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Capitalismo Industrial, Questão Social e Serviço Social Questão Social Contemporânea e Serviço Social Material Teórico Responsável pelo Conteúdo: Profa. Ms. Sônia Maria Menezes Martinho Revisão Textual: Profa. Esp. Márcia Ota 5 Como veremos a seguir, é no contexto das sociedades urbano-industriais do século XIX que se pode identificar o que conhecemos por questão social contemporânea e também o surgimento do Serviço Social como profissão. Nós, assistentes sociais, não somos historiadores, sendo nossa profissão chamada a intervir de maneira mais imediata nos problemas do nosso tempo. Isso não significa dizer que podemos prescindir de conhecimentos diversos no campo das humanidades para enxergar e enfrentar os problemas com os quais lidamos além da imediaticidade nos ensinou o filósofo e sociólogo francês do início do século XX, Henry Lefebrve: “para atingir o verdadeiro, é preciso penetrar além do imediato”. Por isso, não deixe de realizar uma leitura atenta do Conteúdo Teórico e também de buscar os links e referências bibliográficas sugeridas. Procure participar ativamente dos fóruns de discussão, das atividades e acione o (a) professor(a) tutor(a) sempre que for necessário! Nesta unidade de conhecimento, pretendemos demonstrar a importância do conhecimento da História como fonte para a compreensão das relações sociais, dos problemas sociais (cujo conjunto definimos como questão social) e, assim, do Serviço Social, que é uma profissão que deve, de alguma maneira, responder a esses problemas. Questão Social Contemporânea e Serviço Social · Introdução · Sécs. XVIII e XIX - o capitalismo industrial na Europa e a questão social. · As primeiras formas de manifestação e de organização operária no Capitalismo Industrial · A Questão Social contemporânea: Rerum Novarum , Questão Operária 6 Unidade: Questão Social Contemporânea e Serviço Social Contextualização Wikimedia Commons A gravura acima, retirada do site Café História (http://cafehistoria.ning.com/photo/londres- e-paris-no-seculo-xix?context=featured), mostra um bairro operário na cidade de Londres do Século XIX, destacando elementos importantes que constituem a nascente questão social urbano industrial como a precariedade das condições de habitação e a densidade populacional. Neste período, muito se escreveu e falou sobre a multidão que começava a se formar nas cidades. Eram os operários que participavam em condições desumanas nas fábricas, produzindo a riqueza, a qual não tinham acesso, tendo que compartilhar condições precárias de habitação que geravam sérios problemas de saúde. Além das condições de vida, era marcante a insatisfação com as condições de trabalho. A gravura abaixo, retirada do site http://hypescience.com/fotos-chocantes-revelam-o-triste-cotidiano- do-trabalho-infantil-nos-eua-no-seculo-xx/), mostra umas das questões mais graves do processo de industrialização que é o emprego do trabalho infantil nas minas de carvão. Salienta-se que a extração do carvão era fundamental para a garantia do funcionamento das máquinas a vapor. Wikimedia Commons http://cafehistoria.ning.com/photo/londres-e-paris-no-seculo-xix?context=featured http://cafehistoria.ning.com/photo/londres-e-paris-no-seculo-xix?context=featured http://hypescience.com/fotos-chocantes-revelam-o-triste-cotidiano-do-trabalho-infantil-nos-eua-no-seculo-xx/ http://hypescience.com/fotos-chocantes-revelam-o-triste-cotidiano-do-trabalho-infantil-nos-eua-no-seculo-xx/ 7 Com essa contextualização, podemos compreender como é possível chamar a questão social que surge no processo de industrialização de “questão social contemporânea”. Ainda que muitas mudanças tenham acontecido, em um processo extremamente desigual de desenvolvimento, tanto a melhoria das condições de habitação de amplos segmentos sociais, quanto a erradicação do trabalho infantil ainda são questões com as quais hoje nos debatemos! O desenvolvimento desigual, aliás, é um dos grandes constrangimentos e desafios do capitalismo globalizado. Vejamos o que as imagens de duas capitais do século XXI podem nos dizer sobre isso: Wikimedia Commons A imagem acima, retirada do site (http://www.tremaeroporto.com/como-ir-do-aeroporto-de- stansted-para-o-centro-de-londres/), mostra um