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1 ASSOCIAÇÃO CULTURAL E EDUCACIONAL DE GARÇA FACULDADE DE CIÊNCIAS DA SAÚDE MANIFESTAÇÕES DE CIÚME E SUAS CONSEQÜÊNCIAS, NA DINÂMICA DE RELACIONAMENTO CONJUGAL Khallin Tiemi Seo R.A. 50090 Garça – São Paulo – Brasil 2006 2 ASSOCIAÇÃO CULTURAL E EDUCACIONAL DE GARÇA FACULDADE DE CIÊNCIAS DA SAÚDE CURSO DE PSICOLOGIA MANIFESTAÇÕES DE CIÚME E SUAS CONSEQÜÊNCIAS, NA DINÂMICA DE RELACIONAMENTO CONJUGAL Khallin Tiemi Seo Orientadora: Prof.ª Dr.ª Janete de Aguirre Bervique Supervisora: Prof.ª Dr.ª Regina de Cássia Rondina Monografia apresentada à Faculdade de Ciências da Saúde, como requisito parcial para obtenção do título de Psicólogo Garça – São Paulo – Brasil 2006 3 FOLHA DE APROVAÇÃO Khallin Tiemi Seo “Manifestações de ciúme e suas conseqüências, na dinâmica de relacionamento conjugal”. Este trabalho, apresentado como requisito parcial para a obtenção do título de graduação em Psicologia, foi realizado na Faculdade de Ciências da Saúde – FASU e aprovado pela Banca Examinadora, formada pelos professores: Prof.ª Dr.ª Janete de Aguirre Bervique................................................. Nota: 10,0 Prof.ª Ms. Maristela Colombo .............................................................. Nota: 10,0 Prof. Ms. Jair Izaías Kappan................................................................ Nota: 10,0 Média: 10,0 Data da apresentação: 11/09/06 Garça – São Paulo – Brasil 2006 4 * Parecer da professora-orientadora recomendando o trabalho: Na qualidade de professora-orientadora da monografia “Manifestações de ciúme e suas conseqüências, na dinâmica de relacionamento conjugal”, de autoria da aluna Khallin Tiemi Seo, do 10o termo do Curso de Psicologia da Faculdade de Ciências da Saúde FASU/ACEG, de Garça-SP, recomendo-a para concorrer ao Prêmio Silvia Lane, considerando que a mesma: - teve como ponto de partida a problemática existencial da própria autora, vivenciando o ciúme; - se refere a um problema da afetividade humana, presente no cotidiano de um sem número de casais; - apresenta relevância científica, por ser oportuno, observável, constatável e ter ensejado a elaboração e execução de um projeto de pesquisa; - representa a aprendizagem e o exercício da metodologia científica, bem como das normas da ABNT, por sua autora; - apresenta relevância social, por estar contribuindo à ampliação da consciência ecológica, em nível de relações interpessoais; - evidencia que a autora percorreu as três etapas de um trabalho que pretende ser científico: a heurística, a projetiva e a executiva; - representa um exercício e um aprimoramento da autora no manejo da norma culta da Língua Portuguesa e no uso da nomenclatura técnica; - apresenta a sistematização de grande parte da literatura sobre o tema, disponível em Português, subsidiando pesquisas congêneres, subseqüentes; - consolida os esforços continuados de sua autora, ao longo do Curso, visando, ao lado do autoconhecimento e do auto-aprimoramento, a dar a sua contribuição para ampliar o acervo de estudos sobre a problemática do ciúme. Este parecer resume algumas das razões pelas quais recomendo a monografia em pauta para concorrer ao Prêmio Silvia Lane, tão oportunamente promovido pela Associação Brasileira de Ensino de Psicologia/ABEP. Garça, 02 de dezembro de 2006. Prof.ª Dr.ª Janete de Aguirre Bervique. Orientadora. 5 “Que eu tenha a capacidade de aceitar as coisas que não posso mudar, a força para mudar as coisas que posso mudar, e a sabedoria para perceber a diferença”. (Almirante Hart) 6 Dedico este trabalho à minha mãe querida, pessoa ímpar, com sua grandeza e amor infinito; uma pessoa especial, que está sempre presente, ao meu lado. Mãe, obrigada por acreditar em mim e por participar desse momento tão importante na minha vida. 7 AGRADECIMENTOS Primeiramente, quero agradecer a Deus, por me guiar e iluminar o meu caminho. Minha gratidão aos meus pais e meu irmão – meus anjos da guarda – pelo carinho e apoio, e por serem a minha família querida. Agradeço à minha orientadora Prof.ª Dr.ª Janete de Aguirre Bervique, pelos importantes ensinamentos, e por aprimorar a coerência e a qualidade deste trabalho. É uma pessoa admirável, pela sua sabedoria, disposição e dedicação ao trabalho. Meus agradecimentos à minha supervisora Prof.ª Dr.ª Regina de Cássia Rondina – um exemplo de ética e determinação – por dedicar seus esforços para assegurar a integridade deste trabalho. Um agradecimento carinhoso ao meu namorado Marcelo, pelo amor, paciência e compreensão; uma pessoa que está ao meu lado, a cada passo do meu caminho, sempre me apoiando. Um agradecimento especial à Érica Shinohara, minha amiga querida e leal. Obrigada pelo carinho e por fazer parte da minha vida. Agradeço à Prof.ª Dr.ª Alessandra de Morais Shimizu, pela amizade e apoio, durante a minha formação acadêmica, e pelo suporte nas minhas dúvidas e ansiedades perante a minha atuação. É uma pessoa que admiro muito: um modelo de dedicação, ética, humildade e amor à profissão. Quero agradecer às minhas amigas de Faculdade, companheiras de aprendizagem desta longa jornada acadêmica. Cada uma participou, de forma especial, na minha vida; juntas, enfrentamos dificuldades, dividimos angústias, conquistas e alegrias. Sentirei saudade dos churrascos, dos bolos de aniversário, das risadas e dos momentos que compartilhamos nesses anos. Enfim, quero agradecer a todos, de todo o coração: aos meus pacientes, aos meus familiares, amigos, professores e ex-professores, que colaboraram, direta ou indiretamente, para a realização desta monografia e por participarem da minha formação. 8 RESUMO Esta monografia apresenta uma revisão da literatura acerca do ciúme no relacionamento conjugal, em casais heterossexuais, destacando algumas características dessa problemática. Atenta, também, para as conseqüências do problema, no ajustamento emocional e na dinâmica de relacionamento afetivo do casal, bem como para a importância do tratamento psicológico e/ou psiquiátrico dessa problemática. O Capítulo 1 – Introdução – contém uma breve revisão da literatura acerca da afetividade humana, destacando alguns sentimentos positivos e negativos nas relações interpessoais; e, também, uma breve apresentação sobre o ciúme, tema central da pesquisa. Expõe, ainda, os objetivos do trabalho e a metodologia utilizada. O Capítulo 2 – A problemática do ciúme nos relacionamentos amorosos em casais heterossexuais – enfoca os achados bibliográficos com as respectivas discussões, apresentados de acordo dos objetivos propostos para a pesquisa: a problemática do ciúme nos relacionamentos amorosos em casais heterossexuais; as diferenças entre os sexos em relação ao ciúme; principais fatores desencadeantes de ciúme; sobre o ciúme patológico; o papel do ciúme no relacionamento amoroso; fatores que predispõem homens e mulheres a manifestações de ciúme; estratégias de enfrentamento. Tudo amparado por um referencial teórico consistente, constituído por vários autores atuais. O Capítulo 3 – Considerações Finais – retoma os objetivos que orientaram a realização da pesquisa, da qual resultou esta monografia; confronta-os com os achados oriundos da revisão da literatura, visando a aferir o nível de consecução dos mesmos. Enfatiza alguns aspectos, cuja importância sugere uma abertura para a realização de pesquisas congêneres, envolvendo sujeitos que vivenciam a problemática do ciúme. Palavras-chave: fenômenos afetivos, relacionamento conjugal, ciúme, manifestaçõesde ciúme 9 ABSTRACT This work features a revision of the literature about jealousy in heterosexual conjugal relationship, detailing some characteristics of this problem. Consider also to emotional adjustment and affective relationship dynamics of the couple as the importance of psychologist and/or psychiatrist treatment. Chapter 1 – Introduction – Shows a short literature revision about human affectivity, outstanding some positive/negative feelings in relationships and also a short presentation about jealousy (center theme of the research). Exposes too, the goal of the work and methodology applied. Chapter 2 – The jealousy in amorous relationship of heterosexual couples – focus biographycs themes and respective discussion presented as the proposal objective of the research: the jealousy in amorous relationship in heterosexual couples; the differences between male and female about jealousy; the main facts that predispose men and women to manifest jealousy; strategy to tackle it. All of it is supported by consistent theorical references of several nowadays authors. Chapter 3 – Final considering – retake the objectives that guide the achievement of the research to arise this monograph confronting the literature issues in the objective to gauge the attainment oh them. Emphatises some aspects, which importance suggests a beginning to further research, envolving people that live the jealousy problem in their lives. Key-words: affective phenomenon, conjugal relationship, jealousy, manifest jealousy 10 SUMÁRIO Página CAPÍTULO 1 INTRODUÇÃO..................................................................................................11 1.1. Objetivos .................................................................................................18 1.2. Metodologia ............................................................................................19 CAPÍTULO 2 A PROBLEMÁTICA DO CIÚME NOS RELACIONAMENTOS AMOROSOS EM CASAIS HETEROSSEXUAIS ..........................................................................21 2.1. As diferenças entre os sexos em relação ao ciúme................................27 2.2. Principais