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2 H IS TÓ R IA D O P E N SA M E N TO A N TR O P O LÓ G IC O - G R U P O P R O M IN A S 3 H IS TÓ R IA D O P E N SA M E N TO A N TR O P O LÓ G IC O - G R U P O P R O M IN A S 3 H IS TÓ R IA D O P E N SA M E N TO A N TR O P O LÓ G IC O - G R U P O P R O M IN A S Núcleo de Educação a Distância R. Maria Matos, nº 345 - Loja 05 Centro, Cel. Fabriciano - MG, 35170-111 www.graduacao.faculdadeunica.com.br | 0800 724 2300 GRUPO PROMINAS DE EDUCAÇÃO. Material Didático: Ayeska Machado Processo Criativo: Pedro Henrique Coelho Fernandes Diagramação: Ayrton Nicolas Bardales Neves PRESIDENTE: Valdir Valério, Diretor Executivo: Dr. Willian Ferreira, Gerente Geral: Riane Lopes, Gerente de Expansão: Ribana Reis, Gerente Comercial e Marketing: João Victor Nogueira O Grupo Educacional Prominas é uma referência no cenário educacional e com ações voltadas para a formação de profi ssionais capazes de se destacar no mercado de trabalho. O Grupo Prominas investe em tecnologia, inovação e conhecimento. Tudo isso é responsável por fomentar a expansão e consolidar a responsabilidade de promover a aprendizagem. 4 H IS TÓ R IA D O P E N SA M E N TO A N TR O P O LÓ G IC O - G R U P O P R O M IN A S 4 H IS TÓ R IA D O P E N SA M E N TO A N TR O P O LÓ G IC O - G R U P O P R O M IN A S Prezado(a) Pós-Graduando(a), Seja muito bem-vindo(a) ao nosso Grupo Educacional! Inicialmente, gostaríamos de agradecê-lo(a) pela confi ança em nós depositada. Temos a convicção absoluta que você não irá se decepcionar pela sua escolha, pois nos comprometemos a superar as suas expectativas. A educação deve ser sempre o pilar para consolidação de uma nação soberana, democrática, crítica, refl exiva, acolhedora e integra- dora. Além disso, a educação é a maneira mais nobre de promover a ascensão social e econômica da população de um país. Durante o seu curso de graduação você teve a oportunida- de de conhecer e estudar uma grande diversidade de conteúdos. Foi um momento de consolidação e amadurecimento de suas escolhas pessoais e profi ssionais. Agora, na Pós-Graduação, as expectativas e objetivos são outros. É o momento de você complementar a sua formação acadêmi- ca, se atualizar, incorporar novas competências e técnicas, desenvolver um novo perfi l profi ssional, objetivando o aprimoramento para sua atua- ção no concorrido mercado do trabalho. E, certamente, será um passo importante para quem deseja ingressar como docente no ensino supe- rior e se qualifi car ainda mais para o magistério nos demais níveis de ensino. E o propósito do nosso Grupo Educacional é ajudá-lo(a) nessa jornada! Conte conosco, pois nós acreditamos em seu potencial. Vamos juntos nessa maravilhosa viagem que é a construção de novos conhecimentos. Um abraço, Grupo Prominas - Educação e Tecnologia Olá, acadêmico(a) do ensino a distância do Grupo Prominas! . É um prazer tê-lo em nossa instituição! Saiba que sua escolha é sinal de prestígio e consideração. Quero lhe parabenizar pela dispo- sição ao aprendizado e autodesenvolvimento. No ensino a distância é você quem administra o tempo de estudo. Por isso, ele exige perseve- rança, disciplina e organização. Este material, bem como as outras ferramentas do curso (como as aulas em vídeo, atividades, fóruns, etc.), foi projetado visando a sua preparação nessa jornada rumo ao sucesso profi ssional. Todo conteúdo foi elaborado para auxiliá-lo nessa tarefa, proporcionado um estudo de qualidade e com foco nas exigências do mercado de trabalho. Estude bastante e um grande abraço! Professor: Willians Alexandre Buesso da Silva O texto abaixo das tags são informações de apoio para você ao longo dos seus estudos. Cada conteúdo é preprarado focando em téc- nicas de aprendizagem que contribuem no seu processo de busca pela conhecimento. Cada uma dessas tags, é focada especifi cadamente em partes importantes dos materiais aqui apresentados. Lembre-se que, cada in- formação obtida atráves do seu curso, será o ponto de partida rumo ao seu sucesso profi sisional. Esta unidade versa sobre o desenvolvimento do pensamento antropológico a partir das primeiras concepções da prática de obser- vação, descrição e compartilhamento sobre informações de culturas diferentes desde a Grécia Antiga, passando pelos métodos e técnicas principais desta área de conhecimento até as diferentes escolas de pen- samento antropológico. Em conjunto com as escolas de pensamento antropológico, são apresentados autores que foram fundamentais para a consolidação desta disciplina como campo científi co. As diferentes escolas de pensamento antropológico são apresentadas de acordo com seus autores, métodos e técnicas utilizadas. Cada escola teve sua con- tribuição para este campo de conhecimento e não se caracteriza como uma apresentação cronológica e progressiva do desenvolvimento da Antropologia, pelo contrário, são apresentadas as críticas feitas a cada escola, assim como a forma como cada uma estimulou o amadureci- mento desta ciência como uma produção intelectual plausível. Pensamento Antropológico. História da Antropologia. Ciência. 9 H IS TÓ R IA D O P E N SA M E N TO A N TR O P O LÓ G IC O - G R U P O P R O M IN A S 9 H IS TÓ R IA D O P E N SA M E N TO A N TR O P O LÓ G IC O - G R U P O P R O M IN A S CAPÍTULO 01 PRIMEIROS CAMINHOS DA ANTROPOLOGIA Apresentação do módulo ______________________________________ 10 CAPÍTULO 02 A PRODUÇÃO ANTROPOLÓGICA E SEUS OBJETIVOS CIENTÍFICOS CAPÍTULO 03 ESCOLAS DE PENSAMENTO ANTROPOLÓGICO Funcionalismo _________________________________________________ Culturalismo ___________________________________________________ 50 56 Considerações Finais __________________________________________ 63 Recapitulando _________________________________________________ 64 Novas Fronteiras da Antropologia ______________________________ 62 Interpretativa __________________________________________________ 59 Pensando uma Prática _______________________________________ Oralidade e Pensamento Antropológico ________________________ 12 15 Os Primeiros Passos Dados por Durkheim e Mauss ______________ 22 Recapitulando _________________________________________________ 26 A Antropologia Dentro das Ciências Sociais _____________________ 20 Relativizando a Origem da Antropologia ________________________ 17 Métodos e Técnicas da Antropologia ___________________________ O Que Defi ne a Antropologia Enquanto Ciência? _______________ 36 32 Recapitulando _________________________________________________ 45 Novas Perspectivas a Partir da Etnografi a _______________________ 44 Escolas de Pensamento Antropológico e o Etnocentrismo _______ 38 Fechando Unidade ____________________________________________ 69 Referências ____________________________________________________ 72 10 H IS TÓ R IA D O P E N SA M E N TO A N TR O P O LÓ G IC O - G R U P O P R O M IN A S A história do pensamento antropológico está relacionada a dois aspectos principais: às escolas que pertencem a este segmento acadê- mico, como também, à concepção do que é a prática antropológica e de que maneira ela foi sendo incorporada enquanto campo científi co. Em um primeiro momento, iremos detalhar sobre as principais ideias da prática antropológica a partir dos primeiros passos dados na intenção de entender culturas diversas. Este caminho passa pelo fi ló- sofo grego Heródoto (V a.C.) e seu trabalho de registro de diferentes culturas, assim como, o ato de compartilhar em aulas públicas suas experiências. Essa prática também será dimensionada entre a impor- tância da escrita e da oralidade, sendo assim, está inserido no trabalho do antropólogo o desafi o de lidar com sociedades que não se baseiam na escrita para registrar sua história. A partir dessas afi rmações, prosseguimos sobre o pensamento antropológicona unidade tratando sobre sua adequação ao meio cien- tífi co. A possibilidade da Antropologia ser reconhecida enquanto ciência passou pela necessidade de reconhecer seus próprios métodos e técni- cas, já que a prática de observar, descrever e compartilhar informações sobre culturas diversas não defi ne unicamente o trabalho do antropó- logo. Neste sentido, detalhamos os principais aspectos dos métodos utilizados nesta área de conhecimento a fi m de reconhecer posterior- mente seus usos durante a explanação sobre as diferentes áreas do pensamento antropológico. As técnicas também são apresentadas com intuito de diferen- ciar o seu emprego em uma pesquisa com relação aos métodos. Pode- mos considerar o método como o arcabouço teórico que irá nortear a pesquisa do antropólogo, e as técnicas, as ferramentas pelas quais o pesquisador irá obter seus dados de pesquisa com o objeto seleciona- do. A todo o momento, na unidade, passamos por refl exões. Cabe aqui ressaltar que a Antropologia é uma ciência auto-refl exiva, que com- pete a ela adotar as críticas feitas a suas concepções para expandir enquanto produção de conhecimento efi caz sobre os fenômenos so- ciais. Neste sentido, podemos questionar se os primeiros “antropólogos” como Heródoto tinham em mente a interferência de suas proposições e a produção da escrita sobre diferentes culturas. Essa e outras dúvidas nortearão as explicações sobre as di- ferentes escolas de pensamento antropológico, com o intuito de apre- sentar as críticas feitas a cada uma, ou quando não, suas principais contribuições que ajudaram a amadurecer, de forma construtiva, esta área do conhecimento. 