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Centro Universitário Adventista de São Paulo
Fundado em 1915 - www.unasp.edu.br 
Missão: Educar no contexto dos valores bíblico-cristãos para o viver pleno e a excelência no servir.
Visão: Ser um centro universitário reconhecido através da excelência dos serviços prestados, seus 
elevados padrões éticos e da qualidade pessoal e profi ssional de seus egressos.
Unasp, Engenheiro Coelho
Diretor Geral:
José Paulo Martini
Diretor Acadêmico:
Afonso L. Cardoso
Diretor Administrativo:
Elizeu José de Sousa
Unasp, São Paulo
Diretor Geral:
Helio Carnassale
Diretora Acadêmica:
Silvia Cristina Quadros
Diretor Administrativo:
Evaldo Zorzim
Reitor:
Euler Pereira Bahia
Pró-Reitora Acadêmica:
Tânia Kuntze
Pró-Reitor Administrativo:
Élnio Freitas
Unasp, Hortolândia
Diretor Geral:
Alacy Mendes Barbosa
Diretor Acadêmico:
Ilson Tercio Caetano
Diretor Administrativo:
Ivan Albuquerque de 
Almeida
Imprenssa Universitária Adventista
 Editor:
Renato Groger
Editor Associado:
Rodrigo Follis
Conselho Editorial:
José Paulo Martini, Afonso Cardoso, Eliseu de Souza, 
Emilson dos Reis, Wilson Paroschi, Amin A. Rodor 
A Unaspress está sediada no Unasp, Engenheiro Coelho.
Introdução 7
O retrato de Deus 11
A parábola do fi lho perdido ................................................................................................. 16
Para ponderar ........................................................................................................................ 25
O irmão do fi lho pródigo 27
A segunda parte da parábola .............................................................................................. 31
Para ponderar ........................................................................................................................ 36
O Fariseu e o Publicano 41
A oração do “justo” ............................................................................................................... 46
Quem é o meu próximo? 55
Jesus e o mestre da lei ......................................................................................................... 58
Dados Internacionais da Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Rodor, Amin A.
 O incomparável Jesus Cristo / Amin A. Rodor. --
1. ed. -- Engenheiro Coelho, SP : Unaspress -
Imprensa Universitária Adventista, 2011.
 Bibliografi a
 1. Glória de Deus 2. Jesus Cristo - Pessoa e missão I. Título.
Índices para catálogo sistemático:
1. Jesus Cristo : Glória de Deus : Divindade e
humanidade : Cristologia 232.8
2. Jesus Cristo : Pessoa e missão : Divindade e
humanidade : Cristologia 232.8
11-08063 CDD-232.8
Caixa Postal 11 - Unasp
Engenheiro Coelho-SP 13.165-000
(19) 3858-9055
 www.unaspress.unasp.edu.br
Imprenssa Universitária Adventista
Editoração: Renato Groger, Rodrigo Follis
Programação visual: Flávio Luís
Capa e Ilustrações: Felipe Carmo
O incomparável Jesus Cristo
1ª edição - 2011
3.000 exemplares
Todos os direitos em língua portuguesa reserva-
dos para a Unaspress. Proibida a reprodução por 
quaisquer meios, salvo em breves citações, com 
indicação da fonte.
Todo o texto, incluindo as citações, foi adap-
tado segundo o Acordo Ortográfi co da Lingua 
Portuguesa, assinado em 1990, em vigor desde 
janeiro de 2009.
Índices para catálogo sistemático:
S u m á r i o
Introdução
7 
Um autor anônimo, no século 19, escreveu uma belíssima página sobre 
Jesus Cristo, sob o título One Solitary Life [Uma vida solitária], que desde então 
tem capturado a atenção de pessoas em muitas partes do mundo.
Ele nasceu numa vila obscura, fi lho de uma camponesa. Cresceu em 
outra vila, onde trabalhou numa carpintaria até os 30 anos. Então, 
por três anos, foi um pregador itinerante. Ele nunca escreveu um 
livro. Nunca assumiu qualquer posição. Nunca teve uma família ou 
possuiu uma casa. Ele não cursou uma faculdade. Nunca visitou 
uma cidade grande. Nunca viajou mais do que 160 quilômetros do 
lugar onde nascera. Não fez qualquer uma daquelas coisas que usu-
almente associamos com grandeza.Tinha apenas 33 anos quando a 
maré da opinião pública se ergueu contra Ele. Seus amigos o aban-
donaram. Foi entregue aos seus inimigos e suportou o escárnio de 
um julgamento injusto. Foi pregado numa cruz entre dois ladrões. 
Enquanto morria, seus executores disputavam o seu manto, a única 
propriedade que Ele possuía. Depois de morto, foi colocado em um 
túmulo emprestado, pela piedade de um amigo. Dezenove séculos 
vieram e se foram, e hoje Ele permanece como o personagem cen-
tral da raça humana, o líder de todo avanço da humanidade. Todos 
I n t r o d u ç ã o
O relato do bom samaritano ............................................................................................... 62
Para ponderar ........................................................................................................................ 67
Abre-me os olhos 69
Segundo ato ........................................................................................................................... 75
Para ponderar ........................................................................................................................ 79
Jesus Cristo segundo o evangelho de Marcos 81
Marcos e sua audiência........................................................................................................ 85
O Cristo compassivo e misericordioso ............................................................................... 86
Encontros ............................................................................................................................... 88
Jesus e o endemoninhado geraseno ...................................................................... 88
A mulher enferma ...................................................................................................... 92
A ressurreição da fi lha de Jairo ................................................................................ 96
Para ponderar ........................................................................................................................ 98
O incomparável Cristo 101
Politicamente incorreto ..................................................................................................... 108
Ele era Deus? ....................................................................................................................... 113
Evidências de sua divindade ............................................................................................. 117
Para ponderar ...................................................................................................................... 120
Sua identidade ......................................................................................................... 120
Sua missão ................................................................................................................ 125
Referências bibliográfi cas 127
IntroduçãoO Incomparável Jesus Cristo
8 9 
os exércitos que já marcharam, todos os navios que já navegaram, 
todos os parlamentos que já se reuniram, todos os reis que já rei-
naram, colocados juntos, não tiveram o impacto sobre a vida dos 
homens neste planeta como essa única vida solitária (autor desco-
nhecido apud GREEN, 1992, p. 2).
Desde tempos imemoriais, pelos corredores da história, passaram coman-
dantes, caudilhos, ditadores, governantes, líderes militares, presidentes, políti-
cos, poetas, gênios, artistas, fi lósofos e teólogos. A maioria deles passou sem 
deixar qualquer informação sobre suas realizações, destruídas pela mão ferru-
ginosa do tempo. Mas o transcorrer das eras não exerceu nenhum efeito sobre 
Jesus Cristo. Sua vida, conforme registrada nos evangelhos, permanece hoje tão 
atual como nos dias em que Ele viveu. Por qualquer critério que adotemos, Ele 
é o personagem central da história. Sua vida e ensinos ainda causam enorme 
impacto transformador em todos aqueles que se detêm para considerar sua ca-
rismática e irresistívelpessoa.
Seus inimigos têm, de muitas formas, tentado transformá-lo em mito ou 
descaracterizar sua identidade com base em descobertas arqueológicas forçadas 
ou interpretações sensacionalistas delas; fi lmes e canções irreverentes, produtos 
da fi cção humana, surgem de tempos em tempos. Nisso, eles não fi cam muito lon-
ge dos inimigos clássicos, os antigos fariseus, saduceus, herodianos, Anás, Caifás, 
o sinédrio, Herodes e Pilatos, que, inutilmente, também tentaram destruí-lo e 
silenciá-lo. Contudo, os inimigos passam e seus esforços terminam desacredita-
dos, apenas despertando em muitos o desejo de conhecer melhor a Jesus Cristo.
Jesus continua com a palavra fi nal sobre Deus, a vida, a morte, nós próprios 
e a vida eterna. Em última instância, como escreveu Julie Cameron (1999, p 7), 
de Noranda, Austrália, diagnosticada com câncer terminal:
Jesus é o meu consolador; protetor; escudo nos meus medos; o co-
nhecimento que me faz distinguir o certo do errado […] o grande 
músico na orquestra da vida. Jesus é o verdadeiro arquiteto; a luz que 
brilha em mim; a rocha na qual eu me ergo; o constante companhei-
ro; o único mestre; a fé dentro de mim; a benção e a minha vida eter-
na. Ele morreu; assim eu poderei viver. Ele é a minha fi rme segurança. 
A força quando me sinto fraca. O poder dentro do meu coração, do 
qual eu sinto os batimentos. Ele é a sombra que me acompanha. Ele é 
o grande autor, pois escreveu o livro da vida […] Ele é a resposta para 
nossas lutas e provações
Jesus não precisa de defesa ou de testemunhas, Ele disse. O li-
vro que o leitor tem em mãos é um pequeno testemunho. Um 
pequeno tributo à sua incomparável pessoa e o que Ele signifi -
ca para mim. O propósito, ao escrevê-lo, não foi primariamente 
acadêmico, mas inspiracional. Assim, as notas de rodapé, refe-
rências e citações foram reduzidas ao nível mínimo. A intenção 
foi manter o que escrevi próximo de suas parábolas, para que 
o leitor possa encontrar para si novos signifi cados e aplicações, 
adequados à sua própria vida e circunstâncias pessoais.
1CAPÍTULO
O r e t r a t o d e 
D e u s
“Os judeus ensinavam que o pecador devia arrepender-se antes de 
lhe ser oferecido o amor de Deus. A seu parecer, o arrependimento 
é obra pela qual os homens ganham o favor do Céu. Foi este 
pensamento que induziu os fariseus atônitos e irados a exclamarem: 
‘Este homem recebe pecadores!’ (Lc 15:2). Conforme sua suposição, 
não devia permitir que pessoa alguma a Ele se achegasse sem se 
ter arrependido […] Cristo ensina que a salvação não é alcançada 
por procurarmos a Deus, mas porque Deus nos procura […] Não nos 
arrependemos para que Deus nos ame, porém Ele nos revela seu 
amor para que nos arrependamos.”
Ellen G. White
O retrato de Deus
13 
Como é Deus? Para muitas pessoas, Deus é apenas uma ideia abstrata. 
Outros o confundem com um severo juiz, distribuindo sentenças às suas cria-
turas. Para outros, Deus é um caprichoso policial cósmico, buscando nossos 
erros. Há, ainda, aqueles que o veem como um tipo de Papai Noel complacen-
te distribuindo presentes uma vez por ano.
Como é Deus, ou quem é Deus? Deus tem sido em muitas circunstâncias ca-
ricaturado pela religião e pelos religiosos. As respostas podem variar de pessoa para 
pessoa, mas provavelmente elas dirão mais a nosso respeito do que a respeito de Deus. 
Um dos ensinos mais evidentes do Novo Testamento é que Jesus Cristo veio para reve-
lar a pessoa do Pai (Jo 14:9-13). Em várias ocasiões, o próprio Jesus fez a mais comple-
ta e absoluta identifi cação entre Ele e Deus: perdoou pecados, aceitou culto e adoração, 
fez promessas que apenas Deus poderia fazer (Lc 5:21; 24:52; Jo 14:12-14 ).
Provavelmente, um dos quadros mais claros a respeito de Deus pintado 
por Jesus aparece em Lucas 15, o capítulo conhecido como “evangelho den-
tro do evangelho”. “Aproximavam-se de Jesus todos os publicanos e pecado-
res para o ouvir. E murmuravam os fariseus e escribas, dizendo: Este recebe 
pecadores e come com eles” (Lc 15:1 e 2).
Em resposta à acusação que lhe é feita pelos austeros representantes do 
estabelecimento religioso dos seus dias, Jesus conta três parábolas. Tais histórias 
não são primariamente uma exposição do evangelho, mas uma defesa dele. Elas 
representam o poderoso contra-ataque de Jesus diante daqueles para quem a 
graça de Deus parecia um desperdício. Aqueles que se sentiam indignados ante 
a afi rmação de que Deus se interessa pelos pecadores.
As palavras e ações de Jesus chocaram e ofenderam os líderes religiosos 
do judaísmo do primeiro século. E provavelmente elas ofendem ainda hoje 
muitos que se julgam conhecedores de Deus. Uma das surpresas do minis-
tério de Cristo é que Ele atraiu pessoas das quais os religiosos nem se apro-
ximavam: enfermos, pobres, samaritanos, mulheres e coletores de impostos. 
Todos eles marginalizados dentro do sistema religioso e social dos judeus. O 
desdém da elite religiosa por essas pessoas de quem Jesus se aproximou e por 
quem Ele se interessou e manifestou respeito, não é porque elas fossem mais 
pecadoras do que as outras. Mas porque eram pessoas ordinárias, ignorantes 
das intrincadas cerimônias religiosas e, por isso, consideradas impuras.
O retrato de DeusO Incomparável Jesus Cristo
14 15 
muitos pais conhecem o sofrimento por saberem que um fi lho ou uma fi lha, adul-
tos, encontram-se perdidos moral ou espiritualmente. Nesse caso, pode-se saber 
onde eles estão e o que estão fazendo, mas não se sabe o que fazer para recuperá-
-los. Sabemos que eles estão longe, no “país distante”, desperdiçando seus recursos, 
seu potencial, sua vida. Provavelmente apenas um pai ou uma mãe que conheça 
tal dor pode realmente entrar no espírito da parábola contada por Jesus.
A lição clara é a de que, em cada caso, os bens perdidos não foram es-
quecidos e não perderam o seu valor, o que é indicado pela intensidade da 
busca. No caso da ovelha (uma em cem), o pastor deixa as noventa e nove e sai 
em busca da única extraviada. No ocaso da moeda perdida (uma em dez), a 
mulher acende uma luz, ajoelha-se no chão da casa e procura até encontrá-la. 
No caso do fi lho perdido (um em dois), a lição é evidente: o perdido passa a 
absorver toda a atenção do proprietário.
Há alguns anos, viajando de ônibus de Toronto para Nova York, parei na 
cidade de Buff alo. Chamou-me a atenção toda uma enorme parede, como um 
mural enorme, naquele terminal rodoviário. Ali estava uma grande quantidade 
de fotografi as de pessoas desaparecidas. Dezenas de fotos. Homens, mulheres, 
rapazes, moças e, principalmente, crianças. Todos eles, fi lhos, fi lhas, esposos, 
esposas, netos de alguém! Acima das fotos, escrita em letras enormes, havia 
a seguinte frase: “Perdidos, mas não esquecidos!” Não pude deixar de fazer a 
associação entre aquele quadro e as histórias de Jesus sobre os perdidos!
Um outro aspecto pungente das parábolas de Lucas 15 é o caráter pessoal 
do envolvimento. Nos três casos, não é um servo que é mandado para buscar 
o bem perdido, mas o próprio dono é quem toma a iniciativa da busca. Assim 
é Deus. Ele próprio, em pessoa, entrou em cena para recuperar o que se havia 
perdido. Aqui, também o perdido não foi esquecido.
O que ofendeu os representantes do judaísmo do primeiro século não foi 
tanto a resposta dessas pessoas a Jesus, mas a resposta de Jesus para elas. “Este 
recebe pecadores e come com eles” (Lc 15:1-2) era a acusação dupla dos oposi-
tores de Cristo. Aqueles que diziam conhecer a Deus, se ofenderam com o tipo 
de pessoas com quem Jesus se associou. No centro do confronto entre Jesus e os 
fariseus está a compreensão da doutrina de Deus. Afi nal, pode Deus associar-se 
com os pecadores? Os fariseus diziam que não. Jesus então contou três parábolas 
para demonstrar o contrário. Estas são histórias de Deus, na linguagem humana:
 ▶ A parábola da ovelha perdida (Lc 15:3-7);
 ▶ A parábola da moeda perdida (Lc 15:8-10);
 ▶ A parábola do fi lho perdido (Lc 15:11-32).
Essas histórias têm umaestrutura comum: elas enfatizam a tragédia da 
perda, a diligência da busca e o regozijo da recuperação.
Não podemos dizer que conhecemos a Deus se não sabemos o que lhe 
causa dor, ou o que lhe traz alegria. Jesus deseja demonstrar que o coração 
do Pai se parte por aqueles que se perdem e exulta em abundante alegria por 
aqueles que são encontrados.
Como se sente você ao perder qualquer coisa considerada valiosa? Jesus 
utiliza um conceito que facilmente podemos compreender. É óbvio que os seres 
humanos se sentem frustrados, deprimidos e tristes quando perdem aquilo a 
que dão valor, e se alegram quando encontram o que foi perdido. A estupenda 
revelação que Jesus faz é que Deus também se sente assim. O ponto principal 
dessas histórias não é falar da ovelha, da moeda ou do fi lho, isto é, daquilo que 
fora perdido. O propósito dessas parábolas é focalizar o caráter do pastor que 
perdeu a ovelha, da mulher que perdeu a moeda e do pai que perdeu o fi lho. 
Essas parábolas revelam como Deus é.
Em termos literais, eu nunca perdi uma ovelha, mas já participei da agonia de 
minha fi lha pequena, vagando pela vizinhança em busca do seu cãozinho perdido. Eu 
nunca perdi uma moeda valiosa, mas já perdi minha aliança de casamento, cartões de 
crédito ou a carteira de motorista. Recordo-me perfeitamente do pânico, do retorno 
aos lugares onde estivera, dos telefonemas dados na tentativa de recuperar esses bens.
Em semelhantes circunstâncias, muitos já experimentaram a agonia de ter 
um fi lho perdido por algum tempo. O desespero inexprimível quando não o en-
contramos em meio a uma multidão. Em nível diferente, mas não menos real, 
Não podemos dizer que conhecemos a 
Deus se não sabemos o que lhe causa 
dor, ou o que lhe traz alegria. Jesus 
deseja demonstrar que o coração 
do Pai se parte por aqueles que se 
perdem e exulta em abundante alegria 
por aqueles que são encontrados.
O retrato de DeusO Incomparável Jesus Cristo
16 17 
menos compreendidas. Ela representa a grande e fi nal pincelada no quadro que 
Jesus pinta de Deus. “Certo homem tinha dois fi lhos”, inicia Ele a sua história. “O 
mais moço deles disse ao pai: Pai, dá-me a parte dos bens que me cabe” (Lc 15:12).
O pedido desse fi lho é, no mínimo, desrespeitoso. Especialistas na cultura 
oriental sugerem que o pedido do fi lho equivale a um “desejo de morte”, porque 
só depois da morte do seu pai ele poderia receber sua herança. O pedido do 
fi lho parte o coração do pai, porque a única preocupação desse fi lho era com a 
propriedade. O pai poderia ter negado o pedido, poderia ter obrigado seu fi lho 
a fi car, mas de que isso adiantaria? Seu fi lho já estava emocionalmente distante. 
Aqui está o ponto vulnerável do amor: o amor pode ser rejeitado e desprezado! 
Mais tarde, em seu retorno, ele não seria açoitado apenas pelo fato de que ele 
“não fora bom,” mas também que ele “havia desprezado a bondade.”
A parábola revela que Deus não viola nossa vontade. Ele oferece espaço para 
nossas escolhas, mesmo sabendo que aquilo que queremos muitas vezes é preci-
samente o que nos destrói. “Liberdade” é a fantasia de milhões na busca do desco-
nhecido. Eles querem “se encontrar”. Sem perceber que os seres humanos não têm 
nenhum “eu” para ser “encontrado”. Apenas temos um “eu” para ser desenvolvido.
O jovem da parábola havia decidido viver de maneira independente, se-
guir o seu próprio caminho em busca da felicidade e da emancipação. Antes 
das ideias de Freud e de Nietzsche sobre as grandes forças propulsoras na vida 
das pessoas, Blaise Pascal concluiu que o fator mais importante por trás das 
decisões humanas é a busca da felicidade. Sem dúvida, esta é a grande busca do 
coração humano. Mesmo no sexo (Freud) e no poder (Nietzsche), as pessoas 
buscam a felicidade. A tragédia é que frequentemente buscamos a felicidade 
nos lugares errados, onde ela não pode ser encontrada. Nas buscas erradas da 
vida (e isso é o que não vemos) já estamos permitindo que os fi os dos ventos 
comecem a tecer a capa de nossas maiores agonias.
A parábola do fi lho perdido
Disse-lhe mais: Certo homem tinha dois fi lhos. O mais moço deles 
disse ao pai: Pai, dá-me a parte dos bens que me toca. Repartiu-lhes, 
pois, os seus haveres. Poucos dias depois, o fi lho mais moço ajuntan-
do tudo, partiu para um país distante, e ali desperdiçou os seus bens, 
vivendo dissolutamente. E, havendo ele dissipado tudo, houve naque-
la terra uma grande fome, e começou a passar necessidades.
Então foi encontrar-se a um dos cidadãos daquele país, o qual o 
mandou para os seus campos a apascentar porcos. E desejava en-
cher o estômago com as alfarrobas que os porcos comiam; e nin-
guém lhe dava nada. Caindo, porém, em si, disse: Quantos empre-
gados de meu pai têm abundância de pão, e eu aqui pereço de fome! 
Levantar-me-ei, irei ter com meu pai e dir-lhe-ei: Pai, pequei contra 
o céu e diante de ti; já não sou digno de ser chamado teu fi lho; trata-
-me como um dos teus empregados.
Levantou-se, pois, e foi para seu pai. Estando ele ainda longe, seu pai 
o viu, encheu-se de compaixão e, correndo, lançou-se-lhe ao pescoço 
e o beijou. Disse-lhe o fi lho: Pai, pequei conta o céu e diante de ti; já 
não sou digno de ser chamado teu fi lho.
Mas o pai disse aos seus servos: Trazei depressa a melhor roupa, e vesti-
-lha, e ponde-lhe um anel no dedo e alparcas nos pés; trazei também o 
bezerro, cevado e matai-o; comamos, e regozijemo-nos, porque este meu 
fi lho estava morto, e reviveu; tinha-se perdido, e foi achado. E começaram 
a regozijar-se. Ora, o seu fi lho mais velho estava no campo; e quando vol-
tava, ao aproximar-se de casa, ouviu a música e as danças; e chegando um 
dos servos, perguntou-lhe que era aquilo. Respondeu-lhe este: Chegou teu 
irmão; e teu pai matou o bezerro cevado, porque o recebeu são e salvo. 
Mas ele se indignou e não queria entrar. Saiu então o pai e instava com 
ele. Ele, porém, respondeu ao pai: Eis que há tantos anos te sirvo, e nunca 
transgredi um mandamento teu; contudo nunca me deste um cabrito para 
eu me regozijar com os meus amigos; vindo, porém, este teu fi lho, que 
desperdiçou os teus bens com as meretrizes, mataste-lhe o bezerro cevado. 
Replicou-lhe o pai: Filho, tu sempre estás comigo, e tudo o que é meu é teu; 
era justo, porém, regozijarmo-nos e alegramo-nos, porque este teu irmão 
estava morto, e reviveu; tinha-se perdido, e foi achado. (Lc 15:11-32)
A terceira história, a parábola do fi lho pródigo, é a mais longa, a mais conhe-
cida, a mais amada, a mais citada das parábolas de Jesus e, provavelmente, uma das 
“Liberdade” é a fantasia de milhões na 
busca do desconhecido. Eles querem 
“se encontrar”. Sem perceber que os 
seres humanos não têm nenhum “eu” 
para ser “encontrado”. Apenas temos 
um “eu” para ser desenvolvido.
O retrato de DeusO Incomparável Jesus Cristo
18 19 
Foi empregado por um gentio para apascentar porcos, uma atividade nem 
mesmo imaginável para um judeu. A guarda do sábado, a observância dos rituais 
de pureza (Lv 11; 23:3; ver Lc 15:15-16) ou aderência aos detalhes das leis judaicas, 
difi cilmente observáveis agora. Seu estágio fi nal no país distante, sugere completa 
apostasia de sua identidade, que aparece desfi gurada e esquecida. Mas o seu de-
sespero desconhece o orgulho! A fome desconhece escrúpulos! Suas ilusões passa-
ram como um fogo de artifício. Ele, que havia sonhado com liberdade e felicidade 
distantes, termina poluído, em companhia imunda. “Mas ninguém lhe dava nada”, 
conclui o relato! Neste ponto, associamos a narrativa com um quadro comum, que 
pinta o jovem mal vestido assentado, cabeça pendida nos joelhos, cercado de porcos. 
Praticamente, muito pouco sobrara do rapaz que saíra da casa paterna.
Se Jesus tivesse parado neste ponto da história, seus críticos teriam batido 
palmas de entusiasmo, como sinal de aprovação. “Você está correto”, eles teriam 
dito. “Isto é precisamente o que acontece com o pecador. Ele recebe o que me-
rece. Na companhia dos porcos.” Mas não é aíque Jesus termina. O Salvador 
deseja ter o fi lho perdido de volta, na casa do Pai!
O ponto de retorno na parábola é extraordinário. Jesus diz que o moço 
“caiu em si” (v. 17). As palavras de Cristo são profundamente reveladoras. “Cain-
do em si.” Isso signifi ca que quando ele abandonou o pai, o jovem estava fora de 
si. Todo abandono de Deus é um ato de insanidade. Está fora de si todo aquele 
que busca ser feliz longe de Deus, e cria substitutos precários. Tal busca é uma 
forma de demência, pois o “país distante” nunca pode ser o nosso lar. Ele será 
sempre terra estranha! Observe-se que Jesus não trata o pecado com levianda-
de. Ele pintou suas trágicas consequências com terrível fi delidade. Mas Ele não 
podia crer que a separação de Deus é um ato de genuína humanidade. “Caindo 
A audiência judaica teria esperado que o pai da história, irado, recusasse a exigên-
cia do seu fi lho. Mas este não era um pai típico. Generosamente ele oferece posse ime-
diata ao seu fi lho mais jovem, sua parte da propriedade. Geralmente isso seria um terço, 
embora em circunstâncias especiais, pudesse ser menos. Apenas alguns dias depois, o 
fi lho já havia transformado em dinheiro sua partilha dos bens. E, “ajuntando tudo o que 
era seu, partiu para uma terra distante” (Lc 15:13). Além de sua atitude de desrespeito 
e insulto ao seu pai, uma vez que, em uma sociedade agrária como a de Jesus, a terra 
era parte da identidade das pessoas e, portanto, nunca vendida, o jovem também deixa 
claro que não pretendia voltar. O que planejava ele? Tentar sua sorte no próspero mundo 
comercial dos gentios? Talvez. Mas isso ainda está no ventre do futuro!
A realidade, em geral, tem sua forma cruel de surpreender nossas fantasias e 
acordar-nos de nossos sonhos. Até onde a busca de emancipação e felicidade con-
duz o jovem fi lho da parábola? Segundo Jesus, ao “país distante”. Onde fi ca tal país? 
Geografi camente o “país distante”, provavelmente, fi cava entre os gentios, caracteri-
zado pelos valores pagãos, marcado pela moralidade pagã. Espiritualmente, “o país 
distante” é a inconsciência e a distância de Deus. Viver como se Deus não existisse!
Distante, o jovem persegue a sua fantasia. “E lá dissipou todos os seus bens, vi-
vendo dissolutamente” (Lc 15:13). No país distante, o rapaz passou a viver sua liber-
dade ilusória. Como atestado em fontes da antiguidade a respeito de muitos jovens, a 
fortuna herdada foi consumida em vinho, mulheres e canções. No judaísmo, a condu-
ta deste fi lho era duplamente reprovável. Não apenas pelo estilo de vida de dissipação, 
mas também pela perda dos meios de suporte ao pai em sua velhice. Dos fi lhos se 
esperava assistirem fi nanceiramente os pais idosos em casos de necessidade.
Gradualmente, o jovem desceu ao seu próprio inferno. Os amigos duraram 
enquanto durou o dinheiro. Observe a sequência trágica: ele perdeu o dinheiro, 
começou a padecer necessidade, mas ninguém lhe dava nada (Lc 15:14-16). O 
jovem fi lho fi zera da vida um carnaval, dias alegres e noites deslumbrantes. Mas 
já tinha um encontro marcado com o desastre!
Sua aparência radiante de príncipe tornou-se imersa em depressão e tris-
teza. Suas roupas custosas converteram-se em trapos. As leis, os conselhos, a 
sabedoria que desprezamos, tornam-se anjos vingadores. “Há caminhos que ao 
homem parece direito, mas ao cabo dá em caminhos de morte”, diz o sábio (Pv 
14:12). A história desse fi lho é a nossa história, a nossa biografi a! Uma descrição 
exata da família humana. Todos nós nos desviamos como ovelhas desgarra-
das. Em nossa cegueira e rebelião, tentamos criar os nossos pequenos paraísos, 
nossa felicidade própria, baseada em prazeres, aquisições e realizações pessoais, 
apenas para descobrir o sabor amargo da decepção e do engano de nossas esco-
lhas. E, assim, terminamos apenas com o gosto de cinza nos lábios.
A tragédia é que frequentemente 
buscamos a felicidade nos lugares 
errados, onde ela não pode ser 
encontrada. Nas buscas erradas da 
vida (e isso é o que não vemos) já 
estamos permitindo que os fi os dos 
ventos comecem a tecer a capa de 
nossas maiores agonias.
O retrato de DeusO Incomparável Jesus Cristo
20 21 
afeições ou arrancado o rapaz da sua memória e do seu coraçã o — embora isso 
fosse precisamente o que ele podia merecer. Não se trata aqui de nenhum pai 
neurótico, incapaz de sentir os arranhões e machucaduras do fi lho!
“Vinha ele ainda longe, quando seu pai o avistou, e, compadecido dele, 
correndo, o abraçou, e beijou” (Lc 15:20).
O pai o vê à distância. A implicação é extraordinária: aqui está um pai que 
não apenas deseja receber o fi lho, mas espera por ele. Dia após dia, ele nunca 
deixou de esperar pelo fi lho. Apenas o amor do pai poderia reconhecer o fi lho 
sob os andrajos que o cobrem, porque, “o amor tem bons olhos”. O pai discerne 
o seu fi lho enquanto ele caminha à distância. Devemos notar o momento: o 
fi lho ainda estava longe para expressar a seu arrependimento, como os judeus 
esperariam, mas a graça do pai já estava presente e atuante!
A doutrina do arrependimento na religião judaica provia a expiação, des-
de que ele fosse sincero e acompanhado pela determinação de separação do pe-
cado. No judaísmo posterior, os rabis passaram a ensinar que Deus e o homem 
operam juntos no arrependimento. Para cada passo, que é tomado em sua dire-
ção, Deus toma um passo em direção ao homem. Aparentemente, o arrependi-
mento do fi lho pródigo parece preceder o perdão do pai. Isso é porque o jovem 
procede de acordo com o conceito judaico de arrependimento. Entretanto, a 
conduta do pai revela um princípio diferente.
Para entender a história, devemos lembrar que no oriente um homem 
idoso, respeitado, não devia correr publicamente. Tal ato era considerado 
inapropriado e indigno. Mesmo nos nossos dias, a maioria das pessoas 
que se julga importante reprime suas emoções em público, considerando 
tal ato como um sinal de fraqueza. Mas o pai da parábola de Jesus, apode-
rado pela compaixão, desconsidera todos os protocolos e etiquetas de sua 
em si.” Esse é o extraordinário e invencível otimismo de Cristo!
“Cair em si” é voltar-se para uma compreensão realista de Deus, de 
nós próprios e do pecado. O jovem começa a ver as coisas com clareza, pela 
primeira vez. Afinal, o lar não era um lugar tão ruim assim. E começa a 
compreender o que havia perdido: o status de filho. Uma resolução incon-
trolável explode em seu peito. “Levantar-me-ei e irei ter com meu pai.” O 
filho então, prepara o seu conficteor, o seu discurso de admissão de culpa. 
Sua demonstração de arrependimento. “Direi: Pai, pequei contra o céu e 
diante de ti; já não sou digno de ser chamado teu filho […] trata-me como 
um dos teus trabalhadores” (Lc 15:18-19). Os “trabalhadores” ou “jornalei-
ros,” eram diaristas, em condição inferior aos servos da casa, que gozavam 
de maior grau de intimidade. Ele saíra de casa dizendo “dá-me”; agora, em 
seu retorno ele pretende dizer, “trata-me”. À distancia, ele se lembra do seu 
pai; seu amor e bondade emergem em sua mente. Fragmentos de memórias 
vêm à sua lembrança. Esta é a base da sua iniciativa de retorno: as memórias 
do pai. As lágrima não podem ser evitadas.
O pai que não manda perseguir o fi lho nem vai atrás dele, está presente 
na lembrança do rapaz, quando este, sofrendo miséria e fome junto a sua vara 
de porcos. Sem escusas, ele assume responsabilidade por suas ações. Reconhe-
ce seus erros. Ele havia saído de casa pensando “eu tenho que ser eu mesmo”, 
mas descobre que nossa verdadeira identidade não é encontrada à distancia, 
em indulgência com as nossas fantasias. Ele havia partido para encontrar sua 
liberdade, e termina algemado à falta de esperança. E é à distancia, entre os 
porcos, que ele chega a compreender a glória da casa do pai. Ele perdera o 
status de fi lho, imagina ele, mas mesmo como um diarista, lar é lar! Ele não 
esperava ou mesmo nem desejava qualquer tratamento preferencial, apenas 
uma oportunidade de provar que mudara.“Levantar-me-ei e irei ter com o meu pai” (Lc 15:18). Não há lugar mais 
difícil para se retornar do que aquele onde falhamos. Os lugares de nossos fra-
cassos são lugares cruéis. As ações do moço haviam sido objeto das conversas 
na pequena vila. Ele sabia que voltar seria assinar sua admissão do engano, e ser 
forçado a enfrentar a crítica, sem ter nada para dizer em sua defesa. Ser forçado 
a deparar-se com sua vergonha. Voltar para casa, com o cheiro dos porcos, com 
os trapos do seu fracasso, esta era, provavelmente, a humilhação fi nal.