moderno equipamento de transporte público numa das cidades mais sofisticadas do mundo: Londres, a capital da Inglaterra. Abaixo, a foto retirada do site http://portugueseindependentnews.com/blog/category/paises/africa/ s-tome-e-principe/, mostra a precariedade nas condições de transporte das famílias trabalhadoras em São Tomé, Capital de São Tomé e Príncipe, republica africana, situada no Golfo da Guiné. Reprodução de portugueseindependentnews.com Com tantos recursos tecnológicos que nos aproximam do conhecimento e de melhores condições de vida, ainda convivemos com tantas fragilidades na capacidade de provisão de bens sociais básicos como saúde, educação e moradia de qualidade para grande parte da população mundial. As imagens acima nos mostram algumas expressões das falhas e contradições que caracterizam nossa civilização e desafiam a todos nós. Por isso, os assistentes sociais, nas mais diversas políticas sociais e instituições em que se inserem, são também chamados a participar do enfrentamento desse desafio. http://www.tremaeroporto.com/como-ir-do-aeroporto-de-stansted-para-o-centro-de-londres/ http://www.tremaeroporto.com/como-ir-do-aeroporto-de-stansted-para-o-centro-de-londres/ 8 Unidade: Questão Social Contemporânea e Serviço Social Introdução Para compreendermos o significado Serviço Social, precisamos localizar as razões de seu surgimento na história. Nesta unidade, apresentaremos o contexto histórico, econômico e político de formação do conjunto específico de problemas que levarão ao surgimento da profissão nas sociedades urbano industriais contemporâneas. Antes de apresentarmos uma análise acerca da questão social contemporânea e do surgimento do Serviço Social, é importante lembrarmos que toda análise é sempre fundamentada por categorias em um método específico de leitura da realidade. Os métodos de leitura da realidade histórica e social têm sempre um componente ideológico o que não os faz mais ou menos científicos, mas exige que suas proposições sejam coerentes e suas intenções transparentes. As diretrizes metodológicas para o ensino do Serviço Social, em vigor no Brasil, estão fundamentadas em uma leitura crítico-dialética da realidade social. Assim, as categorias fundamentais do método crítico dialético: totalidade, historicidade e contradição, vão aparecer a todo tempo, ao longo deste texto, mostrando uma forma de se compreender a questão social contemporânea e o significado social da profissão dos assistentes sociais. Vale salientar que a expressão questão social é uma forma que utilizamos para nos referir ao conjunto de problemas postos em dados modos de produção ou contextos históricos mais específicos. Então, é importante compreender que os problemas sociais não são imutáveis ou advindos de forças que estão fora das relações sociais: são os homens que, ao fazer a sua história, ao se relacionar entre si e com os outros homens, que - mais ou menos conscientemente- criam seus problemas. Desta maneira é que se alterando os modos de se produzir e viver, os valores, os costumes, as relações entre as classes, altera-se também a questão social. O mesmo ocorre se considerarmos que a diversidade é uma característica da humanidade: os problemas sociais se apresentam de diferentes formas em diferentes lugares: países, cidades, bairros. Como compreendê-los, então? Investigando a história e as relações sociais que nela vão se estabelecendo, caracterizando os homens em seu tempo, em seu espaço. Serviço Social, por sua vez, é uma profissão viva, dinâmica que vai sendo criada pela sociedade e também criando sua forma de ser no tecido da história. Essa história não é uma linha constituída por etapas evolutivas: é complexae contraditória, marcada por avanços e por retrocessos. Além disso, a história é realizada por sujeitos individuais e coletivos, classes sociais, corporações profissionais, indivíduos sociais e é nas suas relações que vamos compreender a origem dos problemas sociais (questão social) e das respostas que a eles são dadas (o Serviço Social está entre essas respostas). A profissão não é, portanto, constituída por um modo de ser fixo, que não se modifica com a história, no tempo. 