11 H IS TÓ R IA D O P E N SA M E N TO A N TR O P O LÓ G IC O - G R U P O P R O M IN A S Antes mesmo de detalhar as escolas de pensamento antropo- lógico, apresentaremos as contribuições de Emile Durkheim e Marcel Mauss para a área. Apesar de estarem relacionados tanto à Sociolo- gia quanto à Antropologia, a atuação dos dois pesquisadores foi funda- mental para estabelecer critérios para a pesquisa dentro das chamadas Ciências Sociais. A partir deste início, abordaremos separadamente duas esco- las de pensamento antropológico que possuíram maior vínculo com os primórdios da formação acadêmica da Antropologia, o Evolucionismo e o Difusionismo. Apesar de tratarmos aqui sobre uma ciência social, a Antro- pologia nasceu vinculada às ciências naturais, e este fato teve impacto sobre as suas concepções e argumentos que justifi cavam suas práti- cas. Não podemos romper a atuação da Antropologia de seu contexto histórico, a produção acadêmica, no fi nal do século XIX, também estava relacionada com o pensamento colonial e a justifi cativa imperialista de países que buscavam entender as diferenças culturais a partir de ques- tões biológicas. Portanto, as duas escolas mencionadas são separadas das de- mais a partir do ponto de vista do “etnocentrismo”, conceito muito caro à Antropologia e que será detalhado ao longo desta unidade e de outras, pois é considerada uma ferramenta fundamental para compreender diversos problemas sociais e de interpretações científi cas dentro das ciências sociais. Já o começo do século XX começou a dar indícios de outras abordagens sociológicas, o Funcionalismo e o Estrutural-Funcionalismo inovaram as pesquisas ao dar ênfase à pesquisa de campo e ao método etnográfi co. É a partir da concepção de que o antropólogo deveria ir a campo para conhecer o objeto de pesquisa estudado, que algumas limi- tações das pesquisas anteriores passaram a ser colocadas em cheque. Neste caminho, o conceito de cultura ganhou bastante força e ampliou o debate antropológico sobre as diferenças culturais e esti- mulou novas escolas como o Culturalismo, o Estruturalismo e a escola Interpretativa. Ao fi nal da unidade, trataremos sobre alguns autores respon- sáveis pela revisão da Antropologia no fi nal do século XX, e seus ques- tionamentos sobre a produção científi ca desta área. Esta unidade é fundamental para compreender de que manei- ra a Antropologia desenvolveu ao longo de sua trajetória acadêmica a produção do conhecimento científi co sobre as diferenças culturais entre etnias/comunidades e sociedades diversas. 12 H IS TÓ R IA D O P E N SA M E N TO A N TR O P O LÓ G IC O - G R U P O P R O M IN A S H IS TÓ R IA D O P E N SA M E N TO A N TR O P O LÓ G IC O - G R U P O P R O M IN A S PRIMEIROS CAMINHOS DA ANTROPOLOGIA H IS TÓ R IA D O P E N SA M E N TO A N TR O P O LÓ G IC O - G R U P O P R O M IN A S PENSANDO UMA PRÁTICA O termo Antropologia vem do grego anthropos, cujo signifi cado é homem, já logos ou logia, representa estudo, sendo assim, podemos identifi car o nome da disciplina como o estudo do homem ou do ser humano enquanto um ser social. Dentro dos estudos antropológicos po- demos compreender três segmentos principais que se debruçam sobre os fatores: biológicos; socioculturais e fi losófi cos. São exemplos de cada uma dessas áreas: a Antropologia/ Física/Biologia (fatores biológicos e físicos); a Antropologia Cultural (fa- tores sócio culturais); e a Antropologia Filosófi ca (fatores fi losófi cos que questionam e refl etem o fazer da Antropologia). De certa forma, os três segmentos se completam, nunca estão totalmente isolados um do ou- tro, mas procuram dar mais destaque a um determinado objeto do que outro. Alguns autores, como Marina de Andrade Marconi e Zélia Ma- ria Neves Presotto (1985) em “Antropologia: uma introdução”, conside- ram que a origem da Antropologia tenha ocorrido entre os gregos, pois 13 H IS TÓ R IA D O P E N SA M E N TO A N TR O P O LÓ G IC O - G R U P O P R O M IN A S seus registros de informações sobre outras civilizações, para além da cultura grega, foram os primeiros a serem encontrados. Todavia, o que devemos levar em consideração, é que a An- tiguidade é uma fonte muito rica de exemplos de formas diversas de organizações sociais e seus devidos registros, como exemplo, a exis- tência dos mesopotâmicos, persas, hebreus, fenícios, sírios e egípcios, todos em contato próximo com suas diferentes culturas pela ligação do Mar Mediterrâneo. O que podemos destacar do pioneirismo dos gregos é a con- tribuição do fi lósofo Heródoto, que viveu o século V (a.C.), pois foi o primeiro a sistematizar a descrição e informação sobre modos de vida de outras civilizações antigas, em destaque para os egípcios, gregos e persas. Sua fonte de registro eram as viagens para outros territórios tendo como ferramenta principal as anotações sobre costumes e manei- ras de sobrevivência de outros povos. Em sua principal obra “Histórias” estão organizados, em ordem cronológica, os registros de suas viagens, os quais utilizou para dar au- las públicas sobre as manifestações sociais de outros povos para além dos costumes de sua origem. Neste ponto, podemos nos indagar se o trabalho do antropólo- go se resume a viajar, conhecer outros povos e recolher registros sobre estes. Certamente responderíamos que não, os registros nos levam a conhecer outra realidade condicionada por práticas sociais que muitas vezes podem nos diferenciar enquanto seres humanos, mas nos levam ao mesmo caminho: a invenção e construção de formas de sobrevivên- cia e permanência da espécie humana sobre a Terra. Por este motivo, a iniciativa do contato com o outro, conhecer outros costumes, registrá-los e compartilhar com outras pessoas colo- cou em evidência a própria cultura vivida por Heródoto, e esta sim, pode representar o trabalho do antropólogo, colocar sua cultura em contato com a diversidade de outras. Não por acaso, o fi lósofo grego é conside- rado o pai da História, da Antropologia e da Etnologia. Entre as três áreas de conhecimento, podemos destacar que a História procura compreender experiências humanas do passado, re- lacionar com o presente e perceber noções de temporalidades. Jáa Antropologia, como já vimos, estuda sobre o homem, enquanto a Etno- 14 H IS TÓ R IA D O P E N SA M E N TO A N TR O P O LÓ G IC O - G R U P O P R O M IN A S logia, é o resultado do trabalho que Heródoto deu início ao registro dos costumes e características de um determinado povo, sendo esta a área de conhecimento que deu origem à Antropologia moderna e contempo- rânea. Até agora vimos como a Antropologia possui sua historicidade, ou seja, uma origem e cronologia de nascimento. Entretanto, perceba também que a História também pode ser um método dentro da própria Antropologia, pois o historiador quando registra os fatos históricos tam- bém usa como fonte descrições, o que os diferencia é o enfoque sobre o objeto de estudo. Filme: Antropólogos (2016 – Associação Portuguesa de Antropologia) Observação: esta seção é importante para o aluno se ambientar com o tema e se aproximar mais ao trabalho do antropólogo. Arte: A produção da arte Grega mesmo antes de Heráclito, é um importante caminho para perceber a preocupação que esta civiliza- ção tinham com os registros culturais. Abaixo, um exemplo desta mani- festação: 15 H IS TÓ R IA D O P E N SA M E N TO A N TR O P O LÓ G IC O - G R U P O P R O M IN A S Antefi x, head of Medusa, 4th Century, Greek, South Italian Fonte: https://www.metmuseum.org/art/collection/search/248338? searchField=All&ft=*&off set=0&rpp=20&pos=5 ORALIDADE E PENSAMENTO ANTROPOLÓGICO No subitem anterior demos destaque para as origens do pen- samento antropológico a partir de registros escritos, tendo como prin- cipal expoente deste pioneirismo o fi lósofo grego Heródoto. Entretanto, ao elencarmos apenas a escrita como forma de descrever costumes e práticas de outros povos, podemos nos questionar: e como pensar povos que possuem sua historicidade mas não utilizam a escrita como forma de registro? Respondendo a esta questão compreendemos como a orali- dade sempre esteve presente como forma de transmissão histórica e meio de conhecimento sobre outros povos. Essa mesma dúvida tam- bém nos remete a um embate antigo entre História e Antropologia, o qual questiona sobre a importância menor dada a civilizações sem a escrita (ágrafas). 16 H IS TÓ R IA D O P E N SA M E N TO A N TR O P O LÓ G IC O - G R U P O P R O M IN A S Um dos maiores exemplos sobre este embate podemos reco- nhecer em pleno território brasileiro e ao mesmo tempo, sobre a nossa própria história. Antes mesmo da chegada dos europeus, o território americano era povoado por diferentes etnias1 com características cultu- rais específi cas. As principais eram de origem de dois troncos linguístico e so- cial chamados Macro-Jê e Macro-Tupi, sendo esta última a que deu origem a outras etnias como Tupi e Guarani, as que mais se destacaram em território brasileiro devido ao maior contato com o homem branco europeu. O que essas etnias tinham em comum era a oralidade enquan- to forma de registro de sua história, sendo assim, a palavra possuía um peso e responsabilidade maior do que em comparação às civilizações dependentes diretamente da escrita. Para qualquer membro de uma etnia originária desses dois troncos linguísticos, pertencer a uma determinada tribo representava saber sua própria história, sendo assim, a oralidade era o único meio de ter acesso ao passado. Para as etnias que utilizavam a oralidade como ferramenta cen- tral para saber sobre seus ancestrais, podemos perceber que o esforço em manter viva a história, respeitando o conhecimento de pessoas mais velhas, demarca diferenças entre civilizações o que, mais uma vez, nos remete ao trabalho do antropólogo ao tratar os costumes de diferen- tes povos que, concomitantemente, refl ete também sobre seus próprios costumes. Ao percebermos o poder da oralidade reconhecemos também que a noção do que é o ser humano está dotada de saberes que ele carrega consigo para sua sobrevivência em comunidade, assim como, conhecer etnias sem a escrita ressalta o poder da oralidade, pois ela di- mensiona as esferas da linguagem e do pensamento ao mesmo tempo. Ainda sobre o caso brasileiro, observamos pela nossa história que a vinda de diferentes etnias africanas trouxe novos costumes e prá- ticas sociais registradas pela mesma oralidade que aqui então etnias já utilizavam. É interessante pensar que mesmo sem um prontuário, um livro de nascimentos e mortes, ou histórico feito em qualquer linguagem escrita, esses povos trouxeram a memória coletiva transmitida de forma 1 Etnia: termo de origem latina, que resumidamente signifi ca povos. 