Note, porém, que Jesus não diz que o jovem decide voltar para a vila, ou 
mesmo para o seu antigo lar. “E, levantando-se, foi para seu pai” (Lc 15:20). 
Então, quando Jesus descreve o pai, percebemos o mais surpreendente dos fatos. 
Esse pai não é uma fi gura austera que tinha deserdado o fi lho, banido-o de suas 
Todo abandono de Deus é um ato de 
insanidade. Está fora de si todo aquele 
que busca ser feliz longe de Deus, e 
cria substitutos precários. Tal busca é 
uma forma de demência, pois o “país 
distante” nunca pode ser o nosso lar. 
Ele será sempre terra estranha!
O retrato de DeusO Incomparável Jesus Cristo
22 23 
99 nomes para Deus do Islamismo, no budismo ou no hinduísmo. Abba é o ter-
mo aramaico, frequentemente utilizado por Cristo para descrever Deus. O ter-
mo refl ete extrema intimidade, equivalente ao nosso “paizinho” ou “painho” ou, 
ainda, ao carinhoso e íntimo termo “daddy” do inglês. No Antigo Testamento e 
no judaísmo, Deus é chamado de pai, mas em um sentido totalmente diferente. 
Deus é pai, mas da nação, no contexto da eleição de Israel. A relação “pai-fi lho”, 
descrita por Jesus tem sempre características pessoais. Nunca é utilizada em re-
ferencia ao povo. Tampouco a fi liação constitui uma prerrogativa exclusiva dos 
piedosos. Deus é pai “para bons e maus, justos e injustos” (Mt 5:45; 21:28-32).
A parábola de Jesus não coloca ênfase na indignidade do filho, mas no 
amor do Pai. Tudo perdoado. Tudo esquecido! Os dias de fome e de conví-
vio com os porcos estão no passado. Com um toque de mestre, Jesus leva a 
história ao clímax final: uma festa é preparada para celebrar o retorno do 
seu filho. Nenhuma palavra de recriminação moralista. Nenhuma exigên-
cia de prestação de contas. Nenhuma condição imposta. Nenhum tempo de 
prova. Nenhum período de disciplina, para observação! Nenhuma “quaren-
tena” ou penitência é exigida.
O clímax da história contada por Jesus é, no mínimo, ofensiva à sua audi-
ência judaica. Os fariseus teriam aplaudido a narrativa se o pai tivesse deman-
dado arrependimento e prova positiva de mudança e emenda antes de receber 
de volta o fi lho dissoluto. Arrependimento era o coração da teologia farisaica. 
Ele precedia a aceitação e o perdão divinos, envolvendo um período de “prova” 
e “separação” para tornar evidente a sua autenticidade. Os “sinceramente reli-
giosos” se sentiram chocados pelo ensino deste jovem rabi, que parece subverter 
a ideia de Deus da doutrina farisaica.
A história do fi lho pródigo, a última do trio de parábolas que Jesus conta 
cultura, corre ao encontro do seu filho. Aqui nós encontramos o elemento 
redentivo da história.
Correndo, lançou-se ao pescoço do fi lho e o beijou. “Ternamente” ou 
“muitas vezes”, os dois signifi cados são possíveis na leitura do original. O pai 
quer ter certeza de que ele é o primeiro na vila a encontrar-se com seu fi lho, 
para protegê-lo das críticas ou das atitudes hostis e julgadoras de outros, das fa-
ces que não expressam qualquer atitude de boas vindas. O pai não quer correr o 
risco de que seu fi lho seja desencorajado pela zombaria ou desdém, e acabe de-
sistindo. O gesto do pai deixa os observadores atônitos; ele se lança ao pescoço 
desse estranho vestido em trapos e o cobre de beijos. Os moradores do vilarejo 
não poderiam ter antecipado a cena do dramático reencontro entre pai e fi lho.1
O pai segura o rapaz e o aperta contra o seu peito, impedindo que ele 
caia de joelhos, posição de subserviência. Ele nem mesmo permite que seu 
fi lho complete o discurso que havia ensaiado. A confi ssão e pedido do fi lho 
que retorna são sufocados pela mesma bondade do pai que os despertara 
(Lc 15:19, 21). Surpreendentemente, o pai e não pronuncia nenhuma palavra 
ao fi lho. Mas suas ações dizem tudo. Depressa ele ordena aos servos que tra-
gam a melhor veste, roupa festiva, usada em grandes ocasiões. O seu garoto é 
o hospede de honra. Coloca-lhe na mão um anel. Não um anel de ornamen-
to, mas um anel-sinete, símbolo de autoridade. Coloca-lhe sandálias nos pés, 
porque apenas os servos andam descalços.
Ele ordena que preparem o “novilho cevado” e comecem a celebração, 
justifi cando sua atitude com palavras que explodem de gozo. “Comamos e re-
gozijemo-nos, porque este meu fi lho estava morto e reviveu, estava perdido e 
foi achado” (Lc 15:23-24). Observe-se como nesse ponto, e justamente nele, a 
alegria é pintada com as cores mais fartas e abundantes. As alegrias ilusórias do 
país distante não poderiam se comparar com o gozo exuberante que irrompe na 
celebração do pai. Este é o tipo de Deus revelado por Jesus Cristo.
A proximidade de Deus é o mistério do nome “pai”, nos lábios de Jesus, 
uma noção ausente em todas as religiões. Não a encontramos mesmo entre os 
1 Provavelmente Rembrandt, que pintou várias vezes a parábola do fi lho perdido, 
pode ser considerado seu interprete mais autêntico. Em uma gravura de 1630, veem-se 
pai e fi lho, ambos voltados para o espectador, o fi lho em sua fi gura miserável, prostra-
do de joelhos, o pai andando a passadas largas e impetuosas ao encontro do fi lho. No 
entanto, em um quadro a óleo, pintado posteriormente no eremitério de Petesburgo, o 
artista retratou só o vulto e o rosto do pai que estão voltados para o espectador; diante 
dele, o fi lho de joelhos, de costas para o espectador, esconde seu rosto no colo do pai, 
amparado pelas mãos deste. 
Tão importantes quanto sejam 
“reforma”, “transformação” e 
“arrependimento”, eles não são a base 
pela qual somos aceitos por Deus, 
mas o resultado. Em outras palavras, 
é a aceitação divina que causa o 
arrependimento, não o contrário.
O retrato de DeusO Incomparável Jesus Cristo
24 25 
neste mesmo instante, com júbilo que invade o universo: “bem vindo ao lar!”
Para ponderar
O jornal USA Today, em 1997, publicou uma entrevista feita com os norte-
-americanos mais ricos: cerca de 1 milhão de famílias, com renda anual superior 
a US$ 250.000 e patrimônio líquido de pelo menos US$ 2.5 milhões. O que estes 
ricos disseram estar dispostos a comprar e por quanto. Leia a surpreendente 
lista de baixo para cima:
Um lugar no Céu US$ 640.000
Verdadeiro amor US$ 467.000
Grande Intelecto US$ 407.000
Talento US$ 285.000
Juventude eterna US$ 259.000
Reencontro com um amor perdido US$ 206.000
Por grande beleza US$ 83.000
Para ser presidente US$ 55.000
Em primeiro lugar, seiscentos e quarenta mil dólares por um lugar no céu. O 
irônico é que as pessoas desejam pagar uma enorme soma de dinheiro por aquilo 
que, em primeiro lugar, não tem preço, e, em segundo, é oferecido de graça!
Não é estranho que a religião e os religiosos, como os judeus dos dias de Je-
sus tenham confundido a oferta de salvação a tal ponto que ela difi cilmente se tor-
na compreensível para a maioria das pessoas? A salvação é baseada na graça, dom 
imerecido de Deus. Qualquer outro elemento, tal como arrependimento, recon-
ciliação, regeneração, reforma, novo nascimento, ou santifi cação, não constituem 
a base da salvação. A base da salvação é a graça de Deus, estes outros elementos 
são, pela ação do Espírito Santo, resultados de nossa aceitação de sua graça e amor. 
Devemos entender ainda que a justiça de Deus, não é primariamente uma exigên-
cia, mas um dom. Não é o que Ele pede, mas o que Ele oferece.
Com frequência utilizamos a expressão “justifi cação pela fé”, mas se isto 
não for entendido claramente, tornamos a fé um outro tipo de obra. Segundo 
Efésios2:8, “pela graça sois salvos, mediante a fé”. A graça é a base da salvação, 
a fé é o seu instrumento, ou o meio. Quando eliminamos a graça de Deus de 
nossa compreensão da salvação, como o elemento primário, a porta está aberta 
em sua defesa por aceitar e comer com os pecadores antes mesmo do arrependi-
mento deles. Ela subverte o retrato de Deus pintado pela tradição do judaísmo. 
Segundo Jesus, Deus não exige “reforma” e “santifi cação” antes de aceitar os 
que o buscam. Ele não espera “transformação moral” ou mesmo nosso arre-
pendimento para nos receber. Tão importantes quanto sejam “reforma”, “trans-
formação” e “arrependimento”, eles não são a base pela qual somos aceitos por 
Deus, mas o resultado. Em outras palavras, é a aceitação divina que causa o ar-
rependimento, não o contrário. Deus opera sempre com base na graça. Fazemos 
apenas uma contribuição para nossa salvação. Nossa única contribuição para a 
salvação é o pecado, do qual devemos ser libertos. Nada mais!
Como Ellen G. White (2007, p. 189) observa:
Os judeus ensinavam que o pecador devia arrepender-se antes de 
lhe ser oferecido o amor de Deus. A seu parecer, o arrependimento 
é obra pela qual os homens ganham o favor do Céu. Foi este pen-
samento que induziu os fariseus atônitos e irados a exclamarem: 
‘Este homem recebe pecadores!’ (Lc 15:2). Conforme sua suposição, 
não devia permitir que pessoa alguma a Ele se achegasse sem se ter 
arrependido […] Cristo ensina que a salvação não é alcançada por 
procurarmos a Deus, mas porque Deus nos procura […] Não nos 
arrependemos para que Deus nos ame, porém Ele nos revela seu 
amor para que nos arrependamos.
Em comovente simplicidade, Jesus descreve como Deus é. Sua bondade, 
sua graça, sua infi nita misericórdia. Este é o Deus a quem Jesus representou. O 
Deus que recebe os envergonhados, cegos, leprosos, surdos, imundos. Que não 
nega a culpa, mas a perdoa e cura. Querido leitor encontra-se você hoje no país 
distante? Alienado de Deus e de si mesmo? Chegou você ao fi m de suas ilusões? 
Sua jornada parece ter chegado ao fi nal, numa viela sem saída? Está você desa-
nimado, deprimido pelos descaminhos da vida que o levaram a viver longe do 
Pai, imaginando que não há esperança para o seu caso?
Aqui está o Deus que Jesus veio revelar. Aquele que “justifi ca o ímpio” (Rm 
4:5). Que purifi ca e restaura, que não apenas oferece roupas de puro linho, mas 
que “deu o seu fi lho unigênito, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas 
tenha a vida eterna” (Jo 3:16). Aqui está o Deus do Evangelho, que celebra e se 
regozija com a volta dos perdidos. Que corre ao encontro deles! Que estende os 
seus braços para recebê-los e abraçá-los. O Deus que agora mesmo pode torná-
-lo uma nova criatura, um novo homem, uma nova mulher. Que pode dizer-lhe 
O Incomparável Jesus Cristo
26 
para todo tipo de confusão. Sobre a fé devemos entender:
 ▶ A fé não é a base da salvação, mas o meio, o instrumento pelo qual 
nos apropriamos dela (Rm 3:21-22, 25, 31; Ef 2:8).
 ▶ A fé não é autogerada. A fé também é um dom. Segundo o livro de Ro-
manos, (10:17), “a fé vem pelo ouvir da Palavra de Deus”.
 ▶ A fé não é meritória (Ef 2:8-10). Para Ellen G. White (2004, p. 174), 
“mediante a fé recebemos a graça de Deus; mas a fé não é o nosso Salvador. 
Ela não obtém nada (Tg. 2:24). É a mão que se apega a Cristo e se apodera 
de seus méritos, o remédio contra o pecado.”
 ▶ A fé não depende do seu tamanho, mas do seu objeto (Lc 17:6). Mui-
tos, por exemplo, têm grande fé no dinheiro, em posições, na ciência, 
em prestígio, na aparência, no preparo acadêmico. Mas essa fé, grande 
como ela possa ser, nada vale para a salvação. A fé vale pelo seu funda-
mento, que deve ser única e exclusivamente a pessoa de Jesus Cristo, o 
seu autor e consumador (Hb 12:2).
 ▶ A fé bíblica não está em oposição às boas obras. As únicas obras contra 
as quais a fé se opõe, são aquelas entendidas ou praticadas como método 
de salvação (Rm 3:20, 28). A fé não é contra a observância da lei, como 
alguns pensam. A fé se opõe à observância da lei como meio de salvação 
(Gl 3:1-5, 11). A lei deve ser observada como norma da conduta cristã, 
como a expressão da vontade de Deus, para aqueles que receberam sua 
graça.
 ▶ A fé bíblica é basicamente “transferência de confi ança” (Hb 4:14-16). 
Aquele que confi ava em si, ou em qualquer recurso humano, passa a con-
fi ar sem reservas em Cristo.
2CAPÍTULO
O i r m ã o d o 
f i l h o p r ó d i g o
Foi levado o irmão mais velho a ver seu espírito mesquinho e ingrato? 
Chegou a reconhecer que embora o irmão tivesse agido impiamente, 
era ainda e sempre o seu irmão? Arrependeu-se o irmão mais velho 
de seu amor próprio e dureza de coração? Com referência a isso, 
Jesus guardou silêncio. A parábola ainda não terminara e restava que 
os ouvintes determinassem qual seria o epílogo
Pelo irmão mais velho foram representados os impenitentes judeus 
contemporâneos de Cristo, como também os fariseus de todas as 
épocas, que olhavam com desprezo aqueles que consideravam 
publicanos e pecadores
Ellen G. White
O irmão do fi lho pródigo
29 
Ora, o fi lho mais velho estivera no campo; e, quando voltava, ao apro-
ximar-se da casa, ouviu a música e as danças. Chamou um dos criados 
e perguntou-lhe que era aquilo. E ele informou: Veio teu irmão, e teu 
pai mandou matar o novilho cevado, porque o recuperou com saúde. 
Ele se indignou e não queria entrar; saindo, porém, o pai, procurava 
conciliá-lo. Mas ele respondeu a seu pai: Há tantos anos que te sirvo 
sem jamais transgredir uma ordem tua, e nunca me deste um cabrito 
sequer para alegrar-me com os meus amigos; vindo, porém, esse teu 
fi lho, que desperdiçou os teus bens com meretrizes, tu mandaste matar 
para ele o novilho cevado. Então, lhe respondeu o pai: Meu fi lho, tu 
sempre estás comigo; tudo o que é meu é teu. Entretanto, era preciso 
que nos regozijássemos e nos alegrássemos, porque esse teu irmão esta-
va morto e reviveu, estava perdido e foi achado (Lc 15:25-32).
A conclusão idêntica nos versos 24 e 32 (“porque esse teu irmão [“meu fi -
lho”, v. 24] “estava morto e reviveu, estava perdido e foi achado”) indica a divisão 
natural da parábola em duas partes. Na segunda seção, Jesus expõe a atitude dos 
fariseus. Seu ensino de que a misericórdia divina é espontânea, livre, abundante, 
os ofendia. A atitude de Cristo de aceitar pecadores e comer com eles (Lc 15:2) 
antes de reforma e sem a exigência de qualquer período de “observação” era 
particularmente vista como questionável. O irmão mais velho da história de 
Jesus refl ete a atitude dos fariseus antigos e modernos.
A grande maioria de sermões sobre o filho pródigo termina com o 
verso 24, como se a sessão que segue não fizesse parte da história original 
de Jesus. Devemos, contudo, notar que o irmão mais velho do rapaz que 
abandona o lar e viaja para o “país distante” é parte integral da parábola. No 
primeiro nível, ele reflete a atitude dos murmuradores fariseus, a audiência 
primária de Jesus, para quem a graça divina oferecida aos “publicanos e 
pecadores” é um desperdício. Mas num nível mais profundo, o filho mais 
velho representa um grupo que está muito mais perto de nós. Em última 
instância, ele trai sentimentos que estão dentro de todos nós.
Embora o caráter do irmão mais velho fi que exposto apenas no fi nal da 
história, alguns traços já podem ser percebidos nas entrelinhas da narrativa. 
O irmão do fi lho pródigoO Incomparável Jesus Cristo
30 31 
Ele é mencionado duas vezes na abertura da cena. Primeiro, o versículo 11 nos 
informa que o pai tinha dois fi lhos, e segundo, no versículo 12 lemos que a sua 
parte da herança lhe é assegurada, porque o texto diz que o pai “lhes repartiu os 
haveres”. Teria ele também recebido a parte dos bens que lhe cabia? Talvez. Se 
esse foi o caso, os contornos do seu caráter começam a se delinear!
Quais foram as implicações da demanda do fi lho mais novo? Pelos pa-
drões culturais, sua atitude é completamenteabsurda. No contexto judaico ou 
helênico da época, seu pedido nem deveria ser considerado. Mais que uma 
afronta, tal pedido equivalia virtualmente a um desejo de morte do seu pai, 
como já mencionado anteriormente.
Nós esperaríamos que o irmão mais velho reagisse ao pedido do seu irmão 
mais novo de duas formas: primeiro, ele deveria recusar vigorosamente acei-
tar sua parte da herança, em protesto às implicações da demanda. Seu silêncio 
fortemente sugere que seu relacionamento com o pai também não é muito di-
ferente. Então, em segundo lugar, o ouvinte oriental esperaria que o irmão mais 
velho entrasse verbalmente na história e assumisse o seu tradicional papel de 
conciliador. Entre os orientais, o rompimento de relações era restaurado pela 
fi gura de uma terceira parte, que era sempre escolhida em termos de proxi-
midade de relacionamento com cada uma das partes envolvidas. Nesse caso, a 
função de conciliador caia naturalmente sobre ele, o primogênito, como parte 
do costume da comunidade (BAILEY, 1978, p. 168).
Seu silêncio signifi ca consentimento. O Talmude, a codifi cação das tradi-
ções judaicas, especifi ca que os fi lhos tinham a responsabilidade de reconcilia-
ção nas questões familiares. Mesmo que o fi lho mais velho odiasse seu irmão 
mais novo, ele deveria tentar a reconciliação por amor do seu pai. Mas esse fi lho 
permanece em silêncio. E seu silêncio deixa transparecer seu problema de rela-
cionamento com o pai. A essa altura, o suspeito passa a parecer culpado.
O fi lho mais velho sabe que o pedido do seu irmão é impróprio e dele se 
esperava no mínimo a recusa em partilhar de tal demanda, em clara afi rmação 
de lealdade ao seu pai. Mas, ao contrário, ele aceita a transação em silêncio 
e provavelmente se benefi cia dela. Signifi cantemente, os fi lhos mais velhos no 
Antigo Testamento são em geral descritos como mesquinhos, exteriormente or-
todoxos e hipócritas. Assim, torna-se fácil perceber no perfi l desse fi lho mais 
velho um quadro já visível nos versos iniciais.
Alguns intérpretes têm sugerido reformular o título da parábola e cha-
má-la de “a história dos dois fi lhos perdidos”. Há uma certo sentido nisso, 
porque se o fi lho mais novo estava perdido no “país distante”, o mais velho 
está igualmente perdido, mas em “casa”. Perdido por trás da fortaleza de sua 
religião, hipocrisia e justiça própria. Mas o título “os dois fi lhos” tiraria do en-
sino de Jesus o seu verdadeiro centro, pois o principal personagem da história 
não é nenhum dos dois fi lhos, mas o pai.
Lucas 15:25-32, apresenta a segunda metade da parábola. Essa seção, de 
certa forma, corresponde a uma repetição da primeira metade. Os detalhes são 
dessemelhantes, mas em natureza essencial as duas partes se completam.
A segunda parte da parábola
É na última cena que o verdadeiro caráter do fi lho mais velho se torna evidente. 
O texto (v. 25), bem no estilo de Lucas, extremamente observador quanto aos deta-
lhes importantes, informa que ele vem do trabalho e, mais tarde, é o trabalho que 
ele usa como evidência dos seus méritos. Esse fi lho vive exteriormente com seu pai 
e o serve também exteriormente. Interiormente, porém, ele está tão distante quanto 
o irmão e sua condição talvez seja pior, uma vez que ele não tem consciência dela.
A tragédia daqueles que são representados pelo filho mais velho na pa-
rábola é mais sutil, pois eles se escudam sob a inconsciência da culpa. Eles 
não só esperam, mas reclamam recompensa com base nos méritos próprios, 
enquanto estão alienados de Deus. Na verdade, estão mais longe de Deus. 
Na história de Jesus, não temos nos dois fi lhos duas categorias: um culpado 
porque saiu de casa e outro justo porque fi cou. Apenas há culpados aqui: o fi lho 
mais moço, a quem o pai aceita e perdoa a culpa, e o fi lho mais velho, que não 
tem consciência de sua distância do pai.
Ao se aproximar de casa (Lc 15:26), ele ouve os sons do festejo. Um fi lho em 
relacionamento normal com sua família entraria imediatamente em casa, ansio-
Alguns intérpretes têm sugerido 
reformular o título da parábola e 
chamá-la de “a história dos dois 
fi lhos perdidos”. Há uma certo 
sentido nisso, porque se o fi lho 
mais novo estava perdido no 
“país distante”, o mais velho está 
igualmente perdido, mas em “casa”.
O irmão do fi lho pródigoO Incomparável Jesus Cristo
32 33 
so por juntar-se à celebração, qualquer que fosse a razão. Mas esse fi lho, não! 
Ele recusa entrar e exige uma explicação. A resposta do servo é cuidadosamente 
elaborada. Ele informa que o seu irmão que estivera fora havia retornado e que 
seu pai estava dando uma festa porque o jovem voltara são e salvo. Note que a 
ênfase novamente é colocada nos sentimentos e atitudes do pai. A nossa habi-
lidade de nos regozijar pelo retorno do perdido mede a sinceridade de nossa 
profi ssão de entender e conhecer a Deus.
Segundo o versículo 28, o fi lho mais velho não se interessa por aquilo que 
está no coração do seu pai, sua preocupação se centraliza nele próprio. O fi lho 
mais velho refl ete sobre a questão e resolve fi car do lado de fora. O costume 
exigia sua presença. Em semelhante banquete, o fi lho mais velho tinha uma po-
sição particular e semi ofi cial. A cultura esperava que ele se movimentasse entre 
os convidados, cumprimentando-os, e certifi cando-se de que nada faltava a eles. 
Dele se esperava que entrasse, abraçasse seu irmão, apresentasse publicamente 
as boas vindas e se congratulasse com o seu pai pelo retorno do irmão mais 
novo. As reclamações poderiam ser tratadas depois que todos saíssem.
O fi lho mais velho, entretanto, escolhe humilhar o seu pai publicamente, 
discutindo a questão enquanto os convidados estão presentes. O pai preparara 
um banquete, o que implica na presença de todas as pessoas importantes da vila. 
Assim, a ira do fi lho mais velho é um público desacato. O costume oriental, que 
coloca alta consideração na autoridade do pai, torna a atitude insolente desse 
fi lho um vexame. Se no início da parábola é o fi lho mais novo que rompe as 
relações com o pai, agora é o fi lho mais velho que o faz.
Novamente o pai vem para fora, pela segunda vez no mesmo dia, ofere-
cendo em pública humilhação uma demonstração de inesperado amor. Aqui 
também o pai vem para fora, não menos ansioso pelo filho mais velho do 
que quando saíra pelo filho mais novo. Ele sai, mas não para repreender esse 
filho, como se poderia esperar.
Entramos aqui no clímax da segunda parte da história. “Saindo, porém, o 
pai, procurava conciliá-lo” (Lc 15:28). Ao contrário de uma confi ssão, o fi lho 
mais velho faz uma dupla queixa. Note em primeiro lugar que ele se dirige ao 
seu pai sem usar nenhum título, nenhum tipo de tratamento respeitoso. Títulos 
são utilizados ao longo da narrativa até este ponto. Entretanto, na queixa regis-
trada nos versos 29 e 30 notamos a ausência de qualquer indicação de respeito.
O fi lho mais velho demonstra a atitude e o espírito de um escravo, não 
de um fi lho. “Olha, tenho trabalhado como um escravo há tantos anos.” Aqui a 
máscara cai completamente, revelando a distância do seu coração. O pai pen-
sara que tinha um fi lho, mas para o fi lho mais velho a casa do pai equivalia à 
escravidão. Ele tem vivido na casa com o espírito de escravo, não com a familia-
ridade de um fi lho. Para ele, um cabrito lhe era devido em pagamento por causa 
dos seus serviços. Sua atitude é clara: “eu tenho trabalhado, onde está a minha 
recompensa?” Ele refl ete a atmosfera de uma disputa por salário. Como o seu 
irmão mais novo, no início da história, ele demonstra mais interesse nas posses 
do seu pai do que no próprio pai.
Ele insulta o pai publicamente e ainda é capaz de afi rmar que nunca havia 
transgredido um mandamento dele (Lc. 15:29). Ironicamente, o fi lho mais ve-
lho viola o mandamento da honra devida aos pais precisamente na reivindica-
ção de que observava os mandamentos. Ele se considera justo e, portanto, não 
necessita de arrependimento. Essa é a tragédia do legalismo.Esse é o espírito do 
farisaísmo, dos noventa e nove justos que não necessitam de arrependimento. 
Em sua arrogância, ele é capaz de afi rmar que nunca transgrediu o mandamen-
to do seu pai, mas sua obediência é mera questão de formalismo exterior. Essen-
cialmente ele reclama que o pai recompensa o que não merece e negligencia o 
diligente. A questão não é tanto a generosidade do pai, mas o objeto dela. O pai, 
na sua compreensão, recompensa a pessoa errada!
A diferença entre ele e o seu irmão mais novo é que aquele demonstrou re-
beldia ao partir de casa em direção ao país distante. O fi lho mais velho é rebelde 
no coração, enquanto permanece dentro de casa. A rebelião do fi lho mais novo 
foi evidente em sua decisão de deixar a casa do pai, mas a rebelião e alienação 
do mais velho é mais sutil, uma vez que ela atua no interior, invisível aos olhos.
Ele acusa seu pai de favoritismo e nega qualquer favor estendido a ele, 
mesmo o que ele merecia. Ao anunciar sua noção de alegria (“nunca me deste 
um cabrito para alegrar-me com os meus amigos” (Lc. 15:29)), ele revela que 
alegria para ele se resume em divertir-se na companhia dos amigos. A recupera-
Novamente o pai vem para fora, pela 
segunda vez no mesmo dia, oferecendo 
em pública humilhação uma 
demonstração de inesperado amor. 
Aqui também o pai vem para fora, não 
menos ansioso pelo fi lho mais velho do 
que quando saíra pelo fi lho mais novo.
O irmão do fi lho pródigoO Incomparável Jesus Cristo
34 35 
ção do seu irmão, não signifi ca nada para ele. Ele deseja organizar a sua própria 
festa e fruir a sua própria concepção de alegria, a qual não inclui o seu pai ou 
seu irmão. Emocionalmente, a sua comunidade está lá fora, entre os amigos. 
Virtualmente, esse fi lho declara não ser parte da família. Assim, ele não é me-
lhor do que irmão mais novo. A diferença entre eles é que o mais novo é “um 
pecador confesso”, enquanto o mais velho é “um santo hipócrita”. Ele permane-
ceu em casa enquanto alienado do seu pai.
O fi lho mais velho recusa considerar o pródigo, seu irmão, limitando-se a 
referir-se a ele como “este teu fi lho”, negando, assim, qualquer relacionamento 
com seu irmão ou com o seu pai. Ele ataca seu irmão e o acusa de desperdiçar 
os bens do pai com as meretrizes. Mas como ele sabe? Provavelmente porque 
isso é precisamente o que ele faria. Aparentemente, sua tese é a de estabelecer 
que seu irmão mais novo caiu na categoria de um fi lho rebelde e, sendo esse o 
caso, deveria ser apedrejado de acordo com a lei (Dt 21:18-21). Em suma, seu 
discurso é uma extravasão de rancor e rebelião reprimidos.
Como o seu pai responde, diante de tal cena?
A festa certamente havia parado. A música e a dança haviam cessado e 
pesado silêncio tomara o ambiente. Os convidados esperavam uma violenta re-
ação paterna. Contudo, pela segunda vez no dia, o pai se humilha. Sua resposta 
explode em profundo amor. O pai poderia silenciar o fi lho. Fazê-lo entrar, se ne-
cessário com a ajuda de alguns servos, caso sua autoridade não fosse sufi ciente. 
Ele poderia humilhar o fi lho e obrigá-lo a assumir sua função na festividade. 
Mas o que ele ganharia com isso? Ele já tem um escravo na pessoa desse fi lho.
O pai esquece a omissão de um tratamento respeitoso, a amargura, a 
arrogância, o insulto, a distorção dos fatos e as acusações injustas. Não en-
contramos em sua resposta nenhuma crítica ou rejeição. Em agudo contraste 
com o fi lho mais velho, ele começa com um título afetivo: “fi lho”. A língua 
portuguesa aqui não captura a profunda afeição envolvida no termo grego 
utilizado. A conciliatória palavra “fi lho” é extraordinariamente signifi cativa à 
luz do amor rejeitado que o pai tem que tolerar.
As palavras fi nais, registradas nos versos 31 e 32, são palavras que procedem 
do coração ferido, porque esse pai ansiava ter a alegria completa e ver seus dois 
fi lhos em sua casa, na sua festa de celebração. O pai afi rma que os direitos do seu 
fi lho mais velho estão plenamente garantidos, mesmo quando a graça foi esten-
dida ao pródigo. “Tudo o que é meu é teu.” O retorno do seu irmão não afeta em 
nenhum grau a sua posição. Extraordinárias palavras: “Tudo o que é meu é teu.”
De forma sutil, o pai observa que a categoria de servo expressa por seu 
filho é inapropriada para o relacionamento deles. O filho dissera: “há tantos 
anos sou teu servo […] e nunca me deste um cabrito sequer” (Lc 15:29). 
O pai responde: “tu és o herdeiro e nesta posição tudo já lhe pertence” 
(Lc 15:31). Gentilmente, o pai o lembra de que o pródigo é seu irmão, e de 
que ele deveria agir como parte da família.
A inesperada oferta de amor diante do ato de pública humilhação tem 
sua contrapartida na cruz. O Deus descrito por Jesus na parábola transcende 
o mesquinho, vingativo e autoritário deus de nossa própria criação. O Deus 
de Jesus não necessita possuir nada, nem controlar ninguém. O que Ele tem, 
Ele oferta, e para Ele, a única resposta satisfatória é aquela que brota do amor. 
Livre e espontaneamente. Entretanto, na oferta de amor do pai e na resposta 
do fi lho mais velho, nos encontramos mais uma vez com o ponto fraco do 
amor: o amor pode ser rejeitado!
Embora a parábola represente os fariseus e os publicanos, a real identi-
fi cação é muito mais profunda. Jesus, em última análise, está discutindo dois 
tipos básicos de pessoas. Um que vive fora da lei, sem a lei, e outro que vive 
sem lei, mas “dentro da lei.” Um que está perdido por ser “mau”. O outro que 
está perdido por ser “bom”, “muito bom”. A lei está presente na parábola. O fi -
lho mais novo a transgride, o mais velho a “guarda”. Ironicamente, o fi lho mais 
velho representa aqueles que transgridem a lei por “guardarem a lei”. Se pecado 
é apenas “transgressão da lei”, eles não se sentem pecadores, por que “guardam 
A inesperada oferta de amor diante do 
ato de pública humilhação tem sua 
contrapartida na cruz. O Deus descrito 
por Jesus na parábola transcende o 
mesquinho, vingativo e autoritário 
deus de nossa própria criação. O Deus 
de Jesus não necessita possuir nada, 
nem controlar ninguém. O que Ele 
tem, Ele oferta, e para Ele, a única 
resposta satisfatória é aquela que 
brota do amor.
O irmão do fi lho pródigoO Incomparável Jesus Cristo
36 37 
todos os seus mandamentos.”
Mas ambos são pecadores e rebeldes. O mais novo é culpado de sua injus-
tiça e o mais velho é culpado por sua “justiça”. Ambos partem o coração do pai. 
Ambos terminam no país distante. Um fi sicamente, o outro emocional e espiri-
tualmente. O mesmo amor é demonstrado em humilhação em cada caso. Para 
ambos, o amor é crucial, porque só o amor pode transformar servos em fi lhos. 
Não temos na parábola a ideia de que um fi lho é tratado com favoritismo e o ou-
tro repudiado. O mesmo amor paterno estende a ambos o privilégio da fi liação.