9 Sécs. XVIII e XIX - o capitalismo industrial na Europa e a questão social “A marca da cisão, da ruptura, da fragmentação própria do sistema capitalista vai presentificando-se de forma cada vez mais nítida, à medida que avança o processo de consolidação do capitalismo. Realizando-se através de suas leis imanentes e invioláveis, prescreve-se uma marcha inexorável, arrastando em sua esteira a pauperização de extensa camada da população” (MARTINELLI, 2001:39) Wikimedia Commons A Revolução Industrial (Séc. XVIII/XIX- Europa) tem como cenários essenciais a cidade e a fábrica. A produção agrícola passa a se dar em função das necessidades de lucro das fábricas (dinamização do mercado, das trocas capitalistas) e sua mecanização crescente vai contribuindo para o êxodo rural. Esse êxodo permitiu a formação de um exército industrial de reserva1, garantindo a concorrência entre os trabalhadores e dificultando as condições de reprodução da classe trabalhadora. O Capitalismo Industrial é um estágio do desenvolvimento do capitalismo2 , no qual, a indústria se torna a atividade econômica principal. Nesse modelo de produção, são elementos fundamentais: a produção em larga escala com vistas ao lucro, a divisão técnica do trabalho, a apropriação dos meios de produção por grupos privados, a separação entre aqueles que detêm os meios de produção e os que detêm a capacidade produtiva. O espaço privilegiado da produção é a fábrica. A fábrica vai se erguendo e se colocando como locus privilegiado da produção da riqueza, da modernidade. A cidade, por sua vez, vai explicitando na sua dinâmica a proximidade em riqueza e pobreza, entre as maravilhas produzidas pelas máquinas e a restrição do acesso a elas. Nos arredores das fábricas, por outro lado, vão surgindo os bairros operários e o primeiro tipo de sub-habitação próprio dos grandes centros urbano industriais: o cortiço. 1 Para Karl Marx, o trabalho assalariado passa a ser a única propriedade com a qual contam os trabalhadores na sociedade. Esse trabalho, ao ser vendido para aquele que detém os meios de produção (no período aqui estudado, o dono da fábrica) passa a ser uma mercadoria e seu valor depende das suas condições de oferta. O exército industrial de reserva é exatamente uma população trabalhadora “sobrante”, que fica temporariamente fora do mercado, garantindo que o preço da força de trabalho mantenha-se baixo e, assim, o lucro final com a produção da mercadoria, mantenha-se alto. 2 O estágio industrial do capitalismo é resultante da acumulação, da concentração de riqueza que foi garantida nos estágios anteriores: capitalismo mercantil e concorrencial. 10 Unidade: Questão Social Contemporânea e Serviço Social No contexto do capitalismo industrial nascente, a realidade da fábrica era hostil: capatazes tratavam de garantir a máxima produtividade dos trabalhadores que, em condições precárias, cumpriam longas jornadas de trabalho. O emprego intensivo do trabalho infantil era também uma expressão da exploração do trabalho, gerando indignação e provocando o movimento operário na sua luta por condições dignas de trabalho. A disciplina da fábrica, dada pelas necessidade da produção em tempo adequado para a circulação da mercadoria em um mercado competitivo, começa também a tomar conta da vida na cidade, e é fácil se encontrar nos registros dos historiadores e escritores do período, referências a esse “novo modo de viver”, muito diferente daquele conhecido anteriormente. O tempo livre é reduzido e os operários caminham solitariamente em grandes grupos. A solidão é reiteradamente destacada, como realidade dos indivíduos, em meio à multidão. As relações comunais, comunitárias vão sendo substituídas e vai nascendo o modo de ser e de viver que hoje conhecemos: baseado na família nuclear, na noção de individualidade, no trabalho livre, assalariado, contratual, nas relações de consumo, na mercantilização da vida social. Lewis Hine/Wikimedia Commons Voltando ao processo de constituição da fábrica e, em torno dela, da cidade, destaca-se que as condições de moradia, por sua vez, também eram marcadas pela precariedade: os trabalhadores eram obrigados a viver em precárias habitações coletivas (cortiços), próximas às fábricas. Assim, é possível se compreender que os problemas de saúde pública começam a aparecer na cidade como problemas sociais importantes... Afinal, agora não há mais um