17 H IS TÓ R IA D O P E N SA M E N TO A N TR O P O LÓ G IC O - G R U P O P R O M IN A S oral e resistida com o uso signifi cativo da palavra falada. O choque cultural entre europeus, e diferentes etnias, trouxe um rompimento no uso da palavra como expressão histórica de costu- mes e práticas sociais. A escrita veio de forma arbitrária ocupar o lugar da ancestralidade, contudo, também acabou por dar outros rumos para história dessas tribos. Até aqui podemos perceber que a relação entre a escrita e a oralidade sempre estabeleceu características diferentes para distintas etnias. A própria Antropologia, enquanto área do conhecimento, tam- bém reconheceu o limite entre ambas ao se debruçar sobre os métodos de pesquisa. Transcrever a ancestralidade transmitida pela oralidade através da escrita não necessariamente proporcionaria a manutenção de uma cultura, se os membros que pertencem a esta etnia não levam consigo sua ancestralidade e não a transmitem para seus herdeiros é como se ela estivesse fadada a deixar de existir. Portanto, conhecer outros povos pode estar relacionado direta- mente com o contato com a oralidade de uma determinada etnia. Saiba mais: Site: www.tradicaodigital.wordpress.com – projeto sobre a importância da oralidade entre tribos indígenas. Filme: Narradores de Javé (2003 – Direção: Eliane Café) O fi lme é um grande exemplo da importância da oralidade. Em um contexto contemporâneo, moradores da cidade de Javé tem o desafi o de provar que possuem um legado histórico apesar da ausência de registros escritos, cabe a eles desvendarem sua própria história pelo uso da palavra falada. RELATIVIZANDO A ORIGEM DA ANTROPOLOGIA Aqui trabalhamos com o consenso de que a Antropologia teria nascido a partir dos trabalhos do fi lósofo grego Heródoto, trabalho este que se propôs a sistematizar informações sobre costumes, crenças e práticas de outros povos, conseguidos por meio da oralidade. Segundo o antropólogo Roberto DaMatta, em “Relativizando2. Uma introdução à antropologia social” (1987), não podemos afi rmar um 2 O conceito de relati vismo cultural, o qual será estudado no terceiro capítulo, é parte das ferramentas da Antropologia em conjunto com a ideia de estranhamento, a qual signifi ca tornar estranho aquilo que é familiarizado (seja social ou culturalmente), e tornar familiar aquilo que nos é estranho. 18 H IS TÓ R IA D O P E N SA M E N TO A N TR O P O LÓ G IC O - G R U P O P R O M IN A S único marco para a origem da disciplina, pois ela vai além dos registros sobre o que é exótico para uma determinada sociedade (1987, p.86). Trouxemos este outro ponto de vista para perceber que esta área do conhecimento não está atrelada apenas a uma metodologia de observação e anotações sobre fatos pertinentes à disciplina, mas tam- bém, a um comportamento e capacidade dos seres humanos refl etirem sobre suas diferenças e perceberem julgamentos sobre outras culturas. É interessante notar que antes mesmo da Antropologia se con- solidar enquanto ciência, outros profi ssionais fi zeram papéis semelhan- tes (DAMATTA, 1987, p.89), principalmente pessoas em grande fl uxo de deslocamento entre diferentes comunidades, como comerciantes e viajantes, e outros pesquisadores da chamada Ciências Sociais no sé- culo XIX. Aqui podemosfazer um paralelo entre as ciências humanas e as ciências naturais. O próprio autor Roberto DaMatta (1987) na obra mencionada identifi ca que há diferenças entre ambas no que tange aos resultados obtidos por cada uma. Ao tratarmos sobre outras civilizações que não a ocidental, estamos sujeitos a praticar generalizações, contu- do, não podemos classifi car de maneira absoluta os fatos levantados. A situação muda quando observamos as colocações das ciên- cias naturais, pois há defi nições que procuram enquadrar o seu objeto de pesquisa e cristalizar normas e regras para sua classifi cação. O iní- cio da refl exão sobre as espécies de seres vivos, por exemplo, passou por este debate. O termo homo sapiens é fruto da ciência entre cientistas na- turais e sociais. Essa denominação foi criada por Carolus Linnaeus (1707-1778), cientista sueco que com sua obra Systema Naturae, de 1735, propôs uma normatização das classifi cações dos seres vivos de um modo geral, dando origem à chamada Taxonomia Lineana. Para tal feito, o cientista incumbia alunos na missão de serem enviados a diversos lugares do mundo para conhecerem e descreverem as mais várias espécies, e para cada nova espécie, seria considerada uma nova taxonomia. 19 H IS TÓ R IA D O P E N SA M E N TO A N TR O P O LÓ G IC O - G R U P O P R O M IN A S Apenas em 1859 foi publicada a primeira edição da obra “A ori- gem das espécies”, de Charles Darwin, que está relacionado ao mesmo esforço de Lineu em conhecer o universo geral dos seres vivos, mas com propostas diferentes. Foi também o mesmo autor que deu início à ideia de raças entre os seres humanos, sendo diferenciados e classifi cados conforme sua cor de pele, traços físicos, tamanho de sua estrutura óssea e sua origem. Como vimos, o trabalho do antropólogo foi permeado pelos desdobramentos que tanto as ciências naturais como as ciências hu- manas tiveram. Esses desdobramentos resultaram em impactos sobre a própria concepção do que é o ser humano em suas diferentes formas de se organizar socialmente e manter sua sobrevivência. Caso fi zermos uma troca de personagens na História da Ciên- cia, colocando índios guaranis como protagonistas de novas taxono- mias de seres vivos, e entre eles, os seres humanos, e condenassem os europeus à condição de coadjuvantes nesta história, poderíamos inferir se a noção de sociedade exótica não seria outra. Essa é uma das maneiras de relativizarmos paradigmas, pois ao descrever e classifi car uma determinada sociedade, o antropólogo não deixa de ser europeu, latino-americano ou asiático, ele carrega também os valores de sua cultura, fato este que retrata os primeiros percalços desta área do conhecimento e quais seus efeitos sentidos até os dias de hoje em suas refl exões. O exemplo entre as diferentes ciências também confi rma o ato de relativizar a própria origem da Antropologia. Somos gratos ao esforço de Heródoto, como um articulador do conhecimento que mais tarde se- ria incorporado às Ciências Sociais, como também, não podemos negar que além do registro e classifi cação sobre outras espécies, etnias e civilizações, repensar sobre a nossa própria origem é fundamental. Saiba mais: Documentário: Roberto DaMatta e seus carnavais, malandros e heróis (2013 – Direção Clarice Peixoto) 20 H IS TÓ R IA D O P E N SA M E N TO A N TR O P O LÓ G IC O - G R U P O P R O M IN A S A ANTROPOLOGIA DENTRO DAS CIÊNCIAS SOCIAIS A Antropologia tal como ciência foi reconhecida durante o sécu- lo XIX, como refl exo de movimentos do século XVIII como o Iluminismo, a Revolução Francesa de 1789 e a primeira Revolução Industrial, mo- difi caram as relações sociais em sociedade. Essas mudanças também foram concomitantes ao contato entre europeus e outras civilizações, o que gerou a necessidade de reconhecer as variantes da espécie hu- mana, as quais estão atreladas ao que já trabalhamos aqui sobre os cientistas naturais. Entre eles, podemos destacar o trabalho de Charles Darwin (1809-1882), que revolucionou a forma como se pensava a existência e permanência não só dos seres humanos na face da Terra como os demais seres vivos. A evolução das espécies e a seleção natural proposta por Darwin, no século XIX, para explicar a relação entre os seres vivos e sua sobrevivência na Terra trouxe mudanças não só na Biologia, como também para a ciência como um todo. Contudo, a junção entre as ideias de Darwin e as teorias so- ciais acabaram por legitimar os fatos históricos que ocorriam ao longo do século XIX. Ao pensarmos sobre o contexto histórico vigente, a se- gunda Revolução Industrial expandiu territórios colonizados por euro- peus além daqueles explorados até o século XVIII, o advento do motor elétrico ampliou a produção fabril e instigou a busca por maior quantida- de de matéria prima e mercado consumidor. Neste contexto, o chamado “darwinismo social”, termo cunha- do pelo fi lósofo inglês e defensor do liberalismo Hebert Spencer (1820- 1903), acabou por justifi car a relação entre a metrópole e suas colônias ao ter como afi rmativa a ideia de que aqueles que estão mais aptos a encarar os obstáculos da sobrevivência pela vida tendem a ocupar pa- tamares superiores nas relações sociais. 