Perceptivamente, Ellen G. White (2004, p. 209) observa:
Foi levado o irmão mais velho a ver seu espírito mesquinho e ingrato? 
Chegou a reconhecer que embora o irmão tivesse agido impiamente, 
era ainda e sempre o seu irmão? Arrependeu-se o irmão mais velho 
de seu amor próprio e dureza de coração? Com referência a isso, Jesus 
guardou silêncio. A parábola ainda não terminara e restava que os ou-
vintes determinassem qual seria o epílogo.
Ellen G. White, claro, tem ampla percepção da audiência original da pará-
bola e seus desdobramentos ao longo da história. “Pelo irmão mais velho foram 
representados os impenitentes judeus contemporâneos de Cristo, como tam-
bém os fariseus de todas as épocas, que olhavam com desprezo aqueles que 
consideravam publicanos e pecadores (WHITE, 2004, p. 209).
O irônico na história de Jesus é que também corresponde a uma séria 
advertência às vítimas do legalismo religioso, os “justos” dentro da igreja, que 
se julgam merecedores de recompensa especial por seus atos de justiça própria. 
É quando a cortina desce sobre esse drama que encontramos uma poderosa 
inversão. O fi lho mais novo, que estava fora, termina dentro dacasa do pai. O 
mais velho, que pretendia estar dentro, permanece fora. A parábola chega a 
uma conclusão inimaginável. Deliberadamente, Jesus deixa o irmão mais velho 
em seu estado alienado. O fi lho mais novo, “o mau caráter” da história, entra na 
festa do seu pai, enquanto o fi lho “bom” permanece fora. Podemos quase ouvir 
o pigarro dos fariseus quando a história termina com essa completa inversão de 
tudo aquilo que eles haviam aprendido e ensinado!
Para ponderar
Para quem o ensino de Jesus nessa parábola é dirigido? Primariamente 
para os escribas e fariseus. É em resposta à atitude deles, criticando o fato de 
Jesus receber “pecadores”, que Ele inicia a história dos dois fi lhos. A parábola 
provê uma visão ampla da alma do fi lho mais velho e termina com um podero-
so apelo para que ele também mude seu coração.
Do lado de quem Jesus está? Em termos concretos, do lado de ninguém, 
porque, na realidade, ninguém está completamente do seu lado. Contudo, nos 
evangelhos (particularmente no Evangelho de Lucas), aqueles que eram estra-
nhos ao mundo religioso e às suas observâncias moralistas nos dias de Cristo 
foram especialmente atraídos ao Salvador.
Nos casos em que Jesus se encontra com alguém religioso e um excluí-
do sexual, como em Lucas 7 (a pecadora que lava e perfuma os seus pés), ou 
com um religioso e uma pessoa marginalizada por racismo, como em João 3 
e 4 (Nicodemos e a mulher samaritana), ou ainda com um religioso e alguém 
socialmente excluído, como em Lucas 19 (Zaqueu), são as pessoas excluídas e 
marginalizadas da religião que mais facilmente se conectam com Cristo. Aque-
les simbolizados pelo irmão mais velho, os representantes da religiosidade, per-
manecem afastados e distantes. Não é por acaso que aos respeitáveis líderes 
religiosos dos seus dias, Jesus dirige um poderoso julgamento: “publicanos e 
meretrizes vos precedem no reino de Deus” (Mt 21:31).
Os ensinos de Cristo consistentemente atraíram os não religiosos, os que 
pertenciam à “prateleira de baixo” do judaísmo, enquanto ofenderam a religio-
sidade de muitos dos “santos” de então. A razão para tal ofensa é que Jesus 
redefi niu tudo o que os fariseus (tanto os antigos como os modernos) pensavam 
e sabiam acerca da conexão com Deus. Ele redefi niu a noção de pecado e tam-
bém o que signifi ca estar perdido e ser salvo.
O irmão mais velho se orgulha diante do pai de nunca haver quebrado ne-
nhum dos seus mandamentos, portanto não há nele verdadeira consciência de 
pecado. Pecado, para os “irmãos mais velhos” é basicamente falhar em guardar 
Podemos evitar a Jesus como 
Salvador, enquanto guardamos todas 
as regras, simplesmente porque as 
regras passam a funcionar como um 
salvador substituto.
O irmão do fi lho pródigoO Incomparável Jesus Cristo
38 39 
uma lista de regras de conduta, enquanto que a defi nição de pecado de Jesus 
vai muito além de mero desempenho humano exterior. Podemos evitar a Jesus 
como Salvador, enquanto guardamos todas as regras, simplesmente porque as 
regras passam a funcionar como um salvador substituto. Muitas pessoas religio-
sas correm esse sério risco. Passam a confi ar em sua “obediência”. Concentram-
-se na lista do “faça e não faça” e, dessa forma, se tornam orgulhosos do seu 
desempenho, julgando ter controle sobre Deus.
É obvio que a confusão sobre a noção de pecado engendra, além de 
confusão sobre a salvação, espírito de comparação competitiva como a prin-
cipal maneira pela qual “irmãos mais velhos” alcançam o seu senso de signi-
ficado e superioridade espiritual.
Em Romanos 14:23, a revelação define pecado em termos de relaciona-
mento e motivação: “tudo o que não provém de fé é pecado.” Isso vai muito 
além de todas as regras que podemos observar exteriormente. A questão 
não é apenas o que fazemos, mas por que fazemos! Dessa forma, mesmo 
uma pessoa que virtualmente não viola nenhum dos mandamentos na lista 
do “mau comportamento” pode, como o filho mais velho da parábola, estar 
espiritualmente perdido, tanto quanto os imorais, condenados por eles. Por 
quê? Porque confiam neles mesmos como salvador, senhor e juiz, em vez de 
confiar na pura graça de Deus.
Membros da igreja com a “síndrome do irmão mais velho”, justos e su-
periores aos seus próprios olhos, na idolatria das formas sem essência e exi-
gentes, se tornam frios, acusadores e julgadores de todos os outros que não 
alcançam o seu “padrão” de justiça própria. Provavelmente, a atitude deles 
tem sido responsável pelo fato de muitos “irmãos mais novos” deixarem a 
casa do Pai. E certamente eles se tornam um grande obstáculo para o retorno 
desses. Contudo, os “irmãos mais velhos” se tornam obstáculo ainda maior 
para aqueles que nunca conheceram a casa do Pai, cuja impressão que têm 
dela é inteiramente negativa face ao moralismo patológico e “santidade” vazia 
daqueles que dizem conhecer a Deus.
Os “irmãos mais velhos” da igreja facilmente se tornam irados com 
aqueles que discordam deles e, em sua defesa, passam a citar seu desempenho. 
Como os fariseus dos tempos de Jesus, eles “dizimam o endro, o cominho 
e a hortelã” em termos do perfeccionismo atual, escorado em uma enorme 
quantidade de textos de Ellen G. White, lidos equivocadamente. Esquecem-
-se, porém, de que “o cristão está no mundo como representante de Cristo, 
para a salvação dos outros” e que “na vida que se centraliza no eu não pode 
haver crescimento nem frutifi cação” (WHITE, 2004, p. 67 e 68). Esquecem-se, 
ainda, de que é “recebendo o Espírito Cristo — o espírito de amor abnega-
do e do sacrifício por outrem […] [que] mais e mais refl etirão a semelhança 
com Cristo.” (WHITE, 2004, p. 68). Assim, o caráter de Cristo se reproduzirá 
perfeitamente em seu povo, não por obediência legalista e perfeccionismo 
enfermo, mas pelo amor e pelo serviço abnegado. Só “então [Cristo] virá para 
reclamá-los como seus” (WHITE, 2004, p. 69).
3CAPÍTULO
O F a r i s e u e o 
P u b l i c a n o
“Os que têm a mais profunda experiência nas coisas de Deus são os 
que estão mais longe do orgulho e da presunção”.
Ellen G. White
“Quando um homem está se tornando verdadeiramente melhor, 
ele entende mais e mais claramente o mal que ainda permanece 
nele. Quando um homem está se tornando pior, menos e menos ele 
entende sua própria malignidade.”
C. S. Lewis
O Fariseu e o Publicano
43 
Propôs [Jesus] também esta parábola a alguns que confi avam em si 
mesmos, por se considerarem justos, e desprezavam os outros: Dois 
homens subiram ao templo com o propósito de orar: um, fariseu, e o 
outro, publicano. O fariseu, posto em pé, orava de si para si mesmo, 
desta forma: ‘Ó Deus, graças te dou porque não sou como os demais 
homens, roubadores, injustos e adúlteros, nem ainda como este pu-
blicano; jejuo duas vezes por semana e dou o dízimo de tudo quanto 
ganho.’ O publicano, estando em pé, longe, não ousava nem ainda 
levantar os olhos ao céu, mas batia no peito, dizendo: ‘Ó Deus, sê 
propício a mim, pecador!’ Digo-vos que este desceu justifi cado para 
sua casa, e não aquele; porque todo o que se exalta será humilhado; 
mas o que se humilha será exaltado (Lc 18:9-14).
Jesus era mestre em arrancar máscaras e destruir pretensões infundadas. 
Desde os seus dias, os pretensiosos de todas as épocas têm encontrado nele o 
poderoso desafi o de se ver como na verdade são, sem os corretivos cosméti-
cos dos quais tanto gostamos. O “serviço”, a “santidade”, a “perfeição” e a “jus-
tiça” baseados em distorcidas avaliações próprias enfrentam o seu devastador 
contra-ataque. E isto porque Jesus sabe que se existe alguma esperança para as 
vítimas de ilusões patológicas sobre si mesmos, essa tem que ver com o chama-
do dele para que se enxerguem sob ótica realista.
O grande problema com a mentira (e a pior forma de mentira é aquela que 
nos engana a nosso respeito) é que quanto mais repetida, ela cria enormes raízes e 
passa a se transformar em verdade, na nossa verdade. Dessa forma, a probabilidade 
de restauração torna-se praticamente impossível.Por outro lado, aqueles que ge-
nuinamente passam a ver sua verdadeira condição já estão parcialmente curados!
Autoimagem negativa, bem como sentimento crônico de culpa e inferiori-
dade, são distorções associadas com inúmeras atitudes doentias. Por outro lado, 
contudo, menos criticado ou avaliado é o outro extremo destes comportamen-
tos. Complexo de superioridade e autoavaliação infl acionada de justiça própria 
geram outras formas de males, em última análise até mais sérios e sutis, menos 
discutidos, menos vistos e de cura mais difícil. Tais atitudes frequentemente são 
vistas como “autoimagem positiva”, passando-se, assim, por virtudes. Na cultura 
O Fariseu e o PublicanoO Incomparável Jesus Cristo
44 45 
em que Cristo viveu (o judaísmo do primeiro século), a autoimagem, em gran-
de medida, passou a ser determinada pelo desempenho religioso. Os fariseus 
não tinham rival em “autoestima positiva”. Ninguém poderia amá-los mais do 
que eles se amavam. Eles eram como Edith, na descrição do novelista (CAR-
ROL, 2006, p. 16): “Edith estava cercada no leste, oeste, norte e sul por Edith.”
A história de Jesus nesta parábola, como Ele costumeiramente faz, coloca 
em contraste duas fi guras clássicas dos seus dias1. Em geral, fazemos um julga-
mento negativo nos fariseus, considerando-os como consumados hipócritas, e 
facilmente os condenamos ao apedrejamento privado. Sem dúvida, os fariseus 
aparecem como vilões nas narrativas dos Evangelhos. Eles são descritos como 
cheios de justiça própria, cobiça, inveja e hipocrisia. As ocasionais exceções não 
afetam essa imagem dominante que deixaram. Eles eram os atores dos dias de 
Jesus. As megacelebridades religiosas. Quem poderia competir com eles?
Contudo, esse não é o quadro completo. Longe de ser apenas modelos de 
falsa piedade, corrompidos por justiça própria e orgulho, os fariseus represen-
tavam também um modelo de piedade e virtude, dignos do padrão que eles 
haviam estabelecido. Os fariseus não formavam um corpo separado, como uma 
denominação. Ao contrário, eles permeavam todo o judaísmo. O grupo era 
unido por severas regras de conduta. O farisaísmo era um tipo de irmandade 
exclusiva, evitando contato com aqueles que eram considerados imundos ou 
desobedientes à lei. O ideal religioso deles era cumprir a integridade da Torah 
(as leis do Pentateuco), e aplicar os detalhes legais a cada aspecto da vida diária 
(alimento, associação na mesa de refeições, jejum, oração, guarda do sábado, 
sacrifício, dízimo e ofertas, nascimento e funeral). De fato, os fariseus não eram 
o pior, mas o melhor que o esforço humano podia produzir. Embora não fossem 
muitos. em número, eles formavam um corpo religioso de extremo poder.2
1 Em várias de suas histórias e nos seus ensinos, encontramos o contraste entre duas 
fi guras: os dois fi lhos (Lc 15:11), os dois devedores (Lc 7:41), os dois construtores (Mt 
7:24-27), dois caminhos (Mt 7:13,14) dois senhores (Mt 6:24) etc. 
2 Flavio Josefo, o historiador judeu do primeiro século, descreve os fariseus de ma-
neira que coincide com as impressões que extraímos dos Evangelhos. Ele fala de um 
corpo de judeus que professava ser mais religioso do que o resto da nação, explicando as 
leis mais detalhadamente, e que se orgulhava do seu zelo, pela exata interpretação delas 
(Guerra Judaica II.VIII.14; Antiguidades XVIII.13). O Talmude reconhece a existência 
de vários tipos de fariseus e faz diferença entre sete grupos deles, caracterizando-os 
com adjetivos descritivos que os expunham ao ridículo: 1) os fariseus do tipo “espere-
-um-pouco”: os que sempre encontravam uma desculpa para adiarem uma boa ação; 
2) os do tipo “machucado e sangrento”: para evitar olhar para uma mulher, fechavam 
O problema teológico da atitude dos fariseus em busca pessoal de acei-
tação diante de Deus é que ela passava a desconsiderar a graça divina, ou 
mesmo a vê-la como supérflua. O que Jesus condena não é tanto a busca 
da justiça, mas o tipo de justiça que se isola da oferta de graça. Uma justiça 
falsa, que se torna um método de salvação, e que, ao mesmo tempo, des-
considera a profundidade e gravidade do pecado. Este é o problema do per-
feccionismo, antigo e atual. Visão errada do pecado e, consequentemente, 
visão errada da graça. A grande ironia no ensino paulino presente no início 
da carta aos Romanos é que, se por um lado, os gentios estão sob a ira de 
Deus por sua injustiça (Rm 1:18-32), por outro, a religiosidade judaica é 
condenada tanto pelo pecado quanto por sua justiça (Rm 2:1–3:18). E assim, 
a conclusão é a de que todos estão debaixo da condenação da ira de Deus 
(Rm 3:9-19): injustos e “justos”.
Os fariseus eram obcecados pela perfeição religiosa. “Perfeccionistas” 
inveterados, absorvidos por uma enorme e exaustiva quantidade de detalhes 
externos de práticas piedosas, em si mesmas até louváveis. Entre eles encon-
tramos homens como Nicodemos e Saulo de Tarso, o posterior apóstolo aos 
gentios. Paulo, depois de seu dramático encontro com Cristo, descreve sua 
experiência passada de maneira reveladora e quase pungente: “se qualquer 
seus olhos e tropeçavam e caíam, machucando-se e sangrando; 3) o tipo de fariseus que 
usavam “ombreiras”: suas boas ações eram ostentadas nos ombros, onde todos podiam 
ver; 4) os do tipo “corcunda”: caminhavam curvados, demonstrando humildade; 5) os 
do tipo “contador”: contando continuamente suas boas ações para fazer o balanço dos 
seus atos; 6) os fariseus “tementes a Deus”, que se portavam como amedrontados e ater-
rorizados por Deus, e, fi nalmente, 7) aqueles que “amam a Deus”, ou seja, os que eram 
verdadeiros fi lhos de Abraão e, portanto, genuínos fariseus.
Eque qui poerdius An Itas ad facit. Ad 
condeli caverum tandienam la prit. 
Batorun traequi ssedessil hici publius 
dero ut aucondam notiaelaris foriciis? 
Endam quitrum pes Multuroxim 
Romnemo ritustorum tervirmilis atum.
O Fariseu e o PublicanoO Incomparável Jesus Cristo
46 47 
outro pensa que pode confi ar na carne, eu ainda mais: circuncidado ao oitavo 
dia, da linhagem de Israel, da tribo de Benjamim, hebreu de hebreus; quanto 
à lei, fariseu, quanto ao zelo, perseguidor da igreja; quanto à justiça que há na 
lei, irrepreensível” (Fp 3:4-6). Paulo foi curado, por uma radical transforma-
ção na maneira pela qual, como fariseu, ele se via.
Não é de admirar que na introdução da parábola somos informados 
pelo comentário editorial de Lucas que Jesus “propôs também esta parábola 
a alguns que confiavam em si mesmos, por se considerarem justos, e des-
prezavam os outros” (Lc 18:9). A confiança dos fariseus era baseada neles 
próprios. Essa é a característica comum de todo sistema de autoestima cen-
tralizado nos homens e na dependência deles. A história de Jesus refere-se 
a dois relacionamentos truncados: primeiro, o relacionamento confuso com 
Deus; segundo, o resultado natural desse engano, o relacionamento distor-
cido consigo e com os outros.
Todos necessitamos de autoimagem positiva, contudo é necessário enten-
der claramente que existe uma diferença crucial entre a autoimagem baseada 
em nossa própria avaliação, em nossas realizações e desempenho, e a autoi-
magem positiva baseada em Deus e no valor que Ele nos atribui. Neste caso, a 
autoimagem realista se coloca acima de complexos, quer de inferioridade ou 
de superioridade, porque passamos a depender da revelação sobre quem real-
mente somos como criaturas de Deus. Por um lado, pecadores, mas por outro, 
objetos do infi nito amor e da graça de Deus, que “não faz acepção de pessoas” 
(At 10:34). O resultado pode parecer ambivalente, mas em última análise e a 
única solução fi nal para uma percepção realista de nós mesmos.3
A oração do “justo”
O autor da carta de Tiago escreve que “muito pode, por sua efi cácia, a 
súplica do justo” (Tg 5:16). Na parábola do fariseu e do publicano, Jesus fala 
sobre a oração de um outro tipo de “homem justo”, afetado por seu próprio 
julgamento. Por que? Parece que para Jesus existe uma justiça que excluia vida 
proveniente da graça de Deus. O farisaísmo era a presunção religiosa em frontal 
oposição à graça. Bons cidadãos, bons vizinhos, excelentes membros da igreja, 
colunas da comunidade, observadores meticulosos das regras e exigência, mas 
tudo isso na busca da santidade em termos de estilo de vida, o que em última 
3 O psicólogo cristão Paul Tournier (1985) escreveu um livro extraordinário sobre tal 
ambivalência: Culpa e Graça: uma análise do sentimento de culpa e o ensino do evangelho.
instância não acrescenta absolutamente nada para a salvação em Cristo. O le-
galismo é incrivelmente ingênuo, porque subestima os efeitos do pecado nos 
seres humanos. Como corretamente observado por Richard Rice (1997, p. 243), 
“mais do que ingênuo, [o legalismo] é diretamente pecaminoso. Ele surge da 
orgulhosa pressuposição de que seres humanos caídos, neles próprios, podem 
merecer o favor divino, quando nada poderia estar mais longe da verdade.”
O fariseu da história de Jesus vem ao templo e, em pé, passa a orar com 
fervor, separado de outros adoradores. Mas Jesus, num diagnóstico simples, 
desmascara sua pretensão. Ele orava consigo, acerca de si mesmo ou para si 
mesmo. A oração, que deveria ser primariamente centralizada em Deus, acima 
da idolatria das formas, no intuito de se buscar a essência, aqui se centraliza no 
ser humano. Ele ora para si e não para Deus. Nas suas palavras faltam expres-
são de louvor, agradecimento genuíno ou verdadeira adoração. Tal oração se 
apresenta sem qualquer preocupação verdadeira com aquilo que Deus é ou faz.
Sua oração é apenas uma forma de autocongratulação. Com as mãos le-
vantadas, ele apenas dá “tapinhas” de reconhecimento pessoal em suas próprias 
costas. Embora ele agradeça a Deus por “não ser como os demais homens”, apa-
rentemente não há nenhum senso de estar na presença de Deus. Isso certamen-
te o poria em espírito contrito de reverência e submissão. Ele permanece de pé, 
convencido de que faz parte de uma classe especial, acima de todos os outros.
O fariseu tem tudo documentado, preto no branco, e a lista é impressiva! 
Ele, entretanto, não está impressionado por aquilo que ele é comparado com 
Deus, mas com o que ele é comparado com os outros, descritos como “rouba-
dores”, “injustos”, “adúlteros” e “coletores de impostos”. Ele não se concentra 
em falar o que é, mas o que ele não é. Sua personalidade é negativa. É claro que 
qualquer um descrevendo o que ele não é, pode gastar muito tempo discursan-
do. Sua oração poderia impressionar os membros de sua sociedade religiosa. 
Se o Antigo Testamento requeria cinco dias de jejum por ano, ele jejuava duas 
vezes por semana. Se o dízimo era requerido das rendas, ele dizima tudo o que 
possui. Estas eram a marca de sua piedade: os fariseus faziam muito mais que o 
Por um lado, pecadores, mas por 
outro, objetos do infi nito amor e da 
graça de Deus, que “não faz acepção 
de pessoas” (At 10:34)
O Fariseu e o PublicanoO Incomparável Jesus Cristo
48 49 
exigido, e se orgulhavam disto!
Jesus não sugere que as reivindicações do fariseu sejam mentira. O seu 
problema é um infl acionado conceito de si por um lado, e, por outro, um de-
fl acionado conceito de Deus. Ele, em última análise, não estava na presença de 
Deus. Ele ora para si mesmo, cercado no leste, oeste, norte e sul, por ele mesmo. 
Este ator do primeiro século poderia concordar com Joseph Kennedy, que cos-
tumava dizer aos seus fi lhos: “o que você é, não é nem de perto tão importante 
como aquilo que você parece ser.” Mas esta é a ética dos políticos, em aberta 
negação da ética cristã e bíblica.
O publicano
O que está errado com a oração do fariseu? Ela poderia até ser conside-
rada sincera e verdadeira. Ele andou a segunda milha no cumprimento da lei. 
A falha da sua oração, contudo, torna-se aparente apenas em contraste com a 
súplica do coletor de impostos.
O outro personagem, segundo Jesus, também veio ao templo para orar. 
Sua reputação é o extremo oposto em relação à do fariseu. A palavra publicano, 
no português, vem do latim publicanus, que signifi cava “um ofi cial romano de 
impostos”. O termo sofreu ao longo do tempo desdobramentos semânticos e 
históricos. Assim, os homens que encontramos nos evangelhos como publica-
nos eram geralmente judeus a serviço de Roma. Eles eram apenas agentes me-
nores do sistema, contudo, ainda assim odiados pela população. Para a nação 
escolhida, os coletores de impostos eram o último elo de uma corrente intolerá-
vel. A maioria dos judeus cria que os publicanos haviam desertado o judaísmo 
para servirem os odiados romanos.
O estigma acrescentado pelos judeus a essa desprezada atividade é ilus-
trado pelo tipo de pessoas geralmente associado com os coletores de impostos, 
nas fontes judaicas. Na Mishnah, por exemplo, eles aparecem ligados a ladrões, 
cambistas, gentios e assassinos. Nos evangelhos, eles aparecem mencionados 
com as prostitutas (Mt 21:31), ladrões, trapaceiros, adúlteros (Lc 18:11) e pe-
cadores (Mt 9:11; Lc 19:7). De fato, os coletores de impostos tornaram-se si-
nônimo de pecadores (Lc 15:1).
Os publicanos não podiam ser membros da comunidade farisaica, e se 
um fariseu se tornasse coletor de impostos, ele era automaticamente expelido. 
Socialmente, os publicanos passavam a viver em ostracismo, privados mesmo 
de direitos civis, concedidos até aos bastardos. Não sendo político ou membro 
do clero, Jesus tornou-se amigo deles. E certamente Ele chocou o senso de de-
cência dos seus contemporâneos, chamando um coletor de impostos para ser 
um dos seus discípulos (Levi Mateus), e livremente se associando a coletores de 
impostos e partilhando refeições com eles.
Se o publicano da parábola de Jesus merecia a reputação do seu grupo 
profi ssional, não é declarado. Mas sua posição e comportamento revelam a 
atitude de alguém que ao mesmo tempo em que quer vir à presença de Deus, 
também se sente profundamente desqualifi cado para isso. Ele permanece à 
distancia, “longe” (Lc 18:13). Tão longe quanto possível do altar ou do lu-
gar onde o confi ante fariseu se havia posto. O fariseu se colocava separado a 
fi m de evitar contaminação. O publicano fi cou longe porque se sentia impuro. 
Seus olhos fi tam o chão, incapaz mesmo de levantar a cabeça. A linguagem 
do seu corpo revela culpa. Ele bate no peito num bem conhecido gesto de ar-
rependimento e tristeza.4 Ele age como se estivesse na presença da morte (Lc 
23:48). O publicano não tem nenhuma ilusão a respeito de si. Tudo a seu res-
peito fala de arrependimento e da plena falência humana. Aqui encontramos 
um homem sem qualquer pretensão a seu respeito.
Sua oração difi cilmente é uma prece, mas um grito do coração. Como 
Lutero, o grande reformador do século XVI, que no leito de morte foi ouvido 
dizer com frequência e em voz baixa, dirigindo-se ao Senhor: “ó Deus, tem 
misericórdia deste pecador fedorento.” O publicano não se dirigiu para o tem-
plo a fi m de lembrar a Deus dos seus méritos, mas para encontrar-se com Ele. 
Há um senso de desespero nesse personagem. Sem mencionar suas falhas, ele 
se limita a descrever a si próprio como um “pecador”. Não há em sua oração, 
nenhuma escusa, porque ele sabe que Deus não perdoa escusas, apenas pecados. 
Rejeitado pelos outros judeus, e condenado por si mesmo, ele faz a única oração 
que lhe resta — a súplica pela misericórdia de Deus. Ele implora a Deus em 
linguagem penitencial, aparentemente extraída do Salmo 51:1.
Jesus não permite que a parábola termine com as pontas soltas, para 
4 O costume judeu durante a oração era levantar os olhos (Jo 11:14; 17:1; Sl 121:1) e 
as mãos (Is 1:15), em direção ao céu. O senso de culpa do publicano, o impede de levan-
tar os olhos para o céu (Lc 18:13). 
Não há em sua oração, nenhuma 
escusa, porque ele sabe que Deus não 
perdoa escusas, apenas pecados.
O Fariseu e o PublicanoO Incomparável Jesus Cristo
50 51 
cada um extrair sua própria conclusão. Ele não deseja que haja qualquer 
confusão ou dúvida sobre sua mensagem.A inversão é estarrecedora e ines-
perada: “Digo-vos que este desceu justificado para sua casa, e não aque-
le” (Lc 18:14). O texto não diz que o publicano desceu “sentido-se justi-
ficado”, num tipo de “ficção legal”. Ele “desceu justificado”. “Justificar” ou 
“justificação” são grandes termos das Escrituras. Não significa primariamen-
te “fazer/tornar justo”, como no latim justificare, mas “declarar justo”, como 
no grego dikaiŏ. Aquele que é justificado é declarado (ato forense) justo pelo 
Juiz do Universo. Como é dito de Abraão, “Abraão creu em Deus, e isso lhe 
foi imputado para justiça” (Rm 4:3). Imputar, significa atribuir, creditar. Isto 
é, à conta falida do fariseu é creditada a enorme riqueza da graça de Deus. 
Jesus não está dizendo apenas que o coletor de impostos foi perdoado, mas 
justificado, colocado em correto relacionamento com Deus.
O que Jesus está dizendo é de profundo signifi cado e nos deveria fazer 
pensar seriamente. As pretensões humanas de justiça, nada signifi cam. Nossa 
lista de virtudes e práticas não tem qualquer mérito. Nossa folha de serviço 
nada vale para a nossa justifi cação. Jesus aqui inverte todo o sistema de valores, 
uma vez que, segundo as Escrituras, Deus não justifi ca os justos (Rm 4:5).
A justificação é impossível para os que estão confiantes em sua justiça 
própria, em seu desempenho religioso e mérito pessoal. Isso simplesmente 
porque aqueles que se sentem assim têm outra justiça que não a única que 
realmente é efetiva, aquela que é baseada na graça divina. Muitos religiosos 
podem ter autoimagem vigorosa e autoconfiança impressiva. Mas o pro-
blema é que tais noções estão construídas sobre o fundamento errado, e o 
resultado final é uma grande decepção.
O fariseu, na verdade, perdera o seu tempo construindo em fundamen-
to falso, “porque todo o que se exalta será humilhado” (Lc 18:14). Sua reli-
gião era vazia. Sua oração inútil, sua arrogância, uma tolice. A menos que 
nos prostremos em genuína atitude de humildade e absoluta dependência 
da graça, nosso caso está perdido diante do tribunal de Deus. Ele pode jus-
tificar apenas aqueles que nada têm a reclamar com base nos seus méritos. 
Nada a reivindicar, senão misericórdia.
A parábola não foi intencionada para nos oferecer uma fórmula de oração 
a ser usada perante Deus. O que Deus espera é atitude semelhante à do publi-
cano. Um coração sensível ao pecado sob a ação do Espírito, dependente intei-
ramente do dom gratuito de Deus. É aí que a salvação começa — em humilde 
aceitação do dom divino. Mas não é aí que a salvação termina. O espírito de fé 
e humildade que nos qualifi ca para a justifi cação torna-se o princípio ativo no 
crescimento cristão, na santifi cação e no serviço.
Longe de ser complexo de inferioridade, tal espírito é uma realística acei-
tação da avaliação divina da condição humana. Aquele que aceita a justiça de 
Cristo sabe que é um pecador, sem qualquer esperança em si. Mas, ao mesmo 
tempo, tem consciência de que, justifi cado pela graça, ele é exaltado por Deus à 
plena participação na família celestial. É apenas quando nos vemos pelo prisma 
divino que nossa autoimagem pode ser restaurada plenamente. Autoimagem 
positiva não é resultado da idolatria do eu, ou da autodeifi cação, mas da consci-
ência da soberania da graça de Deus.
Para ponderar
John T. Carroll (1996) menciona que quando foi pastor numa cidade do 
estado de Nova York, costumava colocar semanalmente uma frase no quadro 
externo de anúncios para chamar a atenção de pessoas que passavam pela frente 
da igreja. Em certa ocasião, a frase dizia: “Esta Igreja é apenas para pecadores.” 
No fi nal daquela semana, ele recebeu pelo correio uma carta na qual um mem-
bro anônimo escrevia indignado: “Eu estou chocado em saber que nossa igreja 
é apenas para pecadores. Eu tenho sido membro desta igreja por vinte e cinco 
anos e nunca percebi que eu estava no lugar errado e não era bem-vindo.” Na 
semana seguinte, o pastor Carroll escreveu no quadro de anúncios um texto 
bíblico: “Todos pecaram e destituídos estão da glória de Deus” (Rm 3:23).
A conclusão da parábola de Jesus deve ter estarrecido e irado os seus 
devotos ouvintes. Um piedoso judeu e um ganancioso publicano, acostu-
mado a extorquir os outros, sobem ao templo para orar, mas é o último que 
desce justificado. Qual o problema? O fariseu procurou estabelecer a sua 
Aquele que aceita a justiça de Cristo 
sabe que é um pecador, sem qualquer 
esperança em si. Mas, ao mesmo 
tempo, tem consciência de que, 
justifi cado pela graça, ele é exaltado 
por Deus à plena participação na 
família celestial.
O Fariseu e o PublicanoO Incomparável Jesus Cristo
52 53 
justiça própria (Rm 10:3) e, portanto, perdeu de vista a justiça divina (Rm 
9:30, 31). O coletor de impostos, não tendo nada do que se gloriar perante 
Deus (Rm 4:2), confiou naquele que “justifica o ímpio” (Rm 4:5).
O escândalo da graça, expresso nessa história de dois homens em oração, 
é que o “justo” não está mais perto de Deus (como ele poderia pensar), do que 
os injustos que reconhecem a presença divina (a verdadeira santidade) que 
envergonha todo o desempenho humano erradamente motivado. Porque, em 
última análise, mais que “transgressão da lei”, o pecado tem uma dimensão 
relacional, que desce ao nível das motivações. E como o apóstolo relembra, “O 
que não provém de fé é pecado” (Rm 14:23). Assim, a questão não é apenas o 
que fazemos, mas por que o fazemos.
Nessa parábola, Jesus condena todo o elitismo religioso daqueles que se 
julgam melhores por causa de suas práticas ostentadas como realizações hu-
manas superiores, mesmo quando externamente atribuídas a Deus. Perfeccio-
nismo religioso é divisivo, precisamente porque ele cria a noção de que alguns 
na Igreja são melhores que outros. Enquanto a consciência de nossa verdadeira 
condição pecaminosa e permanente necessidade é o grande fator de aproxima-
ção com os demais conservos, o orgulho separa as pessoas porque desenvolve 
a noção de superioridade e competitividade. Junto à cruz, entretanto, todos se 
erguem no mesmo nível. Não está disponível aí nenhum pedestal, escadas, tro-
nos ou altas patentes para acomodar justos pretensiosos.
A parábola é para todos. Para pregadores e líderes eclesiásticos também. 