fatores desencadeantes de ciúme..........................................33 2.3. Sobre o ciúme patológico........................................................................39 2.4. O papel do ciúme no relacionamento amoroso.......................................46 2.5. Fatores que predispõem homens e mulheres a manifestações de ciúme .......................................................................................................................48 2.6. Estratégias de enfrentamento .................................................................49 CAPÍTULO 3 CONSIDERAÇÕES FINAIS..............................................................................55 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................65 11 CAPÍTULO 1 INTRODUÇÃO 12 A afetividade humana é um tema intensamente explorado na Literatura Universal, bem como em todas as derivações da Arte: artes plásticas, música, literatura, cinema, teatro, teledramaturgia, entre outras. E no quadro da afetividade humana, o amor é considerado o mais profundo elo de ligação entre as pessoas, um estado de integração, aceitação, espontaneidade, confirmação e respeito mútuo; caracteriza-se por dois seres que se unem, não apenas com o propósito de satisfazerem suas necessidades e desejos, mas sim, de se amarem e compartilharem o amor que sentem (CARDELLA, 1994). Sobre esse sentimento, a autora assim se expressa: “O amor é a polaridade oposta do egocentrismo e do sofrimento de natureza emocional. (...) é de natureza incondicional, o que implica a capacidade de amar o diferente e não apenas o semelhante. (...) envolve maturidade emocional, responsabilidade e posse da própria vida, auto- sustentação e independência em relação aos demais” (Id., ibid., p.16-17). Amar a si mesmo – aceitando-se, reconhecendo-se, respeitando-se e validando-se como ser humano único – é a primeira condição necessária para ser capaz de estabelecer quaisquer relações amorosas maduras e saudáveis, que envolvem escolha mútua, reciprocidade e cooperação. A respeito do amor cooperativo, Goldberg (2000, p.267-275) considera: “O amor cooperativo é amor consciente entre dois indivíduos que amadureceram além de seus anseios narcisistas baseados em problemas infantis não resolvidos. (...) Significa dois indivíduos independentes, que optam por ficarem juntos e trabalharem suas diferenças”. Consoante essa concepção, o amor maduro envolve compreensão e aceitação recíprocas, e o reconhecimento de que todos somos seres singulares, com potencialidades e limitações, e que não existe perfeição. 13 Quando este sentimento acontece, as pessoas se dizem felizes, percebem o mundo como mais seguro, mostram maior auto-estima, otimismo, disposição, possuem relacionamentos mais maduros e satisfatórios; tudo isso se reflete no trabalho, na família, nas amizades, enfim, em todas as dimensões vividas por elas. Segundo Viscott (1982, p. 18), “os sentimentos são a reação mais direta à nossa percepção”. É importante entrar em contato tanto com os sentimentos prazerosos como com os dolorosos, pois, diante dessas experiências, o indivíduo tem a liberdade de um ajuste mais realista ao mundo, encarando as dificuldades, os desafios, superando-os e, também, poder sentir um bem-estar, uma renovação e sensação de inteireza. Ainda que o amor seja o sentimento mais profundo no relacionamento de um casal, as dificuldades e obstáculos relacionados a ele são inúmeros e variáveis; dependem do nível do envolvimento, das expectativas dos parceiros, das crenças, dos mecanismos de defesa e dos papéis na relação. “Assim como o amor narcisista, o ódio narcisista sempre destrói a possibilidade de relacionamentos cooperativos e mutuamente enriquecedores” (GOLDBERG, op.cit., p.90). Shinyashiki e Dumêt (1988, p.12) relacionam o amor quando surge o medo e a indiferença num relacionamento: “Os maiores inimigos do amor são o medo e a indiferença. O medo transforma o amor em angústia. A indiferença supõe a morte do amor. As pessoas antes amadas, na indiferença, perdem significação; o desejo se apaga”. Tanto os sentimentos positivos como os negativos, nas relações interpessoais, fazem parte do cotidiano, da realidade existencial humana. Muitas vezes, as emoções negativas consomem completamente aquilo que começou como amor, acabando em obsessão, descontrole, ruptura, fracasso, mágoa, dor, frustração; o amor acaba não suportando o peso de expectativas irrealistas das pessoas envolvidas. Quando se aborda o lado sombrio do amor, quanto mais se procura calar o inconsciente, mais alto ele vai falar; quando os sentimentos odiosos não são reconhecidos, eles vão se acumulando e mais 14 destrutivas serão as suas manifestações (Id., ibid.). Estes autores consideram que o ódio só é destrutivo quando traduzido em conduta destrutiva; reconhecido e usado corretamente, o ódio pode ser saudável, na medida em que proporciona ajustes de conduta, por exemplo, se não odiássemos a injustiça, como seríamos motivados a corrigi-la ou como nos defenderíamos? Se não odiássemos a dor, como aprenderíamos a não colocar mais a mão no fogo, uma vez acidentalmente queimada? “Reconhecer o ódio e encontrar válvulas de escape não-destrutivas é uma tarefa que precisamos realizar” (Id., ibid., p.79). Davidoff (2001) apóia essa idéia, de que as pessoas podem sentir raiva, mas que devem lidar com ela de forma não agressiva, esclarecendo o incidente, conversando com o ofensor, expressando abertamente seussentimentos, o que pensa da situação, sem exibir hostilidade; tentando resolver de forma mais madura, tendo um controle da situação, sem desequilíbrio emocional e impulsivo. É importante entender a origem do ódio, não ficar remoendo sua dor, elaborando fantasias raivosas de retaliação e ser capaz de verbalizar os sentimentos, de forma não destrutiva. A raiva é uma emoção caracterizada por fortes sentimentos de contrariedade, frustração, violação de expectativas ou desejos pessoais e prejuízo da auto-estima, os quais são acionados por ofensas reais ou imaginárias (DAVIDOFF, op.cit.; VISCOTT, op.cit.). Do ponto de vista de Myers (1999), a raiva é despertada, mais freqüentemente, por eventos interpretados como intencionais, injustificados e evitáveis, do que apenas por aqueles eventos que são frustrantes. Ele presume que descarregar a raiva proporciona liberação emocional, ou catarse no indivíduo; a raiva é reduzida ao liberá-la através da ação direta contra quem a provocou ou em forma de fantasia agressiva. Entretanto, o autor considera que expressar a raiva dessa forma pode acalmar a pessoa, temporariamente; mas, também, pode aumentar a hostilidade latente e/ou provocar retaliação e confrontos ainda maiores. De qualquer forma, é importante não adiar a resolução desse problema, pois quanto mais raiva reprimida, mais aumentará a mágoa dentro de si; ao segurar a raiva dentro de si mesmo, a pessoa estará se punindo, canalizando a raiva, dirigindo-a contra si mesmo. Na medida em que 15 esse assunto é enfrentado, uma vez extravasado, a raiva tende a desaparecer. “A raiva nunca desaparece enquanto os pensamentos de ressentimento ficarem guardados na mente” (O BUDA, 500 a.C., apud Myers, op.cit.). Retornando aos afetos positivos, é interessante a posição de Goldberg (op.cit.), por considerar que o amor romântico se baseia na fantasia, em desejos pessoais idealizados, no sentido de que tal amor venha a preencher tudo o que a pessoa precisa ou quer. Quando esta enxerga a realidade da outra pessoa, com seus defeitos e limitações, acaba não suportando o choque da desilusão; sente-se traída pelo outro e pelo amor, e, em vez de perseverar, lutar e superar essa desilusão, acaba destruindo esse amor. A desilusão é, portanto, a contrapartida da idealização fantástica do outro, que pode desencadear um sem número de afetos negativos, como o desejo de vingança, explicitado no excerto a seguir: “Querer vingança é parte do processo de cura da mágoa e da raiva; a vingança serve também como defesa contra a sensação de impotência e desesperança: a vida fica mais suportável quando se espera um triunfo vingativo e não nos sentimos tanto vítimas indefesas” (Goldberg, op.cit., p.247, 248). Diante dessa questão, esse autor também concorda que, quando o amor frustra a pessoa, o sentimento de vingança vem à tona, envenenando o seu comportamento; as pessoas que querem vingança são as que se sentem vítimas e querem ferir, atacar o outro em igual ou maior intensidade, para suprir o ego ferido, pois: “há ocasiões em que a raiva, a mágoa e a frustração fazem fracassar todas as tentativas de comunicação e o ser amado parece um inimigo” (Id., ibid., p.35). Segundo Feldman (2005, p.68), “na traição, a palavra-chave é a rejeição. A pessoa traída se sente rejeitada, trocada, abandonada. Sua auto-imagem e sua auto- estima, pilares de toda a estrutura emocional, ficam profundamente abaladas”. Esta autora, com o intuito de tornar mais inteligível e compreensível esta questão – 16 traição – explica outros estados afetivos que a circunscrevem e a conjunção dos mesmos com suas repercussões corporais. “Os sentimentos de grande intensidade costumam ser acompanhados de um estado de angústia e ansiedade, especialmente no momento da confirmação da traição e nos momentos subseqüentes. (...) É uma sensação de grande mal- estar físico, caracterizada por fenômenos somáticos, como taquicardia, sudorese, tremores, boca seca, entre outros. As pessoas costumam falar de ‘dor no peito’, ‘frio na barriga’, ‘aperto’, ‘nó na garganta’, ‘pontadas no coração’” (Id.,ibid., p.75). Todos os afetos negativos representam a polaridade oposta ao amor e entre eles situa-se o ciúme, gerador de sofrimentos emocionais, tratado como tema central dessa pesquisa. Após este preâmbulo sobre o quadro da afetividade humana, com seus afetos positivos e negativos, necessário para situar o ciúme no contexto do cotidiano relacional conjugal, este sentimento será abordado, a seguir, visando a estabelecer uma base conceitual inteligível. Vários estudiosos de questões sobre a afetividade humana consideram o ciúme como um sentimento humano que pode interferir, em maior ou menor grau, na dinâmica de relacionamento conjugal. É um sentimento que produz angústia, raiva, desconfiança, baixa auto-estima, insegurança e tensão nos parceiros; e pode atingir formas doentias, abalando a saúde mental, podendo chegar ao extremo da violência (agressões físicas, homicídios e/ou suicídios), prejudicando a relação afetiva; é uma resposta negativa e, ao mesmo tempo, protetora, frente a uma ameaça da perda do parceiro íntimo, ou da qualidade do relacionamento valorizado (BRANDEN, 2002; CARLSON & CARLSON, 2001; POSADAS, 2001; RANGEL, 2004; SANTOS, 2003; SHINYASHIKI & DUMÊT, op.cit.; SILVA, 1999). Segundo definição oficial apresentada no Novo Dicionário Aurélio, entende-se por ciúme: 17 “1. Sentimento doloroso que as exigências de um amor inquieto, o desejo de posse da pessoa amada, a suspeita ou a certeza de sua infidelidade, fazem nascer em alguém; zelos. 