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Estrutura e perversões - Joel Dor

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estrutura e perversões 
facebook.com/lacanempdf
FICHA CATALOGRÁFICA 
0693e Dor, Joel 
Estrutura e perversões / Joel Dor; 
trad. Patrícia C. Ramos. 
- Porto Alegre : Artes Médicas, 1991.
199p.
1. Perversões sexuais 2. Sexo (Psicologia)
3. Psicanálise 1. Ramos, Patrícia C. li. Título
e.o.o. 151.1
616.8583 
155.3 
616.8917 
c.o.u. 616.89-008.442.3
159.922.1 
159.964.2 
Índices Alfabéticos para o Catálogo Sistemático 
Perversões sexuais 
Psicologia sexual 
Psicanálise 
616.89-008.442.3 
159.922.1 
159.964.2 
(Bibliotecária Responsável: Marta Gravlno - CRB 10/567) 
ARTES 
!VÉDICAS 
JOEL DOR 
estrutura e perversões 
Tradução: 
PATRÍCIA CHITIONI RAMOS 
Supervlaão Técnica da Tradução 
ALDUÍZIO M. DE SOUZA 
PORTO ALEGRE/ 1991 
Obrà originalmente publicada em francês sob o título 
Structure et Peruersions 
,, 
por Éditions Denoel 
Paris 
Copyright (1987) by Éditions Denoel 
Capa: 
Mário Rõhnelt 
Supervisão editorial: 
Delmar Paulsen 
Composição, Arte Final e Filmes: 
GRAFLINE - Assessoria Gráfica e Editorial Ltda. 
Reservados todos os gireitos de publicação em língua portuguesa à 
EDITORA ARTES MEDICAS SUL LTDA. 
Av. Jerônimo de Ornelas, 670 - Fones 30-3444 e 31-8244 
Fax (055) 30-2378 - 90040 Porto Alegre, RS, Brasil 
LOJA-CENTRO 
Rua General Vitorino, 277 - Fone 25-8143 
90020 Porto Alegre, RS, Brasil 
IMPRESSO NO BRASIL 
PRINTED IN BRAZIL 
aM.D. 
Meus agradecimentos a Françoise Bétourné pela 
assistência dada durante toda a redação desta obra e 
por seu precioso concurso em sua correção. 
Sumário 
Introdução ... ...... ....... ..... ...... ... ........... ... .. ................. ....... .. ....... 11 
Primeira Parte 
ESTRUTURA. TRAÇOS ESTRUTURAIS. 
AVALIAÇÃO DIAGNÓSTICA 
Capítulo 1 - A NOÇ_ÃO DE "AVALIAÇÃO DIAGNÓSTICA" 
NA CLINICA PSICANALITICA ................ ....... 17 
Capítulo 2 - SINTOMA E DIAGNÓSTICO .......................... 25 
Capítulo 3 - SINTOMAS E TRAÇOS ESTRUTURAIS -
Ilustração de sua diferenciação em um caso clíni-
co de histeria .. .. . .. .. .... .. .. . . . .. . . . .. .. .. . . . .. . . . .. .. . . . . . .. .. 32 
1. Entrevistas preliminares ............ .............. 32 
2. Relato do tratamento . .. .. .. .. .. .. . . .. .. .. .. .. .... . 38 
Capítulo 4 - A NOÇÃO DE ESTRUTURA EM 
PSICOPATOLOGIA ........................................ 50 
Capítulo 5 - ESTRUTURAS PSÍQUICAS E FUNÇÃO FÁLICA 56 
Segunda Parte 
LÓGICA ESTRUTURAL DO PROCESSO PERVERSO 
Capítulo 6 - A CONCEPÇÃO CLÁSSICA DAS 
PERVERSÕES . . . . . . . .. . . . .. . .. . . . . . . . . .. .. . .. .. .. . . . . . . .. . . .. . 65 
Capítulo 7 - A NOÇÃO DE PULSÃO NO PROCESSO 
PERVERSO .. . . .. . .. .. .. . .. .. . .. .. . .. .. .. . . . . .. . . . . .. . .. . . . .. .. . 74 
Capítulo 8 - RECUSA DA REALIDADE, RECUSA DA 
CASTRAÇÃO E CLIVAGEM DO EU ....... ... ..... 83 
Capítulo 9 - IDENTIFICAÇÃO FÁLICA E IDENTIFICAÇÃO 
PERVERSA .. .. .. . .. .. .. . . . .. .. . . . . . .. . . .. .. . .. .. .. . .. .. .. . .. .. . 93 
Capítulo 10 - PONTO DE AN_CORAGEM DAS PERVERSÕES 
E ATUALIZAÇAO DO PROCESSO PERVERSO 99 
Capítulo 11 - O HORROR DA CASTRAÇÃO E A RELAÇÃO 
COM AS MULHERES. O DESAFIO E 
A TRANSGRESSÃO .... ......... .. .............. .... .. .... . 106 
Capítulo 12 - A AMBIGÜIDADE PARENTAL INDUTORA 
DO PROCESSO PERVERSO E O HORROR 
DA CASTRAÇÃO - Fragmento clínico .. .. .. .. .. .. 113 
Capítulo 13 - A RELAÇÃO COM AS MULHEFES. 
O DESAFIO. A TRANSGRESSAO - Elementos 
de diagnóstico diferencial entre as perversões, a 
neurose obsessiva e a histeria ..... ................ .. ... 121 
1. A relação com as mulheres .... ....... . .. ....... 121 
2. O desafio. A transgressão .. . . .. .. .. . . .. .. .. . . .. . 129 
Capítulo 14 - O ,GOZO PERVERSO E O TERCEIRO 
CUMPLICE - O SEGREDO E O AGIR ........... 134 
Terceira Parte 
NAS FRONTEIRAS DAS PERVERSÕES 
Capítulo 15 - PROXIMIDADE E�TRUTURAL DAS PSICOSES 
E DAS PERVERSOES . ............. ... .......... ... .. ..... 145 
Capítulo 16 - SEXUAÇÃO - IDENTipADI;; SEXUAL E AVA-
TARES DA ATRIBUIÇAO FALICA .... .. .. . ... ... . . 152 
1. O processo da sexuação segundo Lacan . 154 
2. A identidade sexual e os avatares da atri-
buição fálica ........................................... 160 
Capítulo 17 - TRANSEXUALISMO E SEXO DOS ANJOS ..... 166 
1. Transexualismo masculino .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. 167 
2. Transexualismo feminino . .. .... ... ...... .. . .. .. . 177 
Conclusão: PERVERSÃO E MULHERES PERVERSAS....... ..... 183 
Bibliografia .. .. .. . . .. .. .. . .. .. . .. .. .. . .. .. .. . .. .. .. . .. .. .. . .. . . .. . . . . . .. . . . .. .. .. . .. . .. .. 189 
Índice onomástico ......... .............. ... ............... .. .......... .......... . .... 192 
Índice terminológico . .... ..... ........ ................... ..... .. ... ... ........ ...... 194 
Introdução 
Normalmente "desencaminhada" pela informação ordinária da 
mídia, a noção de perversão comprometeu-se, há muito tempo, em 
um uso ilegítimo. O seu charme é, no máximo, o de lembrar ao espíri­
to algumas subordinações ideologicamente consagradas sob os auspí­
cios da depravação dos costumes, sem os quais ela não poderia conti­
nuar a exercer o poder de atração, até mesmo de fascínio, que lhe é 
comumente atribuído. 
Esta insolente sedução não parece todavia acompanhar o compor­
tamento perverso senão na estrita condição de que o desenvolvimen­
to deste permanece relegado à questão dos outros. Ora, não há insul­
to mais ingênuo do que esta defesa imaginária do observador ou do 
comentarista anônimo que goza o desvio perverso do outro. De fato, 
queiramos sabê-lo ou não, a perversão diz respeito a cada um, ao me­
nos em nome da dinâmica do desejo que aí se expressa e ao qual nin­
guém escapa: 
"Da questão perversa não poderemos jamais dizer que ela 
não nos diz respeito, certos de que estamos de que ela, de qual­
quer maneira, nós diz respeito. "(1)* 
1 - P. Aulagnier, "Remarques sur la féminité et ses avatars", ln Le Déslr et la Per­
version, obra coletiva, Paris, Seuil, 1967, p. 79. 
11 
12 JOEL DOR 
Isto quer dizer que cada um aí se uê implicado da mesma forma 
que o próprio perverso? Certamente não, por pouco que tenhamos 
o cuidado de definir rigorosamente a especificidade da perversão pa­
ra além do amálgama ideológico que a cerca. Mas essa determinação 
- se é salutar - supõe, em contrapartida, que tenhamos a medida exa­
ta do "núcleo perverso" que coexiste na própria dimensão de todo desejo. 
Somente este esclarecimento é suscetível de dar ao processo per­
verso um espaço coerente de inteligibilidade ao mesmo tempo teóri­
co e clínico: o campo psicossexual. Neste caso, não parecem existir 
perversões senão perversões sexuais propriamente ditas; exceção que 
encontra sua justificativa mais legítima pelo único fato de que a gêne­
se das perversões deve ser inscrita no próprio seio da "sexualidade 
dita normal" (Freud). 
Circunscrever a compreensão do processo perverso à luz dessa 
inscrição, é conferir às perversões uma identidade de estrutura que 
ultrapassa a simples ocorrência da hipótese psicopatológica. Prova 
disso, a comiseração etiopatogênica que adere ainda com facilidade 
à indulgência da avaliação psiquiátrica quando se compraz sempre a 
consagrar uma entidaqe tão mítica quanto as "perversões constitucio­
nais". 
Subtrair as perversões às influências persistentes de tal reducio­
nismo psicopatológico exige que já esteja claramente elucidado o pro­
blema da estrutura psíquica e traços estruturais em perspectiva da ava­
liação diagnóstica, tais como são oferecidos à experiência da clínica 
psicanalítica. 