fosso separado os castelos dos locais das moradias humildes: ricos e pobres dividem a mesma cidade em bairros próximos e os problemas de saúde advindos da precariedade da infraestrutura urbana nascente, também atinge a cidade como um todo, o comércio, a fábrica, as casas de classe média e as habitações das famílias mais abastadas. O mais importante, para que se conheça além da aparência dos problemas dos grandes centros urbanos, é se identificar as relações sociais que sustentam e garantem a reprodução do modo de produção capitalista no seu estágio industrial. Essas relações são aquelas estabelecidas essencialmente, entre as chamadas classes fundamentais do capitalismo industrial: proletariado urbano e burguesia industrial. Foi a relação de compra e venda que se estabeleceu entre estes dois segmentos sociais que garantiu a existência, o desenvolvimento e a permanência não apenas da economia capitalista industrial, mas também de todo um modo de ser, de uma cultura, de um projeto civilizatório. 11 Havia pobres e ricos, possuidores e despossuídos em outros modos de produção? Sim, escravos e cidadãos da antiguidade, servos e senhores feudais, foram, respectivamente, as classes fundamentais, dos modos de produção antigo e medieval e as tensões estabelecidas entre esses segmentos geravam os problemas próprios daquelas formas de ser e de viver, daqueles modos de produção. Mas cada unidade de opostos, ou seja, cada par de classes fundamentais que sustentam cada modo de vida, é marcado por peculiaridades distintas. Assim, a forma de se relacionar que se estabelece entre aqueles que detêm a propriedade privada dos meios de produção e os que contam apenas com sua força de trabalho para a produção da riqueza social, dirá muito sobre as tensões próprias da nossa sociedade, ou seja, definirá a questão social contemporânea. As primeiras formas de manifestação e de organização operária no Capitalismo Industrial A Questão Social que conhecemos hoje começou a se constituir a partir dos problemas advindos das condições de trabalho e de vida daqueles que passaram a vender (trabalho livre, assalariado) a sua força de trabalho. Além disso, a gradual constituição de uma consciência crítica e de formas de organização política e de reivindicação de direitos desses trabalhadores, passaram a se compor como uma ameaça cada vez mais evidente ao projeto de desenvolvimento da burguesia industrial consolidada. A percepção da desvalorização da força de trabalho viva, se expressou no início, na identificação da máquina como símbolo da opressão. Assim, os representantes do Movimento Luddita (um de seus líderes foi William Ludd) partiram para a destruição das máquinas no interior das fábricas, demonstrando a sua insatisfação em relação às condições de trabalho e de vida. O cooperativismo, a sindicalização são as expressões mais evidentes dessa reação do trabalhador na Europa do Séc. XIX. Abaixo, segue o registro dos fundadores (trabalhadores da indústria têxtil) da Sociedade dos Probos Pioneiros de Rochdale (Manchester, Inglaterra- 1844, primeira cooperativade crédito da qual se tem conhecimento. sicoobgoias.com.br 12 Unidade: Questão Social Contemporânea e Serviço Social Desta maneira, a consciência de si enquanto classe necessária, produtora da riqueza social e portadora de direitos no capitalismo foi se desenvolvendo no Século XIX, em meio a crises e a expansão das relações capitalistas de produção. Na Inglaterra, acabou-se por formar o Sindicato Geral Nacional Consolidado que tinha como principal objetivo a luta salarial, demonstrando a clara percepção da relação entre valor do trabalho e riqueza social. É quando os trabalhadores percebem que fazem parte de um conjunto que sofre pela exploração intensiva no interior da fábrica, que não é compensado (salário) pelo esforço dispendido na produção da riqueza e que, ainda, é obrigado a viver em condições precárias. Com isso, a consciência da exploração, como algo muito objetivo, começa a aflorar e tomar forma de organização autônoma com vistas à reivindicação em torno de direitos e ao questionamento de todo um modo de ser. Desta forma, com a passagem do Século XIX para o Século XX, ocorreu uma expansão da classe trabalhadora urbana, o que significou também para a burguesia possibilidades