21 H IS TÓ R IA D O P E N SA M E N TO A N TR O P O LÓ G IC O - G R U P O P R O M IN A S Sociedades “mais desenvolvidas” teriam este lugar de desta- que na História universal ao se sobressaírem tecnicamente, enquanto as sociedades “menos desenvolvidas” seriam incumbidas de fornecer a mão de obra e matéria prima necessária para este desenvolvimento técnico-científi co. Notamos aqui que a noção de temporalidade história também pode infl uenciar o conhecimento de outras etnias, é ela que es- tipula o ponto de partida e o ponto de chegada ao comparar civilizações distintas. Voltando um pouco ainda no início do primeiro capítulo desta unidade, enfatizamos o choque entre culturas que possuíam ou não a escrita como uma ferramenta de registro histórico e a sua transmissão da ancestralidade étnica. A seleção pautada no “darwinismo social” se- guiu a lógica da sobreposição da escrita sobre as demais formas de transmissão de saberes, foi arbitrário o uso da palavra escrita para o processo de colonização. A dúvida que nos cabe até aqui é: a Antropologia sofre infl uên- cias negativas das ciências naturais até conseguir sua independência enquanto ciência social? O que podemos afi rmar é que toda ciência é produzida dentro de uma época e contexto, mas o isolamento dos cam- pos científi cos não trouxe superações absolutas. Portanto, as diferentes áreas da Antropologia, comportadas como áreas do conhecimento, se- rão sempre interligadas. Uma manifestação deste dilema fi cou expressa quando a Associação Americana de Antropologia divulgou uma repor- tagem no jornal New York Times (2010) com a pergunta: “Antropologia não é Ciência?”. Em matéria para a Revista Fapesp, o autor Marcio Ferrari (2011) explica o ocorrido e detalha como ainda é evidente segmentos diferentes dentro da própria área, sendo que de um lado se valoriza o propósito científi co do conhecimento antropológico, e de outro, aquilo que já explanamos aqui sobre a competência e percepção de diferen- ças culturais que não cabe apenas ao antropólogo observar, e sim a diferentes indivíduos que possuem esta sensibilidade sem necessaria- mente trabalhar e produzir com o rigor do texto científi co: Descontadas as questões de contingência, resta uma discussão epistemoló- gica que tem raízes bem antigas e exige um aprofundamento no debate dos próprios conceitos em jogo, além de uma prospecção histórica. “Questionar o status de ciência da antropologia supõe que se saiba inequivocamente o que é ciência e quais os critérios para uma prática aspirar ao status de ciência”, 22 H IS TÓ R IA D O P E N SA M E N TO A N TR O P O LÓ G IC O - G R U P O P R O M IN A S diz Marcio Goldman, do MuseuNacional/UFRJ. “Mas as discrepâncias entre diferentes concepções de ciência são tão grandes quanto as discrepâncias entre diferentes concepções de antropologia (FERRARI, 2011, p.1). OS PRIMEIROS PASSOS DADOS POR DURKHEIM E MAUSS Apesar de não intitularmos aqui como uma das fases do pen- samento antropológico, Émile Durkheim (1858-1917) e Marcel Mauss (1872-1950) – respectivamente tio e sobrinho -, tiveram papéis funda- mentais nas proposições desta área de conhecimento entre o fi nal do século XIX e início do século XX. Émile Durkheim tendeu muito mais para a compreensão das ciências sociais, em especial da Sociologia, como uma ciência dotada de características próprias. Marcel Mauss ampliou as questões propostas por Durkheim ao inserir a etnografi a e o método comparativo para suas análises dos fenômenos sociais. Ambos trabalharam com pesquisas empíricas, ou seja, em que o experimento é peça fundamental para se chegar a alguma conclusão. Durkheim, principalmente, é considerado um dos pais da Sociologia clássica em conjunto com Karl Marx (1818-1883) e Max Weber (1864- 1920), sendo responsáveis respectivamente pelos métodos, funciona- lista, materialismo histórico e método compreensivo. A obra “As formas elementares da vida religiosa” publicada pri- meiramente em 1912, marca a visão de Durkheim sobre a religião, a qual aparece como um dos elementos sociais fundamentais da coesão social, e vai além ao declarar que a religião não é apenas explicativa sobre fenômenos considerados “sobrenaturais” em sociedades determi- nadas como “primitivas”. A religião é apresentada como um fato social, elemento este que o autor aborda como um item que mantém o funcionamento da sociedade, sendo assim, o indivíduo tende a conviver com as regras sociais independente de sua vontade. Estudar os “fatos sociais” representa compreender o funcio- namento de uma sociedade, como cita na obra “As regras do método sociológico” (1987) publicado em 1895. Apropriando-se do conceito de fato social de Durkheim, Marcel Mauss reconheceu na dádiva um exem- plo ideal que ilustra este conceito em sociedades que não foram domi- nadas pela lógica consumista do mercado. 23 H IS TÓ R IA D O P E N SA M E N TO A N TR O P O LÓ G IC O - G R U P O P R O M IN A S Sua explanação acerca do exemplo está contida na obra “En- saio sobre a dádiva: forma e razão da troca nas sociedades arcaicas” (1925). Neste escrito, o autor detalha como a dádiva acontece em so- ciedades até então denominadas como sendo primitivas, o qual o con- ceito podemos resumidamente elencar em três momentos: dar, receber e contribuir. Além da prática da dádiva estar relacionada com um mecanis- mo em que quem recebe é socialmente obrigado a retribuir, Mauss con- tribuiu para a Antropologia ao reconhecer a dimensão simbólica deste ato, pois a mesma prática estaria relacionada com importantes institui- ções como a religiosa, a moral, a jurídica, entre outras, concatenando a vida social dos membros que pertencem a aquela sociedade. Outro texto importante de Mauss é “As técnicas corporais” (1926) em que o autor reconhece a cultura como um fator gerador e formador das relações sociais presentes em todas as sociedades. Esta afi rmativa para o período – entre o fi nal do século XIX e início do século XX – foi importante para desconstruir a ideia de comportamentos natu- ralizados. No trecho a seguir, o autor defi ne sua concepção de técnica e consecutivamente de técnica corporal: Chamo de técnica um ato tradicional efi caz (e vejam que, nisto, não difere do ato mágico, religioso, simbólico). É preciso que seja tradicional e efi caz. Não há técnica e tampouco transmissão se não há tradição. É nisso que o homem se distingue sobretudo dos animais: pela transmissão de suas técnicas e muito provavelmente por sua transmissão oral. (...) Nessas condições, é preciso dizer muito simplesmente: devemos lidar com técnicas corporais. O corpo é o primeiro e mais natural instrumento do homem. O mais exatamente, sem falar de instrumento, o primeiro e mais natural objeto técnico, e ao mesmo tempo meio técnico do homem é seu corpo (MAUSS, 1974, p. 217)3. Apesar de ter reconhecido a manifestação dos comportamen- tos e os usos corporais da cultura já no século XX, o contexto histórico da produção de Marcel Mauss para a Sociologia e para a Antropologia não coibiu diretamente a associação entre fatores biológicos e cultura. 3 Aqui nos cabe relembrar que, conforme estudamos as fontes de pesquisa dentro da Antropologia, o corpo pode ser reconhecido como uma manifestação e fonte de dados para o an- tropólogo a partir do conceito de técnica corporal. 24 H IS TÓ R IA D O P E N SA M E N TO A N TR O P O LÓ G IC O - G R U P O P R O M IN A S O termo “imitação prestigiosa” está contido neste texto e o autor representa a ideia de que o próprio corpo na sociedade é local de manifestação da cultura ao perceber que certos comportamentos são valorizados em detrimento de outros, de maneira que haja um tipo de corpo, e manifestação do mesmo, em determinadas sociedades de acordo com o contexto histórico e cultural. A seguir, o autor defi ne a questão da imitação prestigiosa e seu valor: A noção de educação podia sobrepor-se à noção de imitação. Pois há crian- ças, em particular, que têm faculdades muito grandes de imitação, outras que as têm bem fracas, mas todas passam pela mesma educação, de sorte que podemos compreender a sequência dos encadeamentos. O que se passa é uma imitação prestigiosa. A criança, como o adulto, imita os atos que obtive- ram êxito e que ela viu serem bem sucedidos em pessoas em quem confi a e que têm autoridade sobre ela. [...] O indivíduo toma emprestado a série de movimentos de que ele se compõe do ato executado à sua frente ou com ele pelos outros. (MAUSS, 1974, p. 215). A ideia de “imitação prestigiosa” foi importante para reconhecer como a cultura pode defi nir fatores sociais na vida humana desde a es- fera mais íntima e inconsciente. A proposta de Marcel Mauss se apro- xima da ideia de Durkheim sobre o fato social ao propor que tudo que há na sociedade de maneira simbólica é fruto da produção coletiva, e sendo assim, os indivíduos tendem a se apropriar desta produção para pertencer a uma determinada comunidade. Pensar os corpos como uma manifestação da cultura também contribuiu para outras escolas de pensamento antropológico ao trata- rem do conceito de “performance”4, como veremos no terceiro capítulo desta unidade. Há no entanto, a diferença clara já apontada aqui sobre os objetivos dos dois autores ao produzirem ciência. Como já citado, para o período histórico na virada do século XIX para o XX, Durkheim estava muito mais preocupado com as defi nições científi cas da Socio- logia Essa proposta teve impacto sobre suas conclusões, o que, por- tanto, repercutiu em sua teoria o caráter determinista sobre os fenôme- nos sociais, e o exemplo deste detalhe pode ser percebido pela própria ideia de fato social do autor, ao reconhecer as instituições sociais de extrema importância para o funcionamento da sociedade, há um exces- 4 Aqui é necessário alertar que não há uma relação direta entre o conceito de técnica cor- poral, imitação prestigiosa e performance, mas os conceitos trabalham com perspectivas próximas, os quais procuram detalhar o uso social do corpo como um meio de interpretar questões culturais de uma determinada sociedade. 