2. Emulação, competição, rivalidade. 3. Despeito invejoso; inveja. 4. Receio de perder alguma coisa; cuidado, zelo” (FERREIRA, s.d., p.333). Examinando a literatura selecionada, pude observar nos achados bibliográficos acerca da temática (ciúme), que há semelhanças com a definição do Dicionário Aurélio, no sentido de o ciúme ser um sentimento doloroso, envolvendo possessividade, suspeitas, inveja dos atributos do rival e, principalmente, medo de perder o amado. Outros autores discorrem sobre essa temática, entre eles, Bottura Junior (2003), para quem é natural sentir medo pela ameaça de uma perda afetiva. As pessoas se sentem inseguras diante das perdas, com medo de serem excluídas da vida de outra pessoa. O indivíduo ciumento vive as exigências de um amor possessivo, por medo ou risco de perda do objeto amado (CAVALCANTE, 1997; COSTA e col., 1991). Buss (2000) atenta para dois ingredientes centrais do ciúme: a ameaça de perder um parceiro e a presença de uma terceira pessoa, motivando um comportamento reativo no sentido de se contrapor à ameaça. Ciúme, nessa linha de interpretação, consiste em uma emoção negativa, porque causa dor psicológica; em excesso, pode destruir relações harmoniosas, tornando-as pesadelos infernais. É importante atentar para as conseqüências do problema, no ajustamento emocional e na dinâmica de relacionamento afetivo do indivíduo (RANGEL, op.cit.). Segundo Bottura Junior (op.cit.), quando o ciúme ultrapassa o limite, o enciumado pode ser levado a distorções de interpretação da realidade e confiar, cegamente, nas suas fantasias, para afirmar seu raciocínio e justificar a continuidade de suas atitudes de ciúme. É atormentado pela dúvida, não consegue controlar sua desconfiança. Tomado pelas fantasias, se não conseguir controlar toda a vida do parceiro, o ciumento pode partir para a violência, intimidação e até a morte (suicídio ou homicídio), para dar fim à sua tortura. A relação, então, torna-se tensa e sufocada, pelas limitações impostas 18 pelo ciúme, pela perseguição doentia, pelas cobranças, fiscalizações e pressões, que o ciumento exerce. Sofre o ciumento, o parceiro e as pessoas que convivem com eles, gerando conflitos, incompreensões, insegurança e, até, agressões,pois a imaginação ciumenta transgride regras, valores e princípios, como afirma o autor referido a seguir: “Para a imaginação ciumenta, a incerteza é mais dolorosa do que a certeza; (...) a imaginação do possível é mais intensa do que a constatação do real. (...) a representação infinita dos possíveis indeterminados é mais intensa do que a de qualquer realidade determinada” (GRIMALDI, 1994, p.43-47). Diante do exposto, acredito que a realização de pesquisas sobre o impacto do ciúme na dinâmica de ajustamento conjugal possa oferecer subsídios realísticos para o trabalho de profissionais que atuam junto a casais, que vivenciam esta problemática. Estudos sobre o assunto podem aumentar o conhecimento sobre as diferentes formas e manifestações patológicas ou não de ciúme, bem como as principais causas e fatores implicados no aparecimento do problema, subsidiando a elaboração de estratégias para o enfrentamento do mesmo. 1.1. Objetivos Com a intenção de ter um lineamento, relativamente seguro, para orientar a minha trajetória como pesquisadora, defini alguns objetivos, apresentados a seguir. Como objetivo geral, propus-me investigar, via levantamento bibliográfico, a problemática do ciúme nos relacionamentos amorosos, entre homens e mulheres. Como objetivos específicos, defini os seguintes propósitos: - levantar dados bibliográficos a respeito do ciúme nos relacionamentos amorosos, entre casais heterossexuais; 19 - averiguar, através da literatura, se existe diferença entre o grau de prevalência de sintomas de ciúme nos dois sexos; - identificar as manifestações de ciúme entre estes casais; - conceituar o papel do ciúme no relacionamento amoroso; - caracterizar os principais fatores que predispõem homens e mulheres a manifestações de ciúme. 1.2. Metodologia Este trabalho consistiu em uma pesquisa bibliográfica. A coleta de dados foi efetuada através de consulta a livros, periódicos, bases de dados da Internet, revistas, entre outros. Inicialmente, foi efetuado um levantamento junto ao acervo da Biblioteca da FAEF e, depois, nas demais obras adquiridas por mim. Na seqüência, foi realizado um levantamento complementar, junto a sites de busca da Internet, tais como Lilacs, Bireme, Scielo, entre outros. Os artigos e obras encontrados foram selecionados para a utilização no presente trabalho, com base nos seguintes critérios: a) pertinência em relação ao assunto-objeto deste trabalho; b) confiabilidade da fonte, clareza e concisão dos resultados. Foi efetuada uma leitura e fichamento do material coletado. Tendo em vista a natureza deste estudo, os dados coletados foram sistematizados e agrupados em categorias, segundo os objetivos geral e específicos, estabelecidos para este trabalho. Na seqüência, foram realizadas a discussão e a análise das categorias, com base na literatura pertinente levantada. Com isso, a intenção subjacente foi a de chegar a alguns resultados conceituais, de categorização e técnicos sobre a questão do ciúme, que pudessem contribuir com o trabalho de profissionais que lidam com esta problemática, além de desvelar indícios para novos estudos. 20 Através dos estudos realizados sobre os dados coletados, apresento, a seguir, uma revisão da literatura sobre as principais manifestações do ciúme amoroso, na dinâmica de relacionamento conjugal, explicitando o conteúdo consoante os objetivos geral e específicos, definidos na Introdução desta monografia. 21 CAPÍTULO 2 A PROBLEMÁTICA DO CIÚME NOS RELACIONAMENTOS AMOROSOS EM CASAIS HETEROSSEXUAIS 22 O ciúme amoroso é uma manifestação afetiva, que se apresenta sob as mais diversas formas e graus de intensidade, implicando sempre na existência de um terceiro, num contexto triangular, e na iminente ameaça de perda do parceiro; é numa dúvida (real ou imaginária) que se apóia a máxima do ciúme; apenas a suspeita já é encarada como uma traição. Caracteriza-se por uma atitude de possessividade com o parceiro, aprisionando-o e controlando sua vida, pois o ciumento teme que seu parceiro seja mais forte e que possa viver sem ele. Uma crise de ciúme pode gerar agressões físicas e psicológicas e, também, causa muita dor psíquica, tanto para o ciumento como para quem sofre as conseqüências desse mal (ARREGUY, 2001; LACHAUD, 2001; ALBISETTI, 1994, 1997; FRIDAY, 1987; NOGUEIRA, 2003). Para Friday, “o ciúme é dito normal quando se constitui em reação normal a uma ameaça real” (FRIDAY, op.cit., p.193). Há uma concordância de Feldman (op.cit.) com esta afirmação, quando considera que, no ciúme normal, a pessoa reage, apenas, diante de sinais evidentes de que seu parceiro está envolvido, amorosamente, com outra pessoa; neste caso, seu ciúme é racional e objetivo; a relação com seu parceiro não é de possessividade; ela respeita o espaço do outro, não compete atenção com seu amado; enfim, estas pessoas possuem autoconfiança, auto-estima, conhecem o seu próprio valor, por isso, sabem discernir situações de ameaça real das ameaças infundadas. Segundo Gikovate (2006), as pessoas tendem a ter, na maioria das ligações afetivas, um desejo de exclusividade e possessividade perante o parceiro amoroso, sentindo direito de propriedade sobre ele, afastando-o de todas as pessoas percebidas como rivais. Surge, assim, o risco e o medo da perda da pessoa amada. Cercado pelas circunstâncias do cotidiano e influenciado pelas mesmas, o ciúme evolui como uma defesa, uma resposta às ameaças da infidelidade e de abandono por parte de um parceiro. A pessoa ciumenta tem uma sensibilidade elevada aos sinais de infidelidade (BUSS, op.cit.). Corroborando essa idéia, Rangel (op.cit., p.34, 85) considera: “A descoberta do ciúme é um processo doloroso porque mexe com o conteúdo negativo do Ego. (...) O que causa dor é Ego. 23 É carência não atendida, são projetos frustrados, gostos e caprichos não realizados e o sentimento da perda de um lugar destacado na existência do outro”. Esse estado afetivo negativo vem de encontro à afirmação de Cardella, referida na Introdução, de que o amor “é a polaridade oposta do egocentrismo e do sofrimento