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Liberdade Mulheres Violentadas

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE - UFRN 
CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS - CCSA 
DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL - DESSO 
CURSO DE SERVIÇO SOCIAL 
 
 
 
 
 
 
JÉSSICA SILVA DE OLIVEIRA 
 
 
 
 
 
 
 
 
LIBERDADE PARA AS MULHERES: ANÁLISE DA VIOLÊNCIA SEXUAL A 
PARTIR DA EXPERIÊNCIA DO PROGRAMA DE ATENDIMENTO A MULHERES 
VÍTIMAS DE AGRESSÃO SEXUAL (PAVAS) 
 
 
 
 
 
 
NATAL/RN 
2019 
JÉSSICA SILVA DE OLIVEIRA 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
LIBERDADE PARA AS MULHERES: ANÁLISE DA VIOLÊNCIA SEXUAL A PARTIR 
DA EXPERIÊNCIA DO PROGRAMA DE ATENDIMENTO A MULHERES VÍTIMAS DE 
AGRESSÃO SEXUAL (PAVAS) 
 
 
 
 
 
 
Monografia apresentada ao curso de graduação 
em Serviço Social, da Universidade Federal do 
Rio Grande do Norte, como requisito parcial à 
obtenção do título de Bacharel em Serviço 
Social. 
 
Orientadora: Profa. Dra. Ilena Felipe Barros. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
NATAL/RN 
2019 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN 
Sistema de Bibliotecas - SISBI 
Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro Ciências Sociais Aplicadas - CCSA 
 
 Oliveira, Jessica Silva de. 
 Liberdade para as mulheres: análise da violência sexual a 
partir da experiência do Programa de Atendimento a Mulheres 
Vítimas de Agressão Sexual (PAVAS) / Jessica Silva de Oliveira. - 
2019. 
 72f.: il. 
 
 Monografia (Graduação em Serviço Social) - Universidade 
Federal do Rio Grande do Norte, Centro de Ciências Sociais 
Aplicadas, Departamento de Serviço Social, Natal, RN, 2019. 
 Orientadora: Profa. Dra. Ilena Felipe Barros. 
 
 
 1. Serviço Social - Monografia. 2. Abuso sexual - Monografia. 
3. Violência contra a mulher - Monografia. 4. Feminismo - 
Monografia. 5. Programas sociais - Monografia. I. Barros, Ilena 
Felipe. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. 
Título. 
 
RN/UF/CCSA CDU 364.633-055.2 
 
 
 
 
 
Elaborado por Shirley de Carvalho Guedes - CRB-15/404 
 
JÉSSICA SILVA DE OLIVEIRA 
 
 
LIBERDADE PARA AS MULHERES: ANÁLISE DA VIOLÊNCIA SEXUAL A PARTIR 
DA EXPERIÊNCIA DO PROGRAMA DE ATENDIMENTO A MULHERES VÍTIMAS DE 
AGRESSÃO SEXUAL (PAVAS) 
 
 
 
Monografia apresentada ao curso de Graduação 
em Serviço Social, da Universidade Federal do 
Rio Grande do Norte, como requisito parcial à 
obtenção do título de Bacharel em Serviço 
Social. 
 
 
Aprovada em: ______/______/______ 
 
BANCA EXAMINADORA 
 
______________________________________ 
Profa. Dra. Ilena Felipe Barros 
Orientador(a) 
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE 
 
______________________________________ 
Profa. Dra. Miriam de Oliveira Inácio 
Membro interno 
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE 
 
______________________________________ 
Assistente Social Virgínia Maria Peixoto de Souza 
Membro externo 
HOSPITAL DR. JOSÉ PEDRO BEZERRA 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Por ser um trabalho sobre e para mulheres, o 
dedico as minhas três grandes admirações da 
vida, minha mãe Fátima, minha avó Maria do 
Carmo e minha avó do coração Francisca, 
especialmente à minha mãe que me ensinou a 
ser forte e batalhadora como ela. 
AGRADECIMENTOS 
 
À priori, agradeço a Deus por ter renovado minhas energias e ter me fornecido boas 
energias nos períodos mais cansativos e decisivos da graduação, como também, por ter 
renovado a fé nos momentos de crise, de ansiedade e nervosismo. 
Ao meu avô e ao meu irmão pelo apoio e por acompanharem de perto todos os 
momentos mais importantes da minha vida e agradeço em especial à minha mãe que me 
proporcionou uma boa educação com muito esforço em criar uma filha sozinha. 
A minha turma de Serviço Social 2016.1 por todos os momentos de apoio, união e 
risadas. As minhas amigas de graduação Miliane e Laísa, que estiveram comigo desde o início, 
pretendo compartilhar minha amizade com vocês ao longo da vida. 
Ao meu núcleo de estágio e de orientação de TCC, Mariana e Pablo, que sem sombra 
de dúvidas, foram essenciais para me dar forças na batalha desses últimos períodos. Obrigada 
pela linda amizade que construímos e por partilharmos os desafios que nos foram postos. 
 A minha orientadora Profa. Dra. Ilena Barros agradeço imensamente pela paciência e 
compreensão, a sua entrada na minha vida foi uma surpresa maravilhosa, pois, não imaginava 
que um dia iria tanto me inspirar em sua história de vida e de luta. 
 A Profa. Dra. Miriam Inácio por ter aceitado o convite de participar da banca 
examinadora, seus trabalhos acadêmicos me inspiraram muito para escrever o meu. A luta das 
mulheres agradece sua sublime contribuição. 
 A assistente social Virgínia, minha eterna “super”, que foi acolhedora desde o nosso 
primeiro contato, assim como leva o atendimento humanizado aos/as usuários/as do SUS. És 
minha maior inspiração profissional, obrigada por me ensinar tanto sobre a profissão e sobre a 
vida, mas também, pelo apoio para a realização desse trabalho. Ambas cuidamos uma da outra 
e assim continuaremos afinal “ninguém solta a mão de ninguém”. 
 Enfim, agradeço aos amigos e amigas pelas palavras e compreensão nos momentos em 
que fui ausente. E em especial aos participantes do amado grupo Trabalho Social com Idosos 
(TSI) que todos os dias renovam minhas energias com tanto carinho e amor, agradeço também 
todo o apoio e parceria da minha supervisora Samira Mandu que entende as situações adversas 
do cotidiano de um/a estudante cheia de particularidades e por acreditar tanto no meu potencial. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Não sei quantos mistérios possuo, 
quantos sentidos me invadem, 
quantos desejos invento, quantos amores revelo. 
Por isso sou assim: reticências, penumbras, esfinges, 
dúvidas, certezas, corações, delírios, fantasia. 
Sou a máscara do drama que enfrenta 
a comédia sem graça das piadas machistas, 
do preconceito visível que derrama sobre nós a 
lama da insensatez, 
do que é desumano, vil. 
Sou todas as faces marcadas pela agonia do 
não-direito, 
da repressão, opressão, de um tempo marcado 
pelo autoritarismo, 
pela violência de gênero, pela barbárie. 
Sou o rosto enrugado que não é respeitado [...] 
Sou essa poesia construída tacitamente, 
feita de revolta, amor, de dores, 
feridas saradas e cicatrizes ainda abertas. 
Poesia cheia de sentimentos, 
de desabafos poéticos com seus voos diários 
que alcançam sempre o imaginário, 
sem ter a pretensão de decifrar 
 a magnitude e a sensibilidade de ser Mulher... 
Decifra-me 
Andrea Lima 
 
RESUMO 
 
Com o acirramento da violência contra a mulher, em suas formas mais brutais de concretização, 
torna-se extremamente urgente o aprofundamento do debate e a discussão de vias estratégicas 
de enfrentamento a esse fenômeno, como também despertar o olhar dos diversos grupos da 
sociedade civil para condição de subalternidade que a mulher está submetida na sociedade. 
Sendo assim, o presente estudo enveredou pela apreensão crítica acerca da problemática 
violência de gênero, especificamente sobre a violência do tipo sexual. A necessidade de realizar 
o trabalho com essa temática resultou do objetivo em analisar os aspectos e determinantes 
sociais que circundam o fenômeno da violência sexual contra meninas e mulheres, mas também, 
analisar criticamente o termo “Cultura do Estupro”. Para tal feito, foi desenvolvida uma 
pesquisa de caráter qualitativa por meio de revisão bibliográfica e pesquisa documental dos 
prontuários de mulheres em situação de violência sexual que foram atendidas pelo Hospital Dr. 
José Pedro Bezerra durante o ano de 2018, respeitando o sigilo da identidade das vítimas. O 
método empregado para a condução da pesquisa foi o materialismo dialético em Marx, 
compreendendo que este explora a realidade concreta dos fenômenossociais em seu contexto 
mais complexo e histórico. Através do estudo supracitado foi possível concluir que as mulheres 
necessitam construir uma identidade política coletiva sobre às condições de vida, opressão, 
exploração e dominação masculina. É imprescindível que os movimentos de mulheres 
feministas atinjam um contingente maior de mulheres. Por fim, espera-se que o trabalho 
contribua de alguma forma na compreensão acerca da desigualdades presente nas relações 
sociais de gênero, sobre a importância do feminismo na luta pelos direitos das mulheres e que 
faça repensar o Programa de Atendimento a Vítimas de Agressão Sexual (PAVAS), em relação 
ao seu fortalecimento na instituição e dentro da equipe multiprofissional que o compõe. 
 
Palavras-chave: Gênero. Violência Sexual. Cultura do Estupro. Feminismo. Programa de 
Atendimento a Vítimas de Agressão Sexual. 
 