de ampliar as possibilidades de expansão do capital e também de acionar mecanismos de concorrência entre os trabalhadores, incrementando o exército industrial de reserva. histgeo.hypotheses.org Assim, não apenas as condições de vida dos trabalhadores, mas a sua percepção das injustiças sociais é que foram provocando algum tipo de reação da burguesia industrial que, a partir desta preocupação começa a conceituar a Questão Social como uma contingência, um mal ser enfrentado, contido, controlado, amenizado, dentro de um modelo de desenvolvimento econômico que alterna inexoravelmente momentos de crise e de prosperidade. Nesse contexto, temos, de um lado, o movimento trabalhador organizado que se adensa e encontra suportes intelectuais e operacionais, buscando uma transformação radical da realidade. Na Inglaterra do Século XIX, várias organizações sindicais foram se agregando em torno de uma luta fundamental que expressa a consciência de si como classe necessária; a luta por salários justos. Essa união de sindicatos ficou conhecida como Sindicato Geral Nacional Consolidado. Amplamente conhecida também será a construção do pensamento socialista, do qual Karl Marx e Friederic Engels serão os principais representantes. A aliança entre o movimento operário e esses intelectuais objetivava a superação do poder e das desigualdades instituídas pelo capitalismo industrial. Desse modo, a obra de Marx é reconhecida como um esforço de análise crítica, de problematização profunda do capitalismo não apenas como sistema econômico, mas como projeto civilizatório. 13 A Questão Social contemporânea: Rerum Novarum , Questão Operária A Questão Social contemporânea é produto, de um lado, dos problemas relativos às más condições de trabalho e de vida do proletariado e, de outro, da capacidade por parte desses setores, em reconhecer sua importância no processo produtivo e em organizar-se, questionando sua condição. Da destruição das máquinas, passando pela organização em cooperativas e sindicatos e chegando a processos revolucionários3, ao final do século XIX, é possível se identificar o reconhecimento de si do operariado enquanto classe necessária e o questionamento da alienação no processo de produção da vida. Essa consciência e os movimentos que dela derivaram começam a colocar sérios impedimentos à produção industrial e à dominação política da burguesia nascente. É da necessidade de se articular respostas aos problemas da fábrica e da cidade e às manifestações de descontentamento das classes trabalhadoras que, gradualmente, Estado, Igreja e empresariado foram formando uma aliança com vistas à produção respostas, vão institucionalizando4 a questão social. Henri Félix Emmanuel Philippoteaux (1815–1884)/Wikimedia Commons Em 1891, o então Papa Leão XIII publica a Carta Encíclica Rerum Novarum5 (que significa, em latim, Das Coisas Novas) e pelo teor de suas reflexões e recomendações apresenta-se como uma proposta para a ação social e política no contexto do desenvolvimento e da consolidação das relações sociais capitalistas. A ideia central da encíclica Rerum Novarum era a de constituição de uma terceira via que fosse capaz de minimizar os impactos causados pelo progresso e pela ganância (dos patrões) e, ao mesmo tempo, de barrar as “ideologias exóticas” causadas pela cobiça da propriedade (dos trabalhadores). 3 Na Europa, o movimento revolucionário que ficou mais conhecido é a Comuna de Paris, que se pode conhecer melhor acessando https://www.marxists.org/portugues/dicionario/verbetes/c/comuna_paris.htm 4 Ao reconhecer as questões relacionadas à saúde, habitação, alimentação, entre outras, como questões a serem enfrentadas por meio de ações sistemáticas, gradualmente vai ocorrendo uma institucionalização da questão social. 