Porque aqueles que proclamam a Palavra do púlpito, ou ocupam cadeiras de 
responsabilidade religiosa são susceptíveis a grandes ilusões a respeito de si 
mesmos. Os que, por desempenho ou por serviço, pensam que são superiores 
ou mais importantes, desconhecem a Deus e não conhecem a si mesmos.
Os que julgam que em algum ponto da experiência cristã serão tão justos 
e santos que não precisarão mais de Cristo, estão ironicamente afi rmando que 
a santidade acaba tendo o mesmo resultado do pecado: separa-nos de Deus 
(Is 59:2). Em nenhuma circunstância chegaremos a um ponto onde não mais 
precisaremos orar a Deus “perdoa as nossas dívidas”. Verdadeira santifi cação 
é crescente dependência de Deus, não independência dele. C. S. Lewis (apud 
WALLENKAMPF, p.81) corretamente observa: “quando um homem está se tor-
nando verdadeiramente melhor, ele entende mais e mais claramente o mal que 
ainda permanece nele. Quando um homem está se tornando pior, menos e me-
nos ele entende sua própria malignidade.” Nas palavras de Ellen G. White (1993, 
p. 323), “os que têm a mais profunda experiência nas coisas de Deus são os que 
estão mais longe do orgulho e da presunção”.
Devemos lembrar que o leitor moderno pode aplaudir a repreensão de Cris-
to aos fariseus e ser vítima da mesma atitude deles. Como certo professor de uma 
escola cristã, que, depois de contar a parábola do fariseu e do publicano para 
as crianças em sua classe, disse ao concluí-la: “agora vamos inclinar a cabeça e 
agradecer a Deus porque nós não somos como o fariseu.” Facilmente, também 
podemos pensar que nós não somos como o fariseu ou como aquele professor, tal 
é a condição infecciosa e enganadora do pecado em nós. Publicanos modernos 
podem, por outrolado, se julgar superiores, orando: “graças te dou ó Deus, por-
que eu sou livre da obediência da tua lei”, ou “eu como e bebo como quero, vivo 
como quero e nunca dou um centavo à igreja.” Quando coletores de impostos 
desprezam outros ou a importância da submissão a Deus, com semelhante tom 
de superioridade, eles estão apenas repetindo a oração do fariseu.
Finalmente, a graça de Deus parece ofensiva a todos nós, porque ela é 
naturalmente contrária à nossa natureza e naturalmente incompreensível à nos-
sa miopia e astigmatismo espirituais. Não é por acaso que Jesus advertiu: “Em 
verdade vos digo que publicanos e meretrizes vos precedem no reino de Deus” 
(Mt 21:31). Será que tais palavras também nos deixam ofendidos e irados? En-
tão, que nos tornemos mais irados ainda, até que nos sintamos envergonhados 
e supliquemos em sinceridade como o publicano da história de Jesus: “ó Deus, 
sê propício a mim, pecador!”
4CAPÍTULO
Q u e m é o m e u 
p r ó x i m o ?
“Amarás o teu próximo como a ti mesmo”
Levíticos 19:18
“Amarás, pois, o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua 
alma e de toda as tuas forças”
Deuteronômio 6:5
Quem é o meu próximo
57 
O Evangelho de Lucas descreve o ministério de Jesus como uma jor-
nada que se inicia na Galiléia em direção a Jerusalém. Pelo menos dez 
capítulos (40% do livro) são ocupados com a descrição dessa jornada. Da 
periferia para o centro. Em Lucas 9:51 lemos que “ao se completarem os 
dias em que devia Ele ser assunto ao céu, manifestou, no semblante, a in-
trépida resolução de ir para Jerusalém”.
Galiléia e Jerusalém se erguem como opostos. A Galiléia é símbolo 
daqueles a quem Jesus, no Evangelho de Lucas, ministra de forma parti-
cular. Daqueles que, com maior facilidade respondem ao gracioso convite 
das boas novas (Lc 14:23). Quem são eles? Uma grande formação social 
chamada de “o povo da terra”. Pessoas simples, muitas delas trabalhando 
em profissões consideradas com suspeita pelos líderes religiosos. Por ou-
tro lado, enfermos, pobres, coletores de impostos e mulheres, vistos como 
“não religiosos”, ignorantes da lei. Todos eles marginalizados dentro do 
sistema social e religioso do judaísmo. O elemento comum entre eles é 
que a todos falta alguma coisa: saúde, recursos, prestígio, aceitação, opor-
tunidade na vida! O ministério de Jesus, particularmente em Lucas, toca 
a vida desses discriminados pela instituição religiosa. A questão, contudo, 
não é apenas que Jesus tolere a companhia deles, mas Ele claramente dá a 
entender que até prefere estar com eles.
O Evangelho segundo Lucas apresenta Jesus participando de vários 
banquetes. Quem são aqueles com quem Ele compartilha a refeição? Em 
geral, os “desclassifi cados”, todos eles caracterizados como “pecadores”. De 
fato, a acusação feita contra Jesus pelos seus oponentes, em Lucas, é a de que 
“este recebe pecadores e come com eles” (Lc 15:2). Comer juntos, partilhar da 
mesma mesa, na mente judaica, era símbolo do concerto. O termo hebraico 
para o concerto, berit, também signifi cava partir o pão. Convidar alguém para 
uma refeição era uma honra, signifi cando oferecer paz, confi ança, fraternida-
de. Partilhar da mesa, era partilhar da vida, uma oferta de perdão, aceitação. 
Sem dúvida, uma expressão da missão e mensagem de Jesus. Uma celebração 
antecipada do banquete escatológico.
A grande ofensa de Jesus, no Evangelho de Lucas, a acusação que Ele assu-
me sem qualquer objeção, é que Ele é “amigo dos pecadores, e come com eles.” 
Quem é o meu próximoO Incomparável Jesus Cristo
58 59 
Jesus se apresenta como amigo dos marginalizados. Amigo dos que não tinham 
amigos. Ele justifi ca seu interesse pelos pecadores com lógica incontestável, 
afi rmando que são “os sãos não precisam de médico, e sim os doentes” (Lc 5:31).
Em Lucas 4:16-19, texto exclusivo do terceiro evangelho, citando o pro-
feta Isaías, Jesus pronuncia o discurso programático do seu ministério, visto 
em termos de libertação (ver RODOR, 1986, pp. 359-369) : “O Espírito do Se-
nhor está sobre mim, pelo que me ungiu para evangelizar os pobres; enviou-
-me para proclamar libertação aos cativos e restauração da vista aos cegos, 
para por em liberdade os oprimidos e apregoar o ano aceitável do Senhor.” 
No texto paralelo de Lucas 7:22, Jesus demonstra perante os discípulos de 
João Batista, como prova de sua identidade messiânica, que “os cegos veem, 
os coxos andam, os leprosos são purifi cados, os surdos ouvem, os mortos são 
ressuscitados, e aos pobres, anuncia-se-lhes o evangelho.” É evidente seu es-
pecial interesse pelos sofredores, enfermos, cegos e leprosos, além das pessoas 
comuns, todos estes categorizados como “pobres” ou “pecadores”, em grande 
medida excluídos da vida religiosa de Israel (Mt 9:36).
Jerusalém, “a cidade do destino”, por outro lado, com sua elite religiosa, é 
símbolo de oposição e rejeição a Jesus. Jerusalém, o centro da instituição religio-
sa, é precisamente o centro da oposição e das forças que culminam na rejeição 
fi nal do Filho do Homem. Oposição e rejeição a Cristo, no terceiro evangelho, 
se intensifi cam progressivamente, à medida que Ele se aproxima de Jerusalém.
Convém lembrar que em Lucas, como nos demais evangelhos sinóticos, 
ao contrário do Evangelho segundo João, Jesus vem a Jerusalém uma única vez. 
Mas enquanto no Evangelho segundo Mateus o lamento de Cristo sobre Jerusa-
lém aparece como uma conclusão ao discurso contra os fariseus, sendo pratica-
mente uma introdução ao discurso profético sobre o fi m do mundo (Mt 23:37), 
em Lucas o contexto é outro. A diferença diz respeito, primeiramente, à locali-
zação da narrativa e, em segundo lugar, o lamento de Cristo por Jerusalém, no 
terceiro evangelho, é motivado diretamente pelo tema da rejeição (Lc 13:31-34).
Jesus e o mestre da lei
A oposição sistemática ao jovem Rabi galileu já se delineia em Lucas 15:10. 
Os eventos descritos aqui tomam lugar nas proximidades de Betânia: “E eis que 
certo homem, intérprete da lei, se levantou com o intuito de por Jesus à prova” (Lc 
15:25). O intérprete da lei pertencia à classe dos escribas, reconhecidas autoridades, 
especialistas no Antigo Testamento e na tradição judaica a respeito da lei. Ele se le-
vanta para testar o pregador não ofi cial e determinar se os seus ensinos estavam em 
confl ito com a interpretação tradicional do judaísmo. O relato do bom samaritano 
é um desdobramento do diálogo entre Jesus e o doutor da lei. O diálogo, como cor-
retamente indicado por Kenneth E. Balley (1976, p. 74), se divide em duas partes:
Parte 1
A pergunta do doutor da lei: “que farei para herdar a vida eterna” (Lc 10:25).
A contra-pergunta de Jesus: “que está escrito na lei? Como interpretas? (v. 26).
A resposta do doutor da lei: “amarás o Senhor teu Deus […] e o teu 
próximo” (v. 27).
A exortação de Jesus: “faze isto e viverás” (v. 28).
Parte 2
O doutor da lei pergunta: “quem é o meu próximo?” (v. 29).
A contra-resposta de Jesus: “qual destes três te parece ter sido o 
próximo?” (v. 36).
O doutor da lei responde: “o que usou de misericórdia” (v. 37).
A exortação de Jesus: “vai e procede de igual modo” (v. 37).
É signifi cativo observar que o incidente segue a autodeclaração de Jesus 
como Salvador (v. 21-24): “tudo me foi entregue por meu Pai.” Em outras pa-
lavras, a salvação vem através de Jesus Cristo. No versículo 24, Jesus afi rma: 
“Muitos profetas e reis quiseram ver o que vedes e não viram; e ouvir o que ouvis 
e não o ouviram”. Aparentemente, a pergunta do intérprete da lei tem a intenção 
de se opor à afi rmação de Cristo e mostrar que mais é requerido para a vida 
eterna do que “simplesmente” ouvir o que Jesus tem a dizer e aceitá-lo como 
o representante de Deus. Sua pergunta (“Mestre que farei para herdar a vida 
eterna?”) expressa a tradicional questão rabínica, envolvida na ideia de salvação 
pelas obras: “que devo fazer?”
Ele justifi ca seu interesse pelos 
pecadores com lógica incontestável, 
afi rmando que são “os sãos não 
precisam demédico, e sim os 
doentes” (Lc 5:31).
Quem é o meu próximoO Incomparável Jesus Cristo
60 61 
Note-se, ainda, que o doutor da lei não pergunta como é possível alcançar a 
vida eterna, ou seja, qual o caminho, qual o meio. Ao contrário, ele sabe o como, 
conhece o processo. Sua pergunta segue em outra direção: “o que devo fazer?”. O 
método ele sabe: é fazendo alguma coisa! Mas, afi nal, ele não parece realmente 
interessado no que Jesus tem a dizer, uma vez que sua intenção é a de provar o 
Rabi itinerante e provavelmente humilhá-lo diante da audiência. O intérprete da 
lei busca apenas uma resposta intelectual de Jesus, para julgá-lo e expô-lo.
A paciência de Jesus é extraordinária. No versículo 26, Ele responde com 
uma contra-pergunta, que conduz o intérprete da lei ao Antigo Testamento. 
Dessa maneira, o cenário é invertido, mudando do ensino de Jesus para como 
o doutor da lei entende sua disciplina. Assim, é a sua interpretação que passa 
a ser julgada pela audiência. A resposta de Jesus indica que a pergunta do es-
criba envolve uma séria contradição: fazer e herdar. Essas são ideias opostas, 
que se excluem mutuamente: para herdar nada se pode fazer. Para herdar é 
necessário, sobretudo, que você seja herdeiro, pertença à família. Absoluta-
mente nada que se possa fazer dá direito à herança celestial, uma vez que as 
obras são moeda sem valor diante de Deus.
“Que está escrito na lei? Como interpretas”? O interrogado passa a ser o 
interrogador. A estratégia de Jesus desarma o homem da lei, direcionando-o 
ao que está escrito no Antigo Testamento, não às intrincadas interpretações 
rabínicas desenvolvidas pela tradição. Assim, Jesus deixa claro que o homem 
já sabia a resposta para a sua pergunta, tornando o seu dolo, ou a sua tolice, 
evidente diante de todos. Por que, afi nal, fazer uma pergunta para a qual já 
se sabe a resposta? Isso não é recomendado em termos de sinceridade ou 
inteligência. Por outro lado, Jesus extrai dele a reposta, levando o escriba a 
colaborar com Ele, o que remove a diferença e o antagonismo. A psicologia de 
Cristo é simplesmente perfeita.
No versículo 27, o escriba é obrigado a dar uma resposta bem conhecida, 
citando Deuteronômio 6:5: “Amarás o Senhor, teu Deus”, o mandamento con-
siderado como o coração da religião judaica. Um conceito central na teologia 
do livro de Deuteronômio encontra-se expresso na passagem “amarás o Se-
nhor, teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma e de toda a tua força”: 
dedicação absoluta e total a Deus.
O segundo mandamento, incluído na resposta, encontra-se em Levítico 
19:18, que aborda o tema do amor ao próximo. Propondo, assim, o sumário da 
lei (amor a Deus e amor ao próximo), Jesus responde ao seu interlocutor: “você 
está absolutamente correto; faze isto e viverás.” O verbo está no imperativo, isto 
é, “continue fazendo sem cessar, do contrário seus esforços estarão perdidos”. 
Há aqui, por parte de Cristo, uma velada ironia. Ele responde da perspectiva do 
doutor da lei: “Se é possível alguém salvar-se pela obediência da lei, faça isto.” 
Em outras palavras: “Faça precisamente o que você julga ser o caminho.”
A teologia legalista do doutor da lei está em franca oposição ao que Je-
sus indicara no contexto, ou seja, que a salvação vem através dele (Lc 10:21-
23). Para Jesus, a obediência à lei é o resultado, não a base da salvação. Dando 
resposta tão simples, Ele expõe não apenas a tolice da pergunta, mas o teor 
da questão. Tentando justifi car-se, o intérprete da lei faz uma nova pergunta 
(“quem é o meu próximo?”), tentando demonstrar que a questão não é tão sim-
ples. “Quem é o meu próximo?” Os judeus interpretavam o mandamento do 
amor ao próximo em relação aos membros da comunidade religiosa judaica. 
Muitos não eram considerados “próximos”. Entre outros, samaritanos, escravos, 
coletores de impostos, prostitutas, treinadores de pombos, jogadores, os que 
emprestavam dinheiro a juros e pastores de ovelhas, todos vistos como desones-
tos, além de não poderem cumprir as regras cerimoniais de purifi cação.
Entre os fariseus, os limites eram ainda mais restritos. Mesmo o povo co-
mum era excluído. “Quem é o meu próximo”? Esse tipo de pergunta implica na 
exclusão de pessoas ou grupos sociais da condição de próximos. O intérprete 
da lei queria que Jesus lhe desse uma norma objetiva, pela qual ele pudesse 
facilmente discriminar entre aqueles que deveriam ser tratados como amigos e 
aqueles que não precisariam incluir nesse círculo. Jesus aceita a nova questão e 
elabora uma situação, novamente chamando o escriba para um confronto com 
sua real condição perante a lei.
Para herdar é necessário, sobretudo, 
que você seja herdeiro, pertença à 
família. Absolutamente nada que 
se possa fazer dá direito à herança 
celestial, uma vez que as obras são 
moeda sem valor diante de Deus.
Quem é o meu próximoO Incomparável Jesus Cristo
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O relato do bom samaritano
Jesus, prosseguindo, disse: Um homem descia de Jerusalém a Jericó, 
e caiu nas mãos de salteadores, os quais o despojaram e espancando-
-o, se retiraram, deixando-o meio morto. Casualmente, descia pelo 
mesmo caminho certo sacerdote; e vendo-o, passou de largo. De 
igual modo também um levita chegou àquele lugar, viu-o, e passou 
de largo. Mas um samaritano, que ia de viagem, chegou perto dele 
e, vendo-o, encheu-se de compaixão; e aproximando-se, atou-lhe as 
feridas, deitando nelas azeite e vinho; e pondo-o sobre a sua caval-
gadura, levou-o para uma estalagem e cuidou dele. No dia seguinte 
tirou dois denários, deu-os ao hospedeiro e disse-lhe: Cuida dele; e 
tudo o que gastares a mais, eu to pagarei quando voltar. (Lc 10:30-35)
A história do bom samaritano, contada por Jesus, exclusiva em Lucas, res-
ponde à segunda parte do diálogo com o escriba. Para reconquistar o prestígio 
diante da multidão, após fazer uma pergunta para a qual ele conhecia a res-
posta, o mestre da lei faz uma segunda tentativa: “quem é o meu próximo”? 
Sua pergunta agora ao menos parece sincera. A questão era objeto de debates 
infi ndáveis entre os mestres judaicos. O que o escriba deseja é saber até que 
ponto ele deve estender a categoria de próximo. Se perguntamos “quem é o meu 
próximo?”, claramente estamos indicando que deve haver aqueles que não são 
considerados “próximos”. O intérprete da lei requereu que Jesus apresentasse a 
norma pela qual discriminar quem era e quem não era o próximo.
Surpreendentemente, Jesus não responde a pergunta diretamente. Em lugar 
disso, ele conta a história de alguém que agiu como próximo. A parábola do bom 
samaritano forma uma parte crucial da resposta de Jesus. Novamente, o Senhor 
coloca a responsabilidade fi nal da resposta sobre o mestre da lei. Observe.
“Certo homem descia de Jerusalém para Jericó”, Jesus inicia. Esse caminho 
entre Jerusalém e Jericó representava uma jornada de aproximadamente 36 qui-
lômetros por um desfi ladeiro no deserto da Judeia. Constituía um atalho perigoso, 
descendo mais de novecentos metros. O terreno oferecia um refúgio natural para 
ladrões e salteadores. Cenário de constante violência, a estrada tomada por esse 
viajante solitário havia passado a ser conhecida como o “caminho de sangue”.
O homem da história de Jesus, provavelmente um judeu, tomou a peri-
gosa rota e caiu nas mãos de salteadores, que, depois de lhe roubarem tudo, 
inclusive a roupa, lhe causaram muitos ferimentos, abandonando-o semimorto. 
O uso do plural “salteadores” indica que eram vários. Vários contra um. Nenhu-
ma possibilidade de defesa. “Tentativa de homicídio sem dar à vítima chance de 
defesa”, diriam juristas atuais!
Com a ação dos ladrões, Jesus sugere precisamente o oposto do amor ao 
próximo. Propositadamente, Ele descreve um caso de extrema necessidade. Je-
sus reduz a vítima de sua história ao mais absoluto mutismo. Os ladrões, em ge-
ral, exigem a bolsa ou a vida. Mas esses roubaram tudo, a bolsa, a capa, o alforge 
e, possivelmente, a montaria. Roubaram tudo e quase a vida. Ferido, semimorto,coberto de sangue, é impossível identifi cá-lo ou que ele se identifi que. Quem é 
ele? Filho de quem? Pai de quem? Qual a sua profi ssão? Status? É ele rico ou 
pobre? Ou, mais importante ainda, qual a sua raça? Judeu, samaritano ou outro 
gentio qualquer? Estas, em geral, são as perguntas que costumamos fazer. Jesus 
elimina qualquer possibilidade de identifi cação. O homem caído está completa-
mente impotente para pedir socorro, para persuadir alguém a ajudá-lo ou ofere-
cer uma recompensa. Ele não pode defender o seu caso ou pleitear misericórdia. 
Intencionalmente, Jesus coloca o ferido de sua história inteiramente nas mãos 
do “outro”, daquele que passa.
Com isso, Ele prepara o cenário para revelar a essência do verdadeiro ser-
viço, cuja motivação é o amor que serve, independente de qualquer expectativa 
de retorno. Tal serviço nada tem a ver com campanhas de televisão, preocupa-
ções com Ibope ou audiência. Nada a ver com mero humanitarismo ou assis-
tência social. Amar os que não são amáveis. Amar sem qualquer complexo de 
superioridade e sem esperança de receber de volta qualquer tipo de recompen-
sa. Amar nos lugares e nas horas menos convenientes.
“Casualmente, descia um sacerdote por aquele mesmo caminho e, vendo-o, 
passou de largo” (v. 31). O sacerdote vinha do templo, de suas tarefas religiosas, 
para casa em Jericó, que era uma das principais cidades de residência dos sacer-
Com isso, Ele prepara o cenário para 
revelar a essência do verdadeiro serviço, 
cuja motivação é o amor que serve, 
independente de qualquer expectativa 
de retorno. Tal serviço nada tem a 
ver com campanhas de televisão, 
preocupações com Ibope ou audiência.
Quem é o meu próximoO Incomparável Jesus Cristo
64 65 
dotes. Ele viu o homem em necessidade, mas “passou de largo”. Frieza incomum; 
aberta violação do mandamento do amor. Aqui estava alguém, provavelmente 
do seu próprio povo, em situação de extrema necessidade. Mas ninguém viu; 
ninguém, nem mesmo o homem caído. Ninguém viu. Ninguém, exceto Deus.
De modo semelhante, um levita descia por aquele lugar (Lc 10:32). Os 
levitas faziam parte de uma ordem de ofi ciais do culto religioso, inferiores aos 
sacerdotes. Entretanto, um grupo privilegiado, responsável pela liturgia e vigi-
lância do templo. Aparentemente chegou mais próximo do homem ferido. Teria 
ele temido os ladrões? Ou teria ele temido contaminação levítica pelo contato 
com um cadáver (Lv 21:1)? Afi nal, ele não sabia se o homem estava vivo ou 
morto. O texto apenas diz que ele também não teve misericórdia. O levita tam-
bém “passou de largo”. “Passar de largo” tornou-se a expressão proverbial para 
descrever indiferença, distância, afastamento.
Jesus então estabelece o contraste entre os dois primeiros viajantes e uma 
terceira fi gura. A audiência poderia esperar nesse terceiro caráter da história 
um leigo israelita. Essa seria a sequência lógica. Afi nal, sacerdotes e levitas não 
tinham mesmo boa reputação entre o povo. No entanto, surpreendente e deli-
beradamente, Jesus introduz um membro de uma comunidade odiada. “Certo 
samaritano” (Lc 10:33). Nós aqui perdemos a força da ilustração porque somos 
estranhos à hostilidade que havia entre judeus e samaritanos.
Para cristãos modernos, o substantivo “samaritano” atrai automaticamen-
te o adjetivo “bom”. O termo samaritano tornou-se hoje sinônimo de ser um 
bom vizinho, disposto a ajudar os necessitados. Mas, nos dias de Jesus, tal as-
sociação seria a última coisa possível. Os samaritanos não eram vistos como 
bons. Pelos judeus, os samaritanos eram considerados pagãos, amaldiçoados 
nas sinagogas e publicamente. Não podiam ser aceitos como prosélitos. Não 
tinham parte na ressurreição e na vida eterna. Para os judeus, comer o alimento 
deles era como comer carne de porco. Assentar-se ao lado deles numa sinagoga 
era considerado um motivo para morte. O testemunho de um samaritano não 
tinha qualquer valor em um corte.
Curiosamente, o samaritano é o único não religioso da história. E, com ele, Je-
sus introduz um perfeito exemplo de amor ao próximo. Jesus não apenas demonstra 
que o amor pode surgir nos lugares e com as pessoas menos prováveis; Ele desfere 
um poderoso golpe na intolerância racial, social, religiosa e “denominacional” dos 
judeus. Ele ataca a síndrome de superioridade do judaísmo. Jesus aqui subverte to-
dos os valores da época. Quem pensaria num samaritano como “bom”?
A ação do samaritano é a perfeita representação do amor ao próximo. 
“Compadeceu-se dele.” Os gregos centralizavam as emoções nos órgãos nobres 
do corpo. No coração, pulmões, fígado. O verbo compadecer-se aqui signifi ca 
estar cheio de compaixão, até as vísceras. Jesus descreve a base para todos os 
atos do samaritano: ele se compadeceu! Ele também vê o que os outros viram, 
mas responde em compaixão. Ele tinha maiores razões para também “passar de 
largo”. Tinha uma montaria, dinheiro e, sobretudo, era samaritano, enquanto o 
homem caído provavelmente era um judeu.
Mas ele resolve se envolver. Ninguém ama realmente até que saia do seu 
caminho, se desviando de sua rota para servir. Jesus reforça a profundidade 
da ação do samaritano narrando detalhes da sua ajuda. O samaritano utiliza 
as provisões da sua viagem para ministrar ao estranho. O óleo e o vinho, os 
remédios clássicos da antiguidade, servem para os primeiros socorros; o vinho, 
para purifi car os ferimentos, e o óleo, para suavizá-los. Note-se ainda que o 
samaritano coloca o ferido em sua montaria e o leva para uma estalagem, onde 
vela por ele durante a noite. Isso sugere que sua atitude não é apenas uma reação 
sentimental, de humanitarismo barato, que busca uma porta de escape assim 
que o necessitado passa a ser visto com um fardo. Esse não é o caso!
A narrativa conclui com um surpreendente toque fi nal de amor ao próxi-
mo. No verso 35, lê-se: “No dia seguinte, tirou dois denários e os entregou ao 
hospedeiro, dizendo: Cuida deste homem, e, se alguma coisa gastares a mais, eu 
to indenizarei quando voltar.” Ele tomou todas as precauções para que o homem 
continuasse sendo atendido. Dois denários, provisão para alguns dias adicio-
nais de cuidados. O samaritano vai além da superfície, garantindo o custeio 
Curiosamente, o samaritano é o único 
não religioso da história. E, com ele, 
Jesus introduz um perfeito exemplo 
de amor ao próximo. Jesus não apenas 
demonstra que o amor pode surgir 
nos lugares e com as pessoas menos 
prováveis; Ele desfere um poderoso 
golpe na intolerância racial, social, 
religiosa e “denominacional” dos judeus.
Quem é o meu próximoO Incomparável Jesus Cristo
66 67 
de despesas adicionais, oferecendo ainda uma enfática promessa, indicada pela 
presença do pronome pessoal grego: “Eu te pagarei”.
Jesus, então, prepara o cenário para a conclusão, que é a chave do relato, geral-
mente mal compreendida. No verso 36, ele pergunta ao intérprete da lei: “Qual des-
tes três te parece ter sido o próximo do homem que caiu nas mãos dos salteadores?”
Muitas vezes, no passado, eu li essa história, e confesso que não a entendi. 
Observe a pergunta inicial do escriba: “quem é o meu próximo?” Veja, então, a 
pergunta de Jesus sobre a identidade do próximo: “quem te parece que foi o pró-
ximo?” A compreensão da resposta de Jesus está num nível mais profundo, em 
geral passada por alto pela razão de nossa pergunta “quem é o meu próximo?” 
estar marcada pela mentalidade do mestre da lei. Para sempre, contudo, Jesus 
removeu qualquer limitação farisaica ao mandamento do amor.
Observe que, surpreendentemente, o próximo não é o homem caído, mas 
aquele que pratica a ação de amor. Em outras palavras, o próximo não é o ob-
jeto da ação, mas o sujeito dela. O próximo não é aquele a quem se serve, mas 
aquele que serve. Da perspectiva de Jesus, nós não podemos escolher quem 
será o nosso próximo, mas apenas viver e agir como o próximo. Colocando-se 
em termos claros: o próximo não é o homem que caiu nas mãos dos salteado-
res. O próximo se encontra entreos três que passam pelo caminho para Jericó. 
“Qual destes três te parece ter sido o próximo?” A sabedoria na resposta de 
Cristo é simplesmente desconcertante.
Se Jesus tivesse dito que o próximo é “alguém em necessidade,” Ele ape-
nas teria colocado limites ao mandamento do amor, sugerindo novas questões: 
“que tipo de necessitado? o da minha raça? o da minha igreja?” ou: “que tipo de 
necessidade? física ou espiritual?” Mas não é isso que Ele faz. Jesus remove a 
questão do nível do necessitado, seja ele quem for, para ensinar que o próximo 
é aquele que pratica a ação, eu, você, independentemente de quem seja aquele 
que está caído ao lado do caminho.
O extraordinário da história de Jesus é a enorme inversão que ela ex-
põe. Seu herói, como é frequente no Evangelho de Lucas, é aquele menos 
provável. Assim como os marginalizados pastores de ovelhas, que testemu-
nham o nascimento do Messias, e os pecadores que se reúnem à sua mesa, 
comendo com Ele. Os coxos, cegos, aleijados, mulheres, leprosos, publica-
nos. Os “pecadores” a quem Ele ministra.
Por outro lado, os vilões da história também são os menos prováveis. O 
sacerdote e o levita, membros da tribo sacerdotal. Os “religiosos profi ssionais”, os 
“remanescentes”, que conheciam o mandamento do amor, mas nada sabiam do 
amor real. Jesus deixa claro que religião pode apenas ser uma máscara para cobrir 
o egoísmo e interesses pessoais. O sacerdote e o levita eram escravos do persona-
gem que interpretavam na trágica simulação religiosa que eles viviam. E sendo 
personagens, eles não eram pessoas. Ou as pessoas que Deus esperava que fossem!
Com um só golpe, Jesus desmascara os dois intérpretes e os milhões de 
outros a quem eles representam, os quais muitas vezes nem têm consciência da 
farsa da religião deles. Com o samaritano, Jesus contrasta a pessoa com o per-
sonagem. O samaritano é o único não religioso em termos convencionais. Ele 
respondeu ao agir. Porque é precisamente nesse ponto, no ponto da ação, que 
a religião deixa de ser mera teoria, ou uma questão de regras, e se encarna na 
realidade. É no ponto da ação que a crença deixa de ser crença (credencia), para 
tornar-se fé (fi dúcia). O compromisso da vida com Deus! Certamente, o amor, 
manifesto em serviço, dá testemunho da realidade da salvação.
Com a história do samaritano, Jesus para sempre deixou claro que a pergun-
ta real não é “quem é o meu próximo?”, mas “quem sou eu?” E é só então que po-
demos aceitar o desafi o de Jesus seriamente: “vai tudo e faze o mesmo” (Lc 10:27).
Para ponderar
O intérprete da lei citou Levítico 19:18: “Amarás o teu próximo como a ti 
mesmo” como resposta para sua pergunta inicial. Jesus aprovou sua resposta, mas 
a história do bom samaritano deu a essa resposta uma insuspeita profundidade.
A média dos leigos judeus (e isso incluía o mestre da lei) nos dias de Jesus 
tinha baixa opinião da classe alta dos sacerdotes do templo. A indiferença do sa-
cerdote e do levita, “passando de largo” pelo judeu ferido ao lado do caminho, 
certamente não surpreendeu a audiência. É a compaixão do samaritano que deixa 
a todos em estado de choque. Muitos judeus teriam preferido morrer na estrada, 
em lugar de ser atendidos por um samaritano, tal o ódio entre eles. Jesus não 
conta aqui de um judeu que ajudou a um samaritano, depois exortando o escriba 
Observe que, surpreendentemente, o 
próximo não é o homem caído, mas 
aquele que pratica a ação de amor. 
Em outras palavras, o próximo não é o 
objeto da ação, mas o sujeito dela.
O Incomparável Jesus Cristo
68 
a agir da mesma forma. Em lugar disso, ele narra sobre um inimigo tradicional-
mente odiado servindo a um judeu, e é aí que Ele acrescenta a exortação.
Receber amor de um inimigo, ou de um “inferior” foi um golpe muito 
mais poderoso do que ser caridoso com um inimigo. “Quem foi o próximo?” 
é a surpreendente pergunta de Jesus. O mestre da lei evitou mesmo pronun-
ciar a desprezada palavra “samaritano”. Assim, ele utiliza o circunlóquio: “O 
que usou de misericórdia” (Lc 10:37). Dessa forma, nunca mais o imperativo 
“amarás o teu próximo” estaria ligado ao “odiarás o teu inimigo” (Mt 5:43). 
Para Jesus, o mandamento do amor incluía o inimigo e o relato apresentado 
defi niu perfeitamente o seu ensino básico. O samaritano amou alguém que 
não o amava (Lc 6:32). Ele fez o bem, sem qualquer pensamento de benefício 
pessoal (Lc 10:33-34). Ele agiu sem esperar nada em recompensa ou retorno 
(Lc 10:35). Essa é a razão pela qual Jesus desafi ou os seus ouvintes com a de-
claração “amai vossos inimigos” (Lc 10:27, 35).
O autoconfi ante mestre da lei não fez qualquer protesto de que Jesus não 
tinha realmente respondido às suas perguntas. Sua questão original (“que farei 
para herdar a vida eterna?” [Lc 10:25]), recebeu resposta inequívoca: demons-
tre misericórdia para com os seus inimigos, como o samaritano fez (Lc 10:37). 
E isso é possível apenas quando a vida é dominada pelo princípio do amor, a 
grande evidência de que conhecemos o segredo da vida eterna. Por outro lado, 
Jesus não deixou o escriba preocupado acerca de quem incluir em sua lista de 
“próximos”. A história deixou-o para sempre marcado acerca do que deveria fa-
zer caso algum dia se encontrasse um samaritano ferido.