25 H IS TÓ R IA D O P E N SA M E N TO A N TR O P O LÓ G IC O - G R U P O P R O M IN A S sivo peso da coerção social, dos valores da sociedade sobre as vonta- des do indivíduo. Sem descartar as proposições de Durkheim, Mauss procurou ampliar as possibilidades da prática sociológica e se aproximou de ou- tras ferramentas, como já citado aqui, a própria etnografi a, o que está presente em sua obra “Manual de Etnografi a”, publicado em 1947, pou- cos anos antes de seu falecimento. O quepodemos mais uma vez destacar sobre esses dois au- tores e suas contribuições ao pensamento antropológico é de que eles não estão vinculados diretamente a uma escola, como serão detalha- das as contribuições posteriores nos próximos capítulos desta unidade. Apesar de representarem esforços que foram aproveita- dos pela escola de pensamento antropológico funcionalista e a es- trutural-funcionalista, assim como também pelo antropólogo Lévi-S- trauss, Émile Durkheim e Marcel Mauss são responsáveis por uma fase incipiente das ciências sociais, os dois autores são responsáveis por contribuições teóricas que deram base posteriormente a novos conceitos na Antropologia. INDICAÇÕES BIBLIOGRÁFICAS MARCONI, Marina de Andrade, PRESOTTO, Zélia Maria Neves. 1923. Antropologia: uma introdução. São Paulo: Atlas, 2001. 26 H IS TÓ R IA D O P E N SA M E N TO A N TR O P O LÓ G IC O - G R U P O P R O M IN A S QUESTÕES DE CONCURSOS QUESTÃO 1 Ano: 2006 Banca: NCE Órgão: Eletrobras Prova: Técnico de meio ambiente Nível: Superior A organização política é um aspecto da cultura encontrado em to- dos os grupos humanos e abrange o conjunto de instituições que regulam e controlam a vida em sociedade. No caso das sociedades ágrafas, três são os elementos considerados básicos na constitui- ção do seu aspecto político. São eles: a) lei, parentesco e governo; b) religião, governo e povo; c) religião, povo e território; d) parentesco, religião e economia; e) economia, lei e parentesco. QUESTÃO 2 Ano: 2015 Banca: IMPARH Órgão: Prefeitura de Fortaleza Prova: Antropólogo Nível: Superior Roberto Cardoso de Oliveira (1988) tenta captar as características de algumas tradições antropológicas a partir do que defi ne como a “matriz disciplinar da antropologia”. Essa matriz é caracterizada pelos paradigmas que marcaram e marcam o pensamento antro- pológico. Tais paradigmas são pensados no âmbito de duas tra- dições, defi nidas pelo autor como a intelectualista e a empirista. Eles supõem ainda uma referência à categoria “tempo”, traduzida em termos como “sincronia” e “diacronia”. Sobre tais paradigmas, seria INCORRETO afi rmar que: a) o paradigma racionalista, que tem como caso exemplar a Escola Francesa de Sociologia, e, em sua forma moderna, o Estruturalismo, pode ser pensado como um paradigma marcado pela tradição intelec- tualista, estabelecendo com o tempo uma relação sincrônica. b) o paradigma hermenêutico, cujo caso exemplar seria a Antropologia Interpretativa, é marcado por uma tradição intelectualista, mas, no que tange à categoria “tempo”, estabelece com este uma relação diacrônica. c) o paradigma culturalista não estabelece conexão com nenhuma das tradições ressaltadas pelo autor e, no que se refere à temporalidade, recusa a historicidade, defi nindo-se como atemporal. d) o paradigma estrutural-funcionalista é sincrônico no que diz respeito à temporalidade e se inscreve em uma tradição empirista de pesquisa. 27 H IS TÓ R IA D O P E N SA M E N TO A N TR O P O LÓ G IC O - G R U P O P R O M IN A S QUESTÃO 3 Ano: 2015 Banca: IMPARH Órgão: Prefeitura de Fortaleza Prova: Antropólogo Nível: Superior A descoberta das diferenças pelos viajantes do século XVI intro- duziu a dúvida no edifício do pensamento europeu e constitui os prolegômenos ou a “pré-história” da antropologia. O renascimen- to, diz Laplantine (1994, pp. 37-53, com adaptações), começou a ex- plorar espaços até então desconhecidos e passou a elaborar dis- cursos sobre os habitantes que povoavam esses espaços. Analise as assertivas abaixo sobre esses discursos e sobre o confronto visual com alteridade, indicando, a seguir, a alternativa correta. I. As primeiras observações e os primeiros discursos sobre esses povos “distantes” provêm de, pelo menos, duas fontes: as reações dos primeiros viajantes, a chamada “literatura de viagem”, e os relatórios dos missionários. II. As grandes questões então colocadas que nasciam desse “pri- meiro confronto visual com a alteridade” eram as seguintes: Aque- les que acabaram de ser descobertos pertenciam à humanidade? O “selvagem” tem uma alma? O pecado original também lhe diz respeito? O critério essencial para saber se lhes convinha atribuir um estatuto humano era, nessa época, religioso. Os missionários se perguntavam pela possibilidade de levar a revelação aos “selva- gens” e assim catequizá-los. III. As respostas ideológicas relativas à descoberta das diferenças pelos viajantes do século XVI concorriam para um duplo discurso: havia aqueles que recusavam o estranho, apreendido a partir da falta, cujo corolário era a boa consciência que se tem sobre si e sua sociedade, e metendo a atitudes que iam desde a condescen- dência e a proteção paternalista do outro até sua exclusão; havia ainda aqueles que nutriam uma fascinação pelo estranho, cujo co- rolário era a má consciência que se tem sobre si e sua sociedade. Daí teríamos dois antípodas ou fi guras para pensar o selvagem e o civilizado: para os primeiros, aqueles que recusavam o estranho, a fi gura era a do “mau selvagem e do bom civilizado” e, para aqueles fascinados pelo estranho, a fi gura era aquela do “bom selvagem e do mau civilizado”. São corretas as assertivas: a) I e II são corretas. b) I, II, III são corretas. c) apenas I é correta. d) nenhuma é correta. 28 H IS TÓ R IA D O P E N SA M E N TO A N TR O P O LÓ G IC O - G R U P O P R O M IN A S QUESTÃO 4 Ano: 2006 Banca: NCE Órgão: Eletrobras Prova: Técnico de meio ambiente Nível: Superior Segundo Adan Kuper em seu livro “Antropólogos e Antropologia”, o objeto de estudo desta ciência foi defi nido com razoável clareza no início do século XX e, embora lhe fossem dados nomes diver- sos, sua essência era o estudo do(s): a) homem primevo; b) grupos humanos; c) homem capitalista; d) modelos sociais; e) códigos morais. QUESTÃO 5 Ano: 2014 Banca: PROPEGE Órgão: UFPR Prova: Antropólogo Ní- vel: Superior Em relação ao paralelo entre missionários e antropólogos mencio- nado no texto, identifi que as seguintes afi rmativas como verdadei- ras (V) ou falsas (F): ( ) A produção de conhecimento sobre os povos indígenas na Amé- rica do Sul por parte das missões católicas desde o século XVI teve grande impacto no modo como fi lósofos e teólogos europeus assimilam a questão da alteridade em seu pensamento, fato que infl uencia o modo como a antropologia viria a conceber seu objeto de pesquisa a partir do século XIX. ( ) A atividade missionária e a antropologia, embora sejam marca- das por profundas diferenças, podem ser comparáveis na medi- da em que são ambas iniciativas gestadas pelo ocidente moderno para compreender (e por vezes incorporar) as diferenças culturais. ( ) Os relatos de missionários são fontes de grande importância para a produção de conhecimento em antropologia, pois fornecem dados detalhados e valiosos acerca da vida de comunidades indí- genas e povos tradicionais no passado. ( ) A continuidade entre antropólogos e missionários, apontada pela autora do texto, como difusores de valores como “cultura”, “dinheiro”, “trabalho” e “higiene”, restringe-se ao trabalho da cha- mada “antropologia engajada”, sendo que os antropólogos científi cos não interferem nas populações que estudam e evitam introduzir qualquer inovação que possa pôr em risco a sua cultura. Assinale a alternativa que apresenta a sequência correta de cima para baixo: 29 H IS TÓ R IA D O P E N SA M E N TO A N TR O P O LÓ G IC O - G R U P O P R O M IN A S a) V – V – V – F. b) V – F – V – F. c) V – V – F – F. d) F – V – F – V. e) F – F – V – V. QUESTÃO 6 Ano: 2006 Banca: UNAMA Órgão: SECULT (PA) Prova: Técnico em Gestão Cultural Nível: Superior Um dos princípios metodológicos amplamente defendidos na prá- tica antropológica é o exercício de estranhamento. Tal princípio defende a tese de: a) transformar o conhecido em desconhecido, estabelecendo uma neu- tralidade do pesquisador em relação ao objetode estudo. b) transformar o desconhecido em conhecido, estabelecendo uma neu- tralidade do pesquisador em relação ao objeto de estudo, buscando assim a compreensão superfi cial do fato. c) transformar o exótico em familiar e o familiar em exótico. d) transformar o exótico em algo conhecido, garantindo a neutralidade entre duas fontes distintas de conhecimento – o pesquisador e o objeto, mas prevalecendo a percepção do primeiro em relação ao segundo. QUESTÃO 7 Ano: 2008 Banca: UNAMA Órgão: SEJUDH Prova: Antropólogo Ní- vel: Superior A Antropologia Contemporânea tem primado por estudos que am- pliem o conhecimento do homem sobre si mesmo e considera es- ses estudos como moral e socialmente equivalentes e, por isso mesmo, infi nito em sua profundidade e grandeza. Identifi que nas opções abaixo as categorias conceituais que vão ao encontro da tese acima explicitada: a) etnocentrismo e alteridade. b) relativismo e unidade humana. c) relativismo e alteridade. d) etnocentrismo e diversidade humana. QUESTÃO DISSERTATIVA – DISSERTANDO A UNIDADE A oralidade foi apresentada, aqui neste capítulo, como um dos fatores importantes para se entender uma determinada cultura. É a partir dela que muitas etnias expressam seus valores e suas histórias pelo fato de não terem a escrita como principal ferramenta de registro e transmissão 30 H IS TÓ R IA D O P E N SA M E N TO A N TR O P O LÓ G IC O - G R U P O P R O M IN A S de sua ancestralidade. Pensando em trabalho de campo onde o antro- pólogo possui apenas seu gravador de áudio para registrar os dados sobre uma determinada tribo ágrafa – aquela que não utiliza a escrita -, descreva quais fatores seriam relevantes para se conhecer a cultura desta tribo. TREINO INÉDITO A importância dada a Heródoto (V a.C.), como pai da Antropologia é devido: a) assumir um departamento pioneiro desta área na Grécia Antiga. b) ao seu esforço em conhecer, descrever e registrar culturas de dife- rentes civilizações. c) ao fato de ter dado início aos estudos