Dar conta da lógica estrutural do processo perverso impõe tam­
bém reexaminá-lo no próprio início da reflexão freudiana. De um la­
do, muito geralmente, nos arcanos metapsicológicos que governam o 
processo pulsional do desenvolvimento psíquico, até esse vencimen­
to quando se resolve, para todo sujeito, o enigma da diferença dos se­
xos. De outro, de modo mais preciso, na intricação edipiana dosanta­
gonismos do desejo, onde pode se determinar um ponto de ancoragem 
das perversões, sob a influência de elementos indutores inerentes ao 
jogo fálico que regula necessariamente o curso dessa dialética. 
No limite de uma investigação tão aprofundada, torna-se possí­
vel isolar alguns traços estruturais que fixam incontestavelmente, com 
"' O texto em francês é: "De la question perverse nous ne pourrons jamais dire qu 
'elle ne nous regarde pas, surs que nous somes qu'elle, de toute façon, nous regar­
de." Como o verbo regarder pode significar tanto olhar como dizer respeito a, há 
aí um jogo de palavras que não pôde ser transposto sem perda da intenção do au­
tor. (N. da T.) 
ESTRUTURA E PERVERSÕES 13 
o maior rigor, a especificidade da estrutura perversa. Em conseqüên­
cia, uma discriminação diferencial radical pode assim ser estabelecida 
face a outras manifestações sintomáticas suscetíveis de se prestar ao 
equívoco diagnóstico no campo da prática. 
No plano clínico, se a elucidação metapsicológica do processo 
perverso torna, por outro lado, compreensível a proximidade estrutu­
ral de certas organizações psicopatológicas (psicoses e transsexualis­
mo), nem por isso deixa de definir a linha divisória que confirma a au­
tonomia das perversões em relação a estas. Indiretamente, o proble­
ma colocado pela existência hipotética das perversões femininas encon­
tra-se igualmente esclarecido. 
Em lugar de pretender a uma certa originalidade teórico-clínica, 
importava mais, nesta retomada da questão das perversões, reunir 
uma pluralidade de materiais freqüentemente esparsos na própria obra 
freudiana, a fortlori disseminados em seus sucessores. 
A lógica desta apresentação deveria ao menos permitir a indução 
de uma certa coerência na abordagem dessa organização psíquica, que 
não deixa jamais de mergulhar o clínico na confusão, tanto pela com­
plexidade de seus princípios quanto pelo caráter desconcertante de 
suas atualizações. 
Santa Lucia dl Tallano. 
"La perverslon a mauvaise presse. Ce qu'on évoque d'emblée, 
c'est la conduite aberrante, déviée, la manifestalion indéfendable 
d'intentlons mauvaises, l'égarement criminel qui mEme à la perdition. 
Qu'il y ait dans la matiere sonore du mot un "Vers le pere", qul se­
ra l'essentlel de cet exposé, est le plus souvent voilé par cette aura 
de scandale qul l'accompagne."* 
RENÉ TOSTAIN** 
• O autor faz aqui um jogo de palavras visto que se encontra foneticamente inseri­
do em perverslon (per) a palavra pere (pai). 
"A perversão tem má reputação. O que se evoca, de saída, é a conduta aberrante, 
desviada, a manifestação indefensável de más intenções, o desvio criminoso que le­
va à perdição. Que haja na matéria sonora da palavra um "A seu pai", que será o 
essencial desta exposição, é o mais freqüentemente oculto por esta aura de escânda­
lo que a acompanha." (N. da T.) 
•• René Tostain: "Essai apologétlque de la structure perverse" in La Sexuallté dans 
les Instltultlons, obra coletiva, Paris, Payot, 1978, p. 33. 
PRIMEIRA PARTE 
ESTRUTURA.TRAÇOS 
ESTRUTURAIS. 
,,.,, ., 
AVALIAÇAO DIAGNOSTICA 
1 
A noção de 
''avaliação diagnóstica'' 
na clínica psicanalítica 
A problemática do "diagnóstico" no campo psicopatológico mere­
ce ser introduzida por uma incursão canônica, isto é, um retorno a cer­
tas concepções clássicas lançadas por Freud já em 1895. Muito cedo, 
para não dizer desde o surgimento da psicanálise, Freud interrogava 
a questão do diagnóstico nos seguintes termos: 
"Quando tentei aplicar a um grande número de histéricos 
hipnotizados, o método terapêutico de Breuer por detecção e ab­
reação, choquei-me com duas dificuldades que me levaram, para 
resolvê-las, a modificar tanto minha técnica quanto minhas con­
cepções: 
1) Nem todos os sujeitos incontestavelmente histéricos e 
muito provavelmente submetidos aos mesmos mecanismos são 
hipnotizáveis. 
2) Foi-me necessário determinar o que caracterizava essen­
cialmente a histeria e o que a diferenciava das outras neuroses(!)." 
E Freud prossegue: 
1 - Freud, J. Breuer: Studien über Hysterle (1985). G. W., I, 77/312. S.E., li. Trad. 
A. Bennan Études sur l'hystérle, Paris, P.U;F., 1967, p. 206. 
17 
18 JO�L DOR 
"É muito difícil formar uma opinião exasta de um caso de 
neurose antes de tê-lo submetido a uma análise aprofundada ( ... ) 
Entretanto, é antes mesmo de conhecer o caso detalhadamente, 
que nos vemos obrigados a estabelecer um diagnóstico e deter­
minar o tratamento(2)." 
Quer dizer que, desde o início de sua obra, Freud desemboscara 
a ambigüidade em torno da qual se colocava o problema do diagnós­
tico no campo da clínica psicanalítica. De um lado, observa ele, pare­
ce oportuno poder estabelecer precocemente um diagnóstico para de­
terminar o tratamento - o que hoje em dia denominaríamos mais sim­
plesmente: a conduta da cura. De outro, não deixa de precisar que a 
pertinência de tal diagnóstico não pode jamais encontrar confirmação 
senão após uma análise aprofundada. 
Toda a especificidade desse diagnóstico vê-se então na situação 
de um paradoxo manifesto. Nestas condições, como associar o cará­
ter operatório do diagnóstico à sua determinação relativa de impreci­
são? Uma olhada no domínio da clínica médica propriamente dita já 
pode permitir a elucidação de alguns aspectos dos problemas ineren­
tes ao diagnóstico. 
Na clínica médica, o diagnóstico é, antes de tudo, um ato que 
obedece a duas funções. Trata-se, em primeiro lugar, de efetuar uma 
discriminação baseada na observação de certos slfiais-especfficos (se­
niiologia). Em segundo, trata-se de pôr em perspectiva o estado pato­
fõ'gtco assim especificado, em relação a uma classificação devidamente 
çodificada (nosografia).. Um d�griôstico médico parece portanto sem­
pre subordinado à ordem de uma referência etiológica (diagnóstico 
·etiológico) e à ordem de uma referência diferencial (diagnóstico dife­
rencial). 
Por outro lado, um diagnóstico médico permite, na maioria das 
vezes, avaliar não somente o prognóstico vital ou funcional da enfer­
midade, mas ainda a escolha do tratamento mais apropriado. Para is­
to, o médico dispõe de um arsenal de investigação que se desdobra 
simultaneamente em duas orientações complementares: uma investiga­
ção anamnésica destinada a recolher os fatos comemorativos da enfer­
midade; uma investigação "montada" centrada sobre o exame direto 
do paciente por meio de mediadores instrumentais, técnicos, biológi­
cos, etc. Essa dupla investigação colige o conjunto das informações 
necessárias para definir o perfil especificamente isolável da afecção 
patológica. 
2 - S. Freud, lbld., p. 206 (sublinhado por mim). 
ESTRUTURA E PERVERSÕES 19 
No campo da clínica psicanalítica, tal modo de diferenciação é 
de_ infc:io inv�lidado. A impossibilidade é de fato nesse sentido justifica­
da pela próprià estrutura-do sujeito. o analista' dispõe apenas de uma 
únicí;l técni_Çé:l _de investigação: ,a escuta, o que torna ultrapassada toda 
idéia de investigação montada. Como o material clínico trazido pelo 
paciente é um materia��ssen�Lalmente verbal, o campo de investiga­
ção clf nica fica então. circunscrito de saída à dimensão de um dizer e 
de um dito radicalmente submetidos aos a:vatares do imaginário e da 
''mentira'"'. Imaginário, visto qu� é_gr.aç_c;!�_élo disq..1rso que vem articu­
lar-se subrepticiamente o desenvolvipi.ento fantasmático. Mentira, já 
que é através da fala que o sujeito testemunha da melhor maneira a 
cegueira que lhe é própria quanto à verdade de seu desejo. Daí o mal­
entendido que sustenta o sintoma na consistência de seu travestimento. 
Subtraído ao registro dos dados empíricos objetivamente controlá­
veis, tal diagnóstico não parece dever resultar senão de uma avaliação 
essencialmente subjetiva que apenas pode se ordenar apoiando-se no 
discurso do paciente e na subjetividade do analista à escuta. 
Quer dizer, com isso, que nesse campo intersubjetivo, não existe 
nenhum ponto de referência estável? Somos obrigados, por estarazão, 
a um espaço de inter-ações puramente empáticas? Se tal fosse o caso, 
o domínio de investigação psicanalítica não seria outro senão um cam­
po de influências e de estratégias sugestivas. Ora, bem sabemos que 
a psicanálise somente conseguiu definir sua especificidade porque Freud 
soube extrair a intelecção dos processos psíquicos no domínio da su­
gestão. Tudo leva então a supor que uma certa topografia das afec­
ções psicopatológicas pode ser legitimamente posta em evidência. 