 
 
 
 
 
 
ABSTRACT 
 
With the intensification of violence against women, in its most brutal forms of manifestation, 
it is extremely urgent to deepen the debate and the discussion of strategic ways to confront this 
phenomenon, as well as to awaken the eyes of the various groups of civil society 
for the condition of subordination that women are subjected to in society. Therefore, the present 
study took on the critical apprehension about the problematic gender violence, specifically 
about the sexual type violence. The need to work on this theme resulted from the objective of 
analyzing the aspects and social determinants that surround the phenomenon of sexual violence 
against girls and women, but also to critically analyze the term "Culture of Rape". For this 
purpose, a qualitative research was developed through literature review and documentary 
research of the patient records of women in situations of sexual violence that were attended by 
Hospital Dr. José Pedro Bezerra during 2018, respecting the confidentiality of the identity of 
thevictims. The method used to conduct this research was Marx's dialectical materialism, 
understanding that it explores the concrete reality of social phenomena in their most complex 
and historical context. Through the above study it was possible to conclude that women need 
to build a collective political identity about living conditions, oppression, exploitation and male 
domination. It’s essential that the feminist women's movement reaches a contingent largest of 
women. Finally, it is hoped that the work will contribute in some way to understanding the 
inequalities present in social gender relations, the importance of feminism in the fight for 
women's rights, and that it will rethink the Program for Assistance to Victims of Sexual 
Aggression (PAVAS), in relation to its strengthening in the institution and within the multi-
professional team that composes it. 
 
Keywords: Gender. Sexual Violence. Rape Culture. Feminism. Program for Assistance to 
Victims of Sexual Aggression. 
 
 
 
 
 
 
 
 
LISTA DE GRÁFICOS 
 
 
Gráfico 1 – Denúncias relatadas em 2016 por tipo de violência contra a mulher……. 26 
Gráfico 2 – Vítimas de Feminicídio, por raça/cor no Brasil: 2017-2018.................... 28 
Gráfico 3 – Vítimas de Feminicídio, por vínculo com o autor. Brasil: 2017-2018..... 29 
Gráfico 4 – Vítimas de Feminicídio, por faixa etária. Brasil: 2017-2018................... 30 
Gráfico 5 – Feminicídio no Brasil - Números Absolutos…………………………… 30 
Gráfico 6 – Idade (PAVAS/RN).................................................................................. 62 
Gráfico 7 – Agressor (PAVAS/RN)............................................................................ 63 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
LISTA DE SIGLAS 
 
AMB Articulação Brasileira de Mulheres 
CEDAW Convenção sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher 
CNMD Conselho Nacional dos Direitos das Mulheres 
DEAM Delegacia Especializada no Atendimento a Mulher 
DRCI Delegacia de Repressão aos Crimes de Informática 
DST Doenças Sexualmente Transmissíveis 
FBSP Fórum Brasileiro de Segurança Pública 
HIV Vírus da Imunodeficiência Humana 
HJPB Hospital Dr. José Pedro Bezerra 
HMAF Hospital Maria Alice Fernandes 
IST Infecções Sexualmente Transmissíveis 
ITEP Instituto Técnico-Científico de Perícia 
LOS Lei Orgânica da Saúde 
MMM Marcha Mundial das Mulheres 
MPC Modo de Produção Capitalista 
MS Ministério da Saúde 
OIT Organização Internacional do Trabalho 
ONG Organização Não-Governamental 
OMS Organização das Nações Unidas 
PAVAS Programa de Atendimento às Vítimas de Agressão Sexual 
PAISM Programa de Atenção Integral da Saúde da Mulher 
PNH Política Nacional de Humanização 
PNS Política Nacional de Saúde 
RN Rio Grande do Norte 
RJ Rio de Janeiro 
SESAP Secretário de Estado de Saúde Pública 
SUS Sistema Único de Saúde 
UBS Unidade Básica de Saúde 
UFRN Universidade Federal do Rio Grande do Norte 
 
 
 
SUMÁRIO 
 
1 INTRODUÇÃO.................................................................................................. 12 
2 VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER E AS BASES SOCIAIS QUE A 
LEGITIMAM..................................................................................................... 
 
17 
2.1 Relações Sociais de Gênero: o contraste na vida das 
mulheres............................................................................................................... 
 
17 
2.2 Violência contra a mulher no Brasil: dados e discussão....................................... 24 
2.3 “Cultura do Estupro”: Uma apreensão crítica a respeito do seu 
uso........................................................................................................................ 
 
33 
3 A RESPOSTA DO ESTADO ÀS MULHERES VÍTIMAS DE 
VIOLÊNCIA SEXUAL..................................................................................... 
 
40 
3.1 Movimento de Mulheres e Movimento Feminista: a luta por uma vida sem 
violência para as mulheres.................................................................................... 
 
40 
3.2 Políticas Públicas de enfrentamento a desigualdade de gênero............................. 51 
3.3 O atendimento às mulheres vítimas de violência sexual no Hospital Dr. José 
Pedro Bezerra....................................................................................................... 
 
57 
3.3.1 Resultados da Pesquisa Documental.................................................................... 61 
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................ 65 
5 REFERÊNCIAS................................................................................................. 70 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
12 
 
INTRODUÇÃO 
 
O presente trabalho tem como objetivo central apreender criticamente os fatores que 
determinam o fenômeno da violência contra a mulher, no contexto do PAVAS, no sentido de 
analisar especificamente a violência sexual tão crescente na sociedade, pois, se faz mais do que 
necessário debater esta que é uma das piores formas de violação de direitos humanos das 
mulheres. Para tanto, é importante recapitular a produção teórica da problemática de gênero, 
ainda que as literaturas acadêmicas e feministas existentes sobre essa temática possuam 
divergências de análises, que permita analisar e compreender as categorias teóricas de gênero 
as quais dissertam e discutem o assunto, à luz da perspectiva da realidade. 
Ademais, faz parte dos objetivos específicos deste estudo, analisar o termo amplamente 
divulgado nas mídias sociais como “Cultura do Estupro” e a violência contra a mulher na 
sociabilidade capitalista, tendo em vista o contexto histórico e atual; compreender de que 
maneira as categorias machismo e patriarcado interferem nas relações desiguais de gênero; e 
estudar os casos atendidos pelo PAVAS no HJPB, a fim de verificarcomo se efetiva o 
atendimento dessa demanda e o combate à violência nesse âmbito do setor público. 
 O despertar para o estudo dessa problemática começou através da afinidade em estudar 
gênero no curso de graduação em Serviço Social da Universidade Federal do Rio Grande do 
Norte (UFRN), na disciplina optativa Seminário Temático sobre Gênero, além de palestras e 
mesas redondas que debateram o tema no meio acadêmico. No concernente a experiência vivida 
e aproximação com o objeto de pesquisa decorrem por intermédio de três vias: da vida pessoal 
(afinal esse tipo de violência já aconteceu no âmbito familiar), da realidade no trabalho de 
estágio no Hospital Dr. José Pedro Bezerra, popularmente conhecido como Hospital Santa 
Catarina. 
Durante o processo de Estágio Supervisionado em Serviço Social, realizado no Hospital 
Dr. José Pedro Bezerra (HJPB) – unidade de referência estadual, localizada na Zona Norte de 
Natal -, foi possível realizar a escuta qualificada de casos concretos de estupro que a instituição 
atende através do Programa de Atendimento a Vítimas de Agressão Sexual (PAVAS), o que 
desenvolveu ainda mais a aproximação entre o objeto de estudo e o sujeito pesquisador. Então, 
a socialização e atendimento dos casos, assim como o estudo dos prontuários tornam o material 
de pesquisa deste trabalho qualitativo, rico em dados e análises concretas. 
 Atualmente os índices de violência crescem desenfreadamente e de forma banalizada 
em nosso país, onde a que predomina no ideário de indignação da população é a violência 
proveniente da criminalidade, restrita à delinquência, esta não é tolerada pela sociedade. A 
13 
 
utilização do fenômeno complexo que é a violência está enraizada em todo o decorrer histórico 
das nossas formas de convívio social e nas diferentes esferas de relações sociais, visto que, 
[...] em qualquer época histórica do nosso país, a violência esteve e está 
presente. Deve, portanto, ser objeto de nossa reflexão, seja quanto à 
aculturação dos indígenas, quanto à escravização dos negros, as ditaduras 
políticas, ao comportamento patriarcal e machista que perpetua abusos contra 
as mulheres e crianças, aos processos de discriminação, racismo, opressão e 
exploração do trabalho (MINAYO, 2006, p. 27). 
 
 Esse fenômeno é um componente inerente da vida social, mas também, o modo como 
se apresenta nas sociedades é resultado das relações sociais, da comunicação e dos confrontos 
de poder (MINAYO, 2006). As condições de vida de uma população definem se uma região é 
mais violenta ou não do que a outra, a depender do acesso à educação, saúde, trabalho, 
segurança, alimentação, tecnologia, isto é, da porta de entrada que a população tem a um 
aglomerado de aspectos que comportem o bem-estar da coletividade, quanto maior a 
desigualdade social sofrida por uma população, maior serão os níveis de violência. 
Posto isto, adentrando a questão da violência contra a mulher, a manifestação desse 
fenômeno nos revela uma questão de gênero, visto que evidencia o percurso histórico de 
dominação, exploração e opressão masculina que a mulher sofre em vários âmbitos da vida 
social, profissional e pessoal, devido aos papéis socialmente atribuídos a ambos os sexos desde 
o nascimento, que fazem com que o homem tenha poder e se sinta superior em relação a mulher. 
A realidade nos mostra cotidianamente que a violência contra a mulher só aumenta e, 
no que se referem ao estupro, os dados mais recentes apontam o Brasil – vergonhosamente – 
bateu recorde dos casos dessa violência. De acordo com o 13º Anuário Brasileiro de Segurança 
Pública (2019) do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) 180 pessoas foram 
violentadas por dia no país em 2018, sendo que 81,8% das vítimas são mulheres. 
Essa conjuntura de acirramento da violência contra a mulher torna a exploração do tema 
ainda mais essencial já que “a pesquisa científica ultrapassa o senso comum (que por si é uma 
reconstrução da realidade) através do método científico” (MINAYO, 2001. p. 35). Assim, é 
importante estudar o problema da pesquisa a fim de aprofundar o conhecimento acerca das 
relações sociais de gênero, das políticas públicas de enfrentamento à violência contra as vítimas, 
de modo que as pessoas que tenham acesso ao resultado da pesquisa não fiquem confusas ou 
leigas quando o assunto é a raiz da violência de gênero. Além do mais, o presente trabalho 
revela uma reflexão atualizada dessa problemática. 
Então, levando em conta que a realização de pesquisa é necessária e relevante para 
melhorar os serviços de atendimento e qualificar os processos de gestão, monitoramento e 
14 
 
criação de Políticas Públicas espera-se que esse trabalho contribua de alguma forma nos 
serviços de atendimento prestados às mulheres vítimas de violência sexual, como o PAVAS, 
de forma que as vítimas não sejam culpabilizadas e tenham seus direitos garantidos e 
assegurados pelo Poder Público. 
Minayo (2001) ressalta a importância da pesquisa social para a humanidade: 
Entendemos por pesquisa a atividade básica da Ciência na sua indagação e 
construção da realidade. É a pesquisa que alimenta a atividade de ensino e a 
atualiza frente à realidade do mundo. Portanto, embora seja uma prática 
teórica, a pesquisa vincula pensamento e ação. Ou seja, nada pode ser 
intelectualmente um problema, se não tiver sido, em primeiro lugar, um 
problema da vida prática. As questões da investigação estão, portanto, 
relacionadas a interesses e circunstâncias socialmente condicionadas. São 
frutos de determinada inserção no real, nele encontrando suas razões e seus 
objetivos (MINAYO, 2001, p. 17-18). 
 
Ademais, para o debate teórico e acadêmico dessa temática, estima-se que o resultado 
da pesquisa proporcione o fortalecimento da propagação de conhecimento para a comunidade, 
especialmente para as mulheres, visto que, é de suma importância que elas percebam como 
ocorrem as relações de gênero na vida social e privada, já que esse tema provoca uma reflexão 
devido às desigualdades entre homens e mulheres serem aspectos tão próximos do cotidiano da 
nossa sociedade. Assim, também se almeja que a pesquisa contribua para o debate de 
enfrentamento dessa prática. 
Muitos/as profissionais do Serviço Social lidam no miúdo do cotidiano com mulheres e 
meninas em situação de violência sexual, nos diversos espaços sócio ocupacionais, por isso, é 
essencial que a categoria entenda o contexto histórico e atual da violência, mas também as 
demandas históricas e imediatas das mulheres. De forma que os/as assistentes sociais 
compreendam a análise desse tipo de violência e viabilizem o acesso aos direitos pertinentes a 
essas mulheres, através de uma intervenção que não reproduza uma perspectiva moralizadora, 
julgadora e conservadora da prática. 
Toda pesquisa científica pressupõe um método, um meio para realizá-la e, 
reiteradamente, pode ser interpretado erroneamente apenas como técnicas e instrumentos, isto 
é, em seu sentido mais prático possível, descolado da teoria. Contudo, pelo contrário, a 
metodologia de uma pesquisa engloba “as concepções teóricas de abordagem, o conjunto de 
técnicas que possibilitam a construção da realidade e o sopro divino do potencial criativo do 
investigador” (MINAYO, 2001, p. 16). 
Nesse sentido, a teoria, o conteúdo, o pensamento e criatividade devem estar articulados 
diretamente ao método, em uma via única inseparável, de forma que método e teoria seja uma 
15 
 
unidade só, a fim de propiciar uma teoria que dê condições ao/a pesquisador/a de enfrentar os 
desafios da prática, logo, a metodologia vai além de sua significação de métodos de abordagem 
e de procedimentos e técnicas. 
Ademais, a pesquisa social possui também um fio condutor como aponta Rocha (2009), 
que é o problema-objeto de investigação da pesquisa, ou seja, a delimitação/recorte do tema da 
pesquisa, de forma que seja feita uma pergunta a ser respondida no resultadoda pesquisa. Desse 
modo, o objeto de pesquisa “consiste em um enunciado explicitado de forma clara, 
compreensível e operacional, cujo melhor modo de solução ou é uma pesquisa ou pode ser 
resolvido por meio de processos científicos” (LAKATOS e MARCONI, 2003, p. 127). À vista 
disso, objetivando responder ao problema deste trabalho, foi usado o método materialismo 
dialético em Marx para análise de dados durante todo o processo que conforma a pesquisa. 
Nesse método, apreender a aparência imediata dos fenômenos é o ponto de partida, pois, 
é algo que não deve ser descartado, mas, o objetivo desse método de pesquisa é atingir a 
essência do objeto pesquisado e entender seu movimento real e concreto, independente do 
desejo, pensamento ou consciência do/a pesquisador/a. Atingir a essência do objeto significa 
compreender “sua estrutura e dinâmica, por meio de procedimentos analíticos e operando a sua 
síntese, o pesquisador a reproduz no plano do pensamento; mediante a pesquisa, viabilizada 
pelo método, o pesquisador reproduz, no plano ideal, a essência do objeto que investigou”. 
(NETTO, 2011, p. 22). 
Destarte, abordaremos a categoria violência de gênero em suas múltiplas determinações 
e contradições existentes, analisando-a de forma crítica e historicizada, já que o materialismo 
dialético considera a história o fator primordial para a interpretação dos fenômenos sociais e 
seu desenvolvimento, alicerçado em suas características de totalidade e suas partes, da realidade 
e seu movimento concreto e da transformação da quantidade em qualidade. 
A Pesquisa Qualitativa foi o meio técnico utilizado durante as etapas da pesquisa, porque 
ela permite apreender questões essenciais das relações humanas, dos processos de vida dos 
sujeitos e fenômenos sociais de forma mais profunda, em um nível que não admite ser 
quantificado. Ela é a face da pesquisa que não compreende operacionalização e estatística de 
dados dos resultados obtidos, contudo, dados quantitativos podem complementar a pesquisa 
qualitativa, com intenção de enriquecer o seu material concreto. 
Segundo Richardson (2012) além de ser uma pesquisa que expressa características 
dialéticas e não se fundamenta em preceitos numéricos para assegurar sua elegibilidade, a 
pesquisa qualitativa “permite fazer urna análise teórica dos fenômenos sociais baseada no 
16 
 
cotidiano das pessoas e em uma aproximação crítica das categorias e formas como se configura 
essa experiência diária” (p. 103). 
O estudo das categorias teóricas através da pesquisa bibliográfica contemplou a revisão 
literária de autores clássicos e contemporâneos da temática estudada, de maneira que facultou 
o estudo do objeto de pesquisa, como também a consulta de artigos e legislações nos permitiu 
oferecer uma atualização das análises existentes. O caráter documental é de suma importância 
para o enriquecimento do conteúdo desse trabalho, em razão da pesquisa documental ser 
[...] um procedimento metodológico decisivo em ciências humanas e sociais 
porque a maior parte das fontes escritas – ou não – são quase sempre a base 
do trabalho de investigação. Dependendo do objeto de estudo e dos objetivos 
da pesquisa, pode se caracterizar como principal caminho de concretização da 
investigação ou se constituir como instrumento metodológico complementar 
(SÁ-SILVA et al., 2009, p. 13). 
 
A pesquisa documental contemplou a realização de um estudo de prontuários dos casos 
de violência sexual de gênero atendido pelo HJPB, através do PAVAS, no período de 2018, 
além de que o atendimento, bem como experiências socializadas durante o processo de Estágio 
Supervisionado na referida unidade hospitalar, sem dúvidas, agregou qualidade ao conteúdo 
produzido. 
A monografia está dividida em dois capítulos. No primeiro, explanamos a discussão 
sobre Violência contra a Mulher e as bases sociais que a legitimam, onde é dissertado sobre os 
impactos desiguais das relações sociais de gênero na vida das mulheres desde a infância, por 
conseguinte há um debate acerca dos dados concretos da violência de contra a mulher no Brasil, 
como a ideologia patriarcal-machista se mantém e se reinventa com novas formas de exploração 
da vida e do corpo das mulheres. E, por último, apresentamos uma apreensão a respeito do 
termo “Cultura do Estupro”, os avanços e possíveis estagnações para a luta contra a violência 
sexual. 
No segundo capítulo explicitamos um debate inicial sobre A resposta do Estado às 
mulheres vítimas de violência sexual, no qual, primeiramente, se faz um delineamento histórico 
e atual da luta do movimento e suas reivindicações por uma vida sem violência e digna para as 
mulheres. E, como consequência desta mobilização de mulheres, apresentamos algumas das 
políticas públicas para esse público, como resposta do Estado à contradição que abarca a vida 
delas. Por último, mostramos os dados obtidos durante a pesquisa documental no HJPB, as 
constatações e resultados da atual situação de atendimento de mulheres vítimas de violência 
sexual nessa instituição do Governo Estadual do Rio Grande do Norte. 
 
17 
 
2 VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER E AS BASES SOCIAIS QUE A LEGITIMAM 
 
O presente capítulo abarca o contexto de vida das mulheres em meio a sociedade 
patriarcal-capitalista, aborda as desigualdades entre homens e mulheres nos diferentes 
contextos e esferas da sociedade, tais como política, trabalho, afazeres domésticos, direitos 
sexuais, explanando os papéis de gênero que nos são atribuídos. Há também uma revisão dos 
dados e estatísticas mais recentes acerca da violência contra esse público, relacionado a uma 
reflexão atualizada da temática. 
 Por fim, o capítulo apresenta uma apreensão crítica a respeito do termo “Cultura do 
Estupro”, mostrando o porquê de ser tão utilizado, especialmente no meio virtual, a origem do 
uso, a banalização e culpabilização da vítima pela violência sexual como características 
principais que compõem essa cultura e, mostramos a importância dessa utilização, assim como, 
as preocupações e desafios que isso pode causar ao enfrentamento dessa problemática. 
 
2.1 Relações Sociais de Gênero: o contraste na vida das mulheres. 
 
Desde o nascimento nós, seres humanos, possuímos características físicas e biológicas 
determinadas pelo sexo, então, nossos corpos nascem com características de macho ou fêmea, 
são diferenças naturais que só acontecem nos corpos de homens ou mulheres, as quais não são 
transformadas completamente, apenas se desenvolvem de acordo com as fases da vida. 
Quanto às relações sociais de gênero, concebidas e determinadas pela sociedade, 
implicam uma relação, seja de homens com homens ou mulheres com mulheres e homens com 
mulheres. Diz respeito aos papéis sociais que nos são atribuídos ao longo da vida de como é o 
ser feminino e o ser masculino na sociedade, através das representações de gênero. 
[...] nas nossas sociedades o feminino e o masculino são considerados opostos 
e também complementares. Na maioria das vezes o que é masculino tem mais 
valor. Assim, as relações de gênero produzem uma distribuição desigual de 
poder, autoridade e prestígio entre as pessoas, de acordo com o seu sexo. É 
por isso que se diz que as relações de gênero são relações de poder 
(CAMURÇA e GOUVEIA, 2004, p. 13) 
 
As relações de gênero conseguem variar conforme o período histórico, localidade, o 
modo de organização religiosa, política e familiar das populações. Como também, “[...] podem 
mudar, de acordo com a classe social da pessoa, da raça, da idade. É por isso que a situação das 
mulheres é muito diferente entre si, mesmo que todas elas compartilhem a vivência da 
discriminação e opressão” (CAMURÇA e GOUVEIA, 2004, p. 14). 
18 
 
Ademais, até o início da década de 1990 o uso e estudo da categoria gênero eram mais 
limitados ao meio acadêmico e grupos do movimento feminista, porém, essa temática vem 
obtendo espaço e legitimidade no âmbitosocial e político da sociedade contemporânea, visto 
que, facilita a compreensão dos entraves cotidianos vividos pelas mulheres seja no trabalho, na 
família, na vida pessoal ou na sexualidade. Além de que, estudar esse tema “advém da 
necessidade de desnaturalizar e historicizar as desigualdades entre homens e mulheres, 
analisadas, pois, como construções sociais, determinadas pelas e nas relações sociais” (CISNE, 
2004, p. 84). 
Logo, ao abordar gênero, nos remetemos necessariamente a relações sociais e é 
imprescindível compreendê-lo em meio ao antagonismo inerente a nossa sociabilidade, entre 
Capital e Trabalho e das forças sociais que fundamentalmente movem essa contradição, o 
conflito entre a classe dominante (que detém os meios de produção) e a classe trabalhadora (que 
vende sua força de trabalho), em que a classe capitalista monopoliza toda a riqueza produzida 
via exploração da mão-de-obra da classe trabalhadora. 
Desse modo, segundo Cisne (2004), é fundamental analisar gênero através das 
determinações econômico-sociais as quais regem nossa sociedade, abordando essa categoria de 
forma que seja relacionada com as demais: classe, raça, etnia e geração, já que a lógica do 
capital percorre por todas as esferas da vida social, inclusive a opressão sofrida por mulheres. 
De acordo com Yazbek (1999), na tradição marxista a reprodução das relações sociais 
é compreendida por meio da totalidade da vida social. Além da reprodução da vida material e 
do modo de produção, a autora argumenta que a reprodução das relações sociais. 
[...] é a reprodução de um determinado modo de vida, do cotidiano, de valores, 
de práticas culturais e políticas e do modo como se produzem as ideias nessa 
sociedade. Ideias que se expressam em […] padrões de comportamentos e que 
acabam por permear toda a trama de relações da sociedade (YASBEK, 1999, 
p. 89). 
 
Logo, os pensamentos, comportamentos e ações que os indivíduos exercem ao longo da 
vida são dotados de valores socialmente determinados através da lógica societária, em que 
insere os sujeitos em papéis injustos e antagônicos para as mulheres. Isto é, as atribuições e 
características do ser homem ou ser mulher em nossa sociedade são definidos historicamente 
através da concepção social de gênero que os sujeitos têm acesso durante sua trajetória de vida. 
 Nesse viés, entende-se que a forma de agir e se relacionar entre os sujeitos não é 
determinada natural ou biologicamente, isto é, através do sexo, pelo contrário, é através dos 
papéis de gênero historicamente construídos em nossa consciência. Destarte, duas categorias 
19 
 
são essenciais para o entendimento das relações sociais de gênero, as quais perpetuam e 
legitimam a desigualdade entre homens e mulheres, o patriarcado e o machismo. 
O patriarcado perpassa pelo sistema de dominação masculina sobre as mulheres, desde 
as primeiras formações de família, sobretudo no cenário político, isto quer dizer, há muito 
tempo os homens possuem majoritariamente o poder de decisão na vida pública, que atinge 
toda a vida de um povo, principalmente a das mulheres. A categoria compreende a relação de 
poder e autoridade masculina sobre as mulheres, sem necessariamente possuir ligação 
biológica. 
O patriarcado refere-se a milênios da história mais próxima, nos quais se 
implantou uma hierarquia entre homens e mulheres, com primazia masculina. 
Tratar esta realidade em termos exclusivamente do conceito de gênero distrai 
a atenção do poder do patriarca, em especial como homem/marido, 
“neutralizando” a exploração-dominação masculina. Neste sentido, e 
contrariamente ao que afirma a maioria das(os) teóricas(os), o conceito de 
gênero carrega uma dose apreciável de ideologia. E qual é esta ideologia? 
Exatamente a patriarcal, forjada especialmente para dar cobertura a uma 
estrutura de poder que situa as mulheres muito abaixo dos homens em todas 
as áreas da convivência humana. É a esta estrutura de poder, e não apenas à 
ideologia que a acoberta, que o conceito de patriarcado diz respeito 
(SAFFIOTI, 2004, p.136) 
 
Embora atualmente a participação política das mulheres em órgãos legislativos e 
executivos o protagonismo em partidos políticos e frentes sindicais venha crescendo, esse 
desenvolvimento ainda pode ser considerado ínfimo, diante de tamanha desigualdade no 
cenário político, mesmo com algumas conquistas, tal como o mandato de Dilma Rouseff como 
Presidenta da República do Brasil entre 2011 e 2016. Mas, seu mandato foi encerrado nesse 
último ano, através de um golpe de governo, o qual intitulam de impeachment1. 
Contudo, a subordinação da mulher ao homem não se limita ao âmbito político, está 
presente em todas as esferas da vida social, com destaque para o econômico-financeiro. 
Historicamente, a mulheres foram inseridas na relação de trabalho capitalista de maneira 
precarizada em atividades que possuem menos prestígio e valor para a sociedade do que as 
exercidas pelos homens. 
 
1O impeachment ocorre quando certas autoridades praticam um crime de responsabilidade. Trata-se de 
uma situação muito grave, na qual a autoridade que comete a infração perde o cargo e sofre sérias 
consequências, tais como a inabilitação para o exercício de função pública por certo tempo. No caso 
do Presidente da República perde o cargo, assim como fica inabilitado para o exercício de função 
pública por oito anos, sem prejuízo de outras sanções judiciais cabíveis. Disponível em: 
https://gabrielmarques.jusbrasil.com.br/artigos/172450520/o-que-e-impeachment. Acesso em: 
18/08/2019 
https://gabrielmarques.jusbrasil.com.br/artigos/172450520/o-que-e-impeachment
20 
 
E, na atualidade, a história se repete. Na maioria das vezes, os homens são alocados nos 
setores mais lucrativos do modo de produção capitalista e as mulheres ocupam a maior parte 
do mercado informal de trabalho, principalmente os que abrangem tarefas domésticas, como 
também atividades clandestinas ou o trabalho rural geralmente sem os direitos que regem a 
legislação trabalhista. 
A dominação masculina é exacerbada no meio doméstico/familiar, onde a mulher além 
de complementar a renda da casa, trabalhando externamente (quando é empregada ou exerce 
trabalho informal), também assume todo o trabalho doméstico, além de ser designada para 
cuidar dos/as filhos/as ou de alguém doente da família ou para cuidar de pais idosos, dessa 
forma, a mulher é explorada em várias jornadas de trabalho e, quando o homem “colabora” com 
esses afazeres, não é visto como dever pela sociedade e sim como ajuda ou por ser um “bom 
esposo”. 
A naturalização desta divisão do trabalho, que é social, explica a ausência de 
políticas públicas de estímulo à inserção das mulheres no mercado de trabalho 
formal, explica a desproteção social sobre o trabalho das mulheres, oferece as 
condições facilitadoras para a maior exploração da força de trabalho das 
mulheres, sendo funcional a esta exploração. Como consequência temos maior 
tempo de jornada total de trabalho para as mulheres, jornadas de trabalho 
vivenciada em mais precárias condições, com menores rendimentos que os 
homens e em situação de desproteção social, sem direitos trabalhistas. No 
Brasil, 70% da população trabalhadora informal são mulheres (CAMURÇA, 
2007, p. 21). 
 
À vista disso, é essencial compreendermos a desigualdade presente até na divisão sexual 
do trabalho, que perpassa a vida da maioria das mulheres nas sociedades, a fim de 
aprofundarmos uma leitura crítica sobre a situação de exploração e apropriação que reflete 
sobre o contexto feminino, de forma que seja possível não naturalizar a subalternidade das 
mulheres nesta sociedade. A exploração da força de trabalho feminina é mais acentuada do que 
a do homem, característica especifica do MPC. 
Além da dominação e opressão do sistema patriarcal, que mantém a desigualdade entre 
homens e mulheres, a sociabilidade capitalista faz com que a exploraçãoda mulher seja 
exacerbada, isto é, a mulher trabalhadora tem deveres socialmente atribuídos entre trabalhos 
dentro e fora de casa, ela é responsável pelas tarefas domésticas, pela procriação e cuidados 
com os/as filhos/as e pelo trabalho na esfera mercantil. De forma indireta acaba beneficiando 
duplamente o capital, visto que, ela fornece condições para a reprodução da força de trabalho 
dela e de toda a prole. 
Além do mais, 
21 
 
[...] as análises de gênero não devem descrever classificações/categorizações 
(ser homem, ser mulher), mas identificar como os significados atribuídos a 
estas interferem e contribuem na construção do mundo do trabalho. É 
necessário perceber que a “feminização” do trabalho, explicita numa análise 
crítica da divisão sexual do trabalho, implica em determinações relevantes 
para a produção e reprodução do capital, que, para tanto, desenvolve uma 
“superexploração” sobre o trabalho e as atividades desenvolvidas por 
mulheres, tanto na esfera pública quanto privada (CISNE, 2004, p. 128). 
 
De acordo com o relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT), o índice 
mundial de participação das mulheres no mercado de trabalho ficou em 48,5% em 2018, 26,5 
pontos percentuais abaixo da proporção dos homens. Mas também, a taxa de desemprego global 
das mulheres em 2018 ficou em 6%, aproximadamente 0,8 ponto percentual maior do que a 
taxa dos homens. Apesar de as oportunidades de emprego estarem evoluindo para elas desde a 
década de 1990, ainda estão expostas a enfrentar as piores condições de emprego e salários, na 
informalidade e sem proteção de legislação trabalhista em mais de 90% dos países subsaarianos, 
em 89% dos Estados do sul da Ásia e em quase 75% dos países latino-americanos2 
Dessa forma, podem-se compreender as duas facetas do patriarcado, a dominação e 
exploração da mulher, visto que 
[...] não se resume a um sistema de dominação, modelado pela ideologia 
machista. Mais do que isto, ele é também um sistema de exploração. Enquanto 
a dominação pode, para efeitos de análise, ser situada essencialmente nos 
campos político e ideológico, a exploração diz respeito diretamente ao terreno 
econômico (SAFFIOTI, 1987, p.50-51). 
 
Segundo Inácio (2013), com base em Saffioti, apreender o conceito do patriarcado 
permite compreender a essência da subordinação da mulher na sociedade de classes, a estrutura 
das relações de gênero e o poder/direito sexual que os homens detêm sobre as mulheres. 
O patriarcado não se restringe a uma relação privada, mas civil, que configura 
um tipo hierárquico de relação em todos os espaços da sociedade. Tem uma 
base material e representa uma estrutura de poder baseada na ideologia e na 
violência (INÁCIO, 2013, p. 91). 
 
Inácio (2013) salienta que apesar das polêmicas e debates acerca da teoria do 
patriarcado, se analisado através do viés histórico e da totalidade da sociedade de classes, o 
conceito é uma ferramenta de evolução no âmbito teórico-político do feminismo socialista e 
marxista, já que sinaliza o subsídio da opressão das mulheres no seu caráter sócio histórico, 
 
2 Os dados sobre o relatório “Perspectivas Sociais e de Emprego no Mundo: Tendências para Mulheres 
2018” da OIT estão disponíveis no endereço: https://nacoesunidas.org/oit-participacao-das-mulheres-
no-mercado-de-trabalho-ainda-e-menor-que-dos-homens/. Acesso em 17 nov. 2019. 
https://nacoesunidas.org/oit-participacao-das-mulheres-no-mercado-de-trabalho-ainda-e-menor-que-dos-homens/
https://nacoesunidas.org/oit-participacao-das-mulheres-no-mercado-de-trabalho-ainda-e-menor-que-dos-homens/
22 
 
renunciando as perspectivas estruturalistas que projetavam dominação masculina como 
imutável. Sendo assim, o patriarcado, analisado por meio da perspectiva do materialismo 
histórico e dialético, abandona sua concepção abstrata e descolada da história. 
A supremacia masculina percorre todas as dimensões da sociedade, seja na vida pública 
e/ou privada, majoritariamente a mulher é subordinada ao homem independente de classe 
social, idade, cor da pele, etnia, religião ou orientação sexual, porém, são as mulheres negras e 
periféricas que mais sofrem com essa discriminação. 
O machismo é um sistema ideológico presente na cabeça de homens e mulheres só 
contribui para a perpetuação e legitimação dessa estrutura de poder masculina, que privilegia 
os homens em todos os níveis da vida social, o que aumenta a iniquidade social vivida por 
mulheres diariamente. 
A ideologia machista, que considera o homem um ser superior a mulher, não 
entra apenas na cabeça dos homens. Também as mulheres, majoritariamente, 
acreditam nestas ideias e as transmitem aos filhos. Quando proíbem os filhos 
de chorar, alegando que "homem não chora", e exigem que as filhas "se 
sentem como mocinhas", estão passando aos mais jovens este sistema de 
ideias que privilegia o homem em prejuízo da mulher (SAFFIOTI, 1987, p. 
34). 
 
Na maioria das vezes, a responsabilidade da aprendizagem das crianças com relação ao 
modo de viver e conviver em sociedade estão centrados no seio familiar, isso tem relação direta 
com o afeto e a autoridade de gerações presente nos lares. Isto quer dizer, desde criança os 
meninos e meninas adentram em experiências que independem de suas vontades e que formam 
suas consciências e valores de mundo, quanto ao nosso jeito de ser, as nossas falas e ações. 
O sistema da ideologia machista, subsidiado pela lógica patriarcal, implanta padrões de 
identidade feminina e masculina reproduzidos desde a infância por todos na sociedade. As 
personificações do machismo estão presentes no nosso cotidiano de forma muito evidente ou 
até mesmo camuflada, seja na vida pública ou privada. 
Pelo simples fato de ser macho, o homem recebe privilégios desde criança, o sentimento 
de superioridade lhe propagado através das representações de gênero e, contraditoriamente, 
resta a inferioridade para a menina. Isso remete a uma complexa organização de dominação e 
subordinação de gênero, em que o homem é o dominador e a mulher é a dominada/submissa 
aos desejos masculinos. 
 As tarefas domésticas, o jeito meigo, carinhoso e controlável de ser são papéis 
designados às meninas. Para os meninos, a orientação educacional e profissional é o grande 
investimento da família, eles têm a liberdade de sair e se tem que pedir autorização para tal 
feito, pede ao macho “chefe” da casa. Como também, lhes é ensinado que deve iniciar e 
23 
 
expressar a vida sexual cedo, ser um “pegador”, já para as meninas a vida sexual é um tabu, 
algo que deve ser escondido, sob a óptica da ideologia machista. 
 Desde cedo, crescemos vendo a mulher realizar as tarefas domésticas, a cuidar das 
crianças e a preparar a comida – mesmo quando trabalha e/ou estuda fora - e, também vê o 
homem sair de casa para trabalhar fora para prover o sustento da família, é ele que dá a palavra 
final sobre as decisões da família, na maior parte dos casos. Ou seja, a família nos revela 
nitidamente a relação desigual de gênero, perpetuada pela hierarquização dos sexos, através de 
códigos, falas e comportamentos que alimentam o sistema patriarcal-machista de opressão das 
mulheres. 
As representações simbólicas desse sistema revelam a misoginia3 presente na sociedade 
de classes, ao passo que atribui valores diferenciados para o que é masculino e para o que é 
feminino, no qual o primeiro tem privilégio e relevância em detrimento do segundo. 
Mesmo com todas as mudanças, o casamento e a maternidade ainda são 
dominantes na vida das mulheres. Hoje em dia as mulheres podem até fazer 
outras coisas, como trabalhar, participar do sindicato, por exemplo, e estas 
atividades podem ser até valorizadas, mas o principal é que sejam esposas e 
mães. Para os homens as escolhas são muitas e variadas. Casamento e 
paternidade, mesmo sendo importantes, não são necessários na vida deles 
(CAMURÇA e GOUVEIA, 2004, p. 18) 
 
 Asrelações desiguais de gênero estão presentes também no trabalho exercido pela 
maioria das mulheres, visto que, geralmente o trabalho é concebido como uma tarefa masculina, 
contudo, a mobilização de mulheres tem mostrado para a sociedade o contrário. Desde o 
princípio do modo de produção capitalista (MPC), as mulheres foram “requisitadas pela nova 
ordem econômica, para se empregar como assalariadas no trabalho considerado produtivo, em 
segmentos da produção das indústrias e oficinas” (FEITOSA, 2012, p. 15). 
E, mesmo antes do MPC, as mulheres já realizavam atividades de pesca, caça, 
agricultura, pecuária e artesanato, como sujeitos protagonistas no desenvolvimento do trabalho 
(SAFFIOTI, 1976). 
 A divisão sexual do trabalho, já que temos atividades consideradas masculinas ou 
femininas, faz com que a remuneração do trabalho dependa, em grande parte, se é um homem 
ou mulher que realiza a atividade. As mulheres recebem os salários mais baixos e possuem as 
 
3É o ódio ou aversão a mulheres e meninas. Embora sua manifestação mais evidente seja a violência 
machista (seja física, psicológica ou simbólica), também a humilhação, a discriminação, a 
marginalização e a objetificação sexual da mulher são formas de misoginia. Disponível em: 
https://brasil.elpais.com/brasil/2017/07/10/cultura/1499708850_128936.html. Acesso em: 18 ago. 
2019. 
 
https://brasil.elpais.com/brasil/2017/07/10/cultura/1499708850_128936.html
24 
 
atividades menos valorizadas e seu salário é visto como uma “colaboração” para as despesas da 
casa, mas, o salário e trabalho do homem é o provimento principal da casa. As que trabalham 
na roça são ainda mais exploradas, dado que muitas não possuem seus direitos trabalhistas 
regulamentados. 
 Logo, pode-se concluir que 
[...] nenhuma sociedade trata da mesma forma seus homens e suas mulheres, 
uma vez que se baseia em relações desiguais de gênero, norteadas pela 
ideologia patriarcal machista, responsável pela subordinação histórica das 
mulheres, ao mesmo tempo que produz uma desvalorização delas. No seio das 
sociedades patriarcais se constrói uma identidade ambígua, classificando as 
mulheres ora como “santas”, ora como “profanas” (FEITOSA, 2012, p. 13) 
 
 Há muito tempo, as mulheres vêm sendo julgadas, seus corpos são objetificados nos 
meios de comunicação em massa, seus direitos humanos são violados, são visualizadas a partir 
da concepção do macho, é vista como objeto de prazer e satisfação masculina. Isto é, toda uma 
estrutura que deprecia o feminino, banaliza os corpos e atribuem uma conotação pejorativa e 
de cunho depreciativo às mulheres que “fogem” do padrão do ser feminino imposto pelo 
machismo e patriarcado (FEITOSA, 2012). 
 Apesar de diversos avanços no campo de luta das mulheres e do feminismo4, a 
submissão, dominação e violência são elementos que permanecem na vida das mulheres, frutos 
do sistema de opressão masculino. É imprescindível desnaturalizar as relações desiguais de 
gênero existente em nossa sociabilidade capitalista, que impossibilita o desempenho integral da 
igualdade e liberdade entre homens e mulheres. 
2.2 Violência contra a mulher no Brasil: dados e discussão. 
A violência de gênero é um fenômeno complexo, abrangente e histórico, que 
transcende gerações de mulheres. A violação de direitos das mulheres é uma questão de gênero, 
visto que, demarca um seguimento histórico e contínuo de subordinação e dominação sofrido 
pelas mulheres, independentemente da cor, idade, orientação sexual, religião/crença, etnia ou 
classe social. 
Inácio (2003) disserta sobre a visão generalista do senso comum acerca da violência, 
caracterizando-a como algo agressivo inerente ao comportamento masculino, da força física, 
porém, a autora aponta que: 
Como fenômeno histórico, cultural e humano, a violência remete à percepção 
de um ato que é codificado como tal, sob determinação dos valores e da visão 
de mundo dos sujeitos construídos socialmente. Comporta uma dimensão 
 
4 A discussão sobre o feminismo será aprofundada no Capítulo 2 deste trabalho. 
25 
 
simbólica, responsável pelas medidas de repressão e, também, pela tolerância, 
conivência e impunidade que se observa em relação à criminalidade. Em 
particular, no que se refere aos crimes praticados contra a mulher na esfera 
familiar (INÁCIO, 2003, p. 22). 
 
 Articular gênero a concepção de violência é fundamental, pois, evidencia a desigualdade 
histórica, social e econômica entre homens e mulheres, como também, contribui para o processo 
de desnaturalização da violência contra a mulher, já que é uma problemática que engendra 
múltiplas opressões do sistema hierárquico da lógica patriarcal. 
Ela é perpetuada em todos os âmbitos da vida social, como ferramenta de poder e 
controle masculino sobre mulheres, mas, é na esfera familiar/doméstica o lócus onde é mais 
praticada, predominantemente por homens, mesmo que mulheres também sejam agentes 
agressoras de outras meninas/mulheres, isso representa uma quantidade ínfima diante dos 
demais casos. 
Além disso, podemos destacar que 
Violência de gênero abarca todos os atos mediante os quais se discrimina, 
ignora, submete ou subordina as mulheres nos diferentes aspectos de sua 
existência. É todo ataque material ou simbólico que afeta sua liberdade, 
segurança, intimidade e integridade moral e/ou física (VELÁZQUEZ, 2006, 
p. 29). 
 
 A violência executada continuadamente contra mulheres ao longo dos séculos sustenta 
a ordem da desigualdade de gênero dominante a qual todas elas estão submetidas em qualquer 
espaço de nossa sociabilidade, assim como, encontram elegibilidade e aceitação social em meio 
ao patriarcado, “que é uma expressão de um consenso criado em torno de valores e hábitos nos 
quais se gestam a submissão feminina e supremacia masculina” (INÁCIO, 2003, p. 27). 
 É por intermédio da violência que o macho impõe da forma mais cruel e desumana a 
dominação masculina em momentos que as mulheres “ousam” contestar o papel de gênero lhes 
atribuído ou para subjugá-las, pelo fato de terem conquistado o direito de exercer de forma mais 
livre sua sexualidade. 
Dos tipos de violência contra a mulher, segundo o artigo 7º da Lei nº 11.340/2006 (Lei 
Maria da Penha) são formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras: 
I - a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua 
integridade ou saúde corporal; 
II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause 
dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe 
o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, 
comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, 
humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição 
contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do 
direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde 
26 
 
psicológica e à autodeterminação; 
III - a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a 
presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante 
intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou 
a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer 
método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou 
à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que 
limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos; 
IV - a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure 
retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos 
de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos 
econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades; 
V - a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure 
calúnia, difamação ou injúria. 
 
Segundo Brasil (2016),dos 1.133.345 atendimentos realizados em 2016 pela Central de 
Atendimento à Mulher - Ligue 1805, 12,38% (140.350) deles se referiram a denúncias de 
violência contra a mulher. Pôde-se perceber que houve um aumento de 93,87% nos relatos 
referentes à violência doméstica e familiar comparando-se com o ano de 2015, num total de 
112.524 registros, isso demonstra um maior conhecimento da população a respeito da Lei Maria 
da Penha e do Canal de Denúncia, ainda que seja insuficiente, dado que o silêncio é o fator que 
prevalece na maioria das vezes no tocante aos casos dessa violência. O gráfico abaixo revela a 
quantidade de denúncias recebidas caracterizadas por tipo de violência identificada segundo os 
 
Gráfico 1 - Denúncias relatadas em 2016 por tipo de violência contra a mulher 
 
 Fonte: Elaborado pela autora (2019) 
 
 
5 O Ligue 180 é um serviço público e gratuito, que mantém o anonimato das ligações. Oferecido pela 
Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres do Ministério dos Direitos Humanos. A Central recebe 
denúncias de violência, reclamações sobre serviços da rede de atendimento à mulher e orienta as 
mulheres sobre seus direitos e sobre a legislação vigente, encaminhando as para outros serviços quando 
necessário. Desde sua criação em 2005, o serviço já registrou 5.965.485 de atendimentos até o ano de 
2016 (BRASIL, 2016, p. 3). 
50,70%
31,80%
6,01%
1,86%
5,05%
4,35% Física
Psicológica
Moral
Patrimonial
Sexual
Cárcere Privado
Tráfico de Pessoas
27 
 
É importante frisar que em grande parte dos casos esses tipos de violência não ocorrem 
de maneira isolada, onde as vítimas são agredidas por mais de uma violência ao mesmo tempo, 
como a sexual mais a moral, a psicológica mais a patrimonial e assim sucessivamente, não 
sendo exclusiva do núcleo familiar. 
A prática da violência contra os direitos fundamentais da mulher acontece tanto no seio 
familiar quanto no âmbito público, porém, é no miúdo do ambiente doméstico e familiar que a 
incidência de opressão masculina acontece sistematicamente. Então, desde a infância somos 
ensinados/as que nosso lar é o local onde é seguro, aconchegante e acolhedor, entretanto, esse 
é um sonho que boa parte de meninas e mulheres não compartilham. 
Mas também, é correto afirmar que não há lugar seguro para nós, a presença crescente 
da violência de gênero é evidente em nosso país está seja nos espaços de natureza pública ou 
privada, seja nas demais entidades ou grupos da sociedade civil, a mulher não está imune a 
violência de gênero em nenhum âmbito da vida social, pode acontecer no transporte público, 
na rua, nos espaços de educação e lazer. 
O feminicídio expressa uma particularidade da violência contra mulher e é um crime 
inafiançável e imprescritível, de assassinato de mulheres pela sua condição de gênero e o seu 
reconhecimento como crime hediondo enquanto alternativa para coibir a violência de gênero 
que visa assegurar às mulheres os seus direitos e garantias fundamentais, uma vez que sua 
tipificação, através da Lei nº 13.104/2015 (sancionada pela Presidenta Dilma Rouseff), 
apresenta o começo de uma mudança jurídica e social na consciência coletiva e um instrumento 
de reconhecimento das particularidades da violência de gênero. 
Os autores desse crime além de assassinarem milhares de brasileiras, também marcam 
outras vidas indiretamente, filhos (as), pais e amigos/as, pessoas queridas que convivem com a 
vítima, o que pode gerar uma série de traumas psicológicos, principalmente em crianças que 
veem suas mães sofrerem uma série de atos de violência doméstica até o desfecho de suas vidas. 
Então, a inclusão dessa Lei significou que o Estado admitiu a condição de perigo de 
vida que milhares de brasileiras podem estar expostas, visto que é de suma importância 
identificar os homicídios contra as mulheres baseados na condição de gênero para que o Estado 
brasileiro trace estratégias para enfrentar a problemática. Desde que a Lei entrou em vigor, os 
casos de feminicídio aumentaram 62,7%4 (FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA 
PÚBLICA, 2019). 
Segundo o FBSP (2019), o perfil de raça/cor nos revela que as mulheres negras são as 
vítimas mais vulneráveis para esse tipo de violência, isto porque o Estado da Bahia, que 
28 
 
concentra a maior proporção de população negra do país, não enviou os seus dados para a 
análise, logo, supõe-se que essa porcentagem de mulheres da cor negra seja ainda maior. 
 Os gráficos abaixo revelam a vulnerabilidade das vítimas de acordo com as categorias 
raça/cor, idade e por vínculo com o autor do crime, no período compreendido entre 2017-2018. 
E por fim, apresentamos os números absolutos de casos de feminicídio no Brasil por ano, desde 
que a Lei foi promulgada em 2015 até 2018, segundo os dados divulgados nos Anuários 
Brasileiros de Segurança Pública da FBSP. 
 
Gráfico 2 - Vítimas de Feminicídio, por raça/cor no Brasil: 2017-2018. 
 
 Fonte: Elaborado por FBSP (2019). 
 
 Desde a colonização a identidade, a cultura e os aspectos físicos de pessoas negras foram 
marginalizados e estereotipados como produto do que é pejorativo e subjugado, ou seja, o 
padrão branco, heteronormativo e burguês o qual rege nossa sociabilidade patriarcal-capitalista 
não aceita tudo aquilo que é negro. Esse racismo atinge os negros e negras do país de forma 
explícita ou “velada”, disseminando a violência e discriminação contra esse público em 
qualquer espaço da vida social. 
Inúmeras pesquisas retratam que, na saúde, por exemplo, são as mulheres 
negras que representam os maiores índices de mortalidade materna. São elas 
também que exercem, majoritariamente, os trabalhos domésticos e recebem 
os mais baixos salários. Na educação, são os/as negros/as que ingressam mais 
tardiamente aos espaços escolares e são os/as que saem (“evadem”) mais 
precocemente. Em relação ao acesso à justiça, a desigualdade se mantém. As 
penas mais duras são aplicadas aos/às negros/as, mesmo quando cometem os 
mesmos crimes praticados por brancos/as (CFESS, 2016, p. 7). 
 
29 
 
As meninas negras já crescem sendo vistas sob um ângulo objetificador, são as maiores 
vítimas da exploração sexual e, em virtude de que grande parte se origina de territórios mais 
vulnerabilizados (fruto racista de nossa sociedade escravocrata), são introduzidas 
prematuramente na prostituição. Essa formação histórica exprime o processo de exploração e 
subalternidade a que as mulheres negras são submetidas, onde seus corpos são demasiadamente 
sexualizados em vários espaços. 
A ideologia machista, amparada no MPC, mercantiliza e situa o corpo da mulher como 
instrumento de super dominação do macho. Ele é demarcado pela objetificação sexual como 
forma de prazer disponível para ser usufruída conforme desejo masculino, explicando, dessa 
forma, o porquê de as mulheres negras serem a grande maioria das vítimas de violência sexual, 
o que caracteriza a importância de analisar as relações de gênero alicerçadas na categoria raça. 
 
Gráfico 3 – Vítimas de Feminicídio, por vínculo com o autor. Brasil: 2017-2018. 
 
 Fonte: Elaborado por FBSP (2019). 
 
Essa relação próxima com o autor do crime, na maioria dos casos, identifica o traço 
marcante da violência de gênero, o que constitui um dos desafios para as autoridades 
competentes que trabalham com políticas de prevenção e proteção da mulher, já que acontecem 
no interior de relações das quais esperamos segurança, e que frequentemente estão cobertas de 
estereótipos por dizer respeito ao âmbito doméstico e familiar, de que o lar é repleto de 
confiança e respeito. 
 
 
 
30 
 
Gráfico 4 - Vítimas de Feminicídio, por faixa etária. Brasil: 2017-2018 
 
Fonte: Elaborado por FBSP (2019). 
 
 Os dados acima mostram que a presença do feminicídio em todas as faixas etárias, 
porém, seu ápice se dá por volta dos trinta anos. Sendo mais específico, o FBSP (2019) mostraque a mortalidade de mulheres por sua condição de gênero ocorre de forma maior e significativa 
entre as que têm idade reprodutiva: 28,2% das vítimas tinham entre 20 e 29 anos, 29,8% tinham 
entre 30 e 39 anos e 18,5% tinham entre 40 e 49 anos quando foram mortas. 
 
Gráfico 5 - Feminicídio no Brasil - Números Absolutos 
 
 Fonte: Elaborado pela autora (2019). 
 
0
200
400
600
800
1000
1200
1400
2015 2016 2017 2018
Feminicídio no Brasil - Números Absolutos
31 
 
A Lei Federal do Feminicídio ainda tem muitos entraves a serem superados para sua 
real efetivação até no que condiz a qualificar o assassinato da mulher devido sua condição de 
gênero, tanto por ser um instrumento legal recente quanto pelo machismo presente nos órgãos 
de segurança pública. Visando enfrentar tal resistência, é fundamental que os profissionais 
desse meio tenham acesso a processos de aprendizagem sobre o assunto. 
A Lesão Corporal Dolosa - ação de uma pessoa contra outra que prejudique a integridade 
corporal ou a saúde da vítima – é mais uma forma brutal de violência de gênero, praticada na 
maioria das vezes por homens próximos. Ela é enquadrada na Lei Maria da Penha e, dados 
mostram que em 2017 foram registrados 252.895 casos e em 2018 esse número subiu para 
263.067, o que significa um aumento de 0,8%. Além disso, a cada 2 minutos uma mulher 
registra agressão sob a Lei Maria da Penha (FBSP, 2019). 
E, com relação ao estupro, o número desse tipo de violência sexual só cresce no Brasil. 
Em 2017 o número era de 63.157 e saltou para 66.041, resultando em um aumento de 4,1% dos 
casos registrados (FBSP, 2019). São números assustadores, mas, que refletem a realidade – 
notificada – da violência sexual no país, fruto de um sistema que domina e submete a mulher 
ao poder e superioridade masculina. 
Sinteticamente, os números obtidos acerca da situação de violência sexual no Brasil no 
ano em que bateu recorde (2018) foram: 180 estupros por dia; 81,8% dos casos eram do sexo 
feminino; 53, 8% das vítimas tinham até 13 anos; 50,9% eram negras e 48,5% brancas e quatro 
meninas de até 13 anos foram estupradas a cada hora. Isso sem contar que as tentativas de 
estupro e as notificações que não chegam a 10% das situações em que as vítimas denunciam, 
então, podemos concretizar que os dados estão bem distantes da realidade, mas, são 
fundamentais para identificar o perfil dos agressores e das vítimas, como também, para alertar 
os segmentos da sociedade (FBSP, 2019). 
Existem motivações para que meninas e mulheres não notifiquem à polícia a violência 
sexual, em diversos países, tais como o medo de retaliação do agressor (que na maioria dos 
casos é conhecido e a vítima já encontra-se intimidada por grave ameaça), medo da 
culpabilização que pode ser exposta após a denúncia e a descrença de suas palavras por parte 
das instituições de justiça e segurança pública, mas também, dependência econômica e afetiva. 
Por fim, 
A violência sexual revela o complexo contexto de poder, que marca as 
relações sociais entre os sexos com consequências gravíssimas para as 
mulheres, se observadas pelo lado das estratégias de invisibilização da 
violência sexual: todos veem, poucos sabem lidar com ela e muitos se omitem. 
Por violência sexual se compreende o estupro, tentativa de estupro, atentado 
violento ao pudor, sedução, atos obscenos e assédio, que podem ocorrer de 
32 
 
forma conjugada, inclusive com outros tipos de violência física (lesão 
corporal, tentativa de homicídio, maus-tratos e ameaças). Os estupros são atos 
de crueldade física, psíquica e sexual, através dos quais se impõe uma relação 
hierárquica de poder entre os sexos, sem que a mulher seja sujeito da ação. 
Nesse sentido, a violência sexual pode ser interpretada como uma ação 
violenta manifestada por meio de um desejo de destruição. É porque a mulher 
violentada reconhece e percebe no sujeito violentador um desejo de destruição 
de sua intimidade, de poder de morte, de abuso e violação de seu corpo, que 
esta ganha um sentido de ação violenta. (OLIVEIRA, 2009, p. 36-37). 
 
 
De acordo com Feitosa (2012), a indústria de entretenimento é um dos principais 
instrumentos de perpetuação da violência contra as mulheres, principalmente os meios de 
consumo de massa, como o meio musical. O feminino tornou-se um produto muito lucrativo na 
veiculação televisiva em propagandas de cerveja, programas de humor, novelas, talk shows e 
nas músicas, em uma personificação do ser mulher que oscila entre a santa e a vulgar, a partir 
da concepção do macho. 
Isso reproduz uma, 
[...] imagem estereotipada das mulheres, forjando identidades femininas com 
conotação pejorativa e de cunho depreciativo. [...] ao depreciarem o feminino, 
ao banalizarem os corpos, os atributos e qualidades que lhe são inerentes, 
colocam-se como limites “invisíveis” à construção de sujeitos sociais 
autônomos e capazes (FEITOSA, 2012, p. 17) 
 
Essas são novas formas e roupagens que a ideologia patriarcal-machista usufrui para 
desnaturalizar o conjunto das desigualdades de gênero, já que se apresentando desse jeito 
corriqueiro no cotidiano, acaba dificultando ou até tornando incapaz a identificação de violação 
dos direitos das mulheres, ou pior, as próprias mulheres internalizam essa imagem fabricada 
pela mídia. Isto é, “[...] a adesão das mulheres cuja imagem é atingida diretamente e que, 
contraditoriamente, se constituem reprodutoras e legitimadoras “inconscientes” de formas de 
lazer que contribuem para oprimi-las” (FEITOSA, 2012, p. 33). 
 A despeito da mídia frequentemente veicular notícias de violência contra a mulher que 
comovem a população, as políticas públicas desenvolvidas pelo Poder Público no 
enfrentamento dessa questão seguem não dando a prioridade à essas ações urgentes. O Estado 
falha ao não garantir a vida de milhares de mulheres que sofrem em todos os ambientes a 
expressão da dominação dos homens, que estão cada vez mais violentos e agressivos. Dessa 
forma, prossegue o desafio de certificar o acesso à Justiça e aos direitos para mulheres em 
situação de violência. 
 Os dados da violência de gênero são crescentes e gritantes, apesar dos avanços 
conquistados pelo movimento feminista na luta pela diminuição/erradicação dessa violência. 
33 
 
Diante disto, é possível afirmar também que o contexto atual da sociedade brasileira torna 
evidente a crueldade presente na violência contra as mulheres, visto que, as pessoas estão sendo 
incitadas diariamente a serem violentas com um discurso armamentista e de hipocrisia política, 
em defesa da “segurança”. Mas, afinal, proteção para quem? Para o homem burguês, branco e 
de preferência heterossexual. 
Logo, pode-se concluir que a violência de gênero constitui um cotidiano desumano e 
cruel para as meninas e mulheres vivenciando relações sociais extremamente marcadas pelo 
patriarcado e o machismo, alicerçado em bases conservadoras e preconceituosas. Não há lugar 
seguro para nós nessa sociabilidade dominante que reitera e legitima as múltiplas manifestações 
de classe, etnia, raça e geração que se efetivam sobre nós. 
 
2.3 “Cultura do Estupro”: Uma apreensão crítica a respeito do seu uso. 
 
No ano de 2016, uma adolescente foi violentada e abusada por cerca de 30 homens, bem 
armados com pistolas e fuzis, em uma comunidade da zona oeste do Rio de Janeiro (RJ), a 
garota encontrava-se desacordada e despida. O crime chocou o país inteiro e sensibilizou 
demais nações do mundo, causando posicionamentos antagônicos, polêmica e debate sobre o 
caso. Então, milhares de pessoas passaram a usar disparadamente a hashtag #culturadoestupro 
em suas redes sociais a partir desse acontecimento, no intuito de fazer a sociedade acordar para 
essa realidade que milhares de mulheres sofrem diariamente. 
 Além da violência, que durou quase dois dias, a jovem teve que lidar com a notícia de 
que os vídeos do estupro coletivo foram divulgadosna internet, cenas apavorantes, perdurando 
o sofrimento da vítima nas redes sociais. Ela passou a ser demasiadamente julgada6, por homens 
e mulheres, por ter relacionamento com um dos estupradores e ter contato com os demais, por 
ser usuária de substâncias psicoativas, por ser mãe solteira e por ter fotos “ostentando” fuzis ou 
porque sempre frequentava a comunidade onde foi violentada. Isto é, a imagem da menina 
vulgar, sem valor moral e familiar, que a atual sociedade conservadora tanto condena e julga. 
 Por outro lado, houve grande comoção nacional e internacional, a adolescente recebeu 
vasto apoio da organização de mulheres e do movimento feminista, veiculando na grande mídia 
e redes sociais um movimento pelo fim da #culturadoestupro, não só pelo ato do estupro 
 
6 Nas redes sociais, a veracidade do depoimento da jovem foi questionada por outras mulheres e foram 
disseminados diversos comentários por homens, como “Amassaram a mina, intendeu ou não intendeu? Kkkkk”; 
“Estado do RJ inaugura o novo túnel para a passagem do trem bala do marreta”; “onde o trem passou kkkk essas 
minas dão muito mole meno”; “sabotaram o copo dessa ai kkkk trem rasgou firme essa ai”; “de santa não tem 
nada, ta igual jornal mentiroso para vender”; dentre outras ofensas machistas que foram direcionadas à vítima. 
34 
 
coletivo, mas também, como uma manifestação contra os comentários machistas e ofensivos 
direcionados à jovem. 
Além de que, o primeiro delegado do caso, Alessandro Thiers (da Delegacia de 
Repressão aos Crimes de Informática - DRCI), tratou o estupro coletivo como um “suposto” 
crime, fez perguntas que colocavam em dúvida o depoimento da vítima. Após isso, o crime foi 
administrado pela Delegacia da Criança e Adolescente Vítima (DCAV), a mobilização popular 
fez com que o delegado saísse do caso. 
 De acordo com o Guia Mundo em Foco (2016), a “cultura do estupro” pode ser 
conceituada como a normatização da violência contra a mulher em todas as esferas da vida 
social, sobretudo no familiar, nos espaços da sociedade civil e na mídia, já que a palavra cultura 
não define apenas a arte ou o folclore, por exemplo. A cultura pode se referir também ao 
comportamento de grupos de pessoas e a forma que a sociedade vive. 
O termo vem sendo discutido atualmente pelos estudiosos das ciências humanas e 
sociais, mas é reconhecido que as mulheres se sentem ameaçadas constantemente em que os 
principais fatores são a culpabilização da vítima; objetificação do corpo feminino; banalização 
e negação da violência. 
 Complementando, a Organização das Nações Unidas (ONU) no Brasil, define a 
“Cultura do Estupro” como 
[...] uma consequência da naturalização de atos e comportamentos machistas, 
sexistas e misóginos, que estimulam agressões sexuais e outras formas de 
violência contra as mulheres. Esses comportamentos podem ser manifestados 
de diversas formas, incluindo cantadas de rua, piadas sexistas, ameaças, 
assédio moral ou sexual, estupro e feminicídio. Na cultura do estupro, as 
mulheres vivem sob constante ameaça. A cultura do estupro é violenta e tem 
consequências sérias. Ela fere os direitos humanos, em especial os direitos 
humanos das mulheres (ONU BRASIL, 2016). 
 
 A violência sexual contra a mulher vem sendo naturalizada e neutralizada pelo sistema 
ideológico e simbólico patriarcal-machista, considerando-a como inevitável, como algo 
intrínseco a nossa sociabilidade, sendo que essa forma radical de poder masculino não é 
determinada biologicamente ou divinamente. Ela é a expressão misógina da construção social 
das relações desiguais de gênero, um fenômeno de comportamentos e atitudes masculinas que 
podem sim ser mudados e não “evitados”. 
 O abuso sexual, estupro e assédio sexual existem para conservar a manutenção da 
subordinação e dominação de um sexo pelo outro, utilizando desse meio de intimidação, 
digamos assim, para manter o sentimento de medo presente na vida de muitas mulheres. Somos 
ensinadas que devemos ter medo de sair de casa à noite, de usar roupa curta (para não instigar 
35 
 
o desejo do homem), que é perigoso pegar um meio de transporte com homens, que não 
podemos exceder na bebida alcoólica, para não ficar à mercê dos “lobos”. 
A descoberta dos homens de que a genitália poderia servir como uma arma 
para gerar medo deve ser considerada uma das descobertas mais importantes 
dos tempos pré-históricos, bem como o uso do fogo e o primeiro machado de 
pedra. Da pré-história até o presente, eu acredito, o estupro desempenhou uma 
função crítica. Isto é nada mais nada menos do que um processo consciente de 
intimidação pelo qual todos os homens mantêm todas as mulheres em um 
estado de medo (BROWNMILLER, 1975, p. 14-15, tradução nossa). 
 
Ou seja, todo um aprendizado de que nós mulheres devemos nos proteger da violência 
sexual, quando, por outro lado, os homens são os sujeitos que deveriam ser ensinados desde 
criança a não violentar mulheres, a respeitar o espaço, as escolhas, a sexualidade e a liberdade 
das mulheres, para tanto, os papéis de gênero teriam que ser igualitários além da não exploração 
de classe, raça, etnia e religião. 
A mídia, enquanto instrumento de comunicação de massa, cuja força de propagação de 
informações é vasta, desenvolve o papel de veicular a representação do que é ser mulher na 
sociedade, seja na qualidade de dona de casa, na objetificação do corpo feminino ou exibindo 
a mulher refém dos padrões de beleza preconizados socialmente e até a mulher “empoderada”, 
aquela que trabalha, estuda, cuida da própria vida e desenvolve diversas atividades no cotidiano. 
Nos diversos meios midiáticos, são transmitidos modos de pensar, comportamentos e 
modelos de ser homem e ser mulher que acabam influenciando a interpretação da realidade dos 
indivíduos que recebem a mensagem. É a ferramenta de propagação da ideologia da elite, de 
reprodução de discursos de poder, inclusive da “Cultura do Estupro”, já que 
 
[...] representa a mulher da forma como o faz, naturalizando a violência 
sexual, como agenda política: por meio da veiculação, reiteração e, 
consequentemente, perpetuação de discursos misóginos, as mulheres 
continuam sendo reduzidas a objetos sexuais, e esse estereótipo atua como 
barreira para que mulheres sejam levadas a sério e tratadas com dignidade. 
Consequentemente, são paulatinamente excluídas de espaços públicos e de 
poder – espaços que lhes garantiriam a agência para, por exemplo, mudar a 
própria forma como são representadas. Portanto, o patriarcado detém o 
controle sobre a mídia para, através dela, propagar, dentre outros, discursos 
que perpetuarão a naturalidade da subordinação feminina – por meio, 
principalmente, da manutenção da cultura do estupro (FRANCHINI, 2018, p. 
160). 
 
A sociedade impõe padrões de mulher a serem seguidos, intimamente ligados a 
sexualidade e atribui valor a certos tipos de comportamentos, avaliados a partir de uma relação 
36 
 
oposta - ou a mulher é digna e respeitável ou ela é devassa e “perdida”. À vista disso, se ela foi 
violentada sexualmente, a culpa é dela, já que não se portou da forma correta. 
De outro modo, se não há evidência para culpabilizar a vítima, voltam-se os olhares para 
o agressor(es), na tentativa de caracterizá-lo com algum distúrbio, o monstro que precisa de 
correção popular imediatamente. Quando acontece um roubo, a tendência predominante das 
pessoas em volta é de acreditar na fala da vítima, do que duvidar dela. Sob esse ângulo, aparenta 
existir, na sociedade, um maior sentimento de indignação e justiça por violação da propriedade 
do que da dignidade, especialmente do direito humano da mulher. 
 Existe no imaginário social a crença de que a mulher7 é o indivíduo que frequentemente 
perdoa, é submissa, vulnerável e frágil, enquanto que o homem é o indivíduo que precisa ser 
perdoado por ser violento, rude e agressivo, na maioria das vezes, afinal ele detém

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