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O caráter histórico e social da moral AULA 3 Izabela Costa | Filosofia e ética | 04/04/2020 Esta Foto de Autor Desconhecido está licenciado em CC BY-SA https://es.wikipedia.org/wiki/Filosof%C3%ADa https://creativecommons.org/licenses/by-sa/3.0/ PÁGINA 1 Introdução Tentando sobreviver, o ser humano supera a sua natureza natural, instintiva, transformando-a em uma dimensão social. Para que a vida em sociedade seja possível, são estabelecidas regras que organizam as diversas relações humanas. Nesta aula, estudaremos algumas dessas regras e a vinculação da conduta moral à história. A Ética nos concursos Diversos concursos públicos procuram avaliar os conhecimentos do candidato acerca das noções gerais sobre Ética, Moral e Filosofia. Por isso, iniciaremos nossa aula um desafio: realizar as questões relacionadas à disciplina Ética que foram cobradas no concurso público para analista judiciário do Tribunal Regional do Trabalho – 19. Região. Para começarmos, leia o texto original publicado na prova do concurso: A palavra Ética é empregada nos meios acadêmicos em três acepções. Numa, fazse referência a teorias que têm como objeto de estudo o comportamento moral, ou seja, como entende Adolfo Sanchez Vasquez, “a teoria que pretende explicar a natureza, fundamentos e condições da moral, relacionando-a com necessidades sociais humanas”. Teríamos, assim, nessa acepção, o entendimento de que o fenômeno moral pode ser estudado racional e cientificamente por uma disciplina que se propõe a descrever as normas morais ou mesmo, com o auxílio de outras ciências, ser capaz de explicar valorações comportamentais. Um segundo emprego dessa palavra é considerá-la uma categoria filosófica e mesmo parte da Filosofia, da qual se constituiria em núcleo especulativo e reflexivo sobre a complexa fenomenologia da moral na convivência humana. A Ética, como parte da Filosofia, teria por objeto refletir sobre os fundamentos da moral na busca de explicação dos fatos morais. Numa terceira acepção, a Ética já não é entendida como objeto descritível de uma ciência, tampouco como fenômeno explicativo. Trata-se agora da conduta esperada pela aplicação de regras morais no comportamento social, o que se pode resumir como qualificação do comportamento do homem como ser em situação. É esse caráter normativo de Ética que a colocará em íntima conexão com o Direito. Nesta visão, os valores morais dariam o balizamento do agir e a Ética seria assim a moral em realização, pelo reconhecimento do outro como ser de direito, especialmente de dignidade. Como se vê, a compreensão do fenômeno Ética não mais surgiria metodologicamente dos resultados de uma descrição ou reflexão, mas sim, objetivamente, de um agir, de um comportamento consequencial, capaz de tornar possível e correta a convivência (Adaptado do site Jus Navigandi). Agora, resolva as questões a seguir: PÁGINA 2 Atividades Propostas 1. A concepção de ética atribuída a Adolfo Sanchez Vasquez é retomada na seguinte expressão do texto: a) Comportamento consequencial; b) Núcleo especulativo e reflexivo; c) Objeto descritível de uma Ciência; d) Explicação dos fatos morais; e) Parte da Filosofia. 2. As diferentes acepções de Ética devem-se, conforme se depreende da leitura do texto: a) Às perspectivas em que é considerada pelos acadêmicos; b) Aos usos informais que o senso comum faz desse termo; c) Às considerações sobre a etimologia dessa palavra; d) Aos métodos com que as ciências sociais a analisam; e) Às íntimas conexões que ela mantém com o Direito. 3. No texto, a terceira acepção da palavra ética deve ser entendida como aquela em que se considera, sobre tudo: a) O rigoroso legado da jurisprudência; b) O valor desejável da ação humana; c) O fundamento filosófico da moral; d) O rigor do método de análise; e) A lucidez de quem investiga o fato moral. 4. Dá-se uma íntima conexão entre a Ética e o Direito quando ambos revelam, em relação aos valores morais da conduta, uma preocupação: a) Tradicionalista; b) Filosófica; c) Descritiva; d) Prescritiva; e) Contestatária. Respostas no final do arquivo. ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ PÁGINA 3 Regras Sem princípios, normas ou regras que criam o mundo moral, torna-se inimaginável a existência de qualquer povo ou cultura. Se a moral constituída regula o que os homens realizam socialmente, o seu significado, função e validade variam historicamente nas diferentes sociedades. O comportamento moral muda de acordo com o tempo e lugar, conforme as condições pelas quais diferentes sociedades foram se organizando ao longo da história. E o desenvolvimento dessa organização depende de uma mudança da realidade, dirigida por finalidades conscientes: o trabalho humano. Por ele, o homem transforma a natureza, aprendendo a conhecê-la e adaptando-a às suas necessidades. Ele favorece a convivência, desenvolve habilidades, levando os seres humanos a conhecerem as próprias forças e limitações. O que quer dizer trabalho para você? Em nosso mundo ocidental, a concepção de trabalho demarca uma trajetória própria. Vejamos, agora, a descrição de três concepções para trabalho. Trabalho Derivada do vocabulário latino tripalium (tri (“três”), palus (“pau”)), aparelho romano de tortura contendo três estacas cravadas no chão sob a forma de pirâmide, servindo para amarrar condenados, escravos e animais difíceis de ferrar. O termo trabalho ganha, na Grécia e Roma antigas, a conotação negativa de sofrimento, pena. Nesse período, o trabalho manual é minimizado, já que era realizado apenas por escravos; reservava-se os ofícios intelectuais aos que fossem livres. Colocada em evidência, a atividade racional exigia uma disponibilidade tão grande que impedia o exercício de qualquer outra ocupação. Escola Apenas na escola, como indica sua etimologia, a concepção de trabalho podia ser plenamente exercida. De origem grega – o termo escola significa, entre alguns sentidos, “descanso”, “repouso”, “ocupação de um homem com ócio”, “livre do trabalho servil”. Na passagem para o latim, o termo – adquire, entre outras, a significação de “lugar nos banhos onde cada um espera a sua vez; ocupação literária”. Neste sentido, a escola é lugar da ocupação voluntária de quem, por ser livre, não é obrigado a se submeter (cf. BOHADANA, SKLAR:2007, 91). Negócio Reforçando a ideia do trabalho como ausência de lazer, Marco Túlio Cícero (106 a.C. a 43 a.C.), grande orador, político, filósofo, advogado e escritor romano), ressalta como a palavra negotium (“negócio”) implica a negação do ócio, ao trazer o sentido de “empreitada comercial que provoca aflição, aborrecimento e inconvenientes” (cf. GAFFIOT: 1934, 1022). O trabalho na Idade Média Na Idade Média, período de mais ou menos mil anos, compreendido entre o final da Idadeantiga (ocorrido nos séculos III-IV), com destaque para o ano de 476, em que o Império Romano do Ocidente encontra seu final oficial, e os séculos XIII-XIV (Renascimento), a arte mecânica ainda é considerada inferior. Nela impera um regime de servidão, organizado sob relações de dependências e vassalagens. Vejamos: AS CLASSES SOCIAIS Condizente com uma profunda fregmentação econômica e política, o quadro histórico do regime de servidão encontra suas raízes no surgimento de duas classes que marcaram o sistema feudal, dominante em toda Idade Média: dos senhores feudais, donos absolutos e terras ou feudos, e dos camponeses ou servos, os quais eram vendidos e comprados com as terras às quais pertenciam e que não podiam abandonar. No marco instaurado por essa divisão e as condições de trabalho que lhe correspondem, exemplificamos um dos caminhos que leva mudanças histórico-sociais a se relacionarem com transformações éticas. ESTRUTURA DO FEUDO Um feudo era composto de uma aldeia e várias centenas de agrupamentos de terra arável que a circundavam. Ao redor do feudo, encontravam-se prados, bosques e pastos. Cada propriedade feudal tinha um senhor. Pastos, prados, bosques eram compartilhados por todos, mas a maior parte de terra arável pertencia ao senhor feudal. E a menor parte ficava em poder dos arrendatários, que eram obrigados a arar ambas as áreas. Trabalhando arduamente nas faixas de terra que lhes cabiam, os servos levavam uma vida miserável; dedicavam (semanalmente e sem qualquer pagamento) dois ou três dias para arar a terra do senhor, que deveria sempre ser semeada e ceifada em primeiro lugar. Sofriam, em acréscimo, inúmeras obrigações. Riqueza, religião e ética Nesse quadro histórico, a medida de riqueza era determinada por um único fator: a quantidade de terra. Daí o motivo das disputas contínuas que ela suscitava, deflagrando guerras com frequência. Vejamos: O PAPEL DA IGREJA E é em torno desse aspecto que compreendemos o papel da Igreja. Ela tornou-se a maior proprietária de terras no período feudal. Através de doações de fiéis, incluindo nobres e reis, ela passou a possuir quase a metade de todas as terras da Europa Ocidental. Bispos e abades detinham os mesmos privilégios que condes e duques na estrutura feudal. PODER E RIQUEZA No início do feudalismo, a Igreja assumiu um papel tanto dinâmico, ao preservar muito da cultura romana, quanto progressista, pois incentivou a educação, ajudou pobres, desamparados e PÁGINA 1 doentes. Enquanto os nobres dividiam suas propriedades, atraindo mais simpatizantes, a Igreja tornava-se mais rica, de tal modo que suas posses tenderam a superar a sua função espiritual. Segundo alguns historiadores, ela não realizou tudo o que sua riqueza permitia. Ao mesmo tempo que suplicava ajuda dos que possuíam mais dinheiro, economizava dos seus próprios recursos. RELIGIÃO E ÉTICA O clero e a nobreza ocupavam o lugar de classes governantes, controlando as terras e o poder que daí provinha, prestando proteção militar. A Igreja fornecia auxílio espiritual. Ela se aproveitava do fato da religião garantir ao longo do período feudal uma certa unidade social, pois a política dela dependia como instituição que defendia a religião, exercendo forte poder espiritual e centralizando integralmente a vida intelectual. Justo sob essas circunstâncias, podemos entender de que modo a moral concreta, efetiva ou ética, permanece impregnada “de um conteúdo religioso que encontramos em todas as manifestações da vida medieval” (SÁNCHEZ VÁZQUEZ:2002,275-276). Conhecendo o burgos SISTEMA FAMILIAR Os membros de uma família produzem artigos para o seu consumo, e não para a venda. O trabalho não se fazia com o objetivo de atender ao mercado. SISTEMA DE CORPORAÇÕES Produção realizada por mestres artesãos independentes, com dois ou três empregados, para o mercado pequeno e estável. Os trabalhadores eram donos tanto da matéria-prima que utilizavam, como das ferramentas com que trabalhavam. Não vendiam o trabalho, mas o produto do trabalho. Durante toda a Idade Média. SISTEMA DOMÉSTICO Produção realizada em casa para um mercado em crescimento, pelo mestre artesão com ajudantes, tal como no sistema de corporações. Com uma diferença importante: os mestres já não eram independentes; tinham ainda a propriedade dos instrumentos de trabalho, mas dependiam, para a matéria-prima, de um empreendedor que surgira entre eles e o consumidor. Passaram a ser simplesmente tarefeiros assalariados. Do século XVI ao XVIII. SISTEMA FABRIL Produção para um mercado cada vez maior e oscilante, realizada fora de casa, nos edifícios do empregador e sob rigorosa supervisão. Os trabalhadores perderam completamente sua independência. Não possuía a matéria-prima, como ocorria no sistema de corporações, nem os instrumentos, tal como no sistema doméstico. A habilidade deixou de ser tão importante como antes, devido ao maior uso da máquina. O capital tornou-se mais necessário do que nunca. Do século XIX até hoje (HUBERMAN: 125). PÁGINA 2 Sob o sistema fabril, em que a máquina e o capital desalojam das mãos do trabalhador sua importância e habilidade, encontramos um segundo exemplo para caracterizar a relação moral-história. Transformações de peso na vida social e econômica, como o desenvolvimento das técnicas, da experimentação e a ampliação dos mercados, estão na base de seu surgimento. Os instrumentos de produção passam a ser comprados pelo capital acumulado, obrigando os mestres artesãos e os ajudantes a venderem sua força de trabalho em troca de um salário para sobreviver. Com o aumento da produção, o que é produzido deixa de pertencer aos trabalhadores, sendo oferecido como mercadoria pelo burguês que retém um valor não-remunerado: mais-valia ou lucro. Nessas condições, surge a classe econômica dos trabalhadores assalariados ou proletariado. O “ADVENTO” DA RELAÇÃO TRABALHISTA Através de uma série de revoluções nos Países Baixos, na Inglaterra e particularmente no final do século XVIII na França, consolida-se a posição da burguesia. Ao longo do século XIX, a lei da produção de mais-valia – trabalhar para garantir lucros – vigora em solo inglês. O capitalismo é estabelecido. Condições subumanas de vida marcam a existência do proletariado, permeadas por extensas jornadas de trabalho de dezesseis a dezoito horas, sem quaisquer direitos trabalhistas; crianças e mulheres tornam-se mão-de-obra necessária e barata. Miséria, sofrimento e insegurança marcam a existência dos novos operários fabris. Diante dessas circunstâncias, compreendemos a proliferação de comportamentos morais individualistas e egoístas que animam as relações sociais burguesas. Para encerrar... (...) as considerações morais não podem alterar a necessidade objetiva, imposta pelo sistema, de que o capitalista alugue por um salário a força de trabalho do operário e o explore com o fim de obter uma mais-valia. A economia é regida, antes de mais nada, pela lei do máximo lucro, e essa lei gera uma moral própria. Com efeito, o culto ao dinheiro e a tendência a acumular maiores lucros constituem o terreno propício para que nas relações entre os indivíduos florescam o espírito de posse, o egoísmo, a hipocrisia, o cinismo e o individualizmo exacerbado. Cada um confia em suas próprias forças, desconfia dos demais, e busca seu próprio bem-estar, ainda que tenha de passar por cima do bem-estar dos outros. A sociedade se converte assim num campo de batalha no qual se trava uma guerra de todos contra todos. (SÁNCHEZ VÁZQUEZ:2002,49). 1. D 2. A 3. B 4. E
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