5CAPÍTULO
A b r e - m e o s 
o l h o s
“Perguntou-lhe Jesus: Que queres que eu te faça? Respondeu o cego: 
Mestre, que eu torne a ver. Então, Jesus lhe disse: Vai a tua fé te 
salvou. E imediatamente tornou a ver e seguia a Jesus estrada fora.”
Marcos 10:46-51
“Não é a incredulidade que gera a desobediência. Ao contrário, é a 
desobediência que gera a incredulidade.”
Blaise Pascal 
Abre-me os olhos
71 
E foram para Jericó. Quando ele saía de Jericó, juntamente com os 
discípulos e numerosa multidão, Bartimeu, cego mendigo, fi lho de 
Timeu, estava assentado à beira do caminho e, ouvindo que era Jesus, 
o Nazareno, pôs-se a clamar: Jesus, Filho de Davi, tem compaixão de 
mim! E muitos o repreendiam, para que se calasse; mas ele cada vez 
gritava mais: Filho de Davi, tem misericórdia de mim! Parou Jesus e 
disse: Chamai-o. Chamaram, então, o cego, dizendo-lhe: Tem bom 
ânimo; levanta-te, ele te chama. Lançando de si a capa, levantou-se 
de um salto e foi ter com Jesus. Perguntou-lhe Jesus: Que queres que 
eu te faça? Respondeu o cego: Mestre, que eu torne a ver. Então, Jesus 
lhe disse: Vai a tua fé te salvou. E imediatamente tornou a ver e seguia 
a Jesus estrada fora. (Mc 10:46-52).
Provavelmente a maioria de nós, numa ocas ião ou em outra, já tentou 
imaginar o que signifi caria ser cego. Talvez, isto tenha sido quando criança. 
Blind Man Bluff , a nossa tradicional “cabra cega”, era a brincadeira preferida 
dos meus fi lhos quando pequenos. Vendar os olhos é comum em diversas brin-
cadeiras das reuniões sociais, tal como, tentar formar pares de sapatos idênti-
cos nas pernas de uma mesa ou colocar a calda em um animal desenhado no 
quadro. Certamente todos nós, por alguns minutos, tentamos imaginar o que 
signifi ca viver sem visão, viver em trevas.
Nosso texto, contudo, descreve algo diferente. A situação de Bartimeu, o 
cego desta história exclusiva do Evangelho de Marcos,1 vive algo completamen-
1 Embora Mateus (20:29-34) e Lucas (18:35-43) se refi ram a curas semelhantes em 
Jericó, a história de Marcos tem características exclusivas, pois é o único milagre de Je-
sus em que o benefi ciado é tratado pelo nome. Também é a única história em que Jesus 
é chamado de “Filho de Davi” (o que pela tradição judaica, signifi cava reconhecer ser 
Ele o Messias prometido). E é a única história onde a pessoa curada é ordenada a seguir 
Jesus. Essa narrativa em Marcos serve de clímax para o ministério de cura e ensino de 
Jesus e também como transição para a narrativa de sua jornada e destino em Jerusalém. 
Se tomarmos este como o quarto maior segmento (perícope) do Evangelho de Marcos, 
tal porção termina como começou nos versos 8:22-26, com a história de uma cegueira 
sendo curada. Marcos provavelmenteintencionou esse simbolismo, o qual indica que 
Abre-me os olhosO Incomparável Jesus Cristo
72 73 
te diferente de nossas brincadeiras. Pessoas cegas, mendigando ao longo das 
estradas do antigo Oriente Médio, eram parte comum do cenário. A poeira e 
o brilho do sol, aliados a hábitos pouco higiênicos, espalhavam doenças con-
tagiosas para os olhos. Bartimeu, provavelmente, segundo alguns intérpretes 
bíblicos, nunca havia visto anteriormente. E isso é inteiramente diferente do 
que simular cegueira por alguns instantes e, então, poder abrir os olhos. Bar-
timeu nunca fora capaz de ver, muito provavelmente, poucos de nós podemos 
entender como seria isso.
Este é o ultimo milagre de cura atribuído a Jesus no Evangelho de Marcos. 
O Senhor estava de passagem por Jericó, 24 quilômetros distante de Jerusalém, 
onde o último ato do drama da redenção iria tomar lugar. Então, a jornada 
é subitamente interrompida pelos gritos de Bartimeu, que estava assentado à 
margem da estrada. Possivelmente Bartimeu havia ouvido acerca da reputação 
de Jesus. Quando ele descobre que é precisamente Jesus que passava há uma 
pequena distancia, ele se lança na oportunidade, essa era a chance de sua vida.
Bartimeu começa a fazer tão grande alvoroço, ao saber que a multidão que 
passa é liderada por Jesus: “Filho de Davi, tem misericórdia de mim” grita ele. 
O barulho é tão grande que a cena é vista como algo embaraçoso. A multidão 
inicialmente tenta fazê-lo se calar. Por que o teriam tentado silenciar? Teria 
sido o título messiânico atribuído a Jesus que os ofendeu? Ou simplesmente 
os seguidores de Jesus não queriam qualquer demora na jornada rumo à festa? 
Difícil saber. Ao contrário da multidão, Jesus não tenta silenciar Bartimeu. Isso 
implica também que Ele não rejeitou o título “Filho de Davi”. Acima do barulho 
da multidão Jesus escuta o pedido de socorro, e Marcos 10:49 registra: “parou, 
pois, Jesus e disse: Chamai-o”.
“Jesus parou”, nessa ação verbal existe uma extraordinária eloquência. Ao 
parar Jesus demonstra absoluto tributo à pessoa em necessidade. Ele para em 
completa atenção a este pobre cego, esquecido de todos, marginalizado pelo 
sistema social e religioso dos judeus. Esse cego era a personifi cação precisa do 
termo “marginalizado”: fi car à margem do caminho, enquanto os outros passa-
vam e avançavam.
De acordo com o dogma da retribuição do judaísmo, esse desafortunado 
estava simplesmente pagando os pecados dos seus pais ou os seus próprios pe-
apenas aqueles que experimentam o milagre do poder de Jesus, mais claramente ex-
presso na cruz e na ressurreição, têm os seus olhos abertos para a verdade. A história 
acrescenta ainda a dimensão de recepção do milagre: a importância da fé (v. 52). Tal 
fé signifi ca persistir em clamar por Jesus a despeito de qualquer obstáculo (v. 47-48) e 
segui-lo “pelo caminho” apesar de qualquer ameaça.
cados. Em Levítico 21:17-21, por razões tipológicas, o sacerdócio era proibido 
aos cegos, coxos, desfi gurados ou deformados, mas aquilo que era algo específi -
co e particular foi generalizado. Entre os fariseus havia a crença de que eles não 
eram obrigados a ter piedade destas pessoas e alguns chegavam a se vangloriar 
por atirar pedras nelas.
Para os essênios, uma seita separatistas do judaísmo, que vivia em comu-
nidades ao longo do mediterrâneo, os cegos e fi sicamente defeituosos deviam 
ser completamente excluídos. No chamado Manuscrito das Regras, qualquer 
pessoa ferida na carne, paralíticos de pés ou mãos, aleijados, cegos e mudos, 
não podiam fazer parte da congregação. Ainda, de acordo com o manual A 
guerra entre os fi lhos da luz contra os fi lhos das trevas, nenhum coxo, aleijado 
ou cego, era digno de ajuntar-se aos eleitos na guerra escatológica contra e a 
hostes de belial. Nenhum deles poderia participar do banquete messiânico, as-
sim como não podiam ter acesso ao templo em Jerusalém, exceto, para pedir 
esmolas nos seus arredores (JEREMIAS, 1969, p. 117).2
Na história de Bartimeu, Jesus se eleva acima de regras religiosas inventa-
das para segregar seres humanos. Ele para demonstrando absoluto tributo e res-
peito à pessoa em necessidade. Com esse ato Ele diz àquele pobre coitado: “você 
tem valor, você é importante”. Penso, às vezes, que se Deus fosse colocar uma 
etiqueta de preço nos seres humanos, mesmo naqueles que padrões humanos 
podem considerar como sem qualquer valor, o número seria tão grande que se-
ria impossível ler. Em sua aceitação das pessoas Jesus proclamou que ninguém 
2 Jeremias (1969, p. 117) sugere a existência de uma tradição proverbial ligada a 
2 Samuel 5:8, no texto da LXX, que parecia impor limitações ao acesso dessas pessoas 
“à Casa do Senhor”. Mais tarde, cegos, aleijados e desfi gurados etc, seriam limitados à 
corte dos gentios e portões externos da área do templo (ver Atos 3:2).
Na história de Bartimeu, Jesus se 
eleva acima de regras religiosas 
inventadas para segregar seres 
humanos. Ele para demonstrando 
absoluto tributo e respeito à pessoa 
em necessidade.
Abre-me os olhosO Incomparável Jesus Cristo
74 75 
é excluído, a não exceto aqueles que decidem, por si mesmo, se excluir.
Jesus era o mestre na arte de parar em reverencia e aceitação à pessoa 
humana, atribuindo valor aos que eram considerados sem qualquer valor. Jesus 
era especialista em atribuir valor aos “fragmentos” humanos. Mesmo na cruz, 
em meio à grande agonia, precisamente no momento exato do desfecho de todo 
o drama da encarnação, com todo o universo focalizado nesse instante. Mesmo 
estando ferido e em excruciante dor física e agonia mental, se considerando 
abandonado por Deus e pelos seres humanos. Ele para por uma fração de tem-
po, se esquece de si e se dirige a um dos ladrões que estava pregado na cruz ao 
seu lado. Outro fragmentado, outro pobre necessitado, solitário, abandonado e 
moribundo, também em seus últimos momentos. Nesse instante, Jesus faz do 
Calvário um tanque batismal, e promete: “Estarás comigo no paraíso!”(Lc23:43).
Ele para em atenção ao cego que clama por Ele, deixando claro, para sem-
pre, que às necessidades humanas são do interesse divino. Jesus então chama 
Bartimeu. A multidão que antes o repreendera passa agora a encorajá-lo: “tem 
bom ânimo. Levanta-te. Ele te chama” (Mc10:49). A frase “tem bom ânimo” 
aparece sete vezes no Novo Testamento. Seis vezes vem dos lábios de Cristo, 
a sétima vez aparece aqui. Deixando para trás o manto, que poderia servir de 
obstáculo, o cego se dirige a Cristo. Cabeça jogada para traz, face apontada para 
o fi rmamento, olhos opacos e semiabertos. Batendo desconexo e a esmo com o 
seu bastão, Bartimeu se aproxima.
Na presença de Cristo é lhe feita uma estranha pergunta, a qual aparece 
como uma grande surpresa. É logico pensar que Jesus já deveria conhecer tal 
resposta, mas contrariando o senso comum, Ele pergunta a Bartimeu, que con-
tinua, ali em pé, desamparado, com grande confusão estampada em sua face, o 
cajado patético ainda nas mãos tremulas: “Bartimeu”, diz Jesus, o “que queres 
que Eu te faça?”. Esta é uma pergunta estranha para ser fazer a um cego que 
clama por misericórdia: “que queres que Eu te faça?” Isto é perguntar o óbvio!
Podemos imaginar como Bartimeu se sentiu: “este Jesus deve estar brin-
cando. Minha cegueira é evidente a todos, e Ele, certamente sabe que ninguém 
deseja viver em trevas”. Provavelmente o cego pensou: “este Jesus não é muito 
esperto ou Ele está sendo sarcástico”.
Imagine-se na situação de Bartimeu. Não era apenas a debilidade física, 
mas o estigma da doença. Vagando perdido por Jericó, imerso em trevas, imagi-
nando como seria ter esposa ou fi lhos, se ele os tivesse. Dependendo de favores, 
resignado a todos os tipos de humilhação para conseguir sobreviver.
“Que queres que te faça?” Tal pergunta poderia ser entendida como um 
golpe novo em uma ferida antiga, mas Bartimeu eleva-se acima de qualquer 
melindre pessoal e responde seguro: “Mestre que eu veja!”. Bartimeu responde à 
pergunta como se realmentecresse que Jesus não sabe o que ele desejava. Como 
resposta Jesus lhe diz: “vai, a tua fé te salvou. E imediatamente tornou a ver, e 
seguia a Jesus estrada fora” (Mc 10:52).
Segundo ato
Esse é o fi m da história. Aqui temos tudo o que é relatado acerca de Barti-
meu, que, após tal evento, desaparece completamente da narrativa bíblica, e nos 
deixa com um considerável número de perguntas. Neste ponto nós devemos 
refl etir para completar o quadro. O que signifi caria se você tivesse sido sempre 
cego e recebesse a visão? O que teria acontecido com Bartimeu depois disto?
Li certa vez um artigo escrito por um especialista em olhos que analisava o 
que signifi ca uma pessoa cega passar a ver depois de prolongado convívio com 
as trevas. Eu imaginava que deveria haver uma alegria extraordinária. Poder, 
fi nalmente, ver uma árvore, uma casa ou ver uma pessoa. Em nossa imaginação, 
provavelmente, criamos um quadro de cores bastante róseas, quase romântico. 
Abrir os olhos, estas extraordinárias janelas, para discernir formas e cores. Mas 
não é isto que dizem os especialistas. Ver pela primeira vez é uma experiência 
extremamente perturbadora e frustrante.
A primeira coisa que acontece, afi rma aquele artigo, é uma séria desorien-
tação. Desorientação mais severa mesmo do que perder a visão e tornar-se cego. 
Aquele que vê pela primeira vez, sofre de tonteira e cai. Segundo o artigo, tal 
pessoa irá sentir grande mal estar no estômago e enjoos. Em resumo, a pessoa 
que repentinamente recebe a visão, de inicio, é compelida a concluir que ver 
não é precisamente o que ela esperava.
Assim, podemos nos reencontrar com Bartimeu: apertado entre a multi-
Jesus era o mestre na arte de parar em 
reverencia e aceitação à pessoa 
humana, atribuindo valor aos que eram 
considerados sem qualquer valor. Jesus 
era especialista em atribuir valor aos 
“fragmentos” humanos.
Abre-me os olhosO Incomparável Jesus Cristo
76 77 
dão, tentando seguir a Jesus. Ele não consegue discernir direito para onde está 
indo.Ver lhe parece confuso e desorientador. Por vezes, ele tenta se orientar com 
o velho bastão numa das mãos, enquanto com a outra cobre os olhos para se 
proteger da luz que dolorosamente o incomoda. Quando vem a tarde, Bartimeu 
percebe que deve voltar para casa, e enfrenta uma nova difi culdade. Ele pode 
ver, mas não sabe como encontrar o caminho de sua casa. Seus prováveis auxi-
liares, certamente já o teriam abandonado, presumindo que por ele já poder ver 
não mais necessita deles. Além disso, Bartimeu não saberia como reconhecer 
sua casa. O fato é que ele enxerga, o que deve, agora, lhe estar trazendo grandes 
difi culdades em se organizar com a nova experiência da visão.
E o que você supõe que teria acontecido com Bartimeu uma semana de-
pois? Ele começa a enfrentar novos problemas. As pessoas não estavam mais 
desejosas de esperá-lo ou cuidar dele, como faziam quando ele era cego. E acos-
tumado a mendigar, agora se vê forçado a trabalhar. Quem daria esmola a um 
cego que agora vê? Mas, trabalhar como? Bartimeu não tinha nenhuma profi s-
são. Ele não sabia fazer nada. Ele ainda dependia das pessoas, com o agravante 
de que ninguém mais toma tempo para ajudá-lo.
Em uma palavra, Bartimeu não está nada bem! Qual o seu problema? Ele 
começou a ver! As pessoas esperam que ele seja responsável, que tome conta de 
si mesmo, que entre na competição da vida, e acabe com sua dependência. Bar-
timeu então, podemos imaginar, começa a se perguntar se seu pedido a Jesus foi 
sábio. Ele sabia como se comportar sendo cego. Havia certa segurança vivendo 
nas trevas, mas agora ele não está mais seguro de si. A nova questão é: como se 
comportar quando você pode ver? A pergunta de Cristo, então, “que queres que 
eu te faça”, começa a fazer sentido para ele.
Muitas vezes me perguntei porque essa pequena história sobre Jesus e 
Bartimeu, aparece aqui em Marcos, apertada na narrativa? Esta é uma história 
curiosa, aquilo que se chama em teologia de um non sequitur, ou seja, algo 
que não se ajusta bem onde aparece. Jesus e seus discípulos estão a caminho 
de Jerusalém, onde a tragédia, a hostilidade e a oposição das autoridades do 
estabelecimento religioso, lhe esperam. A prisão, o julgamento ilegal, onde será 
covardemente espancado, humilhado, torturado e levado à cruz estavam a curta 
distancia dele. E aí, repentinamente, dentro desse contexto, aparece essa narra-
tiva acerca de um homem cego a quem Jesus pergunta: “que queres que eu te 
faça?”. Isso é realmente muito estranho.
Bem neste ponto eu e você entramos na história. Devemos lembrar que a 
Bíblia é uma grande tela. Seus vultos vão além deles mesmos, porque, em última 
análise, eles não são apenas eles próprios. Os personagens das Escrituras são re-
presentativos. Eles são tipos e parábolas apontando para verdades além de suas 
próprias histórias. Na verdade tais vultos são parte de cada um de nós, da ma-
neira como agimos e reagimos, em nosso encontro com Cristo. Esta narrativa, 
de certa forma, é a nossa biografi a. Você sabe o que Marcos está realmente di-
zendo com a história de Bartimeu? Marcos está afi rmando que você e eu somos 
cegos. Nos termos de Jesus, você e eu não podemos ver, pois vivemos em trevas.
A luz do sol penetra até 100 metros por dentro do mar, dali para fren-
te, predominam trevas impenetráveis, nas chamadas profundezas abissais. As 
criaturas que nascem e vivem nestas regiões de trevas, em contato prolongado 
com a escuridão, tem o nervo ótico atrofi ado e perdido para sempre. O contato 
com as trevas tem efeito devastador sobre a visão. A nossa situação é conside-
ravelmente pior. Nascemos espiritualmente cegos e o contato permanente com 
a escuridão nos torna duas vezes criaturas das trevas.Você está surpreso? Não 
se surpreenda. Ser cego é provavelmente o que nós queremos. Ser cego, afi nal, 
não é tão mal assim, porque quando somos cegos não podemos ver as coisas 
como elas realmente são. Em outras palavras, não somos “incomodados” pela 
visão. Na maioria das vezes, não queremos ver o que não gostamos de enfrentar. 
Portanto, é conveniente ser cego. É conveniente não ver a Deus e a sua vontade 
ou mesmo a nós próprios, sem as máscaras de que tanto gostamos.
Mas quando a nossa cegueira é curada começamos a ver as coisas que 
realmente não gostaríamos de ver. E aí já não podemos facilmente fugir delas 
ou pretender que elas não existam. Passamos a ver as coisas que não podíamos 
ver antes. Porque, afi nal, Jesus disse que a menos que nasçamos de novo não 
poderemos “ver o reino de Deus” (Jo 3:3). O reino de Deus, nos lábios de Jesus 
Cristo, não é uma questão de geografi a. Não é primeiramente um lugar, mas um 
relacionamento com a pessoa do Rei, que nos convoca para maior dedicação, 
maior pureza e maior integridade. A visão nos leva a um confronto inevitá-
Você sabe o que Marcos está 
realmente dizendo com a história de 
Bartimeu? Marcos está afi rmando que 
você e eu somos cegos. Nos termos 
de Jesus, você e eu não podemos ver, 
pois vivemos em trevas.
Abre-me os olhosO Incomparável Jesus Cristo
78 79 
vel com Deus, conosco e com as coisas enterradas nos porões de nossas trevas. 
É provavelmente por isto que a visão nos parece tão ameaçadora. Segundo a 
Bíblia:“e o julgamento é este: A luz veio ao mundo, e os homens amaram antes 
as trevas que a luz, porque as suas obras eram más” (Jo 3:19).
Blaise Pascal está correto ao afi rmar que não é a incredulidade que gera 
a desobediência. Ao contrário, é a desobediência que gera a incredulidade. 
Frequentemente buscamos desacreditar a luz ou exageramos nossas dúvidas, 
simplesmente porque nos escusamos de qualquer mudança. A luz nos coloca 
face a face com nossos gostos, preferências, escolhas e hábitos. A visão nos leva 
ao confronto com a verdade de que há coisas para serem consertadas em nossa 
vida, família, trabalho e relacionamentos.
Em nosso encontro com Cristo, Ele nos faz a perturbadora pergunta: “Que 
queres que eu te faça?” Considerando que Cristonunca impõe sua vontade, Ele 
nos pergunta se realmente queremos ver. A pergunta de Cristo a Bartimeu não 
é, afi nal, tão estranha. A questão é realmente muito simples e compreensível, 
mas difícil de ser respondida. Muitos não querem se “desorientar”. Não querem 
“sentir a tonteira” daqueles que passam a ver. “Cair ou sentir dores no estôma-
go.” Não queremos ver, porque não queremos pagar o preço da visão. O que 
realmente nos incomoda em Cristo não é, como muitos alegam, aquilo que 
não entendemos, mas precisamente aquilo que entendemos, mas não queremos 
mudar.
Ele pergunta: “que queres que eu te faça?” Muitos tendem a dizer: “nada 
Senhor. Está tudo bem do jeito que está. Eu não enxergo, mas está tudo bem. 
Realmente não preciso de nada.” Essa é frequentemente a nossa resposta. Con-
vivemos bem com as trevas. Rejeitamos a luz porque ela interfere com nossas 
ideias de liberdade. Queremos ser deixados em paz em nossas trevas. Não é de 
admirar que Jesus tenha, em outra ocasião, afi rmado ter vindo ao mundo para 
juízo, a fi m de que os que não veem, mas querem ver, vejam e os que pensam 
que veem, continuem cegos (João 9:39).
Assim, como Bartimeu, diante da possibilidade da visão, podemos ter ou-
tra atitude. “Mestre, abre-me os olhos, pra que eu veja. Eu sei que há um preço 
na visão. Eu sei que não vou gostar das coisas da luz. De ver as coisas sobre Deus 
e sobre mim, que tenho evitado há tempos. Coisas a respeito de outras pessoas 
que tenho usado e explorado. Mas Senhor, eu quero ir para a luz e poder ver. 
Porque, só então serei um discípulo daquele que disse ser a luz do mundo. Mes-
tre, abre-me os olhos!”
Quando era criança, costumava assentar na varanda de nossa casa, numa 
pequena fazenda no interior do estado do Espírito Santo, para presenciar o es-
petáculo de uma noite tempestuosa. Eu gostava de ver o clarão dos relâmpagos 
iluminando as colinas ao redor de nossa casa, ou rio que corria precisamente a 
frente de enormes coqueiros. Em fração de segundos, o relâmpago iluminava 
a escuridão impenetrável. O relâmpago revelava a realidade do mundo ao meu 
redor. Então as trevas retornavam, mas depois do relâmpago, a escuridão já não 
era mais a mesma. Eu aprendi, então, que o relâmpago transforma a escuridão 
para sempre. Ele destrói para sempre a tirania das trevas.
Jesus Cristo entrou em nosso mundo, sua presença, sua vida, ministério, 
ensinos, e sua morte e ressurreição foram o “relâmpago” da revelação de Deus 
nas nossas trevas. Aqueles que veem o seu clarão, passam a experimentar a vida 
de forma diferente. Após nosso encontro com Jesus as trevas ao nosso redor 
nunca mais serão as mesmas. Nosso vazio interior. Nossa falta de propósito 
e solidão. Nossa impotência diante das perplexidades e absurdos da vida e o 
próprio medo da morte terão sido mudados para sempre. Depois de Cristo, as 
trevas nunca mais serão as mesmas. Ele é como a luz do Sol. Não cremos nela 
apenas porque a vemos, mas porque através dela vemos todas as coisas.
Para ponderar
Segundo o testemunho das Escrituras, Satanás, o deus deste século, cega 
o entendimento das pessoas, para que não lhes resplandeça a luz do evange-
lho (2Co 4:4). Isso signifi ca que desde a queda da raça humana, registrada em 
Genesis 3, todas as pessoas que nasceram e vão nascer no planeta Terra, natu-
ralmente são criaturas das trevas. Como Cristo disse, não podemos ver (Jo 3:3), 
pois Satanás cegou e ainda cega às pessoas de tal forma que elas não podem ver 
o que elas são na verdade. Somos incapazes de ver que nossa vida avança para 
o desastre.
Há ainda um aspecto mais deplorável na condição humana. Não apenas 
Cristo nos oferece visão, mas Ele não 
a impõe. Daí sua pergunta a Bartimeu, 
que, em última análise, é um tipo da 
pergunta que Ele faz a todos nós: “Que 
queres que eu te faça?”
6CAPÍTULO
J e s u s C r i s t o 
s e g u n d o o 
e v a n g e l h o d e 
M a r c o s
“Ora, certa mulher, que havia doze anos padecia de uma hemorragia. 
Tendo ouvido falar a respeito de Jesus, veio por detrás, entre a 
multidão, e tocou-lhe o manto; porque dizia: Se tão-somente tocar-
lhe as vestes, fi caria curada.”
Marcos 5:25, 27-28
não vemos, mas nos tornamos acostumados com as trevas e passamos a crer 
que esta é a forma natural das coisas. Nos acostumamos de tal forma com nos-
sas insanidades que o antinatural, se torna o natural. No livro Abundant Li-
ving, E. Stanley Jones (1942) conta que conheceu, na Índia, um homem que se 
acostumou a andar numa bicicleta de guidão torto, o qual se fosse endireitado, 
o homem cairia. Ele se tornou, segundo Jones, “naturalizado na tortura”. Para 
aqueles que são naturalizados na tortura do mundo, sua fi losofi a, gostos, opi-
niões, conselhos e estilo, além dos seus sedutores deuses contrafeitos que tanto 
gostamos de cultuar, como divindades absolutas (sexo, sucesso, dinheiro, poder 
e consumo), é impossível ver clara e corretamente. O realismo de Cristo se tor-
na idealístico. De fato, o seu realismo é simplesmente incompreensível e sem 
sentido para todos os que estão presos nas trevas da pequena concha em que 
vivem.
Visão espiritual é possível apenas através do novo nascimento (que não 
é primariamente o que Deus exige, mas o que Ele nos oferece), experiência na 
qual o Senhor restaura, ou melhor ainda, ressuscita em nós, aquilo que original-
mente morreu no Éden (Gn 3:3). Cristo nos oferece visão, mas Ele não a impõe. 
Daí sua pergunta a Bartimeu, que, em última análise, é um tipo da pergunta que 
Ele faz a todos nós: “Que queres que eu te faça?” Cristo vem a nós como luz (Jo 
4:4-5:9). Ele ilumina nossas trevas para que vejamos todas as nossas distorções, 
a feiúra do pecado e seu caráter destrutivo. Ele revela as riquezas de sua glória, 
para que vejamos, afi nal, que o pecado não é natural à nossa verdadeira essência 
como criaturas de Deus.
A visão que Cristo nos oferece, como a verdadeira luz (Jo 8:12), nos ajuda a 
ver o que realmente é importante, além de impedir que sejamos enganados com 
a ideia de que tudo está como deveria ser. Muitos podem estar satisfeitos nas 
trevas, enquanto outros estão satisfeitos na sua justiça própria, que por ironia é 
outro tipo de cegueira, talvez até mais difícil de ser curada. Nossa necessidade 
de visão espiritual cobre um enorme campo e aspectos da vida na medida em 
que avançamos em santifi cação. A visão, de certa forma, como a própria santifi -
cação, é gradativa. Não há ponto fi nal nela, assim como é permanente o desafi o 
de Cristo cada vez que Ele nos pergunta: “Que queres que Eu te faça?”
“E, logo que Jesus saíra do barco, lhe veio ao encontro, dos sepulcros, um 
homem com espírito imundo. Vendo, pois, de longe a Jesus, correu e adorou-o.”
Marcos 5:2-3, 6
“Enquanto ele ainda falava, chegaram pessoas da casa do chefe 
da sinagoga, a quem disseram: A tua fi lha já morreu; por que ainda 
incomodas o Mestre? O que percebendo Jesus, disse ao chefe da 
sinagoga: Não temas, crê somente.”
Marcos 5:35-36
Jesus Cristo segundo o evangelho de Marcos
83 
O evangelho segundo Marcos, o menor dos quatro evangelhos, é por 
um bom número de intérpretes, com considerável grau de consenso, conside-
rado o mais antigo dos evangelhos. Seu caráter dinâmi co e de cenas rápidas, 
torna-o de fácil e agradável leitura. Os detalhes das narrativas provam-se um 
indispensável complemento na leitura dos demais evangelhos canônicos. A 
tradição relaciona o evangelho de Marcos com um personagem e com um lu-
gar: o personagem é o apóstolo Pedro e o lugar é Roma. Estes dois elementos 
exerceram forte impacto na formação e conteúdo do segundo evangelho, e no 
quadro de Cristo que emerge de suas páginas.
Escritores cristãos, já a partir do segundo século, concordam que Mar-
cos esteve com Pedro em Roma na última parte da vida do apóstolo, e que 
registrou em sua narrativa as coisas que Pedro falou acerca de Jesus Cristo. 
Quer Marcos tenha escrito antes do martírio de Pedro (aproximadamente 
entre 65-68 d.C.) ou depois, não é certo; argumentospara as duas possi-
bilidades frequentemente são mencionadas. O que é certo, contudo, é que 
houve uma conexão entre os dois e que o evangelho de Marcos é, em certa 
medida, o registro do testemunho de Pedro. Já no segundo século, Marcos é 
descrito por Papias, bispo de Hierápolis, numa referência de Eusébio (2000, 
p. 62), como o “intérprete de Pedro”.1
1 Eusébio Cesaréia (2000, p. 62) menciona ainda que, depois da morte de Pedro “uma 
grande luz de piedade iluminou a mente dos ouvintes de Pedro, de modo que não lhes 
era sufi ciente ouvir uma voz sem receber o ensino escrito da proclamação divina, mas, 
com todo tipo de exortação, suplicaram a Marcos, cujo Evangelho temos, que, como 
companheiro de Pedro, lhes deixasse um registro escrito dos ensinos que lhe foram da-
dos verbalmente”. A identifi cação de Marcos com Pedro é ainda confi rmada por Irineu 
(Agaist Heresies 3.1.1-2), e Clemente de Alexandria, também em referencia de Eusébio 
(Eccl. History, 6:14). João Marcos é conhecido como assistente Pedro, Paulo e Barnabé 
(At 12:12, 25; 13:13; 15:37-39; I Ped. 5:13; Fm 24; Cl 4:10; 2 Tm 4:11). Não ignoramos, 
contudo, que a conexão Petrina do evangelho de Marcos é negada por autores de orien-
tação “liberal” (ver, por exemplo, FEINE, et all, 1966, p. 68-69). Pelo menos, parte das 
objeções tem que ver com a confi abilidade do testemunho de Papias, como registra-
do por Eusébio, visto como a única testemunha independente acerca do Evangelho de 
Marcos, como “as memórias de Pedro”, (Justino, Dialogues, 106.3) Para maiores detalhes 
Jesus Cristo segundo o evangelho de MarcosO Incomparável Jesus Cristo
84 85 
Ao escrever, portanto, Marcos não está dependendo de suas reminiscên-
cias, mas narrando de primeira mão o testemunho apostólico. Assim, lendo o 
evangelho de Marcos, estamos vendo Jesus, através dos olhos de Pedro. De fato, 
Clemente de Roma, um dos primitivos pais da Igreja, cita o evangelhode Mar-
cos, como “as memórias de Pedro”. Esta conexão entre Marcos e Pedro, contudo, 
não depende unicamente da tradição. Ela tem o endosso do Novo Testamento. 
Nas palavras do próprio Pedro: “A vossa co-eleita em Babilônia vos saúda, como 
também meu fi lho Marcos” (1Pd 5:13).
Aqui, “Babilônia” é um pseudônimo para Roma, e a “co-eleita,” uma refe-
rência à igreja na cidade de Roma, de onde Pedro escreve sua epístola. Com ele, 
neste tempo da furiosa perseguição de Nero à igreja cristã em Roma, está Mar-
cos, a quem Pedro se refere como seu “fi lho”. Esta é a forte evidência de que os 
dois estiveram juntos em Roma e que houve entre eles íntimo relacionamento 
espiritual. Eles haviam experimentado grande fracasso e partilharam da graça 
redentora de Deus.
Se, como geralmente crido, não muito tempo depois, Pedro sofreu o mar-
tírio, não é difícil entender porque Marcos escreveu o seu evangelho. A voz do 
apóstolo havia sido silenciada, seu testemunho, entretanto, deveria continuar 
vivo. O evangelho de Marcos é virtualmente o evangelho de Pedro, uma vez que 
Marcos grandemente dependeu das informações do apostolo.2 Tal conclusão é 
apoiada por um número de fatores adicionais:
Primeiro: o ponto de início do evangelho. A narrativa começa pratica-
mente no ponto de contato inicial de Pedro com Jesus, depois da referência ao 
ministério de João Batista e do batismo de Jesus (Mc 1:14-45) e termina com a 
mensagem especial do anjo às mulheres na tumba vazia: “ide, dizei aos discípu-
los e a Pedro, que Ele vai adiante de vós para a Galileia, lá o vereis como Ele vos 
disse” (Mc 16:7).
da argumentação, a favor e contra ver Rigg, 1956, p. 161. Não é parte, entretanto, de 
nosso propósito aqui, entrar neste tipo de interminável discussão.