O substrato de uma semelhante topografia baseia-se na possibili­
dade de uma orientação que só pode se estabelecer em relação à cau­
salidade psíquica e ao cortejo dos processos imprevisíveis que engen­
dra sob o domínio do inconsciente. Antes de tudo, a relação que exis­
te entre um diagnóstico e a escolha de um tratamento não parece po­
der então depender de uma relação causal habitual, no sentido em que 
esse modo de implicação lógica é justamente comum na clínica médica. 
Relembremos as pródigas reservas de Freud em seu estudo, So­
bre o Início do tratamento: 
"A extrema diversidade das constelações psíquicas, a plastici­
dade de todos os processos desta ordem, o número significativo 
dos fatores determinantes, opõem-se a uma mecanização da técni­
ca e fazem com que um procedimento normalmente vantajoso 
20 JO!L DOR 
possa às vezes tornar-se inoperante, enquanto que um método 
geralmente defeituoso dá o resultado desejado(3) ." 
No entanto, Freud não pode deixar de precisar o ponto seguinte: 
"Contudo, essas circunstâncias não devem nos impedir de 
estabelecer ( . . . ) uma linha de conduta geralmente bem apropria­
da(4) ." 
Tanto face à elaboração do diagnóstico quanto do ponto de vis­
ta da direção do tratamento que dele depende, o analista supostamen­
te pode apoiar-se em elementos estáveis, apesar da dimensão intersub­
jetiva do espaço onde se efetua essa avaliação. Todavia, a determina­
ção desses elementos estáveis requer a maior vigilância. Se a orienta­
ção do tratamento depende disso, seu sucesso terapêutico encontra­
se aí igualmente suspenso. De onde o perigo da psicanó/fse selvagem 
firmemente desacreditada por Freud. Em um pequeno estudo consa­
grado a esse propósito(S), Freud evoca, através de uma brilhante i lus­
tração, não somente a prudência requerida para o estabelecimento 
do diagnóstico, mas também o perigo de qualquer intervenção que 
- se apóie em um diagnóstico objetivamente causalista instituído como 
um diagnóstico médico. 
Este fragmento clínico lembra o caso de uma senhora de mais 
ou menos cinqüenta anos que consulta um jovem médico por causa 
da persistência de estados ansiosos. Parece-lhe que suas crises de an­
siedade apareceram sobretudo após seu divórcio. O jovem médico 
que tinha conhecimentos superficiais de psicanálise, indica-lhe imedia­
tamente a causa através de uma explicação, por assim dizer, abrupta. 
A ansiedade de sua paciente não seria nada além de uma conseqüên­
cia direta de sua privação de toda relação sexual com homens. A tera­
pêutica que lhe propõe, então, vem inscrever-se em um a relação de 
implicação lógica com a causa da afecção. Para restabelecer-se, formu­
la-lhe três prescrições possíveis: "Volte para seu marido"; "Consiga 
um amante"; ou "Masturbe-se!" . Como é normal, a prescrição tera­
pêutica imprudente produz o efeito esperado: o estado ansioso da se­
nhora piora! Ela decide então consultar Freud. 
3 - S. Freud, Zur Einleitung des Behandlung (1913). G.W., VIII, 454/478. S.E., XII, 
121/144. Trad. A Berman: "Le début du trlatement", ln La Technlque Psychanalytl­
que, Paris. P.U.F., 1975, pp. 80-81. 
4 - lbld. , p. 81. 
5 - S. Freud, Uber "wilde" Psychanalyse (1910) . G.W., VIII, 118/125. S.E., XI, 
219/227. Trad. A Berman, A propos de la psychanalyse dite "sauvage", ln La Tech­
nlque psychanalytlque, op. cit., pp. 35-42. 
ESTRUTURA E PERVERSÕES 2 1 
Por mais caricatural que seja, esse pequeno exemplo é totalmen­
te instrutivo. Especifica, com efeito, de modo muito nítido, a diferen­
ça que existe entre o diagnóstico médico e o diagnóstico tal como po­
de ser elaborado na clínica psicanalítica. Igualmente permite apreen­
der a singularidade da articulação que se impõe entre o diagnóstico e 
a escolha do tratamento. Nesse exemplo relatado por Freud, o erro 
de diagnóstico é notório. O problema é menos de saber se esse jovem 
médico conhecia suficientemente ou não os princípios da psicanálise, 
do que examinar segundo que tipo de procedimento organizou-se seu 
ato diagnóstico. 
Freud observa imediatamente que o médico cometeu, sem o sa­
ber, dois erros. Por sua prescrição brutal, antecipou, primeiramente, 
uma das dimensões essenciais que contribuem para o prognóstico tera­
pêutico: a transferéncia, fator preponderante na dinâmica de uma in­
tervenção analítica. Em vez de fazer dela uma aliada, o médico explo­
rou a transferência no sentido de um instrumento de resistência tera­
pêutica. Como, insurge-se Freud, "o médico pôde crer que uma mu­
lher de mais de quarenta anos ignora que é possível ter um amante, 
ou então ele superestimou sua própria influência a ponto de acreditar 
que ela não se decidiria nunca, sem a aprovação médica, a dar um tal 
passo(6)"? 
O segundo erro cometido por esse médico, concerne diretamente 
o processo que preside o estabelecimento do diagnóstico como tal. 
Seu caráter é exemplar no sentido em que ilustra exatamente a condu­
ta que não se deve ter jamais na clínica psicanalítica: o procedimento 
hipotético-dedutivo. Essa conduta, que permanece sempre governada 
pela relação lógica de causa e efeito, não pode encontrar, na psicanáli­
se, a aplicação que lhe é habitualmente dada nas ciências exatas . No 
exemplo citado, o jovem terapeuta inexperiente estabelece de saída 
uma relação direta de causa e efeito entre a angústia e a problemáti­
ca sexual. Em si, uma tal relação não é inadequada, já que sabemos, 
com Freud, que algumas manifestações neuróticas como a angústia po­
dem justamente depender do "fator somático da sexualidade". Mani­
festamente, é baseado em uma semelhante relação que esse médico 
conclui de modo precipitado seu diagnóstico e sugere uma terapêuti­
ca que corresponde a essa relação de causa e efeito. E "em semelhan­
te caso - indica Freud � o médico naturalmente vai aplicar uma tera­
pêutica atual mo�éando a atividade física de ordem sexual e tem ra­
zão de agir a�im se seu diagnóstico for exato(7)". 
6 - S. Freud, A propos de la psychanalyse dite "sauvage", op. cit. pp. 38-39. 
7 - S. Freud, ibid., p. 39. 
22 JO�L DOR 
Toda a questão é interrogar precisamente, aqui, o valor do diag­
nóstico. Neste caso, o erro repousa em uma precipitação do julgamen­
to causalista. Mais geralmente, a interpretação "selvagem" apóia-se, 
continuamente, em psicanálise, nesta racionalização causalista precipi­
tada. Sobre este ponto, o comentário freudiano é de uma grande limpidez: 
"A senhora, ao consultar o jovem prático, queixara-se sobre­
tudo de estados ansiosos. Ele concluiu provavelmente por isso 
que ela sofria de uma neurose de angústia e acreditou estar cer­
to ao lhe recomendar um tratamento somático. E eis, mais uma 
vez, um conveniente equívoco! Uma pessoa que sofre de ansieda­
de não sofre forçosamente de uma neurose de angústia. O diag; 
nóstico não deve ser estabelecido sobre uma denominação. E 
preciso conhecer as manifestações de uma neurose de angústia 
e saber distinguf-las de outros estados patológicos onde também 
surge a angústia. A senhora em questão sofria, em minha opi­
nião, de uma histeria de angústia e tudo que valoriza essas distin­
ções nosográficas, o que as justifica, repousa sobre o fato de que 
atraem nossa atenção sobre uma outra etiologia e uma outra tera­
p�utlca. Aquele que tivesse considerado a possibilidade de uma 
histeria de angústia não correria mais o risco de negligenciar os 
fatores psíquicos, como o fez nosso médico colocando sua pacien­
te diante de três possibilidades(8) ". 
Se os problemas da ambigüidade e da prudência diagnósticas 
são claramenteformulados por Freud, não é menos claro que ele igual­
mente insiste sobre a relação direta que liga a avaliação diagnóstica 
à escolha de uma conduta do tratamento. 
O ato psicanalítico não pode apoiar-se ex abrupto na identifica­
ção diagnóstica pois não se constitui jamais, em sua aplicação, como 
sua pura e simples conseqüência lógica. Bem sabemos que se este fos­
se o caso, disporíamos, a exemplo de todas as disciplinas médicas, 
de tratados ou obras de terapêutica analítica. 
No exemplo evocado por Freud, o erro "técnico" principal con­
siste, antes de tudo, em supor o ato analítico como um ato médico. 
A propósito desta confusão, as reservas enunciadas por Freud são, 
novamente, muito preciosas: 
"Há muito tempo deixamos de crer, como as aparências su­
perficiais haviam-nos sugerido, que o paciente sofria de uma espécie 
8 - S. Freud, A propos de la psychanalyse dite "sauvage", op. clt., p. 39 (grifado 
por mim). 
ESTRUTURA E PERVERSÕES 23 
de ignorância e que se viéssemos a dissipá-la falando-lhe das rela­
ções causais entre sua enfermidade e sua existência, dos aconteci­
mentos de sua infância, etc., seu restabelecimento seria certo. Ora, 
não é a ignorância em si que constitui o fator patológico, essa ig­
norância tem seu fundamento nas resistências interiores que a pro­
vocaram primeiramente e que continuam a mantê-la ( ... ) Se o co­
nhecimento do inconsciente fosse tão necessário ao paciente quan­
to o supõe o psicanalista inexperiente, bastaria fazê-lo ouvir con­
ferências ou ler alguns livros. Mas medidas semelhantes têm sobre 
os sintomas neuróticos tanta ação quanto teria, por exemplo, em 
período de fome, uma distribuição de menus aos famintos. ( .. . ) 
Toda ação psicanalítica pressupõe portanto um contato prolonga­
do com o paciente(9)". 
