”. Uma 
trapalhada digna de uma grande comédia dos erros que lhe custou o maior cargo do executivo 
brasileiro. 
 O momento político era realmente crítico e turbulento e, para piorar ainda mais a 
situação, o vice-presidente, que, com a renúncia de Jânio deveria assumir o cargo vago, estava 
em visita oficial à China comunista de Mao Tsé-tung. Um presidente tinha acabado de sair do 
poder sob acusações de estar alinhando o Brasil com o bloco comunista da Guerra Fria, e o 
vice alimentava a fúria dos reacionários com sua estadia em uma nação comunista. Para o 
exército e para a UDN de Lacerda, não restava dúvida – Jango não podia assumir a presidência. 
 Os mais radicais afirmavam que Jango estava buscando apoio chinês para 
implantar uma ditadura de esquerda no Brasil ou, no mínimo, estava à procura de treinamento 
e logística para pôr em prática suas ideias esquerdizantes. O golpe de Estado, engavetado 
desde a morte de Vargas, foi retirado das sombras e estava em vias de entrar em cena. A 
democracia estava com seus dias contados. João Goulart não voltou ao Brasil de imediato, pois 
sabia da conspiração que estava em curso contra ele. O plano da oposição era prendê-lo assim 
que desembarcasse no país. Por questão de segurança, João Goulart viajou à Europa e, do 
velho continente, monitorou a situação no Brasil, esperando o melhor momento de retornar, a 
fim de reivindicar o cargo que era seu por direito. Enquanto o vice esperava ansioso o 
desenrolar dos fatos, Carlos Lacerda e Leonel Brizola travavam uma batalha nos bastidores. 
Este, pavimentando o caminho para a posse do cunhado, aquele, tramando (um complô?) 
contra Jango. 
O exército brasileiro também não via com bons olhos a ascensão de um político populista 
ligado a um passado varguista, uma vez que João Goulart era ligado a movimentos sindicalistas 
e trabalhara como ministro do trabalho no governo de Getúlio. Obviamente, sua antiga ligação 
com movimentos sociais deixava as Forças Armadas temerosas de que o mesmo pudesse aliar 
o Brasil ao bloco comunista da Guerra Fria. Os opositores da posse de Jango sabiam de sua 
imensa popularidade junto às camadas mais pobres da população. A prova viva disso eram 
suas constantes vitórias como vice-presidente em eleições anteriores e ninguém tinha a ilusão 
de que seria fácil barrá-lo. Ainda mais se levarmos em conta que ele era aliado e cunhado de 
uma figura política poderosa na época – Leonel Brizola, que tinha forte apelo popular e um 
histórico de ligação com alas sindicalistas. Suas posições ideológicas demonstravam ligações 
com a esquerda e, sem dúvida, era um político mais radical do que o cunhado. Para garantir a 
posse de Jango, ele avisou que faria uma guerrilha armada, se necessário. Com certeza, sem 
sua ação, Jango não teria muitas chances de assumir a presidência da República. Com bastante 
habilidade, Brizola soube trazer o povo para o seu lado na luta pela posse de Jango, por meio 
de uma campanha de rádio intitulada “Rede da Legalidade”. Começou modestamente nas 
rádios gaúchas, reduto eleitoral de Brizola, e, em pouco tempo, sua campanha tomou conta do 
país. Seu grito era pelo cumprimento da lei, que previa a posse do vice em caso de renúncia. 
 No seu auge, a rede da legalidade contou com o apoio de 104 emissoras de 
rádio de todo o país. A causa ganhava corpo e grande parte do povo era a favor do 
cumprimento da Constituição. A oposição estava atordoada e cada vez mais acuada pela 
campanha bem sucedida de Brizola. No dia 
27 de agosto de 1961, Leonel Brizola fez o seguinte pronunciamento, transmitido pela Rede da 
Legalidade: “O Governo do Estado do Rio Grande do Sul cumpre o dever de assumir o papel 
que lhe cabe nesta hora grave da vida do País. Cumpre-nos reafirmar nossa inalterável posição 
ao lado da legalidade constitucional. Não pactuaremos com golpes ou violências contra a 
ordem constitucional e contra as liberdades públicas. Se o atual regime não satisfaz em muitos 
de seus aspectos, desejamos o seu aprimoramento e não sua supressão, que representaria 
uma regressão e obscurantismo”. 
 Nenhum dos lados dessa briga política parecia disposto a ceder; o país estava 
ingovernável e à beira de uma guerra civil entre partidários de Jango e oposicionistas. Hoje, se 
sabe que os militares possuíam um plano articulado para matar Brizola e seus partidários, mas 
a ação teria sido abortada em razão do apoio de parte do exército ao governador gaúcho. 
 