2 Nesse caso poder-se-ia perguntar como funcionou o fenômeno da revelação, uma 
vez que não temos nenhuma referencia a “sonhos e visões,” do que, como comumente, 
julgamos depende toda revelação? Devemos lembrar que embora “toda Escritura é di-
vinamente inspirada,” (2Tm 3:16), o que não signifi ca que toda Escritura seja inspirada 
da mesma forma. O Evangelho de Lucas também não dependeu do modelo de “sonhos 
e visões”, como fontes de informação, mas, segundo o próprio Lucas, de uma investiga-
ção cuidadosa entre testemunhas oculares do ministério de Cristo (Lc 1:1-4). Ellen G. 
White (s/d, p. 7-10; 1966, p. 15-23) sugere, nestes casos, que o autor inspirado foi guiado 
pelo Espírito Santo, na busca e seleção das informações incluídas em sua narrativa.
Segundo: o evangelho de Marcos está repleto de vívidas cenas de testemu-
nho ocular. Marcos não poderia pessoalmente estar informado dos muitos de-
talhes que ele registra, considerando-se que ele mesmo não pertenceu ao grupo 
dos primitivos apóstolos. Ele deve ter obtido suas informações de alguém, que 
fazia parte do círculo íntimo de Jesus, o qual, posteriormente, relembrou o que 
ele havia presenciado. E quem melhor poderia desempenhar este papel para 
Marcos, do que Simão Pedro? Então, sob a ação do Espírito Santo, tais informa-
ções foram selecionadas e incluídas no evangelho, de forma mais temática do 
que biográfi ca.
Terceiro: talvez o mais signifi cativo de todos os argumentos é o quadro de 
Pedro que encontramos neste evangelho. Raramente Pedro é mencionado, exceto 
quando aparece sob luz negativa. Nenhuma tentativa é feita para desculpar suas 
falhas, ao contrário, aquelas cenas onde os outros evangelhos o apresentam como 
“herói,” em Marcos elas são totalmente omitidas, por quê? Provavelmente há ape-
nas uma explicação: o envelhecido apóstolo, não toma nenhum tempo para falar 
de si. Sua atitude do passado, marcada por destemperos e confi ança própria, é 
agora vista como envolvida numa aura de tristeza, sob outra perspectiva.
Marcos e sua audiência
O teor não judaico deste Evangelho, claramente indica que ele é escrito 
para cristãos gentios, provavelmente romanos. Marcos não faz qualquer refe-
rência à genealogia de Jesus, porque certamente isso não poderia interessar aos 
romanos, mas inclinados à ação. Jesus, portanto é descrito como um homem de 
ação e movimento, em cenas rápidas.
Jesus Cristo, aqui, é particularmente destacado em sua humanidade. Ho-
Se, como geralmente crido, não muito 
tempo depois, Pedro sofreu o martírio, 
não é difícil entender porque Marcos 
escreveu o seu evangelho. A voz do 
apóstolo havia sido silenciada, seu 
testemunho, entretanto, deveria 
continuar vivo.
Jesus Cristo segundo o evangelho de MarcosO Incomparável Jesus Cristo
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mem de dores, que trilha o caminho do sofrimento. De fato, Ele é, sobretudo, 
visto como o servo sofredor, sem que Isaías 53 seja jamais citado. Cristo realiza 
seu papel como redentor, através da cruz, e é precisamente na cruz que a maior 
revelação de sua dignidade messiânica é feita. De fato, metade do evangelho 
concentra-se nas cenas da última semana do ministério de Jesus. Para Marcos, 
tais cenas, ligadas ao tema da paixão de Cristo, tem caráter central em sua nar-
rativa.
Por que tamanha concentração na oposição que Jesus enfrenta e nos sofri-
mentos aos quais Ele é submetido? Porque, certamente, Marcos está escrevendo 
para cristãos enfrentando severa perseguição, sob o do reinado de Nero, o feroz 
e insano imperador romano. Perseguição e morte pairam no ar. Marcos pratica-
mente está afi rmando aos cristãos que a senda que eles agora palmilham, já foi 
anteriormente ungida e consagrada pelo Salvador. Jesus trilhou antes a vereda 
da dor e com os seus pés suavizou os espinhos do caminho, absorvendo a dor 
maior para que nenhum discípulo se sinta sozinho e desamparado. Continua 
sendo verdade que, “seus discípulos não podem chorar, sem que Ele sinta o 
gosto de sal nos lábios”. Como Walter W. Wessel (1984, p. 610), escreve na in-
trodução do seu comentário de Marcos:
A maneira como Marcos prepara seus leitores cristãos para o sofri-
mento, é colocando diante deles a experiência da paixão de Jesus. O 
caminho de Cristo, foi a via dolorosa. O caminho do discipulado para 
os cristãos é a mesma vereda – a vereda da cruz.Cerca de um terço 
do evangelho de Marcos é devotado à morte de Jesus. E não apenas 
na paixão de Jesus, o tema do sofrimento é encontrado. Muitas ou-
tras referências veladas ocorrem em outras circunstancias da vida de 
Jesus em Marcos.
O Cristo compassivo e misericordioso
Claramente, em Marcos, Jesus exerce absoluta soberania sobre os demô-
nios, a doença e a morte, mas isso não é tudo. Marcos não está apenas interessa-
do no poder revelado em Cristo, como mera exibição de força. Provavelmente 
isso não apelaria aos seus leitores. Jesus é sobretudo o compassivo Cristo, divi-
namente humano, gracioso. Seu poder não aparece divorciado da compaixão 
e do amor. É extraordinário, em Marcos, o interesse de Jesus pelas pessoas. O 
sofrimento delas o comove profundamente. Ao contrario de Mateus, Marcos 
não registra muitos dos ensinos de Jesus. Enquanto encontramos aqui apenas 
quatro parábolas, abundam os milagres: cerca de vinte deles são relatados. Al-
guns com riqueza de detalhes. Não é de surpreender que Marcos seja conhecido 
como o “evangelho mais da ação do que dos ensinos” (BOCK, 2002, p. 32).
De fato, grande parte do segundo evangelho é tomado para narrar as po-
derosas obras de Cristo em favor de pessoas desamparados. Combinadas com 
os sumários de curas, estas unidades compreendem um terço do evangelho e 
quase metade dos primeiros dez capítulos. Tais quadros da autoridade de Jesus 
são importantes para Marcos, o qual apresenta Jesus como quem ensina com 
autoridade, mas tendo a chave de sua autoridade em atos de compaixão3, e não 
apenas em seus pronunciamentos.
O ministério de Jesus é sumarizado pela afi rmação em Marcos 10:45, quan-
do Ele ensina aos discípulos a colocarem o serviço por outros antes dos interesses 
pessoais. “E quem quiser ser o primeiro entre vós será servo de todos, pois o pró-
prio Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida 
em resgate por muitos” (Mc 10:43-44). Ele próprio é o sumo exemplo de serviço. 
Ele é o servo do Senhor por excelência. Aquele que coroa seu ministério com o 
sacrifício. De fato, o próprio evangelho de Marcos, parece organizado em termos 
destes dois temas: “o Filho do Homem veio para servir” e “o Filho do Homem 
veio para dar sua vida em resgate por muitos.” A primeira metade tratando com 
suas ações em favor de pessoas em necessidade e a segunda tratando com o seu 
sacrifício em favor da humanidade. Que afi nal, formam um único tema.
3 Jesus é constantemente descrito, em Marcos, como “enchendo-se de compaixão” 
(ver1:41; 6:34; 10:13-16).
Marcos praticamente está afi rmando 
aos cristãos que a senda que eles 
agora palmilham, já foi anteriormente 
ungida e consagrada pelo Salvador. 
Jesus trilhou antes a vereda da dor e 
com os seus pés suavizou os espinhos 
do caminho, absorvendo a dor maior 
para que nenhum discípulo se sinta 
sozinho e desamparado.
Jesus Cristo segundo o evangelho de MarcosO Incomparável Jesus Cristo
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Encontros
O capítulo 5 de Marcos registra narrativas de três quadros de milagres, 
exemplifi cando o tipo de evangelismo vivido por Cristo, o evangelista mestre. 
Ele se misturava com as pessoas, identifi cando-se com as suas necessidades e 
interessado nelas, ministrando a elas e depois as desafi andoa aceitar e a segui-lo. 
A cura do endemoninhado geraseno (v. 1-20); a cura de uma mulher enferma 
de hemorragia (v. 5–34) e a ressurreição da fi lha de Jairo (v. 39-43) representam 
três encontros de Jesus com o desamparo da condição humana. Curiosamente, 
pelo menos em dois destes casos, o objeto de seu interesse é de pessoas gentí-
licas, que, além disso, representavam a periferia de qualquer valor pragmático. 
Mas Jesus era o Mestre no interesse pelos “fragmentos”.
Jesus e o endemoninhado geraseno
Jesus cruza com os discípulos o mar da Galileia, dirigindo-se para o lado 
oriental. A distância entre uma margem e outra, é de aproximadamente oito 
quilômetros mar adentro. O destino era chegar à região de Decápolis, habitada 
desde tempos imemoriais, em sua maior parte, por não judeus. Esta região está 
incluída na descrição de Mateus, citando as poéticas palavras de Isaías: “terra de 
Zebulon, terra de Naft ali, caminho do mar, além do Jordão, Galileia dos gentios, 
o povo que estava em trevas viu grande luz, e aos que estavam na região e som-
bra de morte, raiou-lhe grande luz” (Mt 4:15-17).
Ao desembarcar Jesus confronta-se com este endemoninhado, vivendo 
entre os sepulcros, provavelmente, banido do convívio social. Tentativas para 
contê-lo são testemunhadas pelos pedaços de correntes partidas, pendendo de 
seus pulsos e pernas. A tradição judaica cria que os cemitérios, pântanos e de-
sertos, eram as regiões habitadas pelos demônios.
Saindo ele do barco, saiu-lhe ao encontro, dos sepulcros, um homem 
possesso de espírito imundo, o qual morava nos sepulcros, e nem 
ainda com cadeias o podia alguém prender. Pois tendo sido muitas 
vezes preso com grilhões e cadeias, se foram por ele feitas em peda-
ços, e os grilhões em migalhas e ninguém pode subjugá-lo. Andava 
sempre, de dia e de noite, clamando pelos montes, e pelos sepulcros, 
ferindo-se com pedras. Quando ele viu a Jesus de longe, correu e o 
adorou. Clamando em alta voz: que tenho eu contigo, Jesus fi lho do 
Deus Altíssimo? (Mc 5:2-7).
Estes versos descrevem o estado mental do homem. Seus gritos acompa-
nhados pelo comportamento autodestrutivo, vagando dia e noite em meio dos 
túmulos, são claros sinais de anormalidade. Juntos, estes versos apresentam as 
quatro características de insanidade ou possessão, como entendidas no judaís-
mo: a) correr sem destino, durante a noite; b) passar noites em cemitérios; c) 
rasgar as roupas e d) destruir o que fora utilizado nele (GUELICH, 1989, p. 278).
Que valor poderia alguém atribuir a uma criatura dessas? Mas é precisa-
mente aqui que nós encontramos a suprema especialidade de Cristo: ver além 
das aparências, discernir além do nevoeiro das circunstâncias. “Quando ele o 
viu de longe, correu e o adorou”, acrescentando sua tentativa inútil de manter-se 
afastado: “que tenho eu contigo, Jesus, Filho do Deus altíssimo?” As ações des-
critas nestas palavras, são as ações do demônio. Curiosamente, o homem não 
chega a formular nenhuma súplica explicita. Contudo, Jesus ouve o pedido de 
socorro do seu coração. O real inimigo à sua frente já era um velho conhecido. 
Um colecionar de fracassos em encontros anteriores, e agora, prestes a enfrentar 
nova derrota.
O atormentador, muda o seu papel, e apela para que Jesus não o atormente, 
em evidente demonstração de submissão e reconhecimento da superioridade 
de Cristo. A seqüência dos versos 8 e 9 parece invertida. Jesus ordena que o 
demônio deixe a sua vítima e então pergunta: “qual o teu nome?” Encontramos 
no texto um signifi cativo detalhe: o exorcismo antecede a formulação do nome.
Entre os rabinos havia a crença de que para se ganhar poder sobre o demô-
nio e autoridade para o exorcismo, era necessário conhecer-lhe o nome. Con-
tudo, esta não é a razão de Jesus. O demônio já fora expulso. Ele pergunta o 
nome para estabelecer uma distinção entre a identidade do homem recuperado 
e as forças malignas que o oprimiram. Tão completamente tais forças o haviam 
assediado e possuído, que o homem tornara-se incapaz de ver-se ou agir sepa-
Que valor poderia alguém atribuir a uma 
criatura dessas? Mas é precisamente 
aqui que nós encontramos a suprema 
especialidade de Cristo: ver além das 
aparências, discernir além do nevoeiro 
das circunstâncias. 
Jesus Cristo segundo o evangelho de MarcosO Incomparável Jesus Cristo
90 91 
rado delas. Os espíritos imundos, fi nalmente, haviam se deparado com alguém 
maior, que se colocou como defensor desta pobre criatura.
Em resposta à pergunta de Jesus, sobre o seu nome, o demônio responde: 
“Legião […] pois somos muitos” (Mc 5:9). Seria este um nome coletivo? A re-
ferência à legião, relembra a presença de Roma, poder invasor e a submissão a 
um poder estrangeiro. Uma legiãoera composta de seis mil soldados, incluindo 
infantaria e cavalaria. No texto, provavelmente, temos apenas a indicação de 
uma força agregada, de enorme poder de domínio.
Os demônios novamente são descritos em papel subserviente, suplican-
do que Jesus lhes permita que tomem posse de uma manada de porcos que 
pastava nas redondezas (Mc 5:11-12). “Jesus o permitiu. Saindo aqueles espíri-
tos imundos, entraram nos porcos, e a manada (que era de cerca de dois mil), 
precipitou-se por um despenhadeiro no mar, onde se afogaram” (Mc 5:13). Há 
na cena certa dose de humor. Imagine-se essas centenas de porcos correndo, 
em enorme alvoroço, sem destino, seguidos por seus guardadores, vestidos em 
trajes inadequados para um exercício desta natureza, também aos gritos e de-
sesperados, buscando controlar a situação, mas sem saber exatamente o que 
está acontecendo. Cômico, se não fosse trágico.
Impedidos de exterminarem o homem, os emissários da destruição, ani-
quilamos porcos,vividamente demonstrando a natureza destrutiva das forças 
malignas. Ao permitir a possessão dos porcos, Jesus confi rma no antigo posses-
so, sua autoridade sobre Satanás e a certeza de que algo havia sido feito por ele. 
Ao ver os demônios no destino escolhido, ele sabe que eles o haviam abandona-
do para sempre. Sua identidade, separada dos espíritos imundos é fi nalmente 
restaurada. Em outras palavras, Jesus desejou dar ao homem e às possíveis pes-
soas ao redor tangível evidência de que os demônios, realmente, haviam deixa-
do a sua antiga vítima.
O endemoninhado geraseno, que no início da narrativa aparece nu e des-
fi gurado, termina aos pés de Cristo, em plena posse de suas faculdades. Ellen G. 
White (1965, p. 250) observa em comoventes palavras:
Maravilhosa mudança se operara no possesso. Fizera-se-lhe luz no 
cérebro. Brilharam-lhe os olhos de inteligência. A fi sionomia, por 
tanto tempo mudada à semelhança de Satanás, tornara-se repentina-
mente branda, tranquilas as ensanguentadas mãos, e louvava alegre-
mente a Deus por sua libertação.
O homem que havia sido possesso desejou acompanhar Jesus (Mc 5:18), 
uma reação natural. Ele desejava a companhia de Cristo, pois ninguém jamais-
lhe havia demonstrara tal interesse e compaixão. Mas o Senhor não permite e 
em lugar disso, Ele lhe dá uma tarefa mais difícil. O ex-endemoninhado recebe 
uma comissão especial: “vai para tua casa, para os teus, e anuncia-lhes quão 
grandes coisas o Senhor te fez e como teve misericórdia de ti” (v. 19). A expres-
são “tua casa” poderia aqui ser traduzida como “teu povo” ou “tua região”. Em 
obediência, “ele foi, e começou a anunciar em Decápolis quão grandes coisas 
Jesus lhe fi zera. E todos se maravilhavam” (v. 20).
A ordem de Jesus, curiosamente, aparece em explícito contraste com a ins-
trução dele ao leproso purifi cado, em Marcos 1:44: “não digas nada a ninguém” 
ou mesmo à ordem dada no último verso de Marcos 5, depois da ressurreição 
da fi lha de Jairo (Mc 5:43). Isso faz contraste com o tema comum em Marcos, 
conhecido como “o segredo messiânico”, no qual Jesus com frequência ordena 
silencio a respeito de seus milagres. Provavelmente, porque, no caso da ordem 
ao ex-endemoninhado, Ele está em território gentio e, assim, havia pequena 
possibilidade de que circulassem sobre Ele, as ideias messiânicas populares en-
tre os judeus.
Dessa forma, a ex-vítima de espíritos malignos tornou-se o primeiro mis-
sionário cristão aos gentios. Decápolis, as cidades gregas do lado oriental do 
Jordão organizadas no período selêucida, foram iluminadas pelo menos pro-
vável dos missionários. Esse pré-evangelismo, preparou a região, para a plena 
mensagem do evangelho, posterior à cruz. Marcos provavelmente considerou 
este incidente como a inauguração da missão aos gentios. Os estrangeiros de 
além do Jordão já haviam tido contato com Cristo (Mc 3:8), mas agora é Cris-
to quem havia entrado em seu território, e especifi camente comissionado um 
Num ut eius. Vent inciet moluptur ad 
qui as doluptur apietus, aliquae dictur, 
se comnis venempos autem recta por 
same net eum et es vent occuscitem. 
Ut perio. Simint mos minusan tiatur 
molorum quidus ad esenit porit rest 
aspis a denimus sam, sit velestrum 
velisim aiosam rem nobis sus accum
Jesus Cristo segundo o evangelho de MarcosO Incomparável Jesus Cristo
92 93 
mensageiro para eles. O último verso da narrativa afi rma que diante testemu-
nho do ex-possesso, “todos se maravilhavam” (Mc 5:20), o que descreve, não 
apenas a estupefação diante do milagre que ocorrera nele, mas “em resposta à 
sua pregação” (GUELICH, 1986, p. 286).
Devemos, afi nal, observar à extraordinária sequencia da narrativa. Jesus 
cruza em noite tempestuosa, os oito quilômetros que o separavam do endemo-
ninhado geraseno. Depois de restaurar o antigo morador dos sepulcros e comis-
sioná-lo, imediatamente Ele toma o barco e retorna à margem de onde veio,o 
lado ocidental (Mc 5:21). Aparentemente Jesus, cruzou o mar da Galileia, com 
um único propósito: libertar este pobre coitado, completamente abandonado à 
sua sorte, sem absolutamente qualquer esperança e,então,voltar. As implicações 
são absolutamente impressivas; um tipo de sua visita à família humana, tam-
bém dominada por forças aparentemente incontroláveis.
Jesus age em favor deste homem e, através dele, está dizendo a todos que 
se Deus fosse colocar uma etiqueta de preço em cada pessoa, não importa em 
que situação ela esteja vivendo, o número seria tão grande, que não seriamos 
capazes de ler. Tal o valor atribuído a cada um de nós. Aqui encontramos o re-
gistro do seu inequívoco interesse, pelo indivíduo, afl ito, ferido, dominado por 
poderes invasores.
Curioso é que as cenas de exorcismo parecem de interesse particular para 
Marcos. O primeiro milagre registrado no segundo evangelho é, signifi cante-
mente, um milagre de exorcismo (Mc 1:21-28). Parece que Marcos viu nestas 
obras uma extraordinária demonstração do supremo poder do Salvador. Ele 
exerce domínio absoluto sobre os espíritos malignos. No mundo moderno bus-
camos explicar fenômenos espirituais em termos científi cos,mas nem tudo o 
que está errado com a personalidade humana, pode ser atribuída a difi culdades 
psicológicas,curáveis em termos médicos.
Em seu interesse pelos desamparados, Jesus demonstra que há poder dis-
ponível para a libertação das forças que oprimem e escravizam suas criaturas. 
Ninguém está excluído de sua poderosa oferta de verdadeira liberdade, a não 
ser aqueles que decidem se excluir. Como Calvino (apud WESSEL, 1984, p. 658) 
escreveu, “embora não sejamos torturados pelo diabo [o que é de se duvidar], 
ele, contudo, nos retêm como escravos, até que o Filho de Deus nos liberte de 
sua tirania. Nus e desfi gurados, vagamos sem rumo até que Ele nos restaure a 
sanidade da nossa mente.”
A mulher enferma
De volta para banda ocidental do lago, Jesus depara-se com o pedido de 
Jairo, “um dos principais da sinagoga”. Provavelmente um leigo, com responsa-
bilidades administrativas na sinagoga local. Jairo certamente ouviu falar acerca 
de Jesus e acreditou que Ele poderia salvar sua fi lha. Sua necessidade é urgente. 
Na presença de Cristo, ele se despe de toda a dignidade e orgulho, cai aos pés 
do Senhor: “vendo-o, prostrou-se aos seus pés, e rogava-lhe muito: minha fi lha 
está à morte. Rogo-te que venhas e lhe imponhas as mãos para que sare, e viva” 
(Mc 5:22-23).
Marcos não registra nenhuma resposta oral de Jesus ao pedido de Jairo. 
Aqui Jesus não fala, Ele age: “pelo que Jesus foi com ele” (Mc 5:24). O texto 
acrescenta que uma “grande multidão o seguia, comprimindo-o” (Mc 5:24). 
Provavelmente curiosos, que o acompanhavam e provavelmente atrasavam sua 
caminhada.
No meio da multidão, contudo, encontra-se alguém cujo destino seria 
mudado para sempre pela esta aparente demora de Cristo. O contra ponto na 
história é de extraordinária beleza. Representantes da tradição cristã sugerem 
que Jesus providencialmente interpôs uma demora propositada. No texto bíbli-co lemos que:
Certa mulher, que havia doze anos tinha uma hemorragia, e que ha-
via padecido muito à mão de vários médicos, e despendido tudo o 
que tinha sem contudo nada aproveitar, pelo contrário, indo a pior, 
ouvindo falar de Jesus, veio por detrás, entre a multidão, e tocou 
na sua veste. Dizia ela: Se tão somente tocar nas suas vestes sararei 
(Mc 5:25-28).
Jesus age em favor deste homem e, 
através dele, está dizendo a todos que 
se Deus fosse colocar uma etiqueta de 
preço em cada pessoa, não importa 
em que situação ela esteja vivendo, 
o número seria tão grande, que não 
seriamos capazes de ler. Tal o valor 
atribuído a cada um de nós.
Jesus Cristo segundo o evangelho de MarcosO Incomparável Jesus Cristo
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Eusébio registraria, mais tarde, a tradição a respeito desta mulher gentíli-
ca, sofrendo de uma hemorragia crônica, da qual nenhum medico conseguira 
liberta-la, em doze anos de gastos e buscas. Os rabinos tinham as mais absurdas 
e ridículas receitas para a cura do fl uxo de sangue. O rabi Jochanan sugeria uma 
série de alternativas para cura, todas elas terminando com o invariável, refrão, 
“mas se falhar”. E invariavelmente, cada uma das prescrições falhava. Segundo 
William Barcklay (1975, p. 29):
O Talmude oferece nada menos do que onze curas para tal problema. Al-
gumas delas compostas de tônicos e chás; mas outras de pura superstição, 
como carregar as cinzas de um ovo de avestruz em um trapo de linho, no 
verão, ou em um trapo de algodão no inverno; ou carregar uma haste de 
milho, encontrada nos excrementos de uma jumenta branca.
Não nos surpreende que, também segundo Lucas, esta mulher “gastara com 
os médicos todos os seus haveres, e por nenhum pudera ser curada” (Lc 8:43). 
Além de fraca, tímida exaurida das forças por este mal crônico, contudo, era a 
própria natureza da enfermidade que a deprimia e a deixava insegura. O fl uxo 
de sangue não apenas a tornava cerimonialmente impura (ver Lv 15:25), mas 
tornava-se imundo quem tocasse nela (Lv 15:27). A doença tinha, assim, umter-
rível caráter embaraçoso.Um fardo emocionalgrandementeconstrangedor para 
qualquer mulher, na cultura judaica do primeiro século. Provavelmente ela se 
sentia profundamente envergonhada para expressar o seu pedido verbalmente, 
na presença de outros, ou mesmo para dirigir-se a este rabi, com este tipo de 
necessidade. Mas ali estava a grande oportunidade da sua vida. A providência 
divina a havia colocado na presença do grande médico.
Ela, como Marcos nos informa, ouvira falar do jovem pregador da Galiléia. 
Ignorante e supersticiosa pensava: “se eu apenas tocar a orla de sua veste” (Lc 
8:44). Segundo o livro de Levítico, a orla do manto, era marcada por um cor-
dão azul, símbolo da identidade de um Israelita, membro do povo do concerto. 
Ela se aproxima por trás, determinada a tocar o manto de Cristo. Certamente 
não na parte mais conveniente, mas a mais sagrada. Prostrada,estende a mão e 
toca a orla do manto de Jesus, contudo, não foi um toque casual. No capítulo 
“O toque da fé”, do livro Desejado de Todas as Nações, Ellen G. White (1965, p. 
255) afi rma que “quando Jesus ia passando, ela avançou, conseguido tocar-lhe 
de leve, na orla do vestido. No mesmo instante, todavia sentiu que estava sã. 
Concentra-se naquele único toque e, num momento, a doença e a fraqueza de-
ram lugar ao vigor da perfeita saúde”.
O contato foi feito e o resultado imediato é cura e gozo. A conduta de Jesus, 
na narrativa que segue, registrada em detalhes, é simplesmente extraordiná-
ria. Tal relato aparece como um encorajamento, a quem quer que seja, onde o 
Evangelho for pregado: “voltou-se na multidão, e perguntou: Quem tocou nas 
minhas vestes?” (Mc 5:30). Jesus desconhece completamente a ideia moderna 
da “exclusão digital”. Ninguém é excluído. Ele reconhece a todos, cada um é 
notado e perfeitamente incluído no círculo de sua graça. “Quem me tocou?” A 
pergunta parece absurda para os discípulos, que tentam dissuadi-lo, quase irri-
tados: “vês que a multidão te aperta, e dizes: quem me tocou?” (Mc 5:31). Para 
eles qualquer toque ali seria considerado natural. Mas a sensibilidade espiritual 
de Cristo, não permitiria qualquer confusão. E “olhava ao redor, para ver quem 
isto fi zera” (Mc 5:32). A mulher, então, começa a se sentir aterrorizada. Ela pen-
sou ter roubado uma benção sem permissão e poderia, além de ser punida por 
isso, ser exposta. O propósito de Cristo, contudo, não era repreender ou expor, 
mas fazer contato pessoal, pois ela precisava saber que fora a fé, não uma crença 
supersticiosa ou alguma mágica, que fora a causa de sua cura.
A surpresa é ainda maior diante da brandura de Cristo ao confi rmar a 
benção. Jesus queria que ela soubesse que fora pessoalmente notada. Então, não 
podendo esconder o que lhe tinha acontecido, “temendo e tremendo, aproxi-
mou-se, prostrou-se diante dele, e declarou-lhe toda a verdade” (Mc 5:33). Isso 
certamente deve ter-lhe exigido grande coragem, considerando-se anoção de 
sua impureza cerimonial. Jesus dirige-se a ela brandamente “fi lha”. A forma de 
tratamento não poderia ser mais compassiva e doce. Esta é a única ocorrência 
da palavra nos evangelhos. “Filha, a tua fé de salvou. Vai em paz, e sê curada 
deste teu mal” (Mc 5:34).
A expressão “vá em paz”, fórmula tradicional ligada à riqueza da palavra 
hebraica “shalom”, signifi ca mais que libertação da ansiedade interior. Inclui a 
plenitude da vida que entra em relacionamento correto com Deus. Aqui, tan-
Jesus desconhece completamente a ideia 
moderna da “exclusão digital”. Ninguém 
é excluído. Ele reconhece a todos, cada 
um é notado e perfeitamente incluído no 
círculo de sua graça. 
Jesus Cristo segundo o evangelho de MarcosO Incomparável Jesus Cristo
96 97 
to a cura física e salvação teológica convergem. A última afi rmação de Jesus à 
mulher (“sê livre do seu sofrimento”) é a confi rmação fi nal da benção que Ele 
lhe trouxera e a certeza de que a cura é irreversível, porque Jesus não está no 
negócio de “primeiros socorros”.
De acordo com a tradição, registrada por Eusébio de Cesaréia em sua His-
tória Eclesiástica, esta mulher, anônima nos evangelhos, chamava-se Verônica. 
Ela teria, posteriormente, se erguido em defesa de Cristo em seu julgamento 
perante o Sinédrio e lhe enxugado a face no caminho do Calvário, num lenço 
que recebeu a impressão do seu rosto. Ou, ainda, segundo a tradição, ela teria 
construído um memorial a Jesus em sua cidade, na Cesaréia de Felipe. Essas, 
contudo, são referencias que não podem ser provadas, mas servem como in-
dicadoras de que sua fé foi grandemente apreciada entre os cristãos primitivos.
O que realmente temos nesta narrativa é o enorme tributo de Jesus às 
pessoas que se sentem em necessidade, perdidas na multidão. Como então, Ele 
continua hoje atribuindo infi nito valor a cada pessoa. “Você conta. Você é im-
portante. Você é infi nitamente valioso”. Ele queria que a fé desta mulher servisse 
de exemplo e estimulo a cada pessoa nos limites de suas possibilidades, porque 
é precisamente aí que se iniciam as inesgotáveis possibilidades de Deus. Deus 
trabalha melhor nas trevas, nas nossas trevas. Jesus desejou que a mulher en-
ferma do fl uxo de sangue, levasse consigo, além da cura física, o permanente 
gozo de saber que ela tinha sido pessoalmente reconhecida. Na cena fi nal da 
narrativa, Jesus está essencialmente dizendo a ela: “Não foi você quem me tocou. 
Fui Eu quem tocou você.”
A ressurreição da fi lha de Jairo
Os últimos versos do capítulo 5 do Evangelho de Marcos narram o ter-
ceiro encontro, tratando da ressurreição da fi lha de Jairo. Enquanto Jesus ainda 
conversava com a mulher curada da hemorragia, chega a informação de que a 
menina havia morrido (Mc 5:35). Uma vez que a morte é fi nal, eles aconselham 
a Jairo a não incomodar mais a Jesus.
Jesus, contudo, ignorando a notícia e age com a naturalidade de quem 
tem pleno controle das circunstâncias. Em palavras de encorajamento, Ele diz: 
“não temas,crê somente” (Mc 5:35). “Não temas”: expressão comum nos lábios 
divinos, como uma fórmula usada quando Deus se manifesta. Fórmula comum 
nas teofanias (ver Gn 15:1; 21:17; 26:24; 46:3; Jz 6:23; Dn 10:12. 19). No entanto, 
mais que um encorajamento ao desalentado pai, a fórmula aqui é um chave 
acerca de quem Jesus realmente é. Jairo é convidado a desviar o olhar das cir-
cunstâncias e fi xá-lo naquele que pode mudar as circunstâncias. Ele havia crido 
que Jesus poderia curar a sua fi lha enferma, agora ele é chamado para exercer 
fé muito maior.
Jairo em nenhum momento tenta dissuadir Jesus de reassumir a jornada 
para o leito de morte da sua fi lha. Ao chegar ao destino, Jesus presencia o alvo-
roço dos que choravam e pranteavam (Mc 5:37). “Por que vos alvoroçais e cho-
rais? A menina não está morta, mas dorme” (Mc 5:39), afi rmação que provoca 
risos incrédulos e escárnios na audiência (Mc 5:40), que não entendem as suas 
palavras. Nas Escrituras a morte é apenas um sono, contudo não é da doutrina 
do estado dos mortos que Jesus está falando aqui. A morte da fi lha de Jairo não 
era fi nal, uma vez que Ele se havia determinado trazê-la de volta à vida, por isto 
Jesus pode referir-se à tragédia da morte em termos de um sono.
A falta de sensibilidade da ruidosa multidão a desqualifi ca para presenciar 
o grandioso milagre que está para acontecer. Jesus escolhe os seus discípulos 
mais íntimos, Pedro Tiago, além dos pais da menina e despede a multidão. Ape-
nas aqueles são permitidos entrarem no quarto onde a criança está deitada.
Jesus provara seu invencível poder diante dos demônios, da enfermidade 
incurável, agora, o reino messiânico, presente em Cristo, está para subverter to-
das as antigas categorias, demonstrando superior à própria morte. Deliberada-
mente, Ele toma a mão da garota e lhe fala em aramaico, a língua que dominava 
a Palestina do primeiro século e, provavelmente, a língua que Ele próprio nor-
malmente falava: “Talita cumi”, frase traduzida por Marcos, para benefício dos 
seus leitores gentios: “Menina, eu te ordeno: levanta-te” (Mc 5:41). Segundo a 
lei do Antigo Testamento, como mencionado acima, um corpo morto era im-
puro e contaminava qualquer pessoa que o tocasse (Nm 19:11,16, ver Lv 15:27). 