sobre a antropometria. d) ao seu esforço de recepcionar diferentes estrangeiros de outras cul- turas em território grego. e) ao aplicar na prática estudos utilizando a técnica da craniologia. NA MÍDIA Por que há uma centena de povos que querem seguir isolados? Há cerca de uma centena de povos isolados ou não contatados, a maior parte na América do Sul e na Nova Guiné, e em menor número no cen- tro da África e em algumas ilhas do Índico. Estes últimos incluem os sentineleses, que habitam a ilha de Sentinela do Norte, no arquipélago de Andaman (Índia). Nos últimos dias, eles entraram no radar das notí- cias, depois do desaparecimento do missionário norte-americano John Allen Chau, que entrou na área com o objetivo de evangelizá-los. A sus- peita é que ele tenha sido assassinado pelos membros da etnia. Fonte: https://brasil.elpais.com/brasil/2018/11/ 28/ciencia/1543389679_616043.html NA PRÁTICA Hoje em dia a prática do antropólogo está relacionada às diversas fun- ções com vínculo ao tema cultura. No Brasil, por exemplo, há diversos concursos para o trabalho de antropólogo quando se trata de dialogar com grupos, comunidades e etnias que passam por alguma mudança estrutural. O chamado “laudo antropológico” é um dos documentos que representa esta atuação, é a partir dele que é possível fazer a demarca- ção de terras de tribos indígenas por exemplo. Outro tipo de atuação do antropólogo, relacionado aos temas que vimos até aqui, é a pesquisa com relação à diversidade cultural, ainda temos este destaque na área, a qual tende a ser valorizada como uma das 31 H IS TÓ R IA D O P E N SA M E N TO A N TR O P O LÓ G IC O - G R U P O P R O M IN A S principais vertentes que valoriza o reconhecimento da cultura do outro sem julgá-la de acordo com a moralidade preconcebida. A notícia apresentada acima retrata a necessidade de perceber tribos que se isolam sem ter que invadir o seu espaço. A FUNAI – Fundação Nacional do Índio, criada em 1967, é um dos órgãos principais que de- fendem as demandas indigenistas no Brasil. Em conjunto com o INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, criado em 1970, são os órgãos que mais admitem antropólogos no país por seu trabalho estar relacionado diretamente à esta área do conhecimento. PARA SABER MAIS Site: http://www.portal.abant.org.br/ - O site da Associação Brasileira de Antropologia representa uma das grandes instituições de Antropologia no Brasil. Além das diretrizes da organização, é possível acompanhar eventos, chamadas para publicação de artigos e lançamento de revistas relacionadas a esta área de pesquisa. A própria ABA possui também uma revista de publicação própria a qual trabalha com diferentes temas dentro da Antropologia. 32 H IS TÓ R IA D O P E N SA M E N TO A N TR O P O LÓ G IC O - G R U P O P R O M IN A S H IS TÓ R IA D O P E N SA M E N TO A N TR O P O LÓ G IC O - G R U P O P R O M IN A S O QUE DEFINE A ANTROPOLOGIA ENQUANTO CIÊNCIA? Independentemente do embate entre as diversas áreas da An- tropologia, podemos considerar que seu objeto de estudo é o ser huma- no e suas diferentes maneiras de se relacionar com seus semelhantes, com o universo em que vive e como sobrevive, sendo assim, ela se preocupa com a humanidade como um todo, não apenas a aspectos morais. Sendo assim, a Antropologia está preocupada em reconhecer a pessoa humana em suas diferentes condições, enquanto ser biológi- co, que refl ete sobre estar no mundo e ser capaz de produzir as suas ferramentas de sobrevivência. É preciso desconstruir a ideia romantizada de que ser humano refere-se apenas a pessoas com características morais positivas, mas A PRODUÇÃO ANTROPOLÓGICA & SEUS OBJETIVOS CIENTÍFICOS H IS TÓ R IA D O P E N SA M E N TO A N TR O P O LÓ G IC O - G R U P O P R O M IN A S 33 H IS TÓ R IA D O P E N SA M E N TO A N TR O P O LÓ G IC O - G R U P O P R O M IN A S sim, que representa um ser dotado da capacidade de transmitir seus sa- beres por meio de uma linguagem e de seu acumulo de conhecimento e cultura. Cada segmento da Antropologia tem um enfoque em especial sobre o ser humano e suas inter-relações. Como vimos até o momento, a história do pensamento antropológico nasceu no século XIX muito voltada para as características biológicas do ser humano, chamada de Antropologia Biológica ou Física. Essa área contempla cinco divisões diferentes dentro de seu próprio campo de atuação, são elas: a) Paleontologia: ciência relacionada à Biologia que estuda a origem e a evolução das espécies a partir de restos de seres vivos; b) Somatologia: estuda as adaptações do corpo humano aos diferentes ambientes físicos; c) Raciologia: ciência que reconheceu o conceito de raça como distintivo para compreender sua evolução histórica; d) Antropometria: trabalha com técnicas de medição do corpo humano com o intuito de colher informações sobre indivíduos ou grupos, também está relacionada à Arqueologia; e) Antropometria do crescimento: ciência que estuda hábitos relacionados ao corpo como alimentação e atividades físicas, vinculadas ao crescimento de indivíduos. Outra área dentro da própria Antropologia é a chamada Antro- pologia cultural. Antes de detalha-la, é importante entender uma prévia sobre o que é cultura. Podemos considerar que uma colmeia de abe- lhas vive em sociedade, são organizadas e trabalham em conjunto, mas não possuem a consciência sobre seus padrões de valores, práticas e costumes de forma coletiva, a essa diferença com os seres humanos damos o nome de cultura, uma noção clara que temos das nossas rela- ções sociais as quais são transmitidas de geração para geração. O conceito de cultura na verdade é muito amplo dentro da An- tropologia, e está relacionado de acordo com a perspectiva teórica que cada escola de pensamento objetivou estudar. No entanto, podemos citar que suadiferença com a Antropologia Biológica/Física está no in- teresse em estudar questões sociais como hábitos, práticas e costumes que não necessariamente estariam vinculados com um condicionamen- to físico e genético. 34 H IS TÓ R IA D O P E N SA M E N TO A N TR O P O LÓ G IC O - G R U P O P R O M IN A S Portanto, o interesse da Antropologia Cultural e o ser humano enquanto sujeito que produz cultura e pertence a um determinado gru- po/comunidade/coletividade, que compartilha de um mesmo padrão de valores sociais, é a área que se desenvolveu dentro deste campo cien- tífi co e hoje possui uma abrangência muito signifi cativa5. Podemos tomar como exemplo o hábito em comum dos seres humanos de se alimentar, difi cilmente encontraremos algum indivíduo de uma determinada etnia que não tenha o hábito de se alimentar. Con- tudo, não podemos afi rmar que todas etnias se alimentam de maneira idêntica, cada qual desenvolveu sua cultura alimentar para suprir esta necessidade. Em “Feijão com Arroz e Arroz com feijão: o Brasil no prato dos brasileiros” (2007), a autora Lívia Barbosa retrata como o hábito alimen- tar dos brasileiros está pautado em uma combinação tradicional, ora complementada por outras refeições, mas o principal é que na cultura alimentar de brasileiros, o arroz e feijão do almoço, por exemplo, jamais seria substituído diariamente por lanches de fast foods. A seguir, um trecho da obra que demonstra as conclusões da autora a partir de sua metodologia de pesquisa: O que os dados dessa pesquisa sinalizam é a presença clara de hábitos alimentares compartilhados e socialmente sancionados pela população bra- sileira urbana, tanto no que concerne ao conteúdo das refeições como nas atitudes em relação a elas, que transcendem tanto a renda, como os gêne- ros, as regiões e as faixas etárias. São indicativos disso as altas porcenta- gens de ingestão de um mesmo cardápio, a presença reduzidíssima de itens considerados “regionais” e de ideologias alimentares contemporâneas nas refeições cotidianas, o atendimento regulado das preferências individuais e a mãe/esposa como a responsável pela escolha da comida em 70¢ dos casos (cujo processo de seleção, baseado nas antinomias, leva em consideração as questões econômicas, estéticas e de saúde do grupo doméstico como um todo e não apenas o que os membros individualmente gostariam de comer). Isso não signifi ca que não existam variações. Elas existem, tanto no que concerne às faixas etárias, às de renda e às regionais (não se verifi cam prati- camente quaisquer diferenças entre os gêneros). Mas, além de serem na sua grande maioria pequenas, em termos proporcionais no contexto de amostra, ocorrem a partir dos trios feijão, arroz e carne, no caso do almoço e do jantar, e café, leite e pão no caso do café da manhã. Ou seja, aquilo que vamos ter para o café da manhã, o almoço ou o jantar começa de uma base de comidas em comum. (BARBOSA, 2007, p.109). 5 Um dos exemplos sobre a abrangência que a Antropologia Cultural, e também como um todo, possui nos dias de hoje, está no número de Grupos de Trabalhos possíveis para apresenta- ção de pesquisas do encontro bienal da Associação Brasileira de Antropologia. 35 H IS TÓ R IA D O P E N SA M E N TO A N TR O P O LÓ G IC O - G R U P O P R O M IN A S O pensamento antropológico desenvolveu-se de tal maneira que as mais ínfi mas possibilidades de se pensar formas e manifesta- ções de cultura são pesquisadas nos dias de hoje, não se restringindo apenas às suas condições biológicas, como também, à variedade de adaptação cultural a diversas necessidades. Dentro da Antropologia Cultural podemos distinguir cinco principais campos: a) Arqueologia: parente próxima da Paleontologia, estuda resquícios materiais de culturas extintas que resistiram ao tempo. b) Etnografi a: já mencionada no primeiro capítulo, estuda comportamentos, práticas e organizações sociais por meio da análise, observação e registro de suas descrições. O trabalho etnográfi co também depende de cada escola antropológica e sua metodologia aplicada. c) Etnologia: análoga a Etnografi a, este segmento da Antropologia procura relacionar os dados obtidos durante a etnografi a sobre uma determinada etnia e fazer interpretações, como por exemplo, formas de parentesco, divisão social do trabalho, entre outros. d) Linguística: pesquisa sobre a linguagem e formas de um determinado grupo étnico se comunicar por meio da oralidade ou da escrita, área muito abrangente e normalmente associada a outras disciplinas das ciências humanas. e) Antropologia Social: trata sobre os aspectos relacionados entre a sociedade e suas instituições sociais, como exemplo, a família, a política, a religião, entre outros. De certa forma, ela engloba todos os itens anteriores e procura fazer analises macro sobre o ser humano em sociedade. Nas Ciências Sociais, a Antropologia não costuma trabalhar sozinha, apesar de sua grande variedade de caminhos para pesquisa, é imprescindível sua junção com outras áreas, como a Ciência Política, Geografi a, Sociologia, Filosofi a, Psicologia, Economia e História. 36 H IS TÓ R IA D O P E N SA M E N TO A N TR O P O LÓ G IC O - G R U P O P R O M IN A S Em certa medida, tanto a Antropologia quanto a Sociologia po- dem parecer ter o mesmo objeto de pesquisa, o homem em sociedade. Entretanto, como vimos, a Antropologia procura estudar mais as carac- terísticas culturais, enquanto a Sociologia procura detalhar melhor a vi- vência em sociedade e a experiência derivada desta prática. As regras e métodos de pesquisa de cada uma também podem produzir diferentes dados sobre um mesmo objeto em questão. MÉTODOS E TÉCNICAS DA ANTROPOLOGIA Os diferentes segmentos da Antropologia, seja ela Física, Biológica, ou Cultural são respaldados por métodos e técnicas que procuram dar credibilidade ao conhecimento produzido por esta área. É necessário compreender que todos os métodos e técnicas a serem apresentados aqui fi zeram parte na história do pensamento antropológi- co a uma ou mais escolas específi cas, sendo assim, também estão rela- cionados a um contexto de desenvolvimento da área enquanto ciência. Podemos elencar os sete principais métodos da Antropologia: a) Método histórico: talvez o mais esclarecido até o momento na unidade, desde Heródoto, por meio da História, o antropólogo busca entender as construções socais de um determinado objeto de pesquisa por meio de fatos históricos. b) Método estatístico: representa um dos principais métodos quantitativos dentro das Ciências Sociais, procura quantifi car práticas que se repetem ou desviam de um padrão de comportamento em um determinado contexto social. c) Método etnográfi co: derivado da Etnografi a e utilizado não só Antropologia, consiste em descrições sobre uma determinada socie- dade/etnia e suas práticas. d) Método comparativo: estuda diferentes sociedades a partir de dados ou materiais coletados, muitas vezes o entendimento de uma etnia pode consistir na contraposição com outra semelhante, mas perde seu valor caso entre em uma escala hierárquica de progresso. e) Método monográfi co ou estudo de caso: procura detalhar de forma sucinta um grupo em especial ou biografi a de um indivíduo ou 37 H IS TÓ R IA D O P E N SA M E N TO A N TR O P O LÓ G IC O - G R U P O P R O M IN A S coletividade, não se trata de um método exclusivo da Antropologia, mas representa a sistematização fi nal do trabalho de um antropólogo. f) Método genealógico: utilizado para organizar o parentesco de uma determinada etnia/grupo. g) Método funcionalista: procura estudar um grupo, etnia ou sociedade a partir das funções que as instituições sociais possuem e sua relação com a cultura de um modo geral. A grande diferenciação entre os métodos dentro da Antropo- logia não exclui a possibilidade do antropólogo/pesquisador trabalhar com mais de um método,ou mesmo, ter que criar alguma ferramenta nova de acordo com as demandas que o campo de pesquisa possui. As principais técnicas são divididas em três: a) Observação: consiste no trabalho que o antropólogo possui de levar consigo toda sua bagagem de experiências pessoais e refe- rencial teórico a campo para lidar em primeira pessoa com o objeto em pesquisa. É de suma importância perceber que, para cada escola de pensamento antropológico, há uma consideração sobre a técnica de observação, em outros casos, essa observação pode ser indiretamente, quando observa a relação de outras pessoas com o objeto de pesquisa em questão, mas em ambas é imprescindível a presença do pesquisa- dor em campo6. b) Entrevista: representa uma oportunidade prevista entre en- trevistador e pesquisado, e com questões a serem debatidas. Ela pode ocorrer de forma estruturada – quando há um roteiro a ser seguido -, como também semiestrutura – quando há a liberdade de condição para a entrevista se desenvolver. c) Formulário ou questionário: consiste no preenchimento por parte do pesquisado de questões dirigidas pelo pesquisador a fi m de responder questões pontuais. 6 “Campo” dentro da Antropologia representa todo o espaço que o pesquisador emerge para fazer sua pesquisa. Na atual conjuntura do pensamento antropológico, campo pode signifi car tanto estar em contato com uma etnia afastada de áreas urbanas, como participar de redes sociais virtuais para obter dados de sua pesquisa. 38 H IS TÓ R IA D O P E N SA M E N TO A N TR O P O LÓ G IC O - G R U P O P R O M IN A S Perceba que da primeira técnica à ultima, há um grau de pro- ximidade que vai da participação efetiva em campo (1), ao distancia- mento com o que ocorre ao redor do objeto de pesquisa (3). Esse fator implica sobre os dados que serão obtidos ao longo da pesquisa e refl ete as escolhas que foram objetivadas pelo projeto proposto. Saiba mais Filme: Os Mestres Loucos (1955 – Direção: Jean Rouch) Observação: Como citado neste capítulo, há diversas formas de se fazer pesquisa em Antropologia, o fi lme acima é um exemplo de como o audiovisual pode servir como uma metodologia de trabalho. ESCOLAS DE PENSAMENTO ANTROPOLÓGICO E O ETNOCEN- TRISMO Até o momento, vimos uma ideia geral do que seria o pen- samento antropológico, como ele se consolidou e por quais caminhos passou a ser reconhecido enquanto um campo científi co. Neste subitem iremos conhecer as principais escolas de pensamento antropológico que possuíam grande vínculo com o início da Antropologia entre o fi nal do século XIX e início do século XX. Evolucionismo As primeiras escolas responsáveis pela ascensão científi ca da área foram as escolas evolucionista e a difusionista. Os teóricos do sé- culo XIX tentaram dar um novo rumo às discussões sobre a espécie humana ao aprofundar o conceito de cultura de acordo com a tempo- ralidade em constante mutação de cada sociedade, a este fenômeno damos o nome de diacronia. Tanto na História como na Antropologia é importante ressaltar a diferença entre diacronia e sincronia, pois ambos termos estão rela- cionados a formas de entender o tempo histórico mas em percepções diferentes, o que também determinou diferenças entre escolas antropo- lógicas. A diacronia está relacionada a sucessão de acontecimentos históricos, nela podemos perceber a história guiada por uma linha cro- nológica em que os anos e séculos demonstram o passar do tempo em uma sucessão de fatos. Sendo assim, a percepção diacrônica da histó- 39 H IS TÓ R IA D O P E N SA M E N TO A N TR O P O LÓ G IC O - G R U P O P R O M IN A S ria estuda os fenômenos através do tempo. Já a sincronia se assemelha a uma fotografi a do tempo histórico em que não há uma preocupação sobre a sucessão dos fatos, e sim, a busca pelo entendimento daquele evento, como um recorte histórico. Fica claro entre as duas percepções que a noção de progresso e movimento pode ter signifi cados diferentes. Quanto às escolas evolu- cionistas e difusionistas podemos reconhecer a preocupação com um sentido evolutivo da histórica. O evolucionismo tinha como pressuposto a ideia de uma formação essencial dos seres humanos, em que o cará- ter biológico e psíquico levavam todos a um mesmo desenvolvimento e caminho evolutivo da espécie. Estudar as sociedades “primitivas” seria o mesmo que estudar o começo de toda sociedade, assim como, o reconhecimento de suas instituições formadoras do meio social, como por exemplo, a religião e a família. Não por acaso, a noção de desenvolvimento tecnológico este- ve relacionado com o progresso evolutivo, o que portanto, fez entender que sociedades europeias eram mais avançadas a partir da conside- ração de seu aparato industrial comparada a tribos sem produção em larga escala e recursos sofi sticados de sobrevivência. Ao longo do subitem 2.3 desta unidade trataremos sobre a in- fl uência de teorias das ciências naturais atreladas a ciências humanas. A ideia de evolução está relacionada a obra “A Origem das Espécies” (2859) de Charles Darwin, em que a linha de sucessões progressivas também são atribuídas aos estágios de desenvolvimento de uma socie- dade, de seu comportamento e de suas práticas. Dentro do pensamento fi losófi co e sociológico, o progresso na histórica também deu fruto ao positivismo de Augusto Comte (1798- 1857), em que o avanço das sociedades resultaria em um estágio mais “racional”. Não por acaso, a escola antropológica do evolucionismo este- ve relacionada ao período em que muitas metrópoles europeias ainda possuíam diversas colônias pela América, África e Oceania no século XIX. O principal método de abordagem dessa escola foi o método comparativo. Dentro da ótica diacrônica, o tempo evolutivo de diferen- tes sociedades pode resultar em dados de acordo com o ponto de vista 40 H IS TÓ R IA D O P E N SA M E N TO A N TR O P O LÓ G IC O - G R U P O P R O M IN A S de quem faz a pesquisa. Por exemplo, a pesquisa feita pelos europeus sobre etnias africanas tem como ponto de partida a própria cultura eu- ropeia neste sentido, o que colocava as culturas estudadas sob os va- lores sociais europeus, sua concepção de moralidade, relações sociais e culturais. Alguns dos principais autores dessa escola foram: Lewis Hen- ry Morgan (1818-1881); Edward Burnett Tylor (1832-1917) e George Frazer (1854-1941). Morgan, advogado norte-americano, foi um dos primeiros a utilizar a pesquisa de campo como fonte de dados para a Antropologia. Em sua concepção, as sociedades poderiam ser enqua- dradas em três estágios7 diferentes: A Selvageria: surgimento da raça humana, com uma dieta ali- mentar limitada a caça e a pesca, desenvolvimento do uso do fogo e invenção do arco e da fl echa. A Barbárie: posterior a selvageria, estágio em que há a domes- ticação dos animais, desenvolvimento da agricultura familiar, constru- ção de casas de alvenaria e pôr fi m a fundição do ferro para o aperfei- çoamento de ferramentas de metal. A Civilização: último estágio da sociedade, em que há uma sis- tematização alfabética e uso da escrita. Mais uma vez vimos como o pensamento antropológico pas- sou pelo dilema da escrita e da oralidade. Iremos constatar este fator em outras escolas de pensamento, mais adiante. Essa percepção nos faz reconhecer a importância do termo etnocentrismo na Antropologia. Tylor foi um dos responsáveis pela organização do curso de Antropologia em Oxford nos Estados Unidos. Apesar de ter nascido em Londres, foi no México e em Cuba que desenvolveu suas concepções teóricas, sendo elas muito semelhantes à noção de seleção natural de Charles Darwin. 7 A partir da ideia de estágios também podemos comparar a prática da Antropologia até então com a ideia de História linear, em que os acontecimentos se sucedem de maneira serial e organizados de maneira cronológica. 41 H IS TÓ R IA D O P E N SA M E N TO A N TR O P O LÓ G IC O - GR U P O P R O M IN A S Para Tylor, ao estudar a religião entre etnias locais por onde passou, desenvolveu uma sistematização de como funcionaria esta ins- tituição de um modo geral incluindo as formas ocidentais de manifesta- ção religiosa, para ele, haveria três estágios de evolução até chegar em seu aperfeiçoamento: do animismo ao politeísmo, até o monoteísmo. O animismo se refere à oferendas a seres superiores incorpo- rados a formas animais, seres da natureza e objeto inanimados como dotados de uma alma. O segundo estágio, o politeísmo, seria o culto a divindades su- periores com uma divisão por segmentos sobre a vida humana. Por fi m, o monoteísmo representa a presença de um único ser superior onipresente, onisciente e onipotente. Frazer, escocês de origem, se dedicou a entender a evolução do pensamento humano a partir do folclore, da mitologia e das religiões. Chegou à conclusão de que a mente humana respeita uma linha de pro- gresso que vai do estado mágico ao religioso, e por fi m, ao estado cien- tífi co. Sua principal obra, “O ramo de ouro” (1890), representa um dos grandes esforços dentro da Antropologia para tentar entender rituais e comportamentos mágicos, que posteriormente, sua linha de pesquisa seria dada continuidade por outros antropólogos. Difusionismo O difusionismo aparece como parte do primeiro subitem deste mesmo capítulo, pois sua forma de interpretar o tempo histórico tam- bém está relacionada à diacronia. Apesar de ter ganhado força enquan- to teoria no século XX, muito se assemelha às concepções teóricas do século XIX. Comparado ao evolucionismo, o difusionismo demarca diferen- cial ao postular que o que distinguia as sociedades entre si não eram apenas o estado de desenvolvimento no qual se encontravam, e sim, a origem de cada invenção que determinava a cultura de uma etnia, sendo então, incorporada ao longo do tempo pela identidade local. As culturas então, possuem uma mesma origem sob esta ótica, e seriam propagadas por meio da difusão, migração, apropriação, aculturação e assimilação. Cada uma representa: 42 H IS TÓ R IA D O P E N SA M E N TO A N TR O P O LÓ G IC O - G R U P O P R O M IN A S Difusão: fusão de uma cultura matriz com outras locais; Migração: movimento de deslocamento de um grupo que carrega consigo determinada cultura; Apropriação: uso prestigioso sobre determinados saberes de uma cultura e inserção em uma cultura local; Aculturação: processo imperativo de uma cultura em detrimento de outra; Assimilação: associação entre culturas de diferentes lugares e fusão entre si. Na história do pensamento antropológico não há uma linha evolutiva de progresso, muito menos uma linearidade dos fatos ocorri- dos. Podemos até supor que estamos diante mais de uma interpretação sincrônica do que diacrônica das escolas antropológicas. No entanto, podemos compreender que há superações entre elas, e uma delas foi provocada pelo difusionismo ao desconstruir em partes o pensamento colonial, ou seja, argumentos que legitimavam social, histórico e eco- nomicamente a condição privilegiada de colonizadores e colonizados, enquanto explorados. É possível afi rmar que a partir dessa escola duas etnias tão dis- tantes geografi camente e temporalmente, como por exemplo, os nagôs na África, e os visigodos na Europa, tivessem semelhanças quanto a suas origens culturais, sendo assim, algumas das teorias evolucionistas cairiam por terra ao afi rmar que o progresso se tratava de um enquadra- mento qualitativo, onde apenas algumas civilizações teriam destaque. O racismo, um dos efeitos do evolucionismo e do “darwinismo social”, estava pautado sobre a crença da superioridade da biológica de uma raça sobre outra e a justifi cativa da submissão de povos a outros. O conhecido médico e antropólogo Paul Broca (1824-1880) desenvol- veu no período técnicas da Antropometria o sufi ciente para reconhecer que havia mais diferenças entre indivíduos de uma mesma etnia do que quando comparados a outras. No entanto, veremos adiante que o mesmo médico e suas contribuições teóricas serviram para transferir as diferenças culturais para características biológicas8. 8 Mesmo auxiliando a desmitifi car preceitos coloniais, o difusionismo esteve longe de aca- bar por vez dos argumentos que legitimara a exploração liderada pelas metrópoles. 43 H IS TÓ R IA D O P E N SA M E N TO A N TR O P O LÓ G IC O - G R U P O P R O M IN A S Após as primeiras críticas ao colonialismo no início do século XX, fi cou em destaque o quanto a presença de europeus em regiões que se tornaram colônia afetou a diversidade cultural de etnias locais. Como já sinalizamos, o uso autoritário da palavra escrita, colocou no pedestal um modelo de cultural em detrimento de outras. Sobre a forma de trabalho da pesquisa difusionista, podemos destacar que o método comparativo deu continuidade às suas bases teóricas, contudo, o foco não se estabeleceu mais nas instituições de uma determinada etnia, e sim, às características culturais de uma insti- tuição ou etnia relacionada a uma localidade geográfi ca. Note que até o momento trabalhamos com escolas que se preocupavam com a cultura de grupos diversos, mas que esta mesma cultura nunca esteve dissociada da noção biológica do ser humano até então. Algumas das teorias centrais defendidas pelo difusionismo fo- ram as seguintes ideias: Unidades culturais ou traços de uma cultura, em que um bem material ou imaterial pudesse ser reconhecido em outras regiões; A circularidade desta unidade cultural, muito cara a ideia de difusão em outros territórios; A localidade geográfi ca dessa unidade de cultura; A transmissão cultural, que determina o movimento dos traços culturais entre etnias distintas. Ao invés de tratarmos os autores que produziram pesquisas dentro do difusionismo, iremos apresentar alguns dos segmentos deste campo da Antropologia de acordo com suas principais acepções. Toda- via, alguns nomes são importantes citar como Leo Frobenius (1873— 1938), na Alemanha, William James Perry (1868—1949), no Reino Uni- do, e Emeterio Villamil de Rada (1804–1876) e Florentino Ameghino (1854–1911) na América do Sul9. 9 Vale lembrar que mesmo que haja registros de trabalhos dentro da escola de pensa- mento antropológica difusionista na América do Sul, esta produção esteve voltada para os paradig- 44 H IS TÓ R IA D O P E N SA M E N TO A N TR O P O LÓ G IC O - G R U P O P R O M IN A S Um dos países que mais se apropriou dessa escola, a Alema- nha, conseguiu consolidar o difusionismo germânico caracterizado pela percepção de que não havia uma única origem de todas as culturas, pois possuíam distintas formas de serem transmitidas. Mas ainda as- sim, carregava uma visão etnocêntrica ao associar traços culturais con- sideradas “avançadas” originada em civilizações brancas. Já no Reino Unido, a escola fi cou conhecida como hiperdifusionismo por levar ao extremo suas teorias de difusão da cultura, e esta teria sua origem única no Egito Antigo. O difusionismo presente na América do Sul, também conheci- do como Sul-Americano ou Autonomista, tinha como principal afi rmativa a ideia de que a origem de todas culturas não estaria no Egito, como pressupunha a escola britânica, mas sim, na Amazônia boliviana. Além dessas escolas, podemos mencionar que outras pos- teriores, como a culturalista de Franz Boas (1858-1942) nos Estados Unidos no início do século XX, se aproveitou da produção acadêmica de do método comparativo para suas pesquisas, o que também fi cou conhecido como difusionismo mitigado. Podemos observar que mesmo havendo características a se- rem superadas de uma escola a outra, todo esforço em refl etir sobre as práticas e costumes de etnias e civilizações contribuíram para o desen- volvimento do pensamento antropológico. NOVAS PERSPECTIVAS A PARTIR DA ETNOGRAFIA A partir do próximo capítulo iremos observar como a Etnogra- fi a teve
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