de natureza emocional” (loc.cit.), pois, como afirma Santos (2002, p.75- 77), o amor “... sempre vem acompanhado de um sentimento de zelo, de cuidado, de acolhimento, de respeito para com a pessoa amada; um sentimento de alteridade, voltado para o outro e não para si mesmo. Uma distorção deste zelo é o sentimento de ciúme, (...) um sentimento egocentrado, voltado para si mesmo, para quem o sente, pois é o medo que alguém sente de perder o outro, ou sua exclusividade sobre ele, um sentimento de posse, um medo de ser excluído da relação, ou ameaçado de exclusão”. Segundo o autor, o ciumento sente-se ameaçado quanto à estabilidade e à qualidade de um relacionamento íntimo valorizado; com isso, a pessoa passa a viver em estado de tensão, experienciando angústia, desconfiança, ruminações, dúvidas, insegurança, suspeitas, temendo ser traído ou abandonado, o que causa um grande sofrimento e mal-estar na relação. O autor afirma que o grau de ciúme pode variar em intensidade, de leve, moderado, a severo; que, dependendo do caso, pode ser uma simples manifestação de baixa auto-estima, chegando a neuroses, obsessões, situações delirantes e patologias psiquiátricas graves; ainda que, quanto mais intenso e menos controlável for o ciúme, maior será o problema e a fragilização da relação afetiva. Os estudiosos da afetividade humana consideram o ciúme como um estado afetivo bastante comum à natureza humana. Entre eles, Torres; Ramos- Cerqueira; Dias (1999, p.02) que afirmam: 24 “O ciúme é uma emoção humana extremamentecomum, senão universal, podendo ser difícil a distinção entre ciúme ‘normal’ e ‘patológico’. (...) O ciúme seria um conjunto de pensamentos, emoções e ações, desencadeado por alguma ameaça à estabilidade ou qualidade de um relacionamento íntimo valorizado. As definições de ciúme são muitas, tendo em comum três elementos: 1) ser uma reação frente a uma ameaça percebida; 2) haver um rival real ou imaginário e; 3) a reação visa eliminar os riscos da perda do amor. A maneira como o ciúme é visto tem variações importantes nas diferentes culturas e épocas. (...) No entanto, o potencial destrutivo, o ‘lado negro’ desta emoção sempre foi reconhecido”. Nestes autores, evidencia-se o referencial teórico que deu sustentação à consideração de Santos (op.cit.), quanto ao fato de o ciúme ser desencadeado por “sentimentos de ameaça à estabilidade ou qualidade de um relacionamento íntimo valorizado”, mencionado na referência anterior. Freud (1969) considera que o ciúme é uma emoção normal em sua manifestação competitiva, podendo ter graus anormalmente intensos em suas manifestações. Há um sofrimento causado pelo pensamento de perder o objeto amado, sendo uma ferida narcísica para a auto-estima. Há um luto, pela dor causada pelo objeto que se supõe ter perdido, e da humilhação narcísica. Para ele, o ciúme é “... um daqueles estados emocionais, como o luto, que podem ser descritos como normais. Se alguém parece não possuí-lo, justifica-se a inferência de que ele se experimentou severa repressão e, conseqüentemente, desempenha um papel ainda maior em sua vida mental inconsciente” (FREUD, op.cit., apud ARREGUY, op.cit., p.16). Freud (1969) também destaca que o ciúme não é inteiramente racional, sendo uma manifestação tardia da situação edípica de rivalidade com alguém 25 que divide a atenção de outrem sobre mim. Já o ciúme delirante tem origem em impulsos reprimidos, no sentido da infidelidade (FREUD, op.cit.). A despeito de ser um estado afetivo “extremamente comum, senão universal” (TORRES; RAMOS-CERQUEIRA; DIAS, loc.cit.), as condutas das pessoas ciumentas são bastante diversificadas. Myra y Lopez (1982, apud CAVALCANTE, op.cit.) caracteriza seis tipos de conduta ciumenta: - a “queixosa”, em que o ciumento se torna um pedinte ou mendigo de amor, despertando compaixão, ao invés de paixão; - a “trombuda”, típica de pessoas fechadas e desconfiadas, que vivem de “tromba caída” e, não raro, abandonam o convívio do lar, em busca de um refúgio para ruminar o seu ressentimento; - a “recriminante”, em que a pessoa condena, insulta e ofende com palavras, chegando, às vezes, à agressão mais ou menos violenta; - a “autopunitiva ou expiatória”, em que o ciumento se impõe sofrimento, cria em quem ama um sentimento de culpa, faz com que a opinião social se volte contra ele, tornando-se mártir; - a “vingativa”, em que a pessoa usa a agressão direta, vingando-se do outro, conforme o ditado “olho por olho, dente por dente”; - a “superadora”, em que a pessoa, ao perceber que o carinho do amado estaria acabando, modifica a relação, estimulando novas reações do parceiro; este é um tipo utópico, pois “uma característica do ciúme intenso é o seu mecanismo mórbido de autoprodução” (MYRA y LOPES, op.cit., p.110). Essas condutas se fazem presentes na dinâmica das relações conjugais, no cotidiano do casal, não existindo uma conduta pura. Entretanto, todas são permeadas pela violência psicológica, que é um processo que visa a manter um domínio do ciumento sobre o parceiro, com críticas, humilhações, ofensas, falta de respeito, engrandecendo-se e rebaixando o outro, repetidas vezes, e se reforçando com o tempo. As palavras, atitudes que compõem as reações de ciúme, e gestos, fazem parte de um processo muito destrutivo que fere a auto- estima da pessoa, podendo levar até ao suicídio da vítima dessa violência 26 psicológica, dependendo da maneira como essa pessoa lida com essas atitudes do parceiro ciumento (HIRIGOYEN, 2006). A mesma autora completa: “na maior parte das vezes, a violência física só surge quando a mulher resiste à violência psicológica, ou seja, quando o homem não conseguiu controlar como desejaria uma mulher demasiado independente” (Id., ibid., p.44). A violência psicológica aparece, ainda, como autocompaixão, em que o ciumento ressentido se faz de vítima para desencadear sentimento de culpa no parceiro, como no tipo autopunitivo ou expiatório, de Myra y Lopes, referido anteriormente. Hirigoyen, ainda, discute os efeitos conseqüentes da violência conjugal em crianças que vivem nesse ambiente de maus-tratos, as quais acabam, também, sendo vítimas, podendo ter perturbações no desenvolvimento, psicossomáticas, emocionais e/ou comportamentais, pois, “... Ser testemunha de violência é tão prejudicial, ou até mais, do que estar diretamente exposto à ela. (...) Para uma criança, ser testemunha de violências conjugais é o mesmo que ter sido ela própria maltratada. A mãe pode cuidar para que seu filho não veja diretamente as violências, mas ele verá as marcas dos golpes e a infelicidade refletidas nos olhos dela” (Id., ibid., p.177-179). Referindo-se a esses estados afetivos negativos, que circunscrevem o ciúme, Trigueiro (1999, p. 46) acrescenta que, “... o ser ciumento é infeliz, inseguro, confunde o amor com a posse do ser amado, teme perder o outro, ou num extremo de egocentrismo, perder-se a si mesmo. E se vai num crescendo, vira caso patológico”. O ciúme é uma manifestação afetiva, muitas vezes negativa, que interfere consideravelmente na dinâmica do relacionamento conjugal, podendo tornar-se patológico se não administrado adequadamente. Nesse sentido, é 27 interessante notar as possíveis diferenças existentes entre homens e mulheres, na questão do ciúme. 2.1. As diferenças entre os sexos em relação ao ciúme Ao lado das generalidades relativas ao sentimento ciúme, fatores predisponentes e desencadeantes, e suas manifestações, comuns a homens e mulheres, é interessante notar, ainda, que as manifestações do ciúme normal e doentio diferem entre os sexos. Segundo Buss (op.cit.), estudos mostram que homens e mulheres são igualmente ciumentos; ou seja, ambos podem ser atormentados pelo ciúme tanto em suas manifestações cotidianas, quanto em suas expressões clínicas mais ostensivas, mas os eventos que disparam o ciúme são diferentes em cada caso. Há diferenças entre homens e mulheres nas suas atitudes quanto ao envolvimento emocional no sexo. A maioria das mulheres deseja algum tipo de envolvimento emocional, compromisso, amor, homens maduros, com status financeiro. Os homens têm desejos de variedade sexual, priorizando beleza física (corpo atraente) e juventude. Então, para as mulheres, a infidelidade emocional seria mais perturbadora, enquanto os homens ficam mais aflitos pela infidelidade sexual de suas parceiras. Nesse sentido, o autor considera: “O ciúme dos homens é mais sensível a pistas de infidelidade sexual, e o ciúme das mulheres é mais sensível a pistas de infidelidade emocional. (...) O ciúme é especialmente sintonizado com os desejos do sexo oposto. As mulheres são primordialmente ameaçadas por rivais que corporificam o que os homens querem. Os homens são primordialmente ameaçados por rivais que têm o que as mulheres querem” (Id., ibid., p. 74, 83). Vincent (2005) apóia a posição de Buss (op.cit.), quando afirma que a infidelidade sexual atormenta mais os homens e a infidelidade emocional suscita um ciúme maior entre as mulheres. Sobre esse aspecto, Matarazzo 28 (2005), também, afirma que os homens buscam mais prazer sexual, conquista, variedade, sem envolvimento emocional; entretanto, para as mulheres, sexo e amor estão entrelaçados, ou seja, procuram mais intimidade afetiva, apego, segurança. Dessa forma, como os homens não dãotanta importância ao envolvimento emocional, para eles, uma “breve aventura” não soa como uma séria ameaça ao casamento; ao contrário, para as mulheres, esse ato é considerado imperdoável. Matarazzo tece considerações a respeito da dor, da mágoa e da vingança, que tanto podem acometer homens como mulheres: “... Custamos muito para perdoar quem nos machucou; custamos mais ainda para nos libertar da dor. Todos sabemos que incidentes dolorosos não perdoados causam novas dores, novas tristezas, novos problemas. Cada mágoa é uma ferida emocional que, quando arranhada, infecciona. Essa infecção envenena nossa mente. Daí passamos a investir grande parte da nossa energia emocional para alimentar esse ciclo infinito de raiva, ou seja, atravessamos os dias e as noites querendo marcar pontos, vingar-nos” (Id., ibid., p.130). Gikovate (op.cit.) identifica a relação do ciúme com a inveja, afirmando que os homens sentem inveja do poder sensual feminino, pelos atributos físicos que demonstram, frente aos olhos deles. E, justamente por isso, muitas mulheres enlouquecem de ciúme, sentem-se desprezadas pelos parceiros, por eles fixarem olhares em outras mulheres que lhes pareçam interessantes; nesse sentido, o ciúme se expressa, de forma intensa, pela via da visão. O autor considera, ainda, que se houver a presença da infidelidade sexual (efetiva), a dor torna-se muito maior do que apenas em razão dos fenômenos visuais; e se houver envolvimento sentimental, o acontecimento torna-se mais grave ainda. Seguindo a mesma idéia de Gikovate, estudos feitos na Coréia, nos Estados Unidos e nos Países Baixos, mostram que homens e mulheres se sentem mais ameaçados por rivais que tenham valores e atributos superiores aos deles. Os homens sentem-se mais ameaçados frente a um rival que tenha 29 um plano de carreira melhor, status financeiro superior, mais recursos materiais e força física, enquanto as mulheres se incomodam mais com a beleza física das rivais (VINCENT, op.cit.). Ou seja, o ciúme revela-se mais forte nos homens, segundo aspectos provindos da época do patriarcado, na qual imperava o machismo, o poder dos homens sobre as mulheres, em que o status superior era tido como um orgulho pelos homens; e para as mulheres, impera a preocupação com a beleza, originada pelas pressões externas exercidas sobre elas, impressas na mídia, no alcance da beleza perfeita e tão sonhada, almejada por todas, gerando disputa e comparação infindáveis. Em outros casos, as mulheres liberam para dentro de si os sentimentos destruidores de ódio e vingança, caindo em depressão, destruindo a própria energia vital e a si mesmas; podem recorrer a psicofármacos e ao álcool, originando sentimentos de fraqueza e de inferioridade. Outras mulheres reagem de forma diferente: perseguem seus parceiros e as amantes com ameaças, hostilidade, planejam vingança; pedem o divórcio e forçam os parceiros, materialmente, a entregar-lhes tudo o que elas têm direito, não deixam que eles vejam os filhos; enfim, carregadas de ódio e sofrimento, descontam toda a raiva em cima dos parceiros, na maioria das vezes, de forma sádica e cruel, para recompensar a perda e restabelecer a autoconsideração (RINNE, 1999). Elas reagem dessa forma, pois estão com o orgulho ferido e impulsionadas pelo ódio. No sexo feminino, é importante atentar para os principais fatores que podem precipitar as manifestações de ciúme, levando a sentimentos de inferioridade, menor desejo sexual e, conseqüentemente, medo da infidelidade (traição) do parceiro. Por outro lado, para os homens, os temores de abandono e os delírios de infidelidade por parte da parceira, podem surgir em situações específicas, como, por exemplo, a saúde em declínio. Nesse caso, a doença faz com que o homem fique preso à casa e, assim, a parceira fica livre para sair; por isso, ele atormenta-a com questionamentos, acusações, ameaças e, por fim, com violência física (BUSS, op.cit.; HIRIGOYEN, op.cit.). A insatisfação sexual também pode ser detonadora de ciúme, causando infelicidade conjugal, aumentando a probabilidade de rompimento e ameaça à 30 infidelidade sexual. Uma das principais razões de agressões físicas dos maridos contra suas mulheres reside no ciúme sexual. Além disso, a violência como medida mais severa para coibir a infidelidade não é limitada às parceiras conjugais; também prevalece durante o namoro. As manifestações de ciúme podem variar desde ameaças de violência, ocorrências de espancamentos e até assassinatos. Muitas vezes, o parceiro ataca a mulher com uma raiva intensa, com a intenção de causar dano corporal ou até mesmo a morte (BUSS, op.cit.). Mulheres também podem utilizar-se de violência contra seus parceiros. No entanto, na maioria das vezes, utilizam a violência como uma autodefesa contra um parceiro preste a agredi-la. Ou então, a violência pode ocorrer em mulheres submetidas a um histórico de espancamentos, diante das violências de que estavam sendo vítimas. As mulheres em geral, causam menos danos corporais do que os homens. Os homens usam da violência contra suas parceiras como uma forma de controle e domínio, mantendo assim, uma ameaça verossímil, com o intuito de reduzir as chances de que a parceira cometa infidelidade ou abandone a relação. Já as mulheres utilizam-se de manipulação, chantagem emocional, falsa gravidez etc., para segurar o parceiro na relação (BUSS, op.cit.; HIRIGOYEN, op.cit.). Outra questão a ser considerada nesta diferenciação refere-se ao que os outros pensam; muitas pessoas sentem-se incomodadas com opiniões alheias, “... estão sempre muito mais preocupadas com o que os ‘outros’ estão achando delas do que costumam manifestar. Neste item em particular – o do ciúme sexual – os homens são ainda mais sensíveis à opinião pública do que as mulheres. Agem de modo repressivo porque não querem ser mal falados nem ofendidos em sua virilidade” (GIKOVATE, op.cit., p.140). Impera aí, a questão da honra, o machismo, o orgulho ferido; a opinião pública e a crítica social representam um fardo que têm que carregar. Quanto à origem do ciúme nos homens, Arreguy (op.cit.), sustentado pela posição psicanalítica, considera que a triangulação do Complexo de Édipo 31 é que marca o início da manifestação do ciúme, apontando para uma reedição edípica, repetindo uma situação vivida na infância, que se manteve fortemente investida, como se o amor edipiano não fosse elaborado. Por isso, segundo a autora, a rivalidade com outros homens é mais acirrada porque se trata de uma competição entre amantes, que repete uma disputa entre irmãos. Ainda, em relação ao ciúme exposto pelos homens, essa autora observa que “... sempre houve crimes passionais no passado, mas eles aconteciam principalmente como resposta a uma ‘questão de honra’, atribuída ao homem como um valor essencial, um valor patriarcalista” (Id., ibid., p.126). Segundo Friday (op.cit.), o ciúme, tanto entre homens como nas mulheres, pode se manifestar e ser experienciado de forma semelhante, quando afirma que os homens são tão violentamente ciumentos quanto as mulheres, havendo uma mistura de amor e ódio, com dor ou medo. De fato, é comum a violência física gerada pelo descontrole nas situações que envolvem o ciúme. Entretanto, os homens não falam muito sobre esse sentimento, se fecham, negam seus sentimentos mais profundos, como uma defesa, mas não que a emoção esteja ausente. Dependendo do contexto, da cultura e da sociedade em que um homem esteja inserido e interagindo, não lhe é permitido abrir-se a esses sentimentos, pois pode revelar sua vulnerabilidade, fraqueza, fragilidade, “impróprias” a uma postura dita “masculina”. Por isso, a dificuldade dos homens de expressarem seus sentimentos; eles mantêm uma carcaça, um escudo contra o possível ataque dessas emoções, perante as pessoas. Há uma fuga,em não querer assumir esses sentimentos, muito menos de querer falar deles e assumir que estejam sofrendo por isso; muitas vezes, aquilo que um homem demonstra não é o que, de fato, está sentindo (GIKOVATE, op.cit.; FRIDAY, op.cit.). Para Hirigoyen, o que torna os homens ciumentos e irritáveis com suas parceiras vem de uma angústia interna, de um medo infantil de serem abandonados; e esse medo e angústia do abandono só são contidos se eles tiverem um controle permanente das parceiras, pois: “... têm dentro de si um sentimento de impotência que os leva a exercer, externamente, um domínio sobre a mulher. Para se 32 sentirem bem, é preciso que possam controlar a que distância deles a companheira deve ser mantida: muita proximidade os inquieta, sentem-se engolidos, sufocados, ao passo que uma distância muito grande reativa seu medo de abandono. (...) Confundem amor e possessão. Ora, o amor não é posse, e sim troca e partilha” (HIRIGOYEN, op.cit., p.129). É interessante notar, nos estudos de Nogueira (op.cit.), que o ciúme sexual difere dos outros tipos de ciúme; o autor afirma que este se origina de maneira irracional, instintiva, para manutenção da espécie, funcionando como um processo de defesa de seu território e de evitar que “sua fêmea” copule com outros machos, numa relação de exclusividade sexual. Ocorre tanto em homens quanto em mulheres e, também, está ligado à ameaça de perda, mas com valor e significados diferentes. A reação frente a essa ameaça pode se manifestar de várias formas, em agressões físicas e/ou psicológicas, podendo chegar a assassinatos, quando o impulso destrutivo se torna incontrolável. Com efeito, “o ciúme sexual ou qualquer outro, aparece desde que exista um fato. Esse fato gera uma possibilidade que, por sua vez, acarretará o temor e a conseqüente atitude, às vezes, agressiva por parte do enciumado” (Id.,ibid., p.113). Nogueira, também, discorre sobre o ciúme infundado, no qual o homem fantasia, imagina, supõe comportamentos inaceitáveis, inadequados de sua parceira, por exemplo, uma traição; porém, nada existe de real, é um delírio do enciumado e não pode ser qualificado como um ciúme sexual. Enfim, o ciúme traz um conjunto de sentimentos negativos e torturantes, como medo de perder o amado, inveja do rival, falta de valor próprio, sentimento de rejeição, entre outros (RINNE, op.cit.). Corroborando a idéia dessa autora, Gikovate (op.cit.) considera que no ciúme, há o temor da perda do amado, somado ao caráter possessivo do enciumado, porque a rejeição amorosa humilha e desampara a pessoa. Essas diferenças de gênero quanto ao ciúme, entretanto, são relativas e não exclusivas do homem e da mulher; esta pode ser tão ou mais agressiva que o homem e este tão ou mais lamuriento do que a mulher. 33 2.2. Principais fatores desencadeantes de ciúme O ciúme é um sentimento que faz parte dos relacionamentos amorosos de muitos casais. Pode gerar desconforto, intrigas e sentimento de vingança, se a pessoa se sentir ferida, humilhada, rejeitada. A respeito dos fatores desencadeantes de ciúme, Santos (op.cit., p.86) considera: “Uma pessoa se torna ciumenta devido a uma série de circunstâncias que vão desde uma instabilidade emocional passageira até situações mais complicadas, em que o nível de tensão se torna tão elevado, que não é mais possível à pessoa utilizar-se de seus mecanismos habituais de adaptação e defesa, caindo assim em uma verdadeira crise”. Ou seja, ela pode acabar desencadeando sintomas patológicos de ciúme, bem como outras patologias associadas, devido às pressões externas e conflitos internos, resultantes de várias circunstâncias vivenciadas pela pessoa, no seu relacionamento amoroso. Albisetti (op.cit., p.5) afirma que “o ciúme faz parte de uma visão possessiva do ambiente, do outro, de si. É o resíduo da estrutura infantil do eu”. Também, afirma que a pessoa “relembra”, inconscientemente, dos tempos de quando era recém-nascido, da relação simbiótica com a mãe, que era gratificante, pois todas as suas necessidades e desejos eram satisfeitos de imediato. Supõe-se que o adulto ciumento é aquele que não superou devidamente essa fase passada, transferindo para outra pessoa os seus “direitos de propriedade exclusiva. Assim, os objetos que o sujeito ama no decorrer da vida, são substitutos do objeto materno” (ALBISETTI, op.cit.; ARREGUY, op.cit.). Assim como Freud (op.cit.), Lachaud (op.cit.) e Arreguy (op.cit.), Coen (1987) também apóia a participação do narcisismo e do complexo de Édipo na problemática do ciúme, ou seja, ambos podem estar envolvidos no surgimento de um ciúme (COEN, op.cit., apud ARREGUY, op.cit.). 34 Existem casos em que o ciúme sexual é o motivo principal para o homicídio de parceiros e rivais. Nestes casos, a descoberta da infidelidade leva à determinação em terminar a relação, por não suportar a idéia da perda ou de ser abandonado pelo parceiro. (BUSS, op.cit.). Esta idéia compatibiliza-se com a afirmação subseqüente, de Grinberg: “A morte resultante do ódio despertado pelo ciúme, diante de uma experiência de traição, traria, de forma patológica, o alívio, temporário e ilusório, para o sofrimento oriundo de seu complexo de inferioridade” (GRINBERG, 2000, p. 73). Ainda, considerando os fatores desencadeantes, Gikovate (op.cit.), afirma que o ciúme se expressa em torno da sexualidade, no sentido do sentimento de possessividade do parceiro amoroso e do medo da perda do que lhe é precioso, valioso; e qualquer tipo de intimidade física que o parceiro (mesmo quando ainda não se tenha um compromisso sério, fixo) tenha com outra pessoa, já provoca a dolorosa sensação de traição e, conseqüentemente, o sentimento de ciúme, podendo determinar uma reação de raiva e desejo imediato de vingança, em alguns casos. Entretanto, o autor discorda dessa atitude vingativa do ciumento, quando, atormentado pelo ciúme, sente-se no direito de interferir no jeito de ser do parceiro, dominando-o, limitando a sua liberdade. Para ele, uma atitude frente ao incômodo que outra pessoa possa provocar, seria sair de perto, apenas, não interferindo no destino do parceiro, como se fosse “dono” da vida do mesmo. Engel (2000) realizou um estudo sobre os conflitos relacionados às relações amorosas e/ou sexuais, a partir de julgamentos de crimes passionais, na cidade do Rio de Janeiro (entre 1890 e 1930), intitulado “Paixão, crime e relações de gênero”. Nesse estudo, o ciúme, envolvendo infidelidade, suspeitas de infidelidade, rivalidades amorosas e ofensas da honra, foi apontado como o principal motivo das agressões, lesões corporais graves, homicídios e tentativas de homicídio, no período considerado. Ela destaca que 35 “... nos homens, o ciúme encontra-se intimamente associado à noção de ‘honra masculina’, que, uma vez maculada pela traição, real ou imaginária, por disputas amorosas entre rivais do sexo masculino, por situações de suposta ou comprovada infidelidade das mulheres com as quais os agressores mantinham relações afetivas e/ou sexuais, deveriam ser ‘lavadas com sangue’. (...) A honra da mulher estaria profundamente vinculada à defesa da virgindade ou da fidelidade conjugal” (p. 163-165). Outros estudos revelam, também, o papel do álcool como desencadeador do ciúme. O consumo desta droga ilícita, presente no cotidiano de muitas famílias, leva o ciumento à suspeita de infidelidade, considerada delirante, ou à manifestação do ciúme patológico. Isto acontece porque o álcool promove a distorção da percepção e pode, também, deturpar a interpretação dos fatos. Em alguns casos, pode ocorrer associação entre consumo de álcool e a impotência sexual, e o conseqüente aparecimento do ciúme; sentimentos de inferioridade sexual podem ser maiores em algumas pessoas, o que pode levar o indivíduo a ter medo de ser abandonadopela parceira, pois a mulher acaba desenvolvendo uma aversão ao marido que se torna áspero e brutal, por estar bêbado (BUSS, op.cit.; GIKOVATE, op.cit.). Hirigoyen (op.cit.) corrobora o ponto de vista desses autores de que o uso do álcool ou drogas pode reduzir inibições e liberar as pulsões agressivas do ciumento, levando ao homicídio de seu parceiro, num ato de dominação extrema; ou ainda, desejando se vingar; julgando ter sofrido uma perda ou uma injustiça, mata para obter a reparação. Davidoff (op.cit.), também, apóia a idéia de que a violência contra a mulher costuma ser acionada pelo consumo de álcool, reduzindo temporariamente o controle do marido, que usa a violência para encerrar discussões ou resolver conflitos. Assim, o ciumento, baseado em suspeitas de infidelidade do parceiro, sejam elas comprovadas ou não, “não perdoa e não confia. Se lhe falta motivos no presente, busca-os no passado e até no imprevisível futuro, ainda que ilusórios, frutos 36 de sua imaginação atormentada” (ROSA, 2005, p.19), seja esta resultante do consumo de álcool ou não. Adeodato et al. (2005) realizaram um estudo para avaliar a qualidade de vida e a depressão em mulheres vítimas de seus parceiros, e o álcool e ciúme foram relacionados como os mais referidos desencadeantes das agressões físicas. Ainda, no tocante às relações afetivas violentas, ligadas ao consumo de álcool, estudos de Taquete e colaboradores evidenciaram que “... há presença de relações afetivas violentas entre namorados, principalmente quando existe envolvimento com álcool e drogas, ciúme, desconfiança e infidelidade no namoro. A violência presenciada entre os pais também é um modelo que tende a ser repetido pelos filhos. (...) Alguns adolescentes consideram normal a agressão verbal e/ou física na resolução de conflitos; o ciúme é o motivo mais freqüente de discussão entre namorados” (TAQUETTE et al., 2003, p.1441-1442). Com isto, forma-se, então, um círculo vicioso e pernicioso. Ou seja, muitas vezes, as crianças, desde pequenas, como já estão expostas aos exemplos de violência e agressão na própria família, sem ter outros modelos identificatórios disponíveis, acabam reproduzindo o que aprenderam em casa, quando começam a ter relacionamentos amorosos. Outros fatores, também, foram arrolados como motivadores do ciúme e entre eles a auto-estima; relacionam o grau de ciúme a uma boa ou baixa auto- estima. Há autores que consideram que um “fracasso do narcisismo” em manter a função egóica do amor a si mesmo, remete a uma dependência muito forte da confirmação amorosa do companheiro, o qual depende do suporte do parceiro para que possa garantir o seu valor pessoal; a dependência do parceiro sustenta a própria sobrevivência do eu (DENZLER, 1997, apud ARREGUY, op.cit.; RACAMIER, 1968, apud ARREGUY, op.cit.). Freud (op.cit.) e Lachaud (op.cit.) também compartilham da mesma opinião, de que todo ciúme comporta a dor de uma ferida narcísica. Ainda, Gikovate (op.cit.) afirma 37 que o ciúme tem correlação com uma ferida na vaidade, pela possibilidade do enciumado ser trocado por alguém mais interessante e gratificante. Lachaud (apud ARREGUY, op.cit.) e Gikovate (op.cit.) associam a idéia de posse com a inveja, trazendo o sentido de inferioridade, onde invejamos os atributos ou o poder que a pessoa invejada possa possuir, que o nosso companheiro veja no outro esses requisitos, mas que nós não possuímos. Quem é inseguro, fraco, dependente, aumenta o próprio ciúme e a inveja, causando sofrimento e dor psíquica. Friday (op.cit., p.35) completa: “... a posição inferior conduz a pessoa à eventualidade de se sentir ameaçada por um rival imaginário ou real”. Albisetti (op.cit.), Friday (op.cit.) e Nogueira (op.cit.), também, concordam com a idéia de Lachaud (op.cit.) a respeito da ligação do ciúme com a inveja, quando discutem que a inveja conduz ao ciúme: se a pessoa reconhece sentir inveja, comparando-se com outra pessoa, ela também está reconhecendo sua inferioridade em relação a essa pessoa (rival) e, assim, descobre-se em carência de algo, sabe de sua limitação, deseja ter o que o outro tem, para si, podendo, com isso, manifestar um comportamento agressivo contra a outra pessoa ou contra ele próprio. O invejoso quer destruir a felicidade dos outros, pelo seu ressentimento; ele é dissimulado, hostil, cruel, odeia aqueles que o fazem sentir a sua própria inferioridade; assim, muitas vezes, as pessoas nem têm consciência de que a inveja é prejudicial ao próprio invejoso, pois o impede de ver as próprias qualidades, por estarem ofuscadas pelas qualidades dos outros (EPSTEIN, 2004). Gikovate (op.cit.), também, nota que a pessoa enciumada exerce um controle sobre o parceiro, frente situações ameaçadoras, tentando dificultar o surgimento de todas as circunstâncias nas quais o amado possa cruzar com alguém que lhe pareça interessante, pois teme perder o parceiro, conseqüência de sua fraqueza pessoal em lidar com frustrações. Assim, o ciumento limita os direitos e a liberdade individual do parceiro, alegando ser em nome do amor. A posição deste estudioso compatibiliza-se com a de outros anteriores, como Lachaud (op.cit.) e Albisetti (op.cit.), que consideram que a pessoa ciumenta teme que seu objeto de amor seja atraído por um outro; a pessoa sente raiva 38 porque inveja as qualidades que o companheiro vê na outra pessoa; o ciumento vive sob a terrível ameaça permanente de uma despossessão. No campo da rivalidade, o sujeito experimenta um sentimento de ciúme, de despeito, por não ter o que o outro (rival) possui, pois, como explicita o excerto a seguir: “Todos os homens e todas as mulheres, consciente ou inconscientemente, temem a presença de alguém que seria mais satisfatório para o seu parceiro sexual; este terceiro temido é a origem da insegurança emocional na intimidade sexual e do ciúme como um sinal de alarme protegendo a integridade do casal” (KENBERG, 1995, p.85). É interessante notar, ainda, que as crises de ciúme podem se agravar em casais com grandes diferenças de idade, de beleza física, de projeção social, de situação econômica, entre outros atributos, tornando-se mais comum o surgimento da desconfiança, do medo, da insegurança por parte do parceiro em desvantagem nas características citadas (SANTOS, op.cit.). Gikovate (op.cit.) aponta outro fator desencadeante, de natureza mais complexa; afirma que o ciúme, também, pode ter relação com o risco de que o parceiro possa estar envolvido, sentimentalmente, com outra pessoa, podendo ser, para algumas pessoas, uma ameaça mais grave à estabilidade do vínculo amoroso e ao futuro do relacionamento. Dependendo do caso, a pessoa enciumada sente-se ainda mais magoada e humilhada pelo parceiro, do que se estivesse diante de uma traição física, sexual; neste caso, pode sentir mais raiva dele (que devia lealdade) do que da rival. Outro fator que pode desencadear o ciúme é o chamado “cyberciúme, originário da enorme janela que a internet abriu para novos encontros” (PASINI apud SALOMONE, 2006, p.145). Para uma pessoa ciumenta, que é atormentada pela ameaça da perda do parceiro e que vive buscando provas (reais ou imaginárias) da possível infidelidade do seu companheiro, flagrá-lo teclando na Internet, numa sala de bate-papo (chat), trocando mensagens com uma desconhecida é o bastante para a pessoa suspeitar e com isso, desencadear 39 discussões e brigas. Seria mais um motivo para desconfianças e intermináveis cobranças e questionamentos. Pasini (id., ibid., p.145) completa: “Se antes a conquista era feita com um buquê de flores, agora pode ser simplesmente com uma troca de mensagens”. Diante do exposto, é possível corroborar a idéia de que “a multiplicidade das variações do ciúme mostra também a complexidade desse sentimento em função dos ideais sociais que interferemem sua manifestação em diferentes contextos” (ARREGUY, op.cit., p.128). Sobre esse aspecto, Gikovate (op.cit.), acrescenta que diante dos componentes envolvidos no ciúme, nos relacionamentos amorosos, as manifestações ciumentas derivam das vivências e histórias pessoais, de cada pessoa, variando em cada cultura e época, em cada mente e em cada contexto. 2.3. Sobre o ciúme patológico Retomando a posição de Torres; Ramos-Cerqueira; Dias (op.cit.,), referido na parte inicial deste capítulo, que consideram o ciúme “uma emoção humana extremamente comum, senão universal, podendo ser difícil a distinção entre ciúme ‘normal’ e ‘patológico’”, as variações supra-referidas são múltiplas e variadas; e suas manifestações, de extremo a extremo, podem ir das “ceninhas” e “broncas” cotidianas a violências extremas, entre estas o homicídio. Através dos tempos, este quadro se fez presentes nas crônicas policiais, na literatura, na música, no cinema e em novelas na TV. A literatura científica sobre o assunto permite discriminar dois tipos de ciúme: o normal e o patológico. E, para Goldberg (op.cit.), a linha que separa o ciúme normal do patológico é muito tênue: “a vontade de proteger se transforma facilmente em possessividade; o cuidado, em controle; o interesse, em obsessão” ( p.19). Cavalcante (op.cit., p.24) assim caracteriza o ciúme patológico: “... uma perturbação total, um transtorno afetivo grave. O ciumento sofre em seu amor: em sua confiança, em sua tranqüilidade, em seu amor próprio, em seu espírito de dominação e em seu espírito de posse. O ciúme corrói-lhe o 40 sentimento em sua base e destrói, com uma raiva furiosa, suas próprias raízes. Propicia a invasão da dúvida que perturba a alma, fazendo com que ame e odeie ao mesmo tempo, a pessoa objeto de sua afeição. O maior sofrimento do ciumento é a incerteza em que vive, pela impossibilidade de saber, com segurança, se o parceiro o engana ou não”. O mesmo autor explica, ainda, que o ciúme patológico é um transtorno afetivo grave, que corrói e destrói o relacionamento e os sentimentos; é uma perturbação na qual o indivíduo sente-se, constantemente, ameaçado. Nesses casos, muitas vezes a relação é baseada na posse; conseqüentemente, isto bloqueia, não faz crescer o amor. O relacionamento torna-se muito angustiante, tenso, carregado de uma intensa carga emocional negativa. Corroborando a posição de Cavalcante, Gikovate (op.cit.) afirma que é imprevisível deduzir a intensidade das emoções mobilizadas e as reações que poderão ser desencadeadas, frente a uma crise de ciúme. No processo de ciúme patológico, várias emoções, pensamentos irracionais e perturbadores, dúvidas e ruminações sobre provas inconclusivas, idéias obsessivas, prevalentes ou delirantes sobre infidelidade, busca incessante de evidências que confirmem ou afastem a suspeita, além de comportamentos inaceitáveis ou bizarros, são experimentados pelo indivíduo que sofre do problema. A perturbação se manifesta através de sentimentos como ansiedade, culpa, raiva, sentimento de inferioridade, depressão, imagens intrusivas, remorso, humilhação, insegurança, vergonha, rejeição, rituais de verificação, desejo de vingança, angústia, possessividade, baixa auto-estima, muito medo de perder o parceiro para um rival, desconfiança excessiva e infundada, gerando significativo prejuízo no funcionamento pessoal e interpessoal de quem sofre desse mal (TORRES; RAMOS-CERQUEIRA; DIAS, op.cit.; BOTTURA JUNIOR, op.cit.; CAVALCANTE, op.cit.; GIKOVATE, op.cit.). O ciúme, com todas as emoções e sentimentos, bem como as reações decorrentes da confusão de vários estados afetivos simultâneos, não fica restrito ao presente do parceiro do ciumento: 41 “... pode se dirigir ao passado da mulher e, no caso, o homem fica remoendo acontecimentos sobre os quais não tem o menor controle, por serem passados. De maneira geral, nenhuma explicação racional consegue acalmar um ciúme patológico, pois se trata de uma recusa da realidade” (HIRIGOYEN, op.cit., p.34). Essa atitude de investigação do passado do parceiro não é exclusiva do homem; também, a mulher pode manifestar uma curiosidade mórbida em saber quem foi a primeira, se a amou, se era bonita, como era a relação sexual, entre outras coisas. Face ao apresentado até aqui, com apoio na literatura consultada e já tendo me apropriado de algumas conceituações pertinentes ao tema, permito- me afirmar que a pessoa acometida pelo ciúme doentio é irracional, fantasiosa; controla, suspeita, desconfia do parceiro; reduz ao mínimo a liberdade do mesmo, podendo explodir em crises de violência, devido à sua insegurança, ansiedade e estados paranóicos; sofre com a idéia de que pode estar sendo traída. Anteriormente, uma referência a Hirigoyen (op.cit.) ressalta que as pessoas ciumentas com personalidades paranóicas suspeitam, permanentemente, que seus parceiros escondem coisas, que têm planos hostis contra elas; põem em dúvida, sem qualquer justificativa, a fidelidade do parceiro, controlam o espaço e o tempo do mesmo; questionam, acusam, inspecionam sua aparência, enfim, não têm a mínima confiança nele. E a autora completa: “O risco de passagem do pensamento ao ato é máximo quando a mulher tenta ir embora, quando não tem mais medo do companheiro e decide enfrentá-lo. Ele deixa, então, de fazer julgamentos e resolve fazer justiça com as próprias mãos. Segundo um estudo norte-americano de Crawford e Gartner, datado de 1992, 45% dos assassinatos de mulheres 42 foram provocados pela fúria do homem que se julgou abandonado pela parceira” (Id.,ibid., p.165,166). Hirigoyen acrescenta que indivíduos com personalidades paranóicas vivem sua raiva e ciúme de forma inflexível e destruidora; eles dificilmente são acessíveis a um tratamento, pois estão convencidos de que o problema vem do outro e que têm toda razão em agir violentamente contra seus parceiros. Suas crises de ciúme podem levar a homicídios, podendo ser seguidas de suicídio. O ciúme pode se manifestar de um modo mais intensificado, algo patológico, quando o ciúme recalcado retorna acumulado deixando, assim, a pessoa totalmente dominada por esse afeto, podendo se expressar como ciúme projetivo e delirante (ARREGUY, op.cit.). Para Lachaud, “no ciúme patológico, o objeto permanece no registro da necessidade e sua ausência não garante mais a autoconservação” (op.cit., p.36). O indivíduo quer possuir, ter o outro todo para si, derivado do grau de insegurança sobre o qual se fundamenta a personalidade individual, do sentimento de inferioridade, da falta de confiança em si, da incapacidade de uma autonomia própria: “Ser ciumento é ser ciumento do TODO. O ciúme é reivindicação do TODO. É investir, de modo imaginário, uma posição suposta TODA” (Id.,ibid., p.81). Por ter um quadro com nítidas semelhanças em relação ao transtorno paranóide, o ciúme doentio ou patológico, “... que já foi chamado de ‘paranóia conjugal’, se compõe de ruminações infindáveis a respeito da parceira. O homem é de tal forma dependente da sua companheira que, sentindo-se abandonado porque ela lhe escapa simplesmente por ser ela mesma, prefere matá-la a ver essa alteridade. É evidente que não pode mais viver depois disso, pois ela não está mais ali, e ele cairá num estado de depressão profunda ou poderá até acabar se suicidando” (HIRIGOYEN, op.cit., p.59, 60). 43 Entretanto, isto não é exclusividade masculina; também, pode ocorrer o inverso: a pessoa atormentada pelo ciúme ser uma mulher e agir contra seu parceiro. Alguns autores sugerem, por exemplo, que o ciúme patológico pode ser sintoma de um quadro obsessivo-compulsivo, no qual pensamentos de ciúme podem ser vivenciados como excessivos, irracionais ou intrusivos; podem levar a comportamentos compulsivos, como os de verificação (por exemplo,questionamentos, telefonemas, visitas-surpresa, vasculhar bolsos, bolsas, celulares, agendas, ouvir telefonemas, seguir o cônjuge, abrir correspondências, entre outros), caracterizados por dúvidas e ruminações sobre provas inconclusivas, na busca incessante de evidências que confirmem ou afastem a suspeita (TORRES; RAMOS-CERQUEIRA; DIAS, op.cit.). Do ponto de vista psiquiátrico, há diferentes tipos de ciúme patológico, que se caracterizam em transtornos, como: psicoses delirantes crônicas; delírios paranóicos sistematizados (paranóia); psicoses alucinatórias crônicas; parafrenias; esquizofrenia; esquizofrenia paranóide; alcoolismo; embriaguez patológica; alucinoses alcoólicas, toxicomania; psicopatia (CAVALCANTE, op.cit.). Lachaud (op.cit., p.34-36) lembra que Freud distingue três camadas de ciúme, anormalmente reforçado, com as quais a análise lida: 1) o “ciúme concorrencial ou normal” que Freud considera normal e que é a “dor ressentida de saber ou de crer que o objeto de amor está perdido”; sempre está relacionado ao sexual e implica a existência de um terceiro; 2) o “ciúme projetado”, que põe em jogo um processo inconsciente de projeção de um desejo de traição recalcado; e 3) o “ciúme delirante”, em que “o desejo de infidelidade está voltado para um parceiro do mesmo sexo que o sujeito”. O ciúme projetado e o ciúme delirante, implicam, portanto, o narcisismo e a homossexualidade, respectivamente, “traços reforçados, paradoxalmente, no ciúme dito ‘normal’, por Freud”. A mesma autora, comparando o ciúme normal com o delirante, chega aos seus traços distintivos ou peculiares a cada tipo, apesar de, em ambos os casos, existirem características comuns. Ela esclarece: 44 “O ciúme é considerado um delírio, na medida em que ele instala um terceiro que tem estatuto de real; um elemento que vem necessariamente irromper na representação de um rival, causa de todos os males. (...) O ciumento acumula sinais como se acumulasse provas materiais contra o outro. Para o delirante, não há prova de defesa; tudo conspira para acusar o outro. Ao passo que, no ciúme dito ‘normal’, o que o ciumento busca é a confissão. Cabelos, marcas, cheiros, barulho, são testemunhas mudas, logo, irrefutáveis. Tudo sinaliza para designar o culpado. E o culpado é o outro. Ele está me traindo. E às vezes alguém próximo, qualquer um, todo mundo. O acento mais delirante estando contido nesta certeza: ‘todos o querem’. Certeza de que o outro é o objeto de uma cobiça universal” (Id.,ibid., p.102, 103). Segundo Arreguy (op.cit.), a ameaça de separação e perda do par indica, no parceiro ciumento, uma ruptura na própria estrutura do eu, havendo um temor iminente dessa perda. Os aspectos patológicos do ciúme são, então, ancorados numa agressividade exacerbada e/ou na prevalência da pulsão de morte que podem tanto se dirigir para o próprio sujeito ciumento quanto para o rival e/ou o objeto de amor. Há um desejo de vingança e necessidade de destruição do outro que surgiu como intruso, para atrapalhar o relacionamento amoroso. A autora afirma que, corroborando essa idéia, outros autores que abordam o ciúme, concordam que a agressividade do ciumento pode seguir diferentes focos: o desejo de destruição do rival, o desejo de destruição do objeto traidor, ou a destruição de si mesmo, para se livrar do próprio sofrimento ou se autopunir; podendo resultar nos assassinatos e/ou suicídios dos envolvidos. Assim sendo, “matar o cônjuge ciumento pode ser um ato impulsivo, realizado sobre um fundo de repetidas violências e de ciúme” (HIRIGOYEN, op.cit., p.59). Racamier discute a existência de uma “marca depressiva do ciúme, relacionando essa marca à tendência passiva do sujeito perante o outro e à queda brutal ou progressiva da estima de si” (apud ARREGUY, op.cit., p.58). Segundo esse 45 autor, o ciúme depressivo pode advir por uma falha na estruturação narcisista, resultado de uma fixação na dor da perda fundada na ferida narcísica, ocasionando baixa auto-estima, sofrimento da perda do objeto, e conseqüente perda da capacidade de obter prazer, da sua razão de viver e de seu valor pessoal. O indivíduo acaba se submetendo a esses sentimentos, parecendo conformar-se com a traição do objeto amado, considerando inevitável que o parceiro amoroso possua um outro; sente-se indigno de receber um amor exclusivo, abrindo mão, assim, da competição com o rival, colocando-se, já, na posição de perdedor, de inferior, não buscando solucionar esse problema. A infidelidade (real ou imaginária) do parceiro é vivida num sentimento passivo, em que o indivíduo desiste da disputa, porém, mesclado ao ódio. E Racamier completa, afirmando: “O eu se julga culpado pela traição e pela perda do objeto amado, na medida em que uma intensa desvalorização de si imprime ao eu a responsabilidade pelo desinteresse do outro. Desse modo, o ódio e a desvalorização de si mesmo tornam o sujeito impotente para o amor. (...) ocorre um movimento de autodestruição do ciumento depressivo. Assim, a regressão nele se dá sob a marca da pulsão de morte veiculada por um supereu sádico concomitante a um narcisismo estruturalmente falho. O auge de uma manifestação pautada nesses parâmetros seria o suicídio por ciúme” (op.cit. p.62, 65). Arreguy (op.cit.) refere-se, também, ao ciúme perverso, em que o indivíduo ciumento se considera onipotentemente perfeito, em decorrência do excessivo investimento narcísico e idealizado dos pais na infância; só aceita o papel de ganhador na competição amorosa; usa o outro como um objeto para o seu gozo, e se for frustrado pelo parceiro e vier a sentir ciúme, destrói o outro, anula-o; o outro é visto, apenas, como objeto de uso, vinculado aos seus desejos. Ele apenas age, o que pode dar origem ao crime passional, pois se nega a enfrentar a ruptura desse ideal de onipotência, construído na infância. Então, 46 “... mantém relações supostamente sem ciúme, onde não há uma exigência de fidelidade e exclusividade; assim, ao invés de enfrentar as dificuldades do relacionamento, da diferença, da possibilidade constante do aparecimento de um rival, o sujeito apenas troca sucessivamente de objeto de amor, mantém relacionamentos com mais de um parceiro, ou ainda, liga-se sempre a parceiros sabidamente infiéis. Contudo, é possível ocorrer uma irrupção do ciúme nesse tipo de relacionamento, quando, então, o ciúme pode aparecer de forma primitiva e violenta, uma vez que esses sujeitos não admitem interdição alguma para seu gozo. Nesse caso, o ciumento perverso destrói o rival e/ou o próprio objeto de amor, possivelmente como protagonista de crimes passionais” (ARREGUY, op.cit., p.72). A mesma autora afirma, ainda, que tanto o ciúme depressivo como o perverso são oscilantes, podendo se manifestar num mesmo indivíduo, em diferentes momentos e com diferentes intensidades (Id.,ibid.). Pelo que me foi dado a perceber, investigando as características peculiares do ciúme patológico, me permito afirmar que o ciúme, nesse grau, foge a qualquer critério de normalidade; é, realmente, pelas suas manifestações e conseqüências, geralmente, drásticas, um transtorno afetivo grave, devendo ser encarado e tratado como tal. Mesmo com a capacidade de dissimulação de um artista e das diferentes estratégias utilizadas para escondê-lo, a revolução afetiva interna está acontecendo e a explosão – agressiva e violenta – pode ocorrer, em qualquer momento. 2.4. O papel do ciúme no relacionamento amoroso Por mais que se fale contra o ciúme e se lhe atribua causas que desqualifiquem quem o vivencia – insegurança, baixa auto-estima, sentimento de inferioridade etc. – esse sentimento, se existe na experiência amorosa, deve ter um papel. 47 Conceituar o papel do ciúme no relacionamento amoroso, o quarto objetivo específico desta pesquisa, foi
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