Mas, em lugar de tornar Jesus impuro, o seu toque comunica vida.
Em Marcos, a menina levanta-se imediatamente e começa a andar 
(Mc 5:43). Os grilhões da morte estão partidos, como uma poderosa anteci-
A última afi rmação de Jesus à mulher 
(“sê livre do seu sofrimento”) é a 
confi rmação fi nal da benção que Ele 
lhe trouxera e a certeza de que a cura 
é irreversível, porque Jesus não está 
no negócio de “primeiros socorros”.
Jesus Cristo segundo o evangelho de MarcosO Incomparável Jesus Cristo
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cura, de acordo com o uso do termo no Antigo Testamento. Dirigindo-se a ela 
como “fi lha”, Jesus a inclui na família messiânica formada por aqueles que en-
contram nele o caminho para Deus e, com isso, são colocados dentro da órbita 
da salvação.
Finalmente, a menina morta, o extremo de todas as desesperanças, que 
aparentemente a coloca além do poder de Jesus. Como anteriormente, porém, a 
própria morte não é um obstáculo para a sua soberana pessoa, que, com o toque 
e a palavra, a restaura à vida.
Devemos ter em mente que essas não são, primariamente, histórias a res-
peito do endemoninhado, da mulher enferma ou da fi lha de Jairo. Elas são his-
tórias a respeito de Cristo, do seu poder e de sua graça. Os elementos dessas 
histórias fornecem um quadro daquele que opera pelo próprio poder de Deus, 
não como um profeta, mas como o próprio Deus. Todos aqueles que o ouvem 
e buscam são transformados. Eles experimentam os dons da nova era, da qual 
Cristo é o representante. Sobretudo: salvação e plenitude de vida.
Tais histórias, nas quais Jesus manifesta sua suprema soberania sobre to-
dos os emissários da destruição, dão testemunho da sua incomparável pessoa. 
Tais histórias contêm fortes sugestões para aqueles que leem hoje acerca de 
quem Jesus Cristo realmente é. Até o momento da cruz, como visto no livro 
de Marcos, más percepções acerca dele eram possíveis, como aconteceu com 
os próprios discípulos. Para os que vivem depois da cruz e ressurreição, esta 
possibilidade fi ca dentro do reino da incredulidade voluntária. Já não há mais 
segredo a respeito dele. Nele, todos os medos humanos podem ser transforma-
dos em confi ança, certeza e esperança. O próprio medo da morte pode, afi nal, 
ser vencido, como Ele, um dia, conquistará a morte de forma plena, fi nal e para 
toda a humanidade.
pação microcósmica da escatologia bíblica. Na sua presença, a morte torna-se, 
de fato, apenas um “sono”. Lucas observa que “o espírito voltou a ela” (Lc 8:55). 
“Espírito” aqui não é nada mais que o “fôlego de vida”, precisamente aquilo que 
fora acrescentado ao corpo, na criação (Gn 2:7), aquilo que se separa do corpo 
na morte (Ec 12:7).
No último texto da narrativa (Mc 5:43), Jesus dá duas ordens às testemu-
nhas do assombroso milagre. Primeiro, que evitassem publicidade desnecessá-
ria. Em Marcos, sua identidade messiânica, plenamente revelada na cruz, ainda 
deveria ser mantida, nos limites possíveis, em segredo. A segunda ordem foi 
que dessem à menina algo para comer – belíssima evidência de sua preocupa-
ção com as necessidades ordinárias da vida humana.
Para ponderar
Os três casos descritos em Marcos 5 têm pelo menos dois elementos co-
muns:
Primeiro: o objeto das três narrativas (a do endemoninhado, a da mulher 
enferma do fl uxo de sangue e a da ressurreição da fi lha de Jairo) diz respeito à 
impureza cerimonial: contato com túmulo; contato com sangue e contato com 
cadáver. Para os judeus, ninguém podia tocar nestes símbolos de deterioração, 
destruição e morte. Quem o fi zesse tornava-se impuro imediatamente. Jesus, 
contudo, se eleva acima dos tabus do cerimonialismo e os reverte. Em Ageu 
2:10-19, os sacerdotes consultados pela pergunta retórica do profeta anunciam 
o princípio de que o santo é menos “contagioso” do que o impuro. Enquanto a 
santidade não pode ser passada de um objeto ou pessoa para outra, a impureza 
pode. Jesus, entretanto, reverte essa compreensão comum. É ele quem comuni-
ca purifi cação e cura, sem ser contaminado pelas fontes da impureza.
Segundo: todos os três casos constituíam situações além de qualquer espe-
rança humana. Quanto ao endemoninhado, “ninguém podia detê-lo”. Marcos 
5:13 oferece o testemunho da enorme vantagem numérica dos demônios, em 
combate com Cristo. Mas tal vantagem é apenas aparente, diante do seu sobe-
rano poder. Neste caso, a cura do possesso não é, primariamente, resultado da 
fé do endemoninhado em Cristo, mas da misericórdia do Salvador (Mc 5:15).
No caso da mulher enferma, o texto demonstra a natureza incurável do 
seu mal. Ela gastara todos os seus recursos sem que ninguém pudesse ajudá-
-la. Jesus percebe o seu toque em meio à multidão que o aperta. Curiosamente, 
Jesus associa a cura da mulher com salvação (Mc 5:34). Este signifi cado é re-
forçado pela palavra “paz”, que tem clara conexão com a salvação e inteireza de 
7CAPÍTULO
O i n c o m p a r á v e l 
C r i s t o
“Porque também o corpo não é um membro, mas muitos. Se o pé 
disser: Porque não sou mão, não sou do corpo; nem por isso deixará 
de ser do corpo. E se a orelha disser: Porque não sou olho, não sou 
do corpo; nem por isso deixará de ser do corpo. Se o corpo todo fosse 
olho, onde estaria o ouvido? Se todo fosse ouvido, onde estaria o 
olfato? Mas agora Deus colocou os membros no corpo, cada um deles 
como quis. E, se todos fossem um só membro, onde estaria o corpo? 
Agora, porém, há muitos membros, mas um só corpo.”
O incomparável Cristo
103 
Quem é Jesus Cristo1? A pergunta foi formulada por Ele próprio, confor-
me o registro de Mateus 16:13. Enquanto estava com seus discípulos em Cesa-
réia de Felipe, Jesus indagou: “Quem dizem os homens ser o Filho do Homem?”
Devemos ter em mente que o lugar onde a pergunta foifeita se encon-
trava imerso em um clima religioso. Jesus e seus discípulos estavam à sombra 
do Monte Hermon, a montanha onde muitos dos grandes líderes religiosos de 
Israel haviam experimentado a presença de Deus. Havia nessa área 14 templos 
de Baal, onde os sírios adoravam o seu deus. Um pouco mais além, fi cava uma 
caverna profunda, na qual se cria que Pan, o deus da natureza, havia nascido. 
Herodes havia construído ali um templo para adoração a César. Nesse ambiente 
religioso, Jesus, o pregador itinerante da Galiléia, confrontou os seus discípulos 
com a questão de sua identidade.
Desde aqueles dias, os homens têm manifestado, ao longo da história, di-
ferentes opiniões acerca de Jesus Cristo. Para alguns, Ele é um mito; para outros, 
um mestre de ética, um bom homem, um tipo de fi lósofo, um profeta da ordem 
de Isaías ou Jeremias, um deus menor, ou ainda um guru.
Mas os quatro evangelhos e o Novo Testamento em geral dão testemunho 
da singularidade de sua pessoa e de sua vida. Seu nascimento foi contrário às 
leis do nascimento e da vida, e sua morte, contrária às leis da morte e da se-
pultura. De fato, a saída sobrenatural de Cristo da história é apenas compatível 
com a sua entrada nela. Ele viveu em pobreza e obscuridade. Nunca viajou ex-
tensivamente e apenas uma vez cruzou os limites do país onde vivia, e isto ainda 
bebê, por ocasião de sua dramática fuga para o Egito. Sua obra foi confi nada aos 
limites de vilas obscuras e pequenas cidades da Palestina.
Ele não possuía riqueza, poder, posição, prestígio ou infl uência do ponto 
de vista humano. Ele nunca recebeu treino especializado ou educação formal 
nas universidades do seu tempo. Até os trinta anos de idade, trabalhou como 
1 Vários textos foram publicados no passado sobre o Incomparável Cristo. O pan-
fl eto de F. Linicome, há muito esgotado, é um bom exemplo do uso do título. Mais 
recentemente, o anglicano John Sttot (2006) publicou o seu The Incomparable Christ, 
tratando de quatro aspectos da extraordinária personalidade de Jesus. Neste texto, eu 
aproveitei o título e algumas das ideias sobre o tópico, que circularam, em sua maioria, 
de forma anônima, no fi nal do século dezenove.
O incomparável CristoO Incomparável Jesus Cristo
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carpinteiro em Nazaré. Na infância, entretanto, preocupou um rei e confundiu 
os doutores no templo. Suas questões, parábolas e ensinos desafi aram os líderes 
religiosos do seu tempo, bem como as poderosas estruturas do sistema social e 
religioso do judaísmo do primeiro século. Como adulto, Ele governou o curso 
da natureza, acalmando a fúria dos ventos e das águas. Multiplicou pães e peixes 
para alimentar multidões famintas. Como nenhum outro monarca, repreen-
deu o vento, caminhou sobre as ondas revoltas do mar da Galiléia, fazendo das 
águas o seu tapete. Admirados os seus discípulos perguntavam entre si, “Quem 
é este homem, que até os ventos e o mar lhe obedecem?” (Mt 8:27). Suas pala-
vras eram tão impressivas, que mesmo os seus inimigos tiveram que admitir 
que “nenhum homem jamais falou como este homem” (Jo 7:46).
Jesus Cristo nunca compôs uma música e jamais escreveu uma canção ou 
um livro. Contudo, proveu tema para mais canções, músicas, livros e poemas do 
que todos os compositores, escritores e poetas juntos. Nunca exerceu formal-
mente a medicina em qualquer consultório, mas curou multidões sem remédios 
e sem cobrar consultas ou honorários. Ao longo da história, Ele tem curado 
mais corações partidos que todos os psiquiatras e psicólogos. De fato, coração 
partido é a sua especialidade!
Ele nunca comandou um exército, nunca recrutou um soldado ou dispa-
rou uma só arma e, no entanto, nenhum outro líder jamais teve sob o seu co-
mando mais voluntários. Aos seus pés mais rebeldes têm depositado suas armas 
do que sob as ordens de qualquer outro conquistador. Algo extraordinário em 
sua carismática personalidade tem atraído a milhões e inspirado a aliança, leal-
dade e reverência de homens e mulheres através dos séculos.
O nome dos fi lósofos, políticos, estadistas, mestres humanos, cientistas, 
escritores e teólogos despontam e desaparecem no corredor do tempo. Mas o 
nome de Jesus Cristo permanece para sempre atual. O próprio calendário está 
baseado em seu nascimento. Herodes não pôde matá-lo, o diabo não pôde se-
duzi-lo, a morte não pôde corromper o seu corpo e a sepultura não pôde retê-lo. 
Por todos os critérios de avaliação, Ele é o personagem central da história.
O Novo Testamento não deixa nenhuma dúvida quanto à sua identidade:
Ele é Deus encarnado (Jo 1:14);
O messias (Jo 1:41);
O servo do Senhor (Is 42, 49, 53);
O bom pastor (Jo 10:11);
A luz do mundo (Jo 8:12);
O pão da vida (Jo 6:35);
A porta das ovelhas (Jo 10:7);
O lírio dos vales (Ct 2:1);
A estrela da manhã (Ap 22:16);
A ressurreição e a vida (Jo 11:25);
Ele é o caminho e a verdade (Jo 14:6);
O cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo (Jo 1:29);
O único fundamento (1 Co 3:11);
A pedra de esquina (Ef 2:20);
A água da vida (Cf Jo 4);
O rei dos reis e Senhor dos senhores (Ap 19:16);
O amém de Deus (Ap 22:20);
O alfa e ômega (Ap 21:6).
“Quem dizem os homens que Eu sou?”, foi a pergunta de Cristo aos seus 
discípulos.
Ele nasceu numa manjedoura emprestada, porque não houve outro lugar 
para Ele. Cruzou o lago num barco de outra pessoa e montou um jumento que 
também lhe fora emprestado. Como Ele próprio afi rmou, “as raposas têm covis 
e as aves do céu têm ninhos, mas o Filho do homem não tem onde repousar a 
cabeça” (Mt 8:20). De fato, o relacionamento de Jesus com as coisas que tanto 
consideramos importantes ou valiosas, tais como dinheiro, prestígio e poder é 
absolutamente extraordinário. Sua liberdade em relação a elas foi e continua 
sendo surpreendente.
Nos evangelhos, exceto pelo tema do reino de Deus, Jesus falou mais sobre 
o dinheiro do que sobre qualquer outro tema. Considerando a natureza espi-
ritual de sua missão, por que tal ênfase? Jesus abordou o dinheiro não como 
Eque qui poerdius An Itas ad facit. Ad 
condeli caverum tandienam la prit. 
Batorun traequi ssedessil hici publius 
dero ut aucondam notiaelaris foriciis? 
Endam quitrum pes Multuroxim 
Romnemo ritustorum tervirmilis atum, 
quo audam vid rei stris.
O incomparável CristoO Incomparável Jesus Cristo
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simples meio de troca, como na cultura capitalista, mas como um poder que 
subjuga e escraviza as pessoas. De fato, Ele personifi cou o dinheiro e o tratou 
pelo nome próprio aramaico, Mamon, o deus do dinheiro e da riqueza, adver-
tindo contra os perigos da ganância. Cristo, em estilo verdadeiramente sub-
versivo, não conferiu importância ao dinheiro porque sabia que a sua posse 
afeta os relacionamentos. O fato, por exemplo, de uma pessoa ser rica aumenta 
naturalmente a difi culdade de se aproximar dela.
Carl Marx opinou que a religião é o ópio dos povos. Errado! O materia-
lismo defendido por Marx é que se trata do verdadeiro ópio, anestesiando as 
pessoas, impedindo que elas elevem sua visão da vida acima do plano material. 
Materialista é alguém aprisionado na concha das coisas, as quais o impedem de 
enxergar além do ter e do possuir e o cegam quanto a si próprio e quanto aos 
outros. Isso se torna o obstáculo para a felicidade pessoal e familiar. Agostinho 
estava correto ao afi rmar que quem tem Deus, tem tudo. Quem não tem Deus, 
não tem nada, e aquele que tem Deus e tem tudo, não tem mais do que aquele 
que tem Deus e não tem nada!
Em um dos volumes da série Análise da Inteligência de Cristo, o psiquiatra 
e escritor Augusto Cury (1999, p. 11–43) observa do ponto de vista psicológico 
a entrada de Jesus em Jerusalém, o centro do poder e do governo, assentado 
em um jumento, um animal incrivelmente desajeitado para servir de montaria 
mesmo para um homem de estatura mediana, é no mínimo intrigante. A ação 
de Cristo, contudo, é deliberada e coerente com sua atitude geral em relação às 
coisas materiais, à aparência, à força e à sofi sticação externa. Ele rejeita os sím-
bolosexteriores do poder, na tentativa de ensinar que o que realmente conta é 
“invisível aos olhos”. Aquele que facilmente poderia ter manipulado a opinião 
pública e se declarado rei, não se deixou iludir pela psicologia do poder. Sua 
entrada em Jerusalém num jumento, montaria inapropriada para um rei, é um 
tipo de manifesto quanto à natureza espiritual do seu reino (Cf. Zc 9:9).
A morte de Jesus também pertence ao reino do sobrenatural e misterio-
so, difi cilmente entendida por aqueles que veem a vida a partir da perspectiva 
materialista. Ele foi crucifi cado na cruz que pertencia a toda a humanidade. 
Como alguém corretamente observou, Ele morreu na cruz, mas não da cruz. 
Como o substituto da raça humana, Ele tinha pecado sobre si, mas como Deus 
encarnado, não tinha pecado em si; de modo que nós, justifi cados por sua graça, 
temos justiça sobre nós, mas não em nós. E, fi nalmente, em harmonia com a sua 
fi losofi a de distanciamento de posses pessoais, Ele foi sepultado em um túmu-
lo emprestado. Mausoléus em geral são cuidadosamente preparados em vida 
como uma forma de perpetuar a memória do poder e da importância pessoal. 
Isso era incompatível com Aquele que não planejava permanecer muito tempo 
em um túmulo.
Os paradoxos de Jesus
Ninguém poderia inventar uma pessoa como Jesus. Isso seria um milagre 
maior do que foi a própria vida dele. A complexidade, riqueza e profundidade 
de sua pessoa está infi nitamente acima da capacidade humana sequer de ima-
ginar alguém assim.
Ao morrer abandonado por seus amigos e traído por um deles, Ele foi en-
tregue aos inimigos. Enfrentou a zombaria e o escárnio de um tribunal injusto 
e irregular, com absoluto autocontrole e a dignidade de um rei no trono. Pilatos 
pretendeu exercer poder sobre Ele, mas, num único golpe, Jesus destruiu a ilu-
são do poderoso procurador romano: “Nenhuma autoridade terias sobre mim, 
se de cima não te fosse dada” (Jo 19:11). Finalmente, foi crucifi cado entre dois 
ladrões. Os executores brincaram disputando o seu manto, a única propriedade 
dele. “A túnica, porém, era sem costura, uma única peça de alto a baixo” (Jo 
19:23). “Sem costura”, afi rma João! Um símbolo da justiça perfeita de Jesus, sem 
nenhum ponto de feitura humana.
Quando Ele expirou, pendurado entre o céu e a terra, poucas pessoas la-
mentaram, mas uma cortina negra cobriu de luto a cena de sua morte. O sol 
desceu as suas persianas por três horas e a terra estremeceu em comoção pela 
morte do seu autor. Quando Ele nasceu, houve luz à meia noite. Quando Ele 
morreu, houve trevas ao meio dia! Em sua hora de maior fraqueza, quando todo 
o seu sangue escorria, Ele realizou o seu maior milagre: toda a natureza saiu do 
seu trilho. O sol escureceu, um terremoto estremeceu o solo, uma ressurreição 
parcial aconteceu. Que morte foi essa? De forma microcósmica, o fi m do mun-
do aconteceu na cruz. Na pessoa dos dois ladrões, um à sua direita e outro à sua 
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esquerda, toda a humanidade está representada. Tais sinais são uma fi guração 
daquilo que Ele profetizou que ocorrerá no seu retorno (Mt 24 e 25).
Na cruz, como sacrifício perfeito, Jesus verteu sangue de sete partes da 
sua anatomia: de suas mãos, em expiação pelas nossas práticas pecaminosas; de 
seus pés, em expiação pelos caminhos tortuosos em que todos andamos; de sua 
fronte, em expiação pelos pensamentos ímpios de que somos culpados; de suas 
costas, em expiação pelo fardo do pecado que todos carregamos; e, fi nalmente, 
de seu coração aberto, rasgado por uma lança romana, em expiação pelos falsos 
amores que todos nutrimos. Ao vê-lo assim, completamente despido, agoni-
zando, abandonado do céu e da terra, podemos perguntar: “Quem é esse?” Em 
nossa ignorância, somos tentados a responder: “Esse é o Filho de Deus.” Errado! 
Esse somos nós na pessoa do nosso substituto.
Na cena da crucifi cação representada nas pinturas ao longo dos séculos, 
estamos acostumados a ver a intimidade de Jesus coberta por um manto pie-
doso. Isto, no entanto, foi invenção de artistas medievais. Especialistas na arte 
macabra de execução pela cruz, os romanos deixavam suas vítimas completa-
mente despidas, como um ato derradeiro de agressão, tornando os que assim 
morriam motivo para zombaria e desdém. Não é por acaso que os que passavam 
“meneavam a cabeça” (Mt 27:39). Ninguém, contudo, deve se iludir. O persona-
gem da cruz, pelo princípio da substituição, tem o nosso rosto. “Aquele que não 
conheceu pecado, foi feito pecado por nós” (2Co 5:21).
Politicamente incorreto
Parece que Jesus está sempre na contramão dos nossos métodos.2 Sua ati-
2 O interessante livro Jesus para presidente, de Roland Merullo (2008), escrito em 
uma visão não religiosa, apresenta a extraordinária fi cção de Jesus Cristo, como candi-
dato à presidência dos Estados Unidos. O surpreendente nessa “candidatura” são os mé-
todos políticos de Cristo, sua simplicidade, sinceridade, e desconcertante transparência, 
radicalmente diferente de tudo aquilo que conhecemos dos políticos profi ssionais e sua 
forma de comportamento. O livro, de uma maneira divertida, irreverente e emocio-
nante, já inicia com os tipos que Jesus escolhe para o seu comitê. Um jornalista cético, 
Russel Th omas, sua família disfuncional, sua namorada secular, seu chefe materialista 
(os menos prováveis caracteres para qualquer empreitada de sucesso) os quais, afi nal, 
se tornam absolutamente efi cientes e dedicados a Cristo e ao seu propósito. Outra obra 
enfatizando o caráter “politicamente incorreto” de Jesus é o livro Dez coisas que eu 
gastaria que Jesus Nunca vesse Dito, de Victor Kuligin (2006), focalizando ensinos 
completamente contrários a lógica humana comum.
tude é sempre “politicamente incorreta”, contrariando aquilo que nós esperarí-
amos. Ele nunca “dourou a pílula” para seduzir, persuadir ou aliciar pessoas. Os 
que desejam segui-lo, devem, de forma consciente e voluntária, tomar a cruz, 
símbolo de morte e crucifi xão do eu.
Ao morrer, com grande brado, Jesus proclamou que sua missão estava 
consumada. Em apenas três anos e meio, Ele realizou a maior obra de resgate 
do universo. E, surpreendentemente, nós nunca o encontramos apressado ou 
afobado. Nas narrativas dos evangelhos, Cristo se move com extraordinária ma-
jestade e compostura. Ele se move com extraordinário controle do tempo e das 
circunstâncias. Frequentemente Ele detém o seu caminho, oferecendo-se para 
curar e ouvir pessoas necessitadas. Nunca importante demais, nunca “gradua-
do”, nunca afetado ou “superior”, para o contato com aqueles que o buscam: ce-
gos, aleijados, enfermos, leprosos, pessoas possessas, mulheres e crianças, todos 
estes marginalizados dentro do sistema social e religioso dos judeus.
O método de que Jesus usou para cumprir Sua missão foi inovador e re-
volucionário. Ele não usou a propaganda para criar sentimento público positivo 
ou para se promover. Não estabeleceu um exército para impor suas ideias. Ele 
cumpriu o propósito de sua visita ao planeta Terra sem depender de força, or-
ganizações, cultura, educação ou reforma. Dependeu apenas de um elemento 
intangível chamado verdade. Sua única credencial era Ele próprio.
Seus ensinos e sua ética são verdadeiros paradoxos para nós: “os primeiros 
serão os últimos”; “os mansos herdarão a terra”; “vivemos quando morremos”; 
“bem aventurados os pobres.” “grande é aquele que serve”. Nos ensinamentos de 
Jesus, a pirâmide do poder se encontra invertida, uma vez que, para a maioria 
de nós, os grandes são aqueles que se assentam no topo do poder, usualmen-
te obtendo-o e conservando-o por manobras fi siologistas e esquemas políticos 
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cujo objetivo é a imposição de sua vontade aos outros. Jesus viveu e ensinou 
algo diferente. Grande é aquele que coloca o seu ombro na base da pirâmide, 
para ajudar servir e ministrar aos mais fracos. Que rei se deixaria crucifi car por 
seu povo? Os reis e todos aqueles que são dominados pela sedução do poder 
sacrifi cam os seus súditos. Que tipo de rei lavaria os pés dos seus servos, como 
fez Jesus? Que governante livremente se associaria com os mais humildes mem-
bros da sociedade? Pessoas em posição de poder secular ou religioso geralmente 
mantêm a mística da liderança, que, na compreensão deles, signifi ca manter-se 
afastado daqueles a quem governam. A noção secular de grandeza parece impor 
a tais líderes o afastamento, a distância. E os conselheiros que normalmente eles 
escolhem os tornam duplamente cegos. Jesus não exibiu nenhuma dessas carac-
terísticas exteriores do poder.
Aproximou-se dos pobres e humildes. Partilhou de refeições com eles. 
No Evangelho segundo Lucas várias vezes o encontramos à mesa com os me-
nos prováveis. Não é de surpreender que isso tenha escandalizado a muitos (Lc 
15:1). Jesus partiu o pão (berit) com os déclassès, símbolo de aceitação e do 
concerto que Ele veio estabelecer com aqueles que o recebem. Conversou com 
aqueles com quem ninguém falava. Tocou os intocáveis, alienados e margina-
lizados dos seus dias. Reis, presidentes e governantes se cercam de toda sor-
te de servidores, prontos a atender às suas ordens e caprichos, mas Jesus não 
partilhou dessa mentalidade. Ele não tinha trono. Não tinha servos, mas ami-
gos (Jo 15:15). Afi rmou que a liderança verdadeira tem por base a amizade e o 
amor voluntário. Signifi cativamente, no episódio em que João Batista mandou 
lhe perguntar se era o Messias (Lc 7:18-22), a credencial por Ele apresentada foi 
o serviço em favor dos necessitados.
A vida e a pessoa de Cristo, bem como seu estilo paradoxal, são irresistíveis. 
Qualquer um que conversasse com Ele, saía coçando a cabeça, consideravel-
mente perturbado por sua lógica desafi adora e perspectiva das coisas. Na maio-
ria das vezes, os evangelhos o retratam fazendo em seu ministério precisamente 
o oposto do que esperaríamos.
Em seu encontro noturno com Nicodemos, registrado no Evangelho se-
gundo João, Ele o surpreendeu ao desfazer com um só golpe todo o castelo 
da teologia farisaica desse importante líder judaico. Jesus não exibiu diante de 
Nicodemos aquela atitude de servilismo tão comum quando se tratava com pes-
soas importantes. Ele o tratou como um descrente, com uma necessidade fun-
damental, e exigiu dele o inesperado: “Você precisa nascer de novo” (ver Jo 3:7). 
O velho fariseu inicialmente se apresenta como “sabendo” (Jo 3:2), mas a partir 
do verso 4 começa a revelar sua ignorância, e do verso 10 em diante já está em 
completo silêncio, sendo Jesus quem realmente sabe (Jo 3:11).
No capítulo 4 desse mesmo evangelho, Cristo tem seu encontro com a mu-
lher samaritana, uma fi gura ao mesmo tempo antiga e atual. No início da narra-
tiva, é ela quem tem a água e Jesus, quem tem a sede (Jo 4:7). No fi nal, a mesa se 
inverte e é Jesus quem tem a água, e ela, a sede (Jo 4:13-14). Que mestre é esse?
Considere mais uma vez o seu nascimento: numa manjedoura, um lugar 
completamente inadequado para o nascimento de um rei. Não merecia Ele algo 
melhor? Às vezes considero que se Cristo tivesse me consultado, eu poderia 
ter-lhe sugerido que fi zesse uso do seu poder, estalando os dedos e criando um 
hospital equipado com uma ala ultramoderna de obstetrícia. Mas Ele não me 
consultou, e nasceu em uma estrebaria. Ele poderia ter nascido em um grande 
centro, aumentado com isso a habilidade de as pessoas de se lembrarem dele. 
Mas, ao contrário, Ele escolheu a obscura Belém. Com isso, Ele evitou que as 
pessoas se intimidassem por causa de seu local de nascimento. Fosse Ele cer-
cado de realeza e sofi sticação, isso afastaria milhões de seres humanos de sua 
presença. E isso era precisamente o que Ele não queria! Observe os seus pais. 
Ele escolheu nascer como um “bastardo”, marcado com o estigma da concepção 
fora do casamento. Se você quisesse ser reconhecido como Deus, certamente 
não escolheria esse tipo de origens. Entretanto, devido justamente a isso, mi-
lhões de pessoas humildes no mundo podem se aproximar dele sem serem in-
timidadas.
A venerada pureza de sangue da tradição judaica foi completamente des-
considerada. Sua linha de ancestrais foi comprometida por Rute, a moabita, e 
por Raabe, uma cananita de baixa reputação. As pessoas em geral se orgulham 
de ancestrais importantes, tal como Adolph Hitler, que buscou criar a idéia de 
uma raça pura, formada pelos dolicocéfalos louros. Orgulho de pedigree, da for-
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condeli caverum tandienam la prit. 
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ça genética de ancestrais, é uma fantasia muito forte no imaginário popular. 
Mas esse surpreendente Jesus descartou a linhagem imaculada a fi m de não 
intimidar a maioria das pessoas, que não pode se apresentar como o produto 
fi nal de uma super-raça.
Em linguagem atual, Jesus seria um commoner, na tradição britânica de 
distinção de classe. Em harmonia com isso, veja ainda quem testemunha o seu 
nascimento. Ele passa sobre o templo, o Sinédrio e todas as celebridades da 
época, para se anunciar a alguns pastores, pessoas não apenas simples, mas con-
sideradas como de má reputação no judaísmo da época (JEREMIAS, 1983, p. 
303-312). Em uma palavra, Cristo não se deixou enganar pela psicologia po-
pular do sucesso, qualquer que fosse a área da vida. Aquilo que a maioria de 
nós consideramos tão importante, Ele afastou e descartou como desnecessárias, 
provando quão errados estamos com nossas superfi cialidades e deslumbramen-
tos patéticos.
Jesus sempre viu as pessoas por um ângulo inteiramente diferente. Se Ele 
me tivesse consultado, provavelmente eu não aprovaria nenhum dos discípulos 
que Ele escolheu. Em seu pequeno grupo, Ele reuniu um zelote (parte de um 
grupo de revolucionários radicais contra a presença romana), e um publica-
no (cobrador de impostos a serviço de Roma), uma combinação perigosíssima, 
com baixo ponto de ebulição. Mas isso torna evidente o profundo apelo de Cris-
to às pessoas, seu magnetismo sobre elas, habilitando-as a conviver e superar as 
diferenças. Provavelmente eu teria demitido Pedro em sua primeira semana de 
trabalho, pois a vida dele indica que certamente sofria de várias disfunções psi-
cológicas. Sua impulsividade certamente diminuía sua utilidade em, pelo me-
nos, cinquenta por cento. Contudo, Jesus, além de o manter entre os doze, ainda 
lhe dá certa preeminência no grupo.
Sabe o que Jesus está dizendo a cada um de nós com esse grupo pouco 
encorajador? Ele está dizendo: “Se eu posso trabalhar com estes, eu posso tra-
balhar com você também.” Que encorajamento extraordinário! Na escolha dos 
seus associados, Jesus não trabalhou com os critérios das grandes corporações, 
e não utilizou as normas de seleção das consultorias. Seu critério de escolha de 
pessoas está no limite de qualquer lógica, mas isso é absolutamente compatível 
com a sua visão singular. O seu grupo de associados seria motivo de riso para 
qualquer departamento de Recursos Humanos moderno. Um verdadeiro cons-
trangimento. Mas, afi nal, Jesus estava certo. Com esse grupo aparentemente 
pouco promissor transformado e habilitado (veja o livro de Atos), Ele revolu-
cionou o mundo. Com uma única exceção (Judas), todos se tornaram dispostos 
a assumir as últimas consequênciasdo seu compromisso com Ele.
Jesus escolhe a rota que só Ele mesmo pode entender. Sua abordagem é 
sempre não ameaçadora e não manipuladora. Sua estratégia está sempre na 
contramão dos nossos métodos. A partir do seu tipo de critério, todos podem 
ter afi nidade com Ele. Ele pode se aproximar de nós, certo de que nossa resposta 
será honesta. Ele não utiliza nenhum método que coage as pessoas, porque Ele 
não aceita qualquer coisa menos que fé e dedicação genuínas. Aliás, o amor 
requer e aceita apenas resposta genuína. Em seu estilo revolucionário, Jesus re-
cusa qualquer forma de manipulação. E, devemos lembrar, a principal caracte-
rística da manipulação é que ela destrói nossa habilidade de escolha.
Em geral nós tomamos pouquíssimas decisões autênticas na vida. A maio-
ria de nossas escolhas são afetadas por forças e demandas exteriores. Mas quan-
do nos aproximamos de Cristo, a mais importante decisão da vida, Ele busca e 
aceita apenas resposta autêntica. E quando Ele vem a nós, sua abordagem des-
concerta nossos preconceitos e nos liberta para tomar decisões profundamente 
autênticas. Nós podemos aceitá-lo ou rejeitá-lo, mas Ele se recusa a violar nossa 
individualidade, o nosso poder de escolha. E isso é amor em sua melhor expres-
são, e, de fato, em sua única expressão verdadeira (ERWIN, 1983).
Ele era Deus?
No que Jesus foi diferente de outros líderes religiosos? Por que o nome de 
Buda, Maomé ou Confúcio não ofende as pessoas? A razão é que nenhum deles 
reivindicou ser Deus, mas Jesus o fez. E isso estabelece uma diferença essencial 
entre Jesus Cristo e os demais. Por suas próprias palavras, Ele se identifi cou 
como alguém muito maior que um profeta ou mestre. Ele se apresentou como 
o único caminho para o relacionamento com Deus, a única fonte de perdão e 
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a única avenida para a vida eterna. Para muitas pessoas, tal reivindicação pode 
parecer exclusivista e radical. Isso foi exatamente o que pensou a maioria dos 
judeus dos seus dias. Entretanto, a questão não é o que pensamos, mas aquilo 
que Jesus realmente é.