Reservas idênticas são reiteradas aproximadamente da mesma 
maneira por Freud em seu estudo Sobre o início do tratamento(lO). 
Agora, estamos em condições de extrair alguns ensinamentos pre­
liminares sobre essa noção de diagnóstico na clínica analítica. O pri­
meiro deles diz respeito ao caráter potencial do diagnóstico, seja um 
ato deliberadamente posto em suspenso e destinado a uma mudança. 
Reencontramos essa singularidade paradoxal cujos aspectos antagôni­
cos já foram assinalados: por um lado, a quase-impossibilidade de de­
terminar uma avaliação diagnóstica com segurança, sem se servir de 
um certo tempo do desenrolar do tratamento; por outro, a necessida­
de de circunscrever a mínima esse diagnóstico para decidir sobre a 
orientação a dar a esse tratamento. A potencialidade diagnóstica, fada­
da à mudança de uma confirmação, suspende então por um tempo to­
da atualização de intervenção de valor terapêutico. Esse é um segun­
do ensinamento do qual devemos tirar partido. Um terceiro - resulta­
do dos dois anteriores - fornece-nos a importância do tempo necessá­
rio a observar, no início de toda decisão ou proposição de tratamento. 
Esse tempo é aquele que é habitualmente concedido ao que Freud de­
signava inicialmente como tratamento de ensaio, o qual é hoje consa­
grado pelo uso sob a denominação de entrevistas preliminares. Não 
escapou a Freud que um tal tempo preliminar apresentava "a vanta­
gem de facilitar o diagnóstico(l l)". Mas ainda que esse tempo seja 
um tempo de observação, n'}m por isto deve estar inscrito, desde o iní­
cio, no dispositivo analítico. E nesta única medida que ele pode contribuir 
9 - S. Freud, A propos de la psychanalyse dite "sauvage", op. cit., pp. 40-41. 
10 - S. Freud, Le début du traitement, op. cit., p. 100. 
11 - S. Freud, Le début du traitement, op. clt., pp. 81-82. 
24 JO�L DOR 
favoravelmente para a avaliação diagnóstica e para a escolha da orien­
tação do tratamento. 
Mais uma vez mencionemos que Freud não deixou de ressaltar 
a necessidade desse dispositivo analítico desde as entrevistas preliminares: 
"Essa tentativa preliminar já constitui entretanto o início 
de uma análise e deve se conformar às regras que a regem; a 
única diferença pode ser que o psicanalista deixa sobretudo o 
paciente falar sem fazer comentários, apenas o que for absoluta­
mente necessário à continuação de sua narrativa(l2)" . 
A avaliação diagnóstica parece então prioritariamente sujeita à 
ordem do dizer, sobretudo porque não parece dever relacionar-se ao 
registro do dito e a seus conteúdos. Neste sentido, a mobilização impe­
rativa do dispositivo analítico confere à escuta a aptidão primordial 
de um instrumento diagnóstico que deve prevalecer sobre o saber no­
sogr6fico e as racionalizações causalistas. 
Esses diferentes ensinamentos que podem ser extraídos do cor­
pus freudiano, encontram uma ilustração pertinente em um dos traba­
lhos( 13) de Maud Mannoni que não deixa de insistir sobre essa mobi­
lização imediata da escuta. Ela lembra que "a primeira entrevista com 
o psicanalista é mais reveladora nas distorções do discurso que em 
seu próprio conteúdo"( l4). Por outro lado, a pluralidade de exemplos 
dados no corpo da obra constitui uma excelente introdução à proble­
mática da avaliação diagnóstica no campo da clínica psicanalítica. 
12 - lbld. , p. 81 
1 3 - M. Mannoni, Le premier rendez-vous avec le psychanalyste, Paris, DenoeVGon­
thier, 1 965. 
14 - lbid. , p. 164. 
2 
Sintoma e diagnóstico 
Em toda prática clínica, é comum estabelecer correlações entre a 
especificidade dos sintomas e a identificação de um diagnóstico. Feliz­
mente, tais correlações das quais depende o sucesso de uma iniciativa 
terapêutica, existem muitas vezes. Todavia, um dispositivo causalista 
só é eficaz porque o campo responde, de uma certa maneira, a um pro­
cesso de funcionamento regulado ele também segundo determinações 
que obedecem ao mesmo princípio. Assim, quanto mais o conhecimen­
to desse determinismo for aprofundado, mais se multiplica o número 
das correlações entre as causas e os efeitos. Em compensação, a espe­
cificação dos diagnósticos igualmente acura-se. 
Se esse princípio é uniformemente aceitável em todos os horizon­
tes da clínica médica, é cruelmente enganoso na clínica analítica. Es­
sa defecção fica por conta do determinismo singular que grassa ao ní­
vel dos processos psíquicos sob o nome de causalidade psíquica. 
A causalidade psíquica procede por outras vias que não as cadeias 
habituais de interações de causas e efeitos, tais como as identificamos, 
por exemplo, ao nível das ciências biológicas. O sucesso da terapêuti­
ca médica permanece suspenso, em grande parte, à regularidade e à 
fixidez dessas ocorrências causais que intervêm ao nível do corpo. Em 
contrapartida, tanto quanto haja determinismo através da causalidade 
psíquica, não parece possível apreender semelhantes linhas de regula­
ridade. Em outras palavras, nenhuma organização estável entre a natu­
reza das causas e a dos efeitos pode ser rigorosamente notada. Torna-se 
25 
26 JO!L DOR 
então impossível estabelecer perfis de previsões idênticas àqueles que 
observamos nas disciplinas biológicas e, mais geralmente, médicas. 
No campo científico, uma previsão tem sentido apenas porque 
se baseia em uma lei, isto é, em uma explicação objetiva e universali­
zável que justifica uma articulação estável entre causas e efeitos. A 
causalidade psíquica não é objeto de tais leis, ao menos no que con­
cerne às exigências empíricas e formais que podem definí-las nas ciên­
cias exatas. Nestas condições, a ausência de legalidade entre as cau­
sas e os efeitos, e a impossibilidade subseqüente de determinações 
previsíveis estáveis, impõem-nos o reconhecimento de que a pslcanóli­
se não é uma ciência no sentido estrito e habitualmente dado a esse 
termo(l) . 
Consideremos esta primeira constatação, inerente à determina­
ção diagnóstica na clínica psicanalítica: não existe Inferência estóvel 
entre as causas psíquicas e os efeitos sintomóticos. Esse invariante 
merece que aí nos detenhamos pelo menos porque inscreve-se de en­
contro ao funcionamento habitual de nossos processos mentais. Quei­
ramos sabê-lo ou não, pensamosaté mesmo consideramos nós pró­
prios - em uma ordem de racionalidade cartesiana. Somos assim es­
pontaneamente levados a estruturar nossas explicações segundo or­
dens de pensamentos lógicos que não profundamente causalistas no 
sentido do discurso da ciência. Recusar essa ordem de pensamentos 
por implicações lógicas, constitui sempre um esforço particular a pro­
duzir no início do trabalho psicanalítico. 
Sob pretexto de que é necessário poder se desprender da racio­
nalidade lógica, o trabalho psicanalítico não é por isso abandonado 
ao sabor das fantasias de cada um. Nem tudo nele é possível e seu 
sucesso permanece sujeito a certas exigências do rigor, ao menos aque­
las que nos impõem seguir o fio do dizer daquele que se escuta, se 
queremos infalivelmente apreender algo da estrutura do sujeito sobre 
o quê apoiar a avaliação diagnóstica. 
Supondo que possamos validar uma hipótese diagnóstica a par­
tir da ocorrência concreta dos sintomas, admitimos implicitamente a 
atualização de uma relação de causa e efeito irredutível. Veremos que 
isso equivale a fazer a economia radical de toda a dinâmica própria 
ao inconsciente. A prática clínica ensina-nos que a relação que une 
o sintoma à etiologia da afecção que o produz, é intermediada pelo 
1 - As razões que Invalidam a psicanálise no ramo das disciplinas científicas, são 
apenas conseqüências lógicas derivadas de um princípio epistemológico intrínseco 
ao próprio objeto da psicanálise. Levanto essa questão em uma obra a ser publica­
da: L'a-scientificité de la psychanalyse*. 
* A a-científicidade da psicanálise: a ser publicado brevemente pela Editora Artes 
Médicas. 
ESTRUTURA E PERVERSÕES 27 
conjunto dos processos inconscientes. A correlação entre um sintoma 
e a identificação de um diagnóstico supõe, a mínima, a atualização de 
uma cadeia de processos intrapsíquicos cuja dinâmica não se movimen­
ta no sentido de determinismo causal comum. 
Qualquer mecanismo do processo primário dá-nos uma prova in­
contestável dessa lógica desconcertante dos processos inconscientes. 
Examinemos, a título de exemplo, o destino particular do processo pul­
sional que Freud designa retorno sobre a própria pessoa e o qual justi­
fica da seguinte maneira na Metapsicologla: 
"O retorno sobre a própria pessoa deixa-se apreender me­
lhor quando se considera que o masoquismo é precisamente um 
sadismo voltado para o Eu-próprio e que o exibicionismo inclui 
o fato de olhar seu próprio corpo. A observação analítica não dei­
xa nenhuma dúvida neste ponto: o masoquista goza, ele também, 
o furor dirigido contra sua própria pessoa, o exibicionista partilha 
o gozo daquele que o olha desnudar-se(2)" . 
Se uma atividade sintomática como o sadismo supõe essa lógica 
contraditória do retorno sobre a própria pessoa, a própria natureza 
desse processo descrito por Freud invalida de fato a idéia de uma rela­
ção causal direta entre um sintoma e um diagnóstico. 