No Rio Grande do Sul, Brizola estava pronto para a luta: armou apoiadores e simpatizantes da 
posse de Jango e recebeu ajuda e logística de militares gaúchos que estavam fiéis a sua causa. 
Mas o pior estava prestes a acontecer, pois, no dia 29 de agosto de 1961, militares 
oposicionistas programaram um ataque aéreo ao Palácio do Piratini, para dar fim à vida do 
ferrenho defensor da ordem constitucional e da legalidade. Era preciso silenciar sua voz. 
O plano para matar Brizola não deu certo, em razão da intervenção de militares integrantes do 
3º exército, grupo fiel ao governador gaúcho. Enquanto os acontecimentos caminhavam para 
uma inevitável guerra civil, que causaria um banho de sangue no congresso, Tancredo Neves 
buscava uma saída política e diplomática para o imbróglio. Depois de muitos debates e 
discussões acaloradas, foi aprovada, no dia 2 de setembro de 1961, a emenda constitucional 
nº 4, que previa a mudança no regime político brasileiro. Essa emenda implantou o 
parlamentarismo, que provia João Goulart de poderes de chefe de Estado, mas o governo, na 
prática, ficaria a cargo de um primeiro- ministro. Mesmo sob a ameaça de ter seu avião 
abatido pelos conspiradores, João Goulart retorna ao Brasil no dia 5 de setembro de 1961, 
vindo a tomar posse do cargo de presidente dois dias depois. 
 De 1961 a 1963, o Brasil ficou literalmente parado, em razão das limitações de poder e 
sabotagens impostas ao governo Jango pela oposição, encabeçada pela UDN, de Lacerda. O 
presidente estava de mãos amarradas, seus projetos e ideias ficavam engavetados, políticos da 
oposição faziam o possível para barrar suas ações, e isso sem falar do imenso corte de recursos 
por parte do governo americano. Milhões de dólares deixaram de ser investidos no país, como 
forma de criar impopularidade para João Goulart. Como estava previsto no acordo que 
possibilitou a posse de Jango em 6 de janeiro de 1963, foi realizado um plebiscito popular, 
para decidir o regime político que continuaria em vigor até o término do mandato. As opções 
de voto seriam manter o parlamentarismo ou retornar ao regime presidencialista, devolvendo 
a plenitude do cargo ao presidente que, até então, tinha sido mero fantoche. 
 
Recuperar a plenitude do cargo não foi sinal de paz ou de bandeira branca para João Goulart. 
Ele sabia que, nos bastidores, setores da oposição e das Forças Armadas continuariam 
armando sua derrubada na primeira oportunidade que surgisse. A pressão política continuava 
subindo no mesmo ritmo que a grave crise financeiraque se instalava, o boicote norte-
americano começava a dar os primeiros frutos. Sem 
muitas alternativas, o presidente chegou a cogitar o calote, já que, aparentemente, a única 
saída era decretar moratória, pois nossas dívidas externas dissipavam as reservas do País. No 
plano interno, João Goulart começava a se articular com partidos da base aliada para tentar a 
aprovação das chamadas Reformas de Base, um conjunto de medidas que, segundo o 
presidente, eram necessárias para se fazer justiça aos anos de exclusão impostos à classe 
trabalhadora. A meta 
era atrair o apoio das massas e dos partidos de esquerda. Existia muita gente poderosa que 
moveria céus e terras para impedir esse conjunto de reformas cujo cerne defendia a 
distribuição de terras, a diminuição de impostos para os mais pobres e a melhoria da qualidade 
de ensino. Na área da educação, Jango contava com o apoio do genial pedagogo Paulo Freire 
para pôr em prática uma educação de melhor qualidade. 
Algumas propostas possuíam, sim, cunho esquerdizante, mas daí a afirmar que Jango 
pretendia implantar o “bolchevismo” no Brasil beira a insanidade. O exagero é fruto de uma 
sociedade conservadora e reacionária que via em projetos sociais uma ameaça a seus 
interesses individuais. Vejo João Goulart como um homem que enxergava as disparidades 
sociais em um país tão rico e com um povo pobre e miserável que, historicamente, foi 
obrigado a sobreviver com as migalhas doadas com ar de caridade pela elite brasileira. 
No dia 13 de março de 1964, o presidente organizou um megacomício no Rio de Janeiro para 
apresentar ao povo o projeto das reformas de base na íntegra. Sua meta era angariar apoio 
para sua plena implantação. O evento contou com a presença de centrais sindicais, partidos de 
esquerda, simpatizantes do governo e de uma multidão que ultrapassava 400 mil pessoas. 
 
A multidão escutava atenta as ideias de Jango, outros milhões ouviram pelo rádio já que o 
discurso foi transmitido para todo o país. Entre as frases de efeito e a promessa de reforma 
agrária, o presidente assinou, em gesto simbólico, decretos que ligaram o sinal de alerta dos 
setores conservadores que seriam, com certeza, atingidos pelas reformas de base. 
 
Para que o leitor tenha clareza do temor criado pela assinatura dos decretos aprovados pelo 
presidente, resolvi colocá-los na íntegra, em razão da função pedagógica dos mesmos para o 
entendimento do momento histórico que o país vivia: 
 
 
Decreto Nº 53.700: Declara de interesse social para fins de desapropriação as áreas rurais que 
ladeiam os eixos rodoviários federais, os leitos das ferrovias nacionais e as terras beneficiadas 
ou recuperadas por investimentos exclusivos da União em obras de irrigação, drenagem e 
açudagem, atualmente inexploradas ou exploradas contrariamente à função social da 
propriedade, e dá outras providências. 
Decreto Nº 53.701: Declara de utilidade pública, para fins de desapropriação em favor da 
Petróleo Brasileiro S.A. – Petrobrás, em caráter de urgência, as ações da companhias 
permissionárias do refino de petróleo. 
 Decreto Nº 53.702: Tabela os aluguéis de imóveis no 
território nacional, e dá outras providências. 
 Não é difícil mensurar a preocupação 
que tais medidas desencadearam nas elites nacional e internacional. Os decretos assinados por 
Jango interferiam diretamente nos interesses de multinacionais do petróleo, assustavam os 
fazendeiros que temiam a reforma agrária e ainda davam um duro golpe nos lucros extorsivos 
praticados nos aluguéis cobrados no Brasil. Para o Exército, não restavam dúvidas quanto às 
posições de esquerda do presidente e, para os mais exaltados, os planos de João Goulart 
seriam o alinhamento político do Brasil com o bolchevismo soviético. 
 
A resposta dos reacionários não tardou e, no dia 19 de março de 1964, setores da igreja 
Católica, com o apoio da classe média, da elite e de alguns setores da imprensa conservadora, 
organizam em São Paulo a “Marcha da Família”, que reuniu 500 mil pessoas cujo objetivo era 
deixar clara sua aversão às propostas de base de Jango. O evento deixou evidente que uma 
grande parcela da população não apoiava as propostas apresentadas no Rio de Janeiro, pois 
elas afetavam o sagrado direito à propriedade privada. Durante o evento em São Paulo, alguns 
dos cartazes pediam a intervenção das Forças Armadas na contenção das reformas. 
 O apoio civil era necessário para legitimar o que estava prestes a 
acontecer. O golpe que se preparava nos bastidores talvez não lograsse êxito sem a 
participação de inúmeros setores conservadores que não apoiavam as ideias supostamente 
radicais do presidente da República. Sem dúvida, o golpe foi civil-militar e contou com o apoio 
financeiro, político e logístico de membros que ocupavam posições de destaque na sociedade 
brasileira. 
 
Os preparativos que visavam à tomada do poder contavam com o apoio de políticos opositores 
do governo populista de João Goulart. Carlos Lacerda (Guanabara), Adhemar de Barros (São 
Paulo) e Magalhães Pinto (Minas Gerais) estavam à frente do grupo político que apoiava 
claramente um golpe militar que pusesse fim ao governo vigente. 
 