Jesus Cristo foi o único homem que afi rmou ser Deus estando em perfei-
ta sanidade. C. S. Lewis (2009, p. 69-70), antigo professor na Universidade de 
Cambridge, na Inglaterra (um agnóstico que se converteu à fé cristã e se tor-
nou um dos maiores defensores modernos do cristianismo), desafi ou aqueles 
que querem transformar Jesus num mero exemplo de moralidade, aceitando-o 
como grande mestre de ética, mas não como divino. Escreveu Lewis, com lógica 
que não poderia ser melhorada:
Essa é a única coisa que não devemos dizer. Um homem que fos-
se somente um homem e dissesse as coisas que Jesus disse não seria 
um grande mestre da moral. Seria um lunático – no mesmo grau de 
alguém que pretendesse ser um ovo cozido – ou então, o diabo em 
pessoa. Faça a sua escolha. Ou esse homem era, e é, o Filho de Deus, 
ou não passa de um louco ou coisa pior. Você pode querer silenciá-lo 
por ser um louco, pode cuspir nele e matá-lo como a um demônio; 
ou pode prostrar-se a seus pés e chamá-lo de Senhor e Deus. Mas 
que ninguém venha, com paternal condescendência, dizer que ele 
não passava de um grande mestre humano. Ele não nos deixou essa 
opção, e não quis deixá-la.
Jesus claramente ensinou ser Ele um em natureza e essência com o Pai:
Quem não honra o Filho não honra o Pai (Jo 15:23);
Quem me vê a mim vê o Pai (Jo 14:9);
Eu e o Pai somos um (Jo 10:30);
Aquele que me odeia, odeia também a meu Pai (Jo 15:23).
Essas referências certamente indicam que Jesus enxergou-se a si mesmo 
como sendo igual a Deus. Ele não deixou nenhuma outra alternativa. Logo, sua 
reivindicação de ser Deus deve ser apenas verdadeira ou falsa e isso é algo que 
deve receber de nossa parte séria consideração. Se tal reivindicação de divinda-
de era falsa, então temos duas alternativas possíveis: ou Ele sabia que isso era 
falso ou Ele não sabia. Caso Ele soubesse, isso o tornaria um mentiroso e, por-
tanto, Ele não poderia ser um homem moralmente bom. Contudo, tal hipótese 
não se sustenta diante da pureza moral e dignidade de Jesus, revelada em cada 
uma de suas palavras, obras e ensinos. A questão é muito simples: como poderia 
um grande mestre de moral deliberadamente enganar as pessoas precisamente 
no ponto mais importante dos seus ensinos, a sua identidade?
Assim, se não podemos admitir que Jesus tenha sido um enganador, um 
mentiroso, então a outra alternativa seria crer que realmente Ele não tinha 
consciência do que dizia. Afi nal, é possível uma pessoa ser sincera e, ao mesmo 
tempo, estar sinceramente enganada. Devemos, porém, nos lembrar de que o 
fato de alguém julgar-se Deus em uma cultura feroz e radicalmente monoteísta 
e ainda dizer aos outros que o destino eterno delas dependia de fé nele, não 
pode ser considerado como produto de uma fantasia inocente, mas a ação de 
uma pessoa completamente fora de si.
Foi Jesus esse tipo de pessoa? Alguém que pensa ser Deus soaria hoje como 
alguém, em estado de demência, crendo ser Napoleão Bonaparte ou Alexandre, 
o Grande. Mas em Jesus nós não encontramos indícios de anormalidade ou 
desequilíbrio psicológico. Sua compostura, respostas e ensinos certamente ha-
veriam de traí-lo, caso Ele fosse um insano.
À luz das outras coisas que sabemos a respeito de Jesus, é impossível ima-
ginar que Ele fosse alguém mentalmente perturbado. Como o teólogo canaden-
se, Clark H. Pinnock (1971, p. 62) observa: “O brilho e a profundidade dos seus 
ensinos apenas sustentam a possibilidade de seu absoluto equilíbrio mental. Pu-
déssemos nós ter sua sanidade!”
Poderia um desequilibrado mental produzir algo semelhante, em sabedo-
ria e profundidade, ao Sermão da Montanha, que tem sido uma fonte de inspi-
ração, conforto e guia para homens e mulheres por quase dois mil anos? Poderia 
tal intelecto, claro como o céu de primavera, puro como o ar das montanhas, 
Eque qui poerdius An Itas ad facit. Ad 
condeli caverum tandienam la prit. 
Batorun traequi ssedessil hici publius 
dero ut aucondam notiaelaris foriciis? 
Endam quitrum pes Multuroxim 
Romnemo ritustorum tervirmilis atum, 
quo audam vid rei stris.
O incomparável CristoO Incomparável Jesus Cristo
116 117 
Curiosamente, nas várias cenas de exorcismos relatadas nos evangelhos, 
os demônios nunca falharam em reconhecer a identidade divina de Cristo. “Sa-
bemos quem Tu és”, diziam eles. Rejeitar a divindade de Cristo é colocar-se ao 
lado dos seus inimigos, que não apenas não o aceitaram, mas o acusaram de 
blasfêmia e o crucifi caram por tal crime!
Evidências de sua divindade
Que provas Cristo ofereceu de que Ele foi verdadeiro Deus, manifesto em 
forma humana? Em primeiro lugar, houve a prova de sua vida perfeita (Jo 8:46). 
Aqueles que o levaram a julgamento tiveram que obter falsas testemunhas para 
acusá-lo, uma vez que nele não foi encontrada culpa ou falta alguma. A perfei-
ção da pessoa de Cristo, contudo, não se limita aos seus atos (pecados), mas à 
sua natureza (pecado). Em Cristo não houve pecados (atos), ou pecado (natu-
reza pecaminosa). O livro de Hebreus 7:26, revela que a nós convinha um Sumo 
Sacerdote, “puro, santo, imaculado, separado dos pecadores, feito mais alto que 
o céu.” Ellen White (WHITE, 2005, 2:202), insiste que “Cristo é um irmão em 
nossa fraquezas, mas não em possuir idênticas paixões.” Neste único texto Ellen 
White coloca o dedo na jugular do problema da natureza de Cristo na encarna-
ção. Embora Ele tenha partilhado de nossas fraquezas, do ponto de vista físico, 
tendo assumido a condição humana “quatro mil anos depois da queda”, como 
indicado no livro Desejado de Todas as Nações (veja abaixo), por outro lado, do 
ponto de sua natureza moral e espiritual,Ele não partilhou das paixões da natu-
reza caída. Seria necessária muita ginástica interpretativa não se enxergar isto!
Em segundo lugar, houve a evidência do seu poder. Poder que apenas 
Deus possui. Ele tinha autoridade sobre as forças da natureza. Ele tinha poder 
agudo e penetrante como uma espada, ser uma mente enferma? Isso é absolu-
tamente impossível.
As Escrituras atribuem a Jesus características que podem ser verdadeiras 
apenas em relação a Deus: Jesus é auto existente (Jo 1:1-3), eterno (Mq 5:2) e 
possui vida eterna (1Jo 5:20). Jesus não apenas disse ser Deus, mas se comportou 
como Deus. Perdoou pecados (Mc 2:5), causando perplexidade nos judeus (v. 
6-7), considerando-se que, segundo Isaías 43:25, perdoar pecados é atribuição 
divina ou, como afi rmavam os próprios judeus: “Quem poder perdoar pecados 
senão Deus?” (Mc 2:5). Por outro lado, Ele que havia dito a Satanás no confron-
to do deserto, que apenas Deus deve ser adorado e apenas a Ele se deve prestar 
culto (Mt 4:10), em várias ocasiões livremente aceitou culto e adoração sem 
nenhum protesto de sua parte (Mt 14:33; 28:9; Jo 9: 38). Difi cilmente os seus 
discípulos, judeus devotos e radicalmente monoteístas, e menos ainda Paulo, 
extensamente treinado na escola rabínica, atribuiriam divindade a Jesus, adora-
riam um homem de Nazaré ou o chamariam de Senhor, mas isto é precisamente 
o que eles fi zeram. Paulo o reconhece como Deus: “Para que ao nome de Jesus 
se dobre todo joelho dos que estão nos céus e na terra, e, e toda língua confesse 
que Cristo Jesus é o Senhor para glória de Deus Pai” (Fp 2:11; ver At 20:28).
A divindade de Jesus é um dos ensinos neotestamentários mais claros. 
Qualquer pessoa que ler o Novo Testamento e não perceber que Jesus reivindi-
cou ser Deus é semelhante a um cego que, saindo de casa em um dia claro, por 
não conseguir ver o sol conclui que ele não existe.
Em várias ocasiões, seus inimigos buscaram apedrejá-lo acusando-o pre-
cisamente de blasfêmia, “porque tu, mero homem, te fazes Deus a ti mesmo” (Jo 
10:33). De fato, nas cenas do julgamento, tal argumento é peça fundamental da 
acusação (ver, por exemplo, Jo 19:7). Primariamente, Jesus foi acusado e conde-
nado não por aquilo que Ele fez, mas por aquilo que Ele era. Realmente, o jul-
gamento de Jesus foi completamente extraordinário. Como observa o advogado 
Irwin Linton (1943, p. 7):
Entre todos os julgamentos de criminosos, o julgamento de Jesus é 
absolutamente singular, no qual a questão não foi às ações de Jesus, 
mas a identidade dele. A acusação levantada contra o acusado, pela 
qual foi condenado; o interrogatório na presença da corte na qual Ele 
foi condenado; o interrogatório pelo governador romano e a inscri-
ção e proclamação da sua Cruz, em sua execução. Tudo isso revolveu 
em torno da questão da identidade e dignidade de Cristo.
Eque qui poerdius An Itas ad facit. Ad 
condeli caverum tandienam la prit. 
Batorun traequi ssedessil hici publius 
dero ut aucondam notiaelaris foriciis? 
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O incomparável CristoO Incomparável Jesus Cristo
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(Jo 3:16). E que indicou, de diversas formas, que “todo aquele que invocar o 
nome do Senhor será salvo” (Rm 1:17).
No coração do universo, como revelado em sua vida e ministério, está 
Aquele que ama como Cristo amou. Alguém que proclama as boas novas do 
evangelho como “o poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê” (Rm 
1:17). Tal é o caráter daquele que se encarnou para nos salvar e daquele a quem 
Ele veio revelar. Tal é o poder e o amor de Cristo, de quem, emanou virtude 
restauradora, tão logo uma mulher ignorante, obscura, supersticiosa, tímida e 
enferma meramente lhe tocou a orla do manto (Mc 5:25-34). “Quem quiser”, 
afi rma o convite divino “venha e tome de graça da água da vida” (Ap 22:17).
Quem é Jesus Cristo? O centro e a circunferência da vida. Não há ne-
nhuma outra alternativa, senão Jesus Cristo. Todas as outras coisas, incluindo 
aquelas relacionadas com Ele, são eclipsadas pela visão de sua incomparável 
pessoa. Deus colocou uma fi gura dele em nossa galáxia a fi m de demonstrar o 
que Cristo é para nós. Nós o chamamos de sol. Sem o sol, a vida não pode existir 
no planeta Terra; dependemos dele para tudo. Da mesma forma como o sol é o 
centro de nosso sistema, Jesus Cristo é o centro do universo e da vida.
Dietrich Bonhoeff er (1978) indicou que Jesus é o centro da existência hu-
mana, da história e mesmo o centro entre Deus e a natureza. A história é a his-
tória dele. É atribuído ao historiador britânico H. G. Wells a afi rmação: “Eu sou 
um historiador. Não sou um crente, mas devo confessar, como um historiador, 
que este pregador pobre de Nazaré é irrevogavelmente o próprio centro da his-
tória. Jesus Cristo é facilmente a mais dominante fi gura da história.”
Cristo, contudo, não é apenas encontrado no centro. Ele é também encon-
trado na periferia e nas margens da vida, alcançado a todos, disponível àqueles 
que vivem nas sombras da periferia e da morte, exatamente como a luz do sol, 
sobre a enfermidade, os demônios e a morte. Seus milagres testemunharam de 
que Ele era o Senhor da natureza. Os ventos o obedeciam e as águas lhe serviam 
como solo fi rme.
Em terceiro lugar, houve a evidência das profecias que se cumpriram nele. 
Incontáveis detalhes de sua vida haviam sido preditos pelos profetas, alguns de-
les tendo vivido mais de 700 anos antes de Cristo. E em cada aspecto essas pro-
fecias se cumpriram com exata precisão (Mq 5:2; Is 53, Sl 22). De acordo com 
o princípio da probabilidade, conforme demonstrado por H. Harold Hartzler, 
a probabilidade de que essas profecias se cumprissem por casualidade em uma 
única pessoa era de uma em 100.000.000.000.000.000 (STONER; NEWMAN, 
2002, p. 106-112).
Em quarto, houve a evidência de sua ressurreição da morte. Os funda-
dores de várias religiões não cristãs do mundo viveram, morreram e foram se-
pultados. Mas apenas Cristo está vivo. Sua ressurreição é um fato. Sua tumba 
está vazia (1Co 15). O apóstolo Paulo, para quem a ressurreição de Cristo era 
inicialmente um grande obstáculo, afi nal se curva diante do Cristo ressuscitado, 
declarando sua experiência pessoal: “Ele apareceu para mim” (1Co 15:8).
Finalmente, há a prova das vidas transformadas por Jesus Cristo. Educa-
ção e cultura podem “alisar” as arestas ásperas do egoísmo humano, mas apenas 
Cristo, o divino Filho de Deus, tem o poder para transformar o coração. Ape-
nas Cristo pode trazer libertação plena. Verdadeira liberdade, devemos lembrar, 
não é “liberdade” para fazer o que queremos. Isso qualquer pessoa pode fazer 
como evidência equivocada de liberdade. Verdadeira liberdade é ser livre para 
fazer aquilo para o que fomos criados. É receber poder para viver à altura do 
propósito original da criação e sermos aquilo que Deus planejou que fôssemos.
Em Cristo nós aprendemos que Deus não esteve satisfeito em permanecer 
distante e afastado, limitando-se a aconselhar-nos sobre o que é bom, justo, ver-
dadeiro e puro. Ele cruzou o abismo, penetrou em nossas trevas e encarnou-se 
entre nós. A bondade, a justiça, a verdade e a pureza encarnaram-se em forma 
humana. Por esse motivo Cristo podia dizer “Quem me vê a Mim vê o Pai” 
(Jo 14:9). No coração do universo, como revelado por Ele, está alguém igual a 
Cristo. O Cristo que amou as crianças, os coletores de impostos, as pecadoras; 
que chorou com os que choravam, que aceitou a todos os que o buscaram, que 
regozijou-se com o céu pelos pecadores arrependidos. Aquele que não fez a sal-
vação depender de gênio, inteligência, força, poder, aparência ou riqueza, mas 
da pura graça de Deus. Aquele que veio a nós com as gloriosas boas novas do 
amor divino: “Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho 
unigênito, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha vida eterna” 
Eque qui poerdius An Itas ad facit. Ad 
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O incomparável CristoO Incomparável Jesus Cristo
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Quer queiramos, quer não, Jesus, embora um ser humano em todos os 
demais aspectos, não partilhou de nossa natureza caída e herdada de Adão. Para 
Ellen G. White (1988, p. 475), “com relação ao primeiro Adão, os homens nada 
recebem dele, senão a culpa [conseqüências da queda], e a sentença de morte”. 
Ainda segundo ela, o egoísmo profundamente arraigado em nosso ser “nos veio 
por herança” (WHITE, 2005, p. 138-139). “A própria fonte da natureza humana 
foi corrompida. E, desde então, cada pecado tem continuado sua obra odiosa, 
passando de mente para mente. Cada pecado cometido desperta ecos do pecado 
original” (WHITE, 2005, p. 139; Cf. Review and Herald, 16 de Abril de 1901). A 
expressão “pecado original,” embora exorcisada pela ignorância teológica de al-
guns, é neste texto livremente utilizada por Ellen White, em seu sentido bíblico. 
Herdamos não a culpa de Adão (como na teologia agostiniana/católica roma-
na), mas os resultados, as conseqüências da queda, como claramente ensinado 
por Paulo (Rm 5:12-21), e pelas Escrituras em geral (embora admitamos que, 
por causa de sua carga histórica, a expressão “pecado original” seja inadequada).
Em outras palavras, de acordo com as Escrituras e com os escritos de El-
len White, uma pessoa não se torna pecadora apenas depois de cometer o seu 
primeiro ato pecaminoso. Todos já entram no planeta Terra na condição de 
rebeldes e pecadores (Sl 51:5), com uma “congênita” propensão para o pecado. 
Marcados em seu DNA com um terrível “defeito de fabricação,” que é a nossa 
natureza primária, até a conversão. A conclusão da tese poslapsariana é no mí-
nimo ridícula além de absurda: Se Cristo nasceu como todos nós, por outro lado 
(e este é o fato pouco levado em consideração), todos nasceram tão bons quanto 
Ele. O resultado inevitável é que, neste caso, pode haver pessoas que cheguem ao 
céu sem precisar de um salvador (por exemplo, os que morreram antes do primeiro 
ato pecaminoso). Absurdo puro!
que cobre todo o planeta terra. De fato, Jesus não é apenas o Senhor do centro, 
mas também das margens. Em uma palavra, Ele é o personagem central de todo 
o show. Ele é o brilho glorioso que ilumina tudo o que existe. Depois de dois 
mil anos, talvez porque andemos em trevas mais densas e profundas, sua luz 
ilumina ainda mais clara e brilhante.
Para ponderar
Segundo as Escrituras, as pessoas entram no planeta terra de três diferen-
tes maneiras: por criação: Adão e Eva (Gn. 2:7); por geração: todos os membros 
da raça humana (Gn. 3:16); e por encarnação: apenas Jesus Cristo (Jo 1:14).
Jesus é o “unigênito Filho de Deus” (Jo 3:16). A palavra grega por trás do 
termo latino “unigênito”, do qual vem a nossa tradução portuguesa, é monoge-
nes, que signifi ca indiscutivelmente “o único do seu tipo”, “único da sua espécie”, 
“exclusivo”, “unique”. O termo é utilizado no Novo Testamento cinco vezes em 
referência a Jesus Cristo, todas na literatura joanina (Jo 1:14, 18, 3:16, 18, 18 e 
1Jo 4:9). O sentido de monogenes, como demonstrado por exegetas e intérpre-
tes, é “um de sua espécie”. Isso coloca Jesus a milhões de anos luz de distância 
dos cerca de 7 bilhões de pecadores que hoje infestam o planeta terra e de todos 
os outros que viveram antes desses. Jesus assumiu a humanidade. Ele é um co-
nosco (Mt 1:23), mas não um de nós (Hb 7:26).
Em relação à pessoa de Jesus Cristo devemos levar em conta dois aspectos 
cruciais:
1. Sua identidade
Quem era Ele? Deus Encarnado! Lucas 1:35 registra as palavras do anjo a 
Maria, em resposta à pergunta da virgem (“Como será isto, pois não tenho rela-
ção com homem algum?”). “Respondeu-lhe o anjo: Descerá sobre ti o Espírito 
Santo, e o poder do Altíssimo te envolverá com a sua sombra; Por isso, também, 
o ente santo que há de nascer será chamado Filho de Deus.”
A menos que não creiamos nas Escrituras, este texto, além de qualquer 
dúvida razoável, declara que Jesus não teve um pai humano, como todos os 
demais membros da espécie humana. O nascimento exclusivo de Jesus, único 
em toda a história do universo, deveria ser um séria advertência a todos aqueles 
que, em favor de sua tese perfeccionista, querem transformar-lo em Alguém 
igual a nós em todos os aspectos: “Se Ele foi como nós, nós podemos ser como 
Ele”, é a conclusão da precária teologia pós-lapsariana, como se a salvação fosse 
por imitação.
Eque qui poerdius An Itas ad facit. Ad 
condeli caverum tandienam la prit. 
Batorun traequi ssedessil hici publius 
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Romnemo ritustorum tervirmilis atum, 
quo audam vid rei stris.
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5: 1128).
Não devemos ter qualquer dúvida acerca da perfeita ausência de pe-
cado na natureza humana de Cristo (WHITE, 1987, p. 256).
Ele é um irmão em nossas enfermidades, mas não em possuir idênti-
cas paixões (WHITE, 1985, p. 202).
Nunca, de nenhuma forma, deixeis a mais leve impressão sobre as 
mentes humanas que uma mancha ou a inclinação para a corrupção 
permaneceu sobre Cristo, ou que Ele, de algum modo, tenha cedido à 
corrupção (em NICHOL, 1979, 5:1128-1129).
Que cada ser humano seja advertido acerca de tornar Cristo com-
pletamente humano, tal como um de nós, pois isto não pode ser (em 
NICHOL, 1979, 5:1128-1129).
Não ver o marcante contraste entre Cristo e nós, signifi ca não nos 
conhecermos a nós mesmos (Review and Herald, 25 de setembro de 
1900).
Ao encarnar a humanidade, Cristo foi afetado, mas não infectado pelo pe-
cado. Em sua natureza física, Ele veio quatro mil anos depois da queda da raça, 
refl etindo os efeitos da queda. Contudo, do ponto de vista moral e espiritual, 
Ele não foi contaminado. Ellen G. White faz claramente esta distinção. Em al-
O próprio Jesus deu testemunho de sua completa isenção de pecado, pre-
sente em todos os demais seres humanos. Não apenas isenção de atos peca-
minosos, como já observado, mas da natureza pecaminosa que todos nós her-
damos de Adão: “Quem dentre vós me convence de pecado” (Jo 8:46), ou “…
aí vem o príncipe deste mundo, e ele nada tem em mim” (Jo 14:30). Para Ellen 
G. White “Satanás encontra nos corações humanos algum ponto onde ele pode 
estabelecer sua base, algum desejo pecaminoso é acariciado, por meio do qual 
suas tentações fi rmam seu poder. Mas, Cristo declarou de si mesmo, ‘aproxima-
-se o príncipe deste mundo. Ele nada tem em mim’” (Review and Herald, 8 de 
novembro de 1898). De Jesus é dito aquilo que não se pode dizer de nenhum 
outro.
Para Ellen White, como claro nas seguintes citações, não há nenhuma dú-
vida quanto à natureza assumida por Cristo na encarnação:
Por um lado, Cristo é um representante perfeito de Deus; por outro, 
Ele é um espécime perfeito da humanidade sem pecado (Manuscrito 
44, 1898).
Cristo é chamado o segundo Adão. Em pureza e santidade, conectado 
com Deus e amado por Deus. Ele começou onde o primeiro Adão 
havia começado. Ele passou pelo mesmo terreno onde Adão caiu e 
redimiu a falha de Adão (Th e Youth Instructor, 2 de junho de 1898).
Ele [Cristo] venceu Satanás na mesma natureza sobre a qual, no Éden, 
o inimigo havia obtido a vitória (Th e Youth Instructor, 5 de abril de 
1901).
Ele [Cristo] deveria tomar sua posição como o cabeça da humanida-
de, tomando a natureza, mas não a pecaminosidade do homem (Signs 
of the Times, 20 de fevereiro de 1879. Também em 29 de maio de 
1901).
Por causa do seu [de Adão] pecado, sua posteridade nasce com ine-
rente propensação para a desobediência. Mas, Jesus Cristo foi o uni-
gênito [monogenes] de Deus. Ele tomou sobre si a natureza huma-
na, ele foi tentado em todos os pontos como a natureza humana é 
tentada. Ele poderia ter pecado. Ele poderia ter caído, mas, nem por 
um momento houve nele uma propensão maligna (NICHOL, 1979, 
Equequi poerdius An Itas ad facit. Ad 
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mínimo que fosse.” Note-se ainda a continuação do texto do Mensagens Escolhi-
das: “[Cristo] Era sujeito às debilidades e fraquezas que atribulam o homem… 
Ele foi tocado com a sensação de nossas fraquezas, e em tudo foi tentado como 
n[os. E todavia não conheceu pecado.” No início do parágrafo seguinte, Ellen 
White insiste: “Não devíamos ter dúvida acerca da perfeita ausência de pecado 
na natureza humana de Cristo.” Novamente devemos formular a pergunta: A 
que natureza ela está se referindo, que era marcada por “perfeita ausência de 
pecado?” Só há uma alternativa possível: Sua natureza moral e espiritual, porque 
do ponto de vista físico, Cristo assumiu a condição humana, quatro mil anos de-
pois da raça ter-se corrompido. Se tal distinção não for feita, estas citações não 
passam de uma enorme confusão, sem qualquer sentido (veja RODOR, 2008, 
P.58-59), e neste caso, pior ainda, colocamos Ellen White contra Ellen White.
2. Sua missão
Além de levarmos em conta a identidade de Cristo como Deus encarnado, 
devemos considerar também a sua missão. Para ser nosso Salvador, Jesus deve-
ria tornar-se um conosco, mas tal identifi cação não poderia ir além dos limites 
dos requerimentos de sua missão. Ele veio primariamente como o nosso salva-
dor. Se Ele fosse exatamente como nós, não teríamos um salvador, uma vez que, 
nesse caso, Ele também estaria necessitando de um salvador. Em lugar de ser a 
solução do problema do pecado, Cristo seria parte do problema. É precisamente 
o fato de que Ele não foi manchado pelo pecado (pecado tanto no sentido de 
natureza, estado, condição, quanto no sentido de atos pecaminosos) que o qua-
lifi ca como nosso Salvador.
Na tipologia do Antigo Testamento, a oferta pelo pecado, apontando para 
o futuro Redentor, não poderia ter qualquer defeito. Levítico 22:20 insiste: “Po-
guns dos textos utilizados por defensores da natureza caída de Cristo, nos quais 
ela sugere que Cristo assumiu a humanidade, com sua fraqueza e falhas, ela 
simplesmente está se referindo aos efeitos físicos da queda (fome,sede, cansaço, 
enfermidades e mesmo a morte). Tais fraquezas, em sua identifi cação conosco, 
contudo, estão dentro da área benigna do pecado. Embora conseqüências do 
pecado, não são pecado em si. Na famosa citação do livro Desejado de Todas as 
Nações, p. 33, freqüentemente mal interpretada, Ellen White observa:
“Teria sido um quase infi nita humilhação para o Filho de Deus, revestir-
-se da natureza humana mesmo quando Adão permanecia em seu estado de 
inocência, no Éden. Mas Jesus aceitou a humanidade quando a raça havia sido 
enfraquecida por quatro mil anos de pecado. Como qualquer fi lho de Adão, 
aceitou os resultados da operação da grande lei da hereditariedade. O que es-
tes resultados foram manifesta-se na história de Seus ancestrais terrestres. Veio 
com essa hereditariedade para partilhar de nossas dores e tentações…”
Do que Ellen White está falando? Pelo próprio raciocínio poslapsariano, 
ela não poderia estar se referindo às conseqüências morais e espirituais, por-
que, segundo os defensores da natureza caída de Cristo, isto seria equivalente 
ao “dogma católico do pecado original.” O que Jesus herdou dos seus ancestrais, 
depois de quatro mil anos da queda, foram as conseqüências físicas do pecado, 
apenas isto! Como qualquer criança da escola primária saberia, Jesus não veio 
com o físico de Adão antes da queda. Isto, entre outras coisas, já seria um enor-
me obstáculo à sua identifi cação com a raça humana. Por isto dizemos que Ele 
foi afetado pelo pecado, mas não infectado por ele.
O texto que encontramos em Mensagens Escolhidas, 1:256, esclarece a 
questão além de qualquer dúvida razoável quanto a citação do livro Desejado, 
mencionada acima, com relação a que “natureza enfraquecida” Ele assumiu, de-
pois de quatro mil anos da queda:
“Tomando sobre Si a natureza humana em seu estado decaído, Cristo não 
participou no mínimo que fosse do seu pecado.” Note-se, Ellen White, está fa-
lando que Cristo assumiu a natureza caída, mas ao mesmo tempo que Ele “não 
participou, no mínimo que fosse do seu pecado.” Como pode alguém assumir a 
natureza humana em “seu estado caído,” e não participar do seu pecado? Obvia-
mente, isto é possível apenas porque ela está falando de duas coisas diferentes: 
A “natureza caída” do ponto de vista físico (o que Ele assumiu, quatro mil anos 
depois da queda) e, por outro lado, da natureza moral e espiritual anterior à 
queda (que não participou, no mínimo que fosse, do pecado).
A questão aqui não tem que ver apenas com atos pecaminosos, mas clra-
mente com a natureza pecaminosa. Desta natureza Cristo não participou “no 
Eque qui poerdius An Itas ad facit. Ad 
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rém o que tiver defeito, esse não oferecereis, porque não seria aceito em vosso 
favor.”
A obediência à lei de Deus havia sido frustrada pela humanidade caída, e 
aquilo que não podíamos fazer, Deus o fez enviando o seu fi lho, “em semelhan-
ça” de carne pecaminosa: “Porquanto o que fora impossível à lei no que estava 
enferma pela carne, isso fez Deus enviando o seu próprio Filho em semelhança 
de carne pecaminosa e no tocante ao pecado, e com efeito, condenou Deus na 
carne, o pecado” (Rm 8:3). Se Cristo tivesse a mesma natureza pecaminosa, ou 
seja, se Ele fosse 100% igual a nós, então a justiça da lei permaneceria sem ser 
cumprida. Note-se: Ele veio em “semelhança” (grego homoiomati). A mesma 
palavra aparece em Apocalipse 9:7, onde gafanhotos são semelhantes a cavalos. 
Semelhança, no grego, assim como no português, signifi ca semelhança e não 
igualdade. A palavra para “igual”, no grego, é outra: isos. Esses dois termos apa-
recem em Filipenses 2:6 e 7 precisamente com o sentido mencionado. Quando 
o apóstolo diz que Jesus “não teve por usurpação ser igual a Deus”, ele usa o 
termo isos; porém emprega a palavra homoiomati quando deseja dizer que Jesus 
se fez “semelhante aos homens”. Igual a Deus, mas não igual ao homem em cada 
detalhe; ou igual a Deus, mas semelhante aos homens. Do que mais precisamos, 
se realmente aceitamos o testemunho das Escrituras como a Palavra revelada 
de Deus?
Com alguma freqüência encontramos aqueles querem confundir a ques-
tão, afi rmando que “a igreja não tem uma posição defi nida quanto a encarnação 
de Cristo,” como se isto fosse a licença para cada um crer como bem entende, 
e assim confundir os membros da igreja, com idéias desenvolvidas na periferia 
neurótica da dissidência e tradições humanas mal informadas. Este, contudo, 
não é o caso. A igreja, tem uma posição clara sobre o tópico da natureza de Cristo 
na encarnação. A posição da igreja, é a posição da revelação, manifesta tanto nas 
Escrituras, como em Ellen White. Concílios e decisões humanas, são submissas à 
revelação. Não o contrário!
Por que Jesus Cristo não poderia ser exatamente como nós, partilhando 
da natureza caída, herdada de Adão? Ellen G. White responde a questão de 
maneira clar[issima: “O homem não pode fazer expiação pelo homem”, uma vez 
que ele em “sua condição caída constituiria uma oferta imperfeita” (Review and 
Herald, 17 de dezembro de 1872). Mas, “Ele [Jesus Cristo] não necessitou de 
expiação” (Review and Herald, 21 de setembro de 1886; ver Hb 7:26-28). 
R e f e r ê n c i a s 
b i b l i o g r á f i c a s
Introdução
1. GREEN, Michael. Who is Th is Jesus? Naschiville: Tomas Nelson Pu-
blishers, 1992.
Capítulo 1
1. CARROL, John. Preaching the Hard Sayings of Jesus. Peabody, MA: 
HendricksonPublishers, 1996.
2. TOURNIER, Paul. Culpa e graça: uma análise do sentimento de culpa e 
o ensino do evangelho. São Paulo: Aliança Bíblica Universitária do Brasil, 1985.
3. RICE, Richard, Th e reign of God: an introduction of theology from a 
seventh-day adventist perspective. Berrien Springs: Andrews University Press, 
1997.
4. WALLENKAMPF, Arnold V. Justifi ed: What every christian should 
know about being justifi ed. Washington, DC: Review and Herald, 1988.
5. WHITE, Ellen G. Obreiros evangélicos. Tatuí: Casa Publicadora Bra-
sileira, 1993
O Incomparável Jesus Cristo
128 
Capítulo 2
1. WHITE, Ellen G. Parábolas de Jesus. Tatuí: Casa Publicadora Brasi-
leira, 2004.
2. BAILEY, Kenneth E. Poet and Peasant. Grand Rapids: William B. Eer-
dmans, 1976. 
3. Capítulo 3
1. WHITE, Ellen G. Parábolas de Jesus. Tatuí: Casa Publicadora Brasi-
leira, 2007.
2. WHITE, Ellen G. Desejado de Todas as Nações. Tatuí: Casa Publica-
dora Brasileira, 2004.
Capítulo 4
1. BALLEY, Kenneth E. Poet and Peasant. Grand Rapids: Eerdmans, 
1976.
2. RODOR, Amin. Th e Concept of the Poor in the Context of the Eccle-
siology of Liberation Th eology. Th .D. dissertation: Andrews University, Ber-
rien Springs, 1986.

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