Esse primeiro argumento exige ser desenvolvido ainda mais. Supo­
nhamos que essa lógica contraditória seja uma lógica estável ao nível 
dos processos inconscientes; neste caso, poderíamos considerar os pa­
res de opostos: sadismo/masoquismo e exibicionismo/voyeurismo co­
mo equivalências fixas. Mesmo graças a essa hipótese, não estamos 
sempre em condições de inferir um diagnóstico seguro a partir dos sin­
tomas. 
Admitamos que a atividade sintomática voyeurista implica logica­
mente o exibicionismo. Dito de outro modo, suponhamos como acei­
ta a transformação no seu contrário como uma "lei fixa". Podemos, 
por esta razão, deduzir logicamente um diagnóstico de perversão a par­
tir de um sintoma como o exibicionismo? Uma vez mais, os dados da 
experiência clínica cotidiana não confirmam uma tal possibilidade de 
inferência imediata. O componente exibicionista revela-se, por exem­
plo, particularmente presente na histeria da maneira algumas vezes es­
petacular do "dar a ver" dos histéricos. 
2 - S. Freud, Triebe und Triebschicksale (1915) . G. W., X, 210/232 S.E., XIV, 109/140. 
Trad. J. Laplanche e J. 8. Pontalis, "Pulsions et destins des pulsions", in Métapsycho­
logie, Paris, Gallimard, 1968, p. 26. 
2 8 J O � L DOR 
Chegamos a reservas análogas com um outro caso típico: a ativi­
dade sintomática da ordem e da arrumação. Em alguns sujeitos, esse 
sintoma adquire proporções suficientemente inquietantes para tornar­
se uma verdadeira enfermidade do agir. Tradicionalmente, nas investi­
gações freudianas, essa particularidade de caráter que facilmente atin­
ge a dimensão sintomática, fica por conta do componente erótico 
anal que é uma disposição constitutiva da neurose obessessiva(3). Ba­
seando-nos nessas indicações, podemos concluir pelo diagnóstico de 
neurose obsessiva apoiando-nos unicamente na identificação desse 
sintoma? 
Não o podemos mais do que anteriormente, na simples medida 
em que esse sintoma é igualmente identificável sob urna forma muito 
ativa na histeria. Encontro, com efeito, um particular desenvolvimen­
to em algumas mulheres histéricas no registro da administração do­
méstica. O mais das vezes, trata-se aliás de um sintoma de emprésti­
mo "conjugal". Em sua disposição à identificar-se com o desejo do 
outro, a histérica apropria-se freqüentemente com facilidade do sinto­
ma de seu parceiro obsessivo. 
Esse exemplo novamente confirma a inexistência de urna solução 
de continuidade direta entre urna cartografia dos sintomas e urna clas­
sificação diagnóstica. 
Semelhante descontinuidade entre a observação do sintoma e a 
avaliação diagnóstica impõe-nos a recentralização do problema à luz 
dos processos inconscientes que jamais são objeto de uma observação 
direta. 
Essa falta de observação direta apela precisamente para a parti­
cipação ativa do paciente que é sempre, no campo psicanalítico, uma 
participação de palavras. Reencontramos assim a prescrição freudia­
na que figura no frontispício do edifício analítico. Se essa prescrição 
lembra-nos que "o sonho é a via régia que leva ao inconsciente", ti­
ra, na verdade, toda sua efetividade do único fato de que o sujeito é 
levado a fazer um discurso sobre seu sonho. Propriamente falando, 
3 - S. Freud, cf. 
a) Character und Analeorlk (1908) G. W., VII, 203/209. S.E., IX, 167/175. Trad. D. 
Berger, P. Bruno, D. Guérineau, F. Oppenot: Caractere et érotismo anal, in Psycho­
se, Névrose et Perversion, Paris, PUF, 1973, pp. 143/148. 
b) Die Disposition zur Zwangneurose (1913), G. W., VIII, 442/452. S.E., XII, 311/326. 
Trad. D. Berger, P. Bruno, D. Guérineau, F. Oppenot: La disposition à la névro­
se obssessionnelle, in Psychose, Névrose et Perversion, Paris, PUF, 1973, pp. 189-197. 
e) Uber Triebumsetzungen, insbesondere der Analerotik (1917) G. W. , X, 402/410. 
S.E. , XVII, 125/133. Trad. D. Berger: Sur la transformation des pulsions particulier­
ment dans l'érotisme anal, in La Vie Sexuelle, Paris, PUF, 1969, pp. 106-112. 
ESTRUTURA E PERVERSÕES 29 
a "via régia" é portanto o discurso como tal. As atualizações do incons­
ciente não podem ser decodificadas no arsenal da racionalidade expli­
cativa das deduções de caráter pseudocientífico, mas exclusivamente 
nas associações do discurso. 
Em sua perspectiva do "retorno a Freud", Lacan não deixou de 
insistir sobre a dimensão princeps do discurso na psicanálise, como tes­
temunham, por exemplo, alguns desses pensamentos formulados em: 
"A instância da letra no inconsciente ou a razão desde Freud": 
"Como até mesmo um psicanalista de hoje não se sentiria 
tocado pela fala, quando sua experiência recebe seu instrumento, 
seu quadro, seu material e até o ruído de fundo de suas incertezas? 
Nosso título faz entender que além dessa fala, é toda a estru­
tura da linguagem que a experiência psicanalítica descobre no in­
consciente(4)". 
Encontramos essa mesma insistência de Lacan em promover a in­
cidência da fala na experiência do inconsciente, durante uma outra ar­
gumentação desenvolvida em: "Situação da Psicanálise em 1956": 
"Para saber o que se passa na análise, é precisosaber de 
onde vem a fala para saber o que é a resistência, é preciso saber 
o que impede o acesso da fala ( . . . ) 
"Por que encobrir as questões que o inconsciente provoca? 
"Se a associação dita livre dá-nos acesso a ele, é por uma li­
beração que se compara às dos automatismos neurológicos? 
"Se as pulsões af descobertas são do nível diencefálico, até 
mesmo do rinencéfalo, como conceber que se estruturam em ter­
mos de linguagem? 
"Pois, se desde a origem, é na linguagem que se fazem co­
nhecer seus efeitos, seus artifícios que apreendemos depois a co­
nhecer, não denotam menos, em sua trivialid�de como em suas 
sutilezas, um procedimento linguageiro(5)". 
Para atingir mais diretamente a problemática do sintoma, relem­
bremos igualmente esta pequena fórmula do Discurso de Roma. 
4 - J. Lacan, "L' lnstance de la lettre dans l'inconscient ou la raison depuis Freud" 
(1957), in Écrlts, Paris, Seuil, 1966; pp. 494-495. 
5 - J. Lacan, "Situation de la Psychanalyse en 1956", ln Écrlts, Paris, Seuii 1966, 
pp. 461 e 466. 
30 JO�L DOR 
"O sintoma resolve-se por inteiro em uma análise da lingua­
gem, porque ele próprio é estruturado como uma linguagem, que 
é a linguagem da qual a fala deve ser liberada(6)" . 
Se o sintoma encontra-se na mesma situação da fala e da lingua­
gem, parece evidente que o diagnóstico não possa mais subtrair-se a 
isso. Em conseqüência, o que devemos chamar de traços diagnósticos 
estruturais devem ser extraídos deste registro da fala. Todavia, somen­
te constituir-se-ão em elementos confiáveis na avaliação diagnóstica 
com a condição de se despreenderem da identificação dos sintomas. 
A identidade do sintoma reduz-se, o mais das vezes, a uma entidade 
clínica de trompel'oeil* um artefato que fica por conta dos efeitos do 
inconsciente dos quais Lacan, após Freud, lembra-nos com razão os 
ardis e as facécias. 
A investigação diagnóstica exige o apoio em um aquém do sinto­
ma, isto é, este espaço intersubjetivo em que Freud esforçava-se pa­
ra estabelecer a comunicação de inconsciente para inconsciente, atra­
vés de sua célebre metáfora telefônica. 
"O inconsciente de analista deve se comportar, em relação 
ao inconsciente emergente do paciente, como o receptor telefôni­
co em relação à resposta mecânica. Assim como o receptor re­
transforma em ondas sonoras as vibrações telefônicas que ema­
nam ondas sonoras, do mesmo modo o inconsciente do médico 
consegue, com o auxílio dos derivados do inconsciente do pacien­
te que chegam até ele, reconstituir esse inconsciente de onde 
emanam as associações fornecidas(? )" . 
Os traços diagnósticos estruturais surgem no desdobramento do 
dizer, como passagens significativas do desejo que se esboçam naque­
le que fala. Esses sinais aparecem acima como os índices que balizam 
o funcionamento da própria estrutura psíquica. Representam, de al­
gum modo, os indicadores de sinalização impostos pela dinâmica do 
desejo. Como veremos mais adiante, a especificidade da estrutura de 
um sujeito é predeterminada pela economia de seu desejo. Ora, seme-
6 - J. Lacan, Fonetlon et champ e la paroleet du langage en psychanalyse" (1953), 
ln Écrlts, Paris, Seuil, p. 269. 
• Termo técnico da pintura, já consagrado na língua portuguesa. Significa um efei­
to de pintura em que o espectador é levado a hesitar diante da imagem pintada. (N. da T.) 
7 - S. Freud, Ratschlãge für den Arztbei der-psychoanalytischen Behandlung, (1912). 
G.W., VIII, 364/374. S.E. , XII, 109/120. Trad. A Berman: "Conseils aux médecins 
sur 1e traitement psychanalytique", ln La Technlque psychanalytlque, op. clt., p. 66. 
ESTRUTURA E PERVERSÕES 31 
lhante economia é governada por orientações, por trajetórias estereoti­
padas, portanto, por certos princípios de circulação - para permane­
cer nas metáforas condutoras. Se concordarmos em chamar de traços 
estruturais tais trajetórias estabilizadas, os traços diagnósticos estrutu­
rais constituem marcas codificadas por esses traços da estrutura teste­
munhas da economia do desejo. 