O Golpe foi desencadeado pelo general Olympio Mourão Filho. Na madrugada do dia 31 março 
de 1964, tropas sob seu comando partiram de Juiz de fora rumo ao Rio Janeiro. No passado, 
Mourão Filho já havia participado de outro golpe. Durante o governo Vargas, ele foi o principal 
responsável pela criação de um suposto plano comunista de invasão do Brasil, o chamado 
Plano Cohen, que serviu de argumento para que Getúlio decretasse o Estado Novo, 
implantando uma ditadura com feições fascistas no país. 
Os militares golpistas se dirigiram inicialmente para o Rio de Janeiro, por acreditarem que João 
Goulart estava na cidade. Seu plano era aprisioná-lo junto a outros apoiadores de seu governo. 
Em questão de horas, milhares de militares já haviam ocupado locais estratégicos em vários 
Estados da União; soldados armados e tanques de guerra desfilavam absolutos, praticamente 
sem resistência. 
A adesão ao golpe só não foi completa por parte das Forças Armadas em razão da recusa de 
militares gaúchos de participarem do assalto ao poder. Alguns quartéis do Rio Grande do Sul 
cogitaram reagir ao golpe militar. Leonel Brizola era defensor de uma luta armada de 
resistência aos militares; se preciso fosse, uma guerrilha civil. João Goulart, contudo, temia o 
derramamento de sangue de brasileiros inocentes. Por isso, pesou sua vontade de não resistir 
ao golpe. 
Temendo uma guerra civil de proporções catastróficas, Jango se refugia no Rio Grande do Sul. 
Dias depois, rumava ao exílio, de onde voltou apenas para ser sepultado. Sua morte no exílio 
está sob investigação, e sua família tem fortes indícios de que ele foi morto por 
envenenamento a mando de agentes do regime militar brasileiro. 
 
Com a fuga do presidente, seu cargo foi declarado vago pelos militares golpistas. Para dar um 
arremedo de legalidade à presidência, foi entregue ao então presidente da Câmara dos 
Deputados Ranieri Mazzilli. Um poder de mentira lhe foi entregue, já que o poder de fato 
estava nas mãos dos militares, o chamado “Comando Supremo Revolucionário” começava as 
tomar as rédeas do País. 
A manobra político-militar que derrubou João Goulart foi um verdadeiro sucesso. Não houve 
reação popular ao golpe e, mesmo que tivesse havido, as chances de vitória eram ínfimas, já 
que os militares dispunham de um enorme arsenal e da ajuda, se necessário fosse, dos norte-
americanos. A operação “Brother Sam” estava preparada para ajudar os nossos militares, caso 
fosse necessário combater possíveis focos de resistência ao golpe militar que se desenhava na 
fatídica madrugada de 31 de março de 1964. 
Cada passoda ação golpista para derrubar o governo populista de Jango foi acompanhado de 
perto pelo embaixador americano Lincoln Gordon. Hoje se sabe, por meio de documentos 
antes secretos, que sua atuação nos bastidores foi fundamental para o sucesso final do golpe 
que usurpou o poder. 
É notório que existiam vários grupos e interesses distintos que se congregaram para derrubar 
um governo que, na visão deles, era corrupto, comunista, populista e que pretendia alinhar o 
Brasil com o bloco vermelho da Guerra Fria. 
Exagero ou realidade, os inúmeros segmentos que apoiaram o golpe julgavam estar fazendo o 
melhor pelo Brasil na luta contra as medidas esquerdizantes de Goulart. Grande parte da elite 
não enxergava as reformas de base como um acerto de contas com as desigualdades que 
vigoravam há séculos e só conseguiam enxergar a ameaça à propriedade privada que tais 
medidas poderiam gerar. Para garantir esses direitos sagrados da propriedade privada, o país 
foi mergulhado em duro regime militar que cerceou todos os direitos políticos e individuais em 
nome da “Segurança Nacional”. 
Os grandes fazendeiros, industriais, membros do clero católico, a classe média e os Estados 
Unidos são os personagens que apoiaram o golpe civil-militar de 1964. Cada um deles possuía 
argumentos de ordem política, econômica e ideológica para se alinharem ao Exército na 
derrubada do governo Jango. O povo pobre e judiado assistiu atônito aos acontecimentos que 
se desenrolavam diante do nariz. Nos 21 anos que se seguiram, suas vozes não seriam ouvidas, 
pois o país estava sob nova direção. 
A nossa frágil e embrionária democracia criada a duras penas na jovem república brasileira 
entraria em um longo estado de hibernação. Ao longo das duas décadas seguintes, reinaria a 
vontade dos homens de farda. Nos próximos capítulos, vamos analisar os pontos positivos e 
negativos desse período negro da nossa história republicana, e, na medida do possível, 
mensurar se a ditadura militar deixou algum legado que seja motivo de orgulho para as novas 
gerações de brasileiros. 
 
Autor: Hilário Xavier dos Santos 
Trecho do livro – O Essencial da ditadura Militar Brasileira

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