5 Para acesso ao texto integral da Carta Encíclica Rerum Novarum: http://www.dhnet.org.br/direitos/anthist/marcos/edh_enciclica_ rerum_novarum.pdf https://www.marxists.org/portugues/dicionario/verbetes/c/comuna_paris.htm http://www.dhnet.org.br/direitos/anthist/marcos/edh_enciclica_rerum_novarum.pdf http://www.dhnet.org.br/direitos/anthist/marcos/edh_enciclica_rerum_novarum.pdf 14 Unidade: Questão Social Contemporânea e Serviço Social No texto da carta papal, fica clara a intenção de se naturalizar a desigualdade de classes e também a de valorizar todo o tipo de ação voltada para a sua minimização. Claro está que a maior preocupação é a de enquadramentos da massa trabalhadora que, insatisfeita e na sua organização autônoma, demonstrava capacidade de questionar e contestar os destinos da riqueza que é fruto de seu suor. A valorização do trabalho duro para os trabalhadores e da defesa da propriedade para os patrões (que é vista como resultado de uma superioridade natural), são elementos que demonstram a função ideológica que teve o pensamento social da Igreja no contexto da consolidação do capitalismo industrial. É também uma expressão clara da necessidade das classes dominantes em responder de alguma maneira aos problemas próprios das relações entre empregados e patrões no interior das fábricas e na cidade. Vejamos alguns trechos da Rerum Novarum: “Efectivamente, os progressos incessantes da indústria, os novos caminhos em que entraram as artes, a alteração das relações entre os operários e os patrões, a influência da riqueza nas mãos dum pequeno número ao lado da indigência da multidão, a opinião enfim mais avantajada que os operários formam de si mesmos e a sua união mais compacta, tudo isto, sem falar da corrupção dos costumes, deu em resultado final um temível conflito.” No trecho acima, podemos verificar a preocupação com os rebatimentos do progresso, as relações patrões e empregados, a desigualdade e a “opinião mais avantajada que os operários fazem de si mesmo e a sua união mais compacta”. Fica claro que a maior preocupação é a de que a classe trabalhadora se organize e crie obstáculos verdadeiros ao desenvolvimento do capitalismo. Ao final do trecho, refere-se à corrupção dos costumes como a origem dos conflitos, deslocando-se da arena do trabalho para o campo da moral, a questão social. “A usura voraz veio agravar ainda mais o mal. Condenada muitas vezes pelo julgamento da Igreja, não tem deixado de ser praticada sob outra forma por homens ávidos de ganância, e de insaciável ambição” Se o primeiro trecho apresentado refere-se a equívocos da classe trabalhadora, no trecho acima a crítica recai sobre a “usura voraz” dos patrões que, gananciosos, são vistos também como responsáveis pelos conflitos sociais da modernidade. Outra imagem importante que aparece na Encíclica é a que a sociedade é como um corpo: constituída de cabeça e membros e que precisa que todas as suas partes funcionem em harmonia, para que sejasaudável. A cabeça corresponderia ao segmentos social “naturalmente talhado” para planejar, pensar, liderar. Os membros corresponderiam aquele segmento cuja realização se dá enquanto suporte físico da sociedade: os trabalhadores, que com seus braços constroem as casas, colhem os alimentos. Sem a cabeça (lideres, elite) o corpo (trabalhadores) não funcionaria bem. A separação entre o pensar e o fazer, própria da divisão social do trabalho nas sociedades capitalistas é reproduzida na encíclica Rerum Novarum, com o objetivo de promover a conciliação entre as classes. 15 Identificando, assim, a questão social como resultante de exageros de ambos os lados e de problemas de ordem moral, a mensagem do Papa Leão XIII contribui para a mistificação de uma realidade econômica e política que é da dominação material (proprietários dos meios de produção e portadores da mercadoria força de trabalho) e ideológica6 . A Questão Social, sendo resultante das relações entre as classes fundamentais do capitalismo para a produção da vida material, é gestada no âmbito das relações de trabalho e se expressa em todas as dimensões e aspectos da vida social. A separação entre aquele que produz (força de trabalho) e os meios necessários à produção (propriedade que é tornada individual, pela burguesia) é que constitui a alienação no capitalismo. A apropriação privada da natureza e sua utilização com vistas, principalmente, ao lucro particular é elemento constitutivo da alienação própria do capitalismo. A consciência de que a riqueza socialmente produzida não é aquela, a qual a maior parte daqueles que a produziram têm acesso; é um componente importante da consciência da alienação, da separação entre meios e fins, entre trabalho e produto do trabalho. Essas relações sociais que se tornam relações de compra e venda (da força de trabalho, que é localizada como meio de produção) faz com que essas relações entre pessoas apareçam como relações entre coisas, relações coisificadas, reificadas. É assim que as desigualdades entre iguais vão aparecendo como naturais e não como um produto de um processo histórico de dominação. A filósofa brasileira Marilena Chauí define assim esta mistificação pela via da naturalização de fatos que são socialmente explicáveis: A naturalização surge sob a forma de ideias que afirmam que as coisas são como são porque é natural que assim sejam. As relações sociais passam, portanto, a ser vistas como naturais, existentes em si e por si, e não como resultados da ação humana. A naturalização é a maneira pela qual as ideias produzem alienação social, isto é, a sociedade surge como uma força natural estranha e poderosa, que faz com que tudo seja necessariamente como é. Senhores por natureza, escravos por natureza, cidadãos por natureza, proprietários por natureza, assalariados por natureza, etc... (CHAUI, 2000: 216). Sendo assim, é importante duvidarmos sempre da realidade7 que se coloca para nós na imediaticidade, na superficialidade do dia a dia. Afinal, o preconceito e a naturalização não nos permitem compreender os processos, a articulação entre os fatos que vão definindo uma dada realidade. Não nos é possível apurar os porquês que explicam dados comportamentos, situações, realidades. É só lutando para superar os preconceitos que estamos começando a caminhar nos trilhos da ultrapassagem real, e não apenas ideal, dos problemas sociais. É apenas compreendendo como a história pessoal e a história social se articulam, que estamos aptos para desvendar as relações sociais, humanas. 6 Esta dominação no modo de ser e de enxergar a realidade faz com que numa sociedade dividida em classes sociais antagônicas, e que vivem na forma da luta de classes, uma imagem que permite a unificação e a identificação social – uma língua, uma religião, uma raça, uma nação, uma pátria, um Estado, uma humanidade, mesmos costumes (CHAUI, 200: 215) 7 Duvidar é fundamental para se teorizar (refletir, pensar, buscar as causas, os nexos entre um processo e outro) e teorizar, por sua ver, é importante para que se aproprie da realidade e se imprima mudanças nela. Se entendemos que nos cabe apenas repetir ações já concebidas, para que nos serve refletir, teorizar, duvidar? 16 Unidade: Questão Social Contemporânea e Serviço Social Glossário Questao Social: conjunto dos problemas colocados nas sociedades de classe que têm sua origem no processo de alienação que marca as relações fundamentais para a produção das necessidades básicas. Na próxima unidade, abordaremos em especial uma entre outras tantas respostas que as classes dominantes (na sua aliança com o Estado e a Igreja) criaram para o enfrentamento das “Coisas Novas” ou da “Questão Operária” ou da “Questão Social”: O Serviço Social, a profissão dos assistentes sociais. 17 Material Complementar BRESCIANI, M.S.M. Londres e Paria no Século XIX: espetáculo da pobreza. 8ª Ed. São Paulo, Brasiliense, 1994 CHAUI, M. Filosofia. Ed. Ática, São Paulo, ano 2000 DECCA, E. S.. O Nascimento das fábricas. 2º ed. São Paulo: Brasiliense, 1984. COSTA, S. Comuna de Paris - o proletariado toma o céu de assalto. São Paulo: Editora Anita Garibaldi; Goiânia: Editora PUC-Goiás, 2011 IAMAMOTO, M. V. Relações Sociais e serviço Social no Brasil: Esboço de Uma Interpretação Histórico Sociológica. 22. ed. São Paulo: Cortez, 2008. MANRIQUE CASTRO, M. História do Serviço Social na América Latina. 6. ed. São Paulo.: Cortez, 2003. MARTINELLI, M. L. Serviço Social: Identidade e Alienação, 12 ed. São Paulo, Cortez 2008. 18 Unidade: Questão Social Contemporânea e Serviço Social Referências IAMAMOTO, M. V. Relações Sociais e Serviço Social no Brasil: Esboço de Uma Interpretação Histórico-Metodológica. 22. ed. São Paulo: Cortez, 2008. MANRIQUE CASTRO, M. História do Serviço Social na América Latina. 6. ed. São Paulo: Cortez, 2003. MARTINELLI, M. L. Serviço Social: Identidade e Alienação.12. ed. São Paulo: Cortez, 2008. 19 Anotações www.cruzeirodosulvirtual.com.br Campus Liberdade Rua Galvão Bueno, 868 CEP 01506-000 São Paulo - SP - Brasil Tel: (55 11) 3385-3000
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