A fim de melhor precisar o caráter operatório do diagnóstico, é 
então oportuno evidenciar claramente não apenas a noção de estrutu­
ra, mas também a distinção que existe entre sintomas e traços estruturais. 
3 
Sintomas e traços estruturais 
Ilustração de sua diferenciação em um 
caso clín ico de histeria 
1 - ENTREVISTAS PRELIMINARES 
A utilização pertinente do diagnóstico no campo da clínica psica­
nalítica, supõe que uma discriminação rigorosa seja continuamente 
estabelecida entre a identidade do sintoma e a Identidade dos traços 
estruturais. Fora dessa vigilância constante, o clínico expõe-se a im­
pressionantes confusões diagnósticas que comprometem gravemente 
o prognóstico terapêutico. 
A exposição do caso clínico que se seguirá é tanto mais exem­
plar porque foi precisamente objeto de uma tal confusão(l ) . 
Desde as primeiras entrevistas, uma demarcação radical será pos­
ta em evidência entre a especificação de alguns traços estruturais e a 
identidade marcante do sintoma. 
1 - Os elementos anamnésicos aqui apresentados foram isolados de um contexto 
psicopatológico complexo. A história dessa mulher - acidentalmente falecida desde 
então - não será restituída além de algumas evocações necessárias à exposição de 
uma ilustração "técnica" . 
32 
ESTRUTURA E PERVERSÕES 33 
Primeira entrevista 
A Srta . X. , mulher de cerca de trinta anos, foi a mim recomenda­
da por um especialista de medicina interna, ao sair de uma hospitaliza­
ção. No decorrer da primeira entrevista, essa hospitalização é, aliás, a 
informação princeps que me passa abruptamente sem, todavia, indicar­
me as razões. Mas do mesmo modo que nada me tenha sido imediata­
mente dito, tudo me será, em contrapartida, diretamente dado a ver 
durante a entrevista, por meio de uma estratégia que acusa a própria 
expressão de um traço de estrutura - neste caso, um traço característi­
co da estrutura histérica. 
Durante a entrevista, essa jovem mulher queixa-se de um "mal-es­
tar" difuso, mas muito generalizado, sem que lhe pareça possível asso­
ciar suas manifestações a situações particulares . Nada parece ter sido 
oculto: tanto sua vida cotidiana e particular quanto o quadro de sua 
atividade profissional. Em algumas palavras, essa mulher deixa claro 
que não tem mais gosto por qualquer coisa que seja, quer se trate de 
planos, quer se trate de suas relações com os outros, próximos ou não. 
Tanto as pessoas como as coisas aborrecem-na profundamente e são 
rapidamente desinvestidas. Sobre esse fundo de abatimento neurastêni­
co, desespera-se por passar a quase-totalidade de seu tempo nada fa­
zendo, exceto entregar-se sem grande prazer a algumas ruminações di ur­
nas. 
Entretanto, entre esses devaneios confusos, um tema fantasmáti­
co reaparece freqüentemente de um modo compulsivo e obsessivo. 
Nesta cena imaginária que convoca com regularidade, um amigo vem 
visitá-la uma noite de improviso. Essa visita imprevista deixa-a sempre 
perturbada mas agradavelmente surpresa. Surpreendida em um certo 
abandono, instala seu amigo confortavelmente e retira-se por alguns 
instantes para o banheiro com a intenção de mostrar-se a ele sob uma 
aparência mais agradável . A cena fantasmática prossegue então, inva­
riavelmente, da seguinte maneira. Trancada no banheiro, compraz-se 
a imaginar, com um júbilo inexplicável, o que seu amigo pode pensar 
que está fazendo ali . Ora, muito curiosamente, o desenrolar do fantas­
ma, precisa ela, suspende-se sempre aí, em seu prejuízo apesar dos es­
forços repetidos para assegurar sua continuidade. 
Ao final dessa evocação fantasmática, intervenho para perguntar­
lhe: "Em que você pensava atrás da porta de seu consultório, na sala 
de espera?" Minha intervenção suscita imediatamente uma reação per­
feitamente característica do funcionamento histérico: um recalcamen­
to diretamente associado a um deslocamento. Então ela queixa-se de 
sentir muito calor, tira o saco e descobre antebraços muti lados com tra­
ços cicatriciaisalguns dos quais, bem recentes, estão ainda pincelados 
34 JO�L DOR 
com álcool iodado. Com esses ferimentos a mim mostrados, interrom­
po a sessão. 
Por mais sucintos que sejam, os poucos materiais revelados no 
decorrer dessa primeira entrevista, já deixam entrever algumas indica­
ções preciosas face à discriminação para estabelecer entre traços estru­
turais e sintomas. 
Primeiramente, essa paciente que se apresenta sobre um fundo 
neurastênico, evidencia um elemento essencial que advém como mar­
ca diagnóstica estrutural em eco a um traço da estrutura histérica. 
Após me ter imediatamente informado que saíra do hospital, essa mu­
lher nada mais me diz e continua seu discurso com outro assunto. É 
como se tudo estivesse implicitamente significado nessa informação 
lacônica, enquanto que nada é aí expressamente designado. Dito de 
outro modo, dá-me algo a entender do modo de ter eu mesmo que 
adivinhá-lo e perguntá-lo. Esse tipo de funcionamento intersubjetivo 
supõe uma estratégia do desejo característica da estrutura histérica: 
ou seja, desejar alguma coisa da maneira de ter de fazê-lo desejar pe­
lo outro. De um certo modo, seu desejo tende portanto a ser o obje­
to de minha própria demanda. 
Se o histérico está sempre presente sem a( estar realmente - o 
que designamos comumente como o falso-semblante dos histéricos -
é em razão desse traço notável da estrutura histérica que observamos 
quando o desejo do sujeito está sempre presente mas sob reserva de 
se fazer representar onde não está, delegando-se através do desejo 
do outro. 
A diferença entre um traço de estrutura e a identidade de um sin­
toma depende da observação de índices semelhantes. Além da plasti­
cidade e da diversidade dos sintomas, o traço de estrutura impõe-se 
como um elemento estável que anuncia uma estratégia do desejo. 
Do mesmo modo, podemos salientar esse traço característico da 
estrutura histérica através do processo de recalcamento/deslocamen­
to tal como se elabora na contextura da cena fantasmática, e tal co­
mo se atualiza após minha intervenção. 
Se o fantasma não é jamais senão uma mlse-en-scéne do desejo, 
devemos poder identificar um perfil análogo de estratégia do desejo. 
O fantasma presente coloca em cena um homem. Todavia essa 
elaboração imaginária não o convoca de qualquer maneira. Esse ho­
mem surge supostamente sempre de improviso. Vem apenas para mo­
bilizar o desejo dessa mulher de um modo imprevisível. De resto, o 
desenrolar do fantasma mostra que uma semelhante mobilização do 
desejo fica suspensa à interrogação: "O que ele espera de mim?" Co­
mo a mlse-en-scéne permanece totalmente particular, expressa assim 
apenas o modo de eleição da economia do desejo próprio ao sujeito, 
ESTRUTURA E PERVERSÕES 35 
a qual opeJa, ainda af, sobre o aspecto de uma delegação no desejo 
do outro. E exatamente porque "o outro" do fantasma supostamente 
deseja alguma coisa em seu lugar, que essa mulher põe-se ela mesma 
em situação de desejar. 
A continuação da cena constitui uma resposta significativa a essa 
mobilização do desejo. Ela se eclipsa no banheiro sob o pretexto de 
se tornar mais apresentável. Reencontramos aí um estereótipo funda­
mental da histeria: a função da m6scara. Com a máscara, trata-se sem­
pre, para o histérico, de se colocar à distância de si mesmo, portanto 
de seu desejo, a fim de continuar a nada querer saber dele. O encade­
amento lógico do fantasma desenrola-se: entrincheirada no banheiro, 
compraz-se em calcular o que o outro imagina que faz lá. Apreende­
mos aqui uma estratégia do desejo idêntica: interrogar o desejo do ou­
tro com o único objetivo de saber onde est6 o seu; seja esse mesmo 
caso típico de alienação do desejo do sujeito através do desejo do outro. 
O final abrupto da cena fantasmática conhece igualmente sua ex­
plicação legítima na expressão desse traço de estrutura. O fantasma in­
terrompe-se sempre sobre esse ponto de alienação atualizando assim 
a suspensão do desejo característica de posição histérica. 
A essa suspensão correspondem, em compensação, alguns estereó­
tipos sintomáticos cuja expressão privilegiada insinua-se em fórmulas 
standard como: "Não desejo nada", "Nada me interessa", "Tudo me 
é indiferente" . . . . Não se poderia avaliar melhor o hiato que existe en­
tre o traço de estrutura e o sintoma. O sintoma é um produto de elabo­
ração psíquica, um produto de estrutura cuja identidade não oferece 
nenhuma garantia diagnóstica particular. Pode mesmo aparecer algu­
mas vezes como um índice perturbador na verificação dos traços estruturais. 
Retornemos à análise dessa entrevista no ponto de minha interven­
ção. Essa intervenção que pontua a evocação da cena fantasmática, 
contribui para recentralizar a questão do desejo nessa paciente no úni­
co lugar onde se apresenta: nela mesma e não no desejo do outro. 
Se a situação de espera atrás da porta de meu consultório metafo­
riza manifestamente a estrutura de seu fantasma favorito, minha inter­
venção não teve outro objetivo senão inverter seu modo. Ao contrário 
da cena fantasmática onde se interroga sobre o desejo do outro, é ago­
ra o outro que lhe pergunta em que ela pensava enquanto esperava. 
Tal intervenção somente recentraliza o lugar de aparecimento do dese­
jo desarmando pontualmente sua dinâmica histérica porque sobrevém 
como uma intrusão equivalente à questão: "De onde você deseja?" 
Não é preciso mais para que a resposta que recebo confirme da me­
lhor maneira essa dinâmica histérica. Primeiramente, o recalcamento: 
"Está quente aqui", diz ela, tirando seu casaco. Em seguida, o desloca-
3 6 JO�L DOR 
mento sobre o "corpo-sintoma" que revela antebraços machucados 
e feridos. 
À minha intervenção metafórica: "De onde você deseja", essa 
paciente só pode responder em uma lógica neurótica cega, dando­
me a ver alguma coisa de seu corpo, exibido como o fragmento sinto­
ma onde seu desejo está efetivamente cativo . Deseja em seu corpo 
ao nível dos antebraços mutilados que me mostra, confirmando esta 
via de assunção favorita do desejo histérico que elege uma parte do 
corpo sofredor. 
Em compensação, para remeter a questão do desejo lá onde ele 
está e não lá onde se aliena, renuncio a ver e convido-a a se recobrir 
encerrando a entrevista . 
Segunda entrevista 
A entrevista seguinte começa de um modo insólito: "Não vou 
apertar sua mão, estou em tratamento e não gostaria de contaminá-lo!" 
Além dessa cautela poder ser entendida como uma denegação 
radical, seu interesse essencial visa sobretudo o encetamento de uma 
estratégia de intriga própria a metaforizar, mais uma vez, a atualiza­
ção do corpo-sintoma. 
Enquanto minha atenção pode se encontrar mobilizada ao nível 
de um fragmento do corpo privi legiado (a mão), é precisamente em 
um outro lugar do corpo, totalmente diferente, que o véu é, de certa 
maneira, levantado. Por meio de uma roupa bem curta conjugada a 
um jogo de pernas, essa mulher mostra-me, ao sentar-se, a parte supe­
rior de suas pernas que apresenta traços cicatriciais de mutilação idên­
ticos àqueles de seus antebraços - antebraços nesse dia completamen­
te cobertos. 
Essa cena reitera a expressão do mesmo traço de estrutura ante­
riormente verificado: despertar a atenção do outro para pô-lo na situa­
ção de desejar perguntar-lhe o que ela mesma deseja fazer-lhe saber. 
Intervenho, então, mais uma vez, de um modo totalmente diferen­
te, perguntando-lhe se conhece a seguinte história judia: 
"Dois j udeus encontram-se em um trem, numa estação da 
Galícia. "Onde vais?", diz um. "À Cracóvia", diz o outro. "Que 
mentiroso tu és!", exclama então o outro, "Dizes que vais à Cra-
ESTRUTURA E PERVERSÕES 37 
cóvia para que eu acredite que vais a Lemberg, mas sei muito bem 
que vais mesmo é à Cracóvia. Então, por que mentir?" (2) 
A intervenção inesperada dessa narrativa na entrevista produz 
uma reação perfeitamente característica. Imediatamente, a jovem mu­
lher interrompe a exibição de suas pernas, que pretendia inocente, e 
associa em seguidasobre um fragmento de discurso durante o qual ve­
rifico que, em presença de um outro, ela experimenta freqüentemente 
o sentimento de ser banal, insípida e de não ter jamais algo de interes­
sante a dizer. Esse improviso dá-me ocasião de observar-lhe que é exa­
tamente essa a razão que a leva fazer seu corpo falar por ela. 
Obtenho assim uma narrativa substancial sobre esse corpo mutila­
do, muito além do que me mostrara. Fico sabendo que além dos bra­
ços e das pernas, o ventre e o seio são objetos de mutilações idênticas. 
Sou igualmente informado sobre sua estada no hospital onde acaba 
de ser tratada de uma infecção generalizada consecutiva a suas automu­
tilações repetidas. É, aliás, a sexta hospitalização do gênero. Com efei­
to, desde a idade de dezessete anos, não deixou de se mutilar sem com­
preender as razões desse impulso mórbido que surge sempre de um 
modo irreprimível e segundo uma cena estereotipada . 
O sintoma de automutilação surgiu inauguralmente após um inci­
dente que permaneceu perfeitamente incompreensível e sem nenhum 
elo lógico perceptível com ele. Quando tinha dezessete anos e assistia 
a uma aula, na escola, sentiu-se bruscamente muito angustiada. I nca­
paz de dizer uma palavra, não pôde impedir-se de urinar e desfaleceu 
imediatamente após. O mal-estar durou alguns minutos e tudo voltou, 
parece, ao normal. Voltando para casa, algumas horas mais tarde, pre­
cipitou-se para o banheiro e, após se ter desnudado completamente, 
cortou o seio direito com uma lâmina de barbear. Totalmente fora de 
si, não sentiu nenhuma dor. Em compensação, quando o sangue come­
çou a correr, experimentou uma sensação de bem-estar inabitual que 
se prolongou até o final dessa mini-hemorragia. Totalmente esgotada, 
tomou um banho e deitou-se em seguida para dormir durante longas horas. 
Desde então, o sintoma repete-se segundo um cenário sempre idên­
tico, alguns dias várias vezes, mas em pontos diferentes do corpo. 
Além das hospitalizações em conseqüência das síndromes infeccio­
sas graves, essa paciente salienta-me igualmente algumas estadas em 
2 - S. Freud, "Der Witz und seine Beziehung zum Unbewussten" (1905) G. W., VII, 
31/125. S.E., VIII, Trad. M. Bonaparte/M. Nathan, Le mot d'esprit et ses rapports 
avec /'inconscient, Paria, Gallimard, 1930, pp. 188-189. 
38 JO�L DOR 
"casa de repouso". Confiar-me-á, mais tarde, que as "casas de repou­
so" eram, na verdade, clínicas psiquiátricas onde estivera hospitaliza­
da diversas vezes com um diagnóstico de esquizofrenia. 
Se duas entrevistas foram necessárias para que esse sintoma se 
encarnasse em uma história, articulando seu surgimento e sua repeti­
ção, será preciso mais de um ano de tratamento para que ele caduque, 
liberando assim sua significação sobredeterminada por uma surpreen­
dente dinâmica histérica. Alguns meses mais bastarão para elucidar 
a "escolha" de sua organização privilegiada sobre o modo de automu­
tilação. 
2 - RELA TO DA CURA 
A evocação do minucioso trabalho analítico efetuado por essa 
paciente durante seu tratamento não apresentaria muito interesse, se 
não estivesse destinada a evidenciar a sinergia dos processos que in­
tervieram eletivamente na construção do sintoma, de um modo surpre­
endente. Ora, é precisamente esta dinâmica intrapsíquica - fosse ela 
simplesmente restituída em um relato - que permite ilustrar da me­
lhor maneira, no presente caso, a disparidade entre a consistência 
do sintoma e a prevalência dos traços estruturais. Essa ilustração é 
tanto mais exemplar porque não é, aliás, tão freqüente observar nos 
tratamentos como o paciente consegue com tanta nitidez e rigor, res­
gatar todos os lineamentos anamnésicos que presidiram efetivamente 
a elaboração de seu sintoma. 
No contexto dessa ilustração clínica, relatarei evidentemente ape­
nas os materiais que se revelaram, só depois, a posteriori, decisivos 
no processo de elaboração do sintoma de automutilação. Esses dife­
rentes materiais são ou construções fantasmáticas, ou recordações, 
algumas das quais, recalcadas, reapareceram na dinâmica do tratamento. 
O primeiro desses elementos decisivos é uma lembrança comple­
tamente esquecida que voltou rapidamente, desde o início do trata­
mento. Trata-se de uma cena bem insólita da qual essa mulher foi es­
pectadora acidentalmente quando tinha cerca de quinze anos. 
A cena passa-se por ocasião de um estágio de esqui que fazia 
com adolescentes de sua idade. Uma noite, sai de seu quarto e vai até 
a recepção do hotel para telefonar. Não há ninguém lá mas, em contra­
partida, surpreende risos e gritos que escapam da copa. Não pode 
deixar de olhar pelo buraco da fechadura e torna-se assim testemu­
nha de um jogo singular organizado entre uma monitora e vários mo-
ESTRUTURA E PERVERSÕES 39 
nitores de esqui . A monitora, de macacão de esqui , tem os olhos venda­
dos. Cada um por sua vez, os monitores rodeiam-na e jogam creme 
chantilly em seu corpo com uma bomba que passam de mão em mão; 
receosa de ser surpreendida em uma observação indiscreta, volta rapi­
damente para o quarto. 
Curiosamente, a jovem adolescente reterá dessa cena apenas um 
único detalhe perturbador: o macacão vermelho da monitora, bem jus­
to, onde escorre o creme chantilly. Ao menos aparentemente, a conota­
ção eminentemente sexual do jogo escapa-lhe por inteiro. 
Reencontramos aqui um dos traços característicos da estrutura h is­
térica já assinalado: o processo conj unto de recalcamento e de desloca­
mento. Manifestamente onde essa jovem adolescente é mobilizada pe­
la metáfora sexual do jogo, ela recalca de saída a conotação sexual 
em benefício de uma fixação sobre um traço que se revelará mais tar­
de como um traço identificatório. Não se pode encontrar melhor exem­
plo do processo identificatório descrito por Freud sob o termo identifi­
cação a um traço unário(3 ), ou identificação ao traço unário, para reto­
mar a denominação de Lacan. Mencionemos que essa identificação 
ao traço unário é um processo identificatório privi legiado na histeria. 
A volta dessa lembrança no tratamento vai precipitar a associação 
de várias outras evocações determinantes em relação a esse estágio 
da esqui. Três acontecimentos aparentemente "inocentes" e sem elos 
lógicos entre si reaparecerão assim. 
De um lado, lembra-se do prazer inabitual que sentiu, durante es­
sa estadia, em tomar inúmeras duchas durante as quais deixava a água 
correr lentamente sobre seu corpo. 
Por outro, rememora a inexplicável simpatia que sentiu por essa 
monitora durante todo o tempo de seu estágio de esqui . É claro que 
se trata aqui de um fenômeno identificatório inconsciente que se mani­
festa como um traço estrutural notório. 
A evocação da terceira lembrança que surgirá mais tarde, distin­
gue-se das duas anteriores por sua conotação diretamente sexual . Uma 
manhã, ao despertar, surpreende a estagiária com quem divide o quar­
to acariciando os seios diante de um espelho com um prazer manifes­
to. Um pouco surpresa pela audácia de sua companheira, finge dormir 
esperando que ela pare. 
Será necessário o espaço do tratamento e a dinâmica da transfe­
rência para que esses diversos elementos, esquecidos como aconteci-
3 - S. Freud, Massenpsychologie und lch-Analyse (1921) . G. W., Xlll, 13/61 . S.E. , 
XVIII, 65/143. Trad. Jankelevitch/Hesnard: "Psychologie des foules et analyse du 
moi", in Essa is de Psychanalyse, cf. cap. "identification", Paris, Payot, 1970, pp. 85/175. 
40 JOEL DOR 
mentos sem importância, reencontrem o exato papel que lhes cabe 
em sua participação ativa no processo sintomático. 
Posteriormente, uma outra lembrança reaparecerá durante uma 
sessão. A cena acontece em sua casa, uma noite. Enquanto assiste a 
um programa na televisão, é tomada por um acesso de riso de tal mo­
do irreprimível, que se lembra com clareza de não ter podido domi­
nar uma emissão de urina. Muito singularmente, será somente algu­
mas sessões mais tarde que poderá dar um conteúdo a essa evocação 
rememorando a seqüência da televisão.Tratava-se de um prestigita­
dor que imitava o ritual eucarístico da missa . O "cômico" derramava 
um frasco de vinho em um cálice, engolia-o, fingia sufocar e, em uma 
eructação espetacular, tirava um termômetro da boca. 
A restituição de uma outra lembrança importante efetuar-se-á 
alguns meses depois, entre duas sessões . Tinha em torno de dezesseis 
anos. Enquanto punha roupa de banho no vestiário da piscina, lem­
brou-se de ter ouvido a voz de um homem que a interpelava através 
da porta, nestes termos : "Se você quer fazer amor, venha à portaria!" 
Abrindo a porta alguns segundos depois, não viu ninguém. A situação 
era de tal forma surpreendente que supôs, por um instante, ter aluci­
nado essa voz. Um pouco mais tarde, ao sair da piscina, sentiu-se 
muito tranqüilizada ao constatar que uma mulher loira ocupava a por­
taria. Em seguida, por diversas vezes durante suas idas à piscina, ima­
ginou a mesma cena. Mas o júbito complacente que abrigava nesse 
fantasma terminava sempre por um pouco de decepção na medida 
em que sua realização não acontecia. 
Após um ano de tratamento, mais ou menos, a evocação de uma 
nova lembrança vai orientar o trabalho analítico de uma maneira de­
cisiva . Tudo se passou como se a série de acontecimentos com os 
quais se relacionava, parecesse ter cristalizado, em uma lógica signifi­
cante inconsciente, o conj unto dos materiais já sobredeterminados 
das lembranças anteriores. 
Essa lembrança remetida a uma cena da qual fora protagonista 
algum tempo antes do surgimento do sistoma de automutilação. Sem 
tê-lo propriamente esquecido, a lembrança que tinha dele era de um 
acontecimento reconstruído. Foi preciso várias sessões para que con­
seguisse reformulá-lo com uma certa exatidão. 
Em um primeiro momento, evocou o acontecimento da seguinte 
maneira: a cena passa-se na casa de uma de suas amigas, de cerca 
de vinte anos, por ocasião de uma festa. Durante a noite, após ter 
dançado, vai ao banheiro para retocar a maquiagem e o penteado. 
A porta está fechada, mas pressente uma atmosfera de disputa na pe­
ça fechada onde um homem e uma mulher parecem discutir acalorada­
mente. Ela acredita, porém, identificar a voz de sua amiga. Pega de 
ESTRUTURA E PERVERSÕES 41 
surpresa por esse acontecimento inesperado, fica confusa, sem ouvir 
nada e pregada no chão, tomada de espasmos abdominais . Ao final 
de alguns segundos, passado o mal-estar, pôde se afastar. 
Em um segundo momento, a evocação dessa lembrança enrique­
ce-se com alguns detalhes extras. Não somente a mulher que ela ouvi­
ra, devia agora chorar ou gemer, mas também o homem que a acompa­
nhava intimava-a vivamente para que se calasse: Não tão forte ou não 
tão forte assim . Tais são as palavras surpreendidas que parecem ter 
suscitado seu mal-estar e seus espasmos abdominais. Mas tanto pôde 
pensar fugidiamente que esse casal fazia amor, quanto convenceu-se 
imediatamente que se tratava apenas de uma disputa. Quanto aos es­
pasmos abdominais, entendeu, só depois, que tivera provavelmente ali 
seu primeiro orgasmo do qual parece que não tinha, na época, nenhu­
ma experiência. 
Esse momento do tratamento foi decisivo. Minuciosas investiga­
ções associativas puderam evidenciar como alguns significantes tinham 
sido seletivamente trabalhados pelo inconsciente em uma combinatória 
de substituições metafóricas e metonímicas sucessivas, induzindo a cris­
talização patológica do sintoma de automutilação. 
No exemplo presente, uma tal atividade obscura do inconsciente 
ilustra da melhor maneira, como iremos ver, a diferença entre um tra­
ço de estrutura e um sintoma. 
Se o sintoma, em seu "estar-aí" é, por natureza, puramente contin­
gente, há sempre uma certa necessidade na elaboração inconsciente 
que trabalha em sua produção. Dizer que a natureza do sintoma é rela­
tivamente cega, é reconhecer que não existe necessidade lógica entre 
sua identidade e a expressão do desejo que aí se encontra alienada. 
Em compensação, as estratégias utilizadas pelo sujeito, sem saber, na 
construção sintomática, não são jamais estratégias cegas. Essas estraté­
gias obedecem a uma estrutura. Mais precisamente os traços da estrutu­
ra podem ser identificados a partir desse trabalho estratégico . 
Sabemos que o sintoma é antes de tudo uma forma de realização 
de desejo. Como a especificidade da estrutura utiliza então alguns ma­
teriais significantes, para servir uma realização de desejo inconsciente? 
Nesse caso clínico, a realização do desejo induzira duas formações 
do inconsciente notáveis: um fantasma obsessivo, um sintoma de auto­
mutilação. 
Além dessas formações do inconsciente, é possível cir.cunscrever, 
a partir do material significante, os diversos traços de estrutura que pre­
sidiram a mobilização de certas estratégias características desse caso 
de histeria. 
42 JO�L DOR 
Os dois primeiros materiais significantes que parecem ter intervin­
do seletivamente na construção do sintoma são os seguintes: de um 
lado, o macacão de esqui vermelho e muito justo; de outro, o creme 
chantilly lançado por homens sobre o corpo de uma mulher. A cena 
onde esses dois elementos aparecem foi imediatamente vivida como 
uma metáfora de prazer sexual. Por esta razão, foi em seguida recalca­
da em sua conotação sexual . Subsistirá, no máximo, o caráter lúdico 
e incongruente do acontecimento: homens divertindo-se ao brincar 
com uma m ulher de macacão de esqui em uma cozinha. 
Nesse processo, identificamos uma característica de funcionamen­
to da estrutura histérica: a neutralização do afeto sexual sobre o mo­
do do recalcamento e do deslocamento. A maior parte do tempo, é 
em proveito do irrisório que se efetua esse deslocamento. Por outro 
lado, encontramos em execução um outro componente da problemáti­
ca histérica: o processo de inversão dos afetos sexuais. Tanto o sujei­
to histérico tende a reduzir ao desdém a inscrição de uma situação 
autenticamente sexual, como pode furiosamente erotizar uma situação 
que não é de início sexual. Essa alternativa, quase inevitável na econo­
mia dessa estrutura, explica-se antes de tudo pelo modo de inscrição 
específica do histérico em relação à função fálica. Em conseqüência, 
podemos determinar nesse processo, além de todo sintoma, a identifi­
cação notável de um traço estrutural. Aqui , o acontecimento da cozi­
nha é radicalmente deserotizado, mas a carga do afeto erótico nem 
por isso deixa de subsistir inconscientemente ligada a certos elemen­
tos significantes. O macacão de esqui bem j usto constitui-se assim co­
mo o s ignificante da revelação do corpo nu encenado diante dos ho­
mens e oferecido ao suporte metafórico do esperma, significado pelo 
creme chantilly. 
A cena inscreve-se em sua conotação sexual inconsciente em tor­
no desses significantes. Como tal, poderá continuar a mobilizar a ex­
citação sexual recalcada do sujeito. 
Não é portanto muito surpreendente, a seguir, constatar que o 
suj eito surpreende-se gozando um prazer até o momento desconheci­
do. Ela deixa a água correr lentamente sobre seu corpo durante as 
duchas . Reencontramos, aqui , o segundo aspecto do traço histérico 
anteriormente evocado: o processo de deslocamento. Contudo, esse 
deslocamento merece ser precisado, a fim de ser apreendido seu com­
ponente tipicamente histérico. 
Por intermédio desse deslocamento, é a partir de agora o sujei­
to que goza em fazer escorrer alguma coisa sobre seu corpo nu. Isto 
supõe a operacionalização de uma identificação inconsciente - aqui, 
identificação inconsciente com a monitora que parecia, ela própria, 
sentir grande prazer em sua brincadeira com os homens. No caso em 
ESTRUTURA E PERVERSÕES 43 
questão, o deslocamento é veiculado por um traço identificatório sobre 
o fundo de uma identificação ao traço unório. Por esta razão, e por es­
ta razão somente, o recalcamento/deslocamento revela incontestavel­
mente um traço da estrutura. Em outras estruturas, o mecanismo de re­
calcamento/deslocamento não é necessariamente dialetizado por um 
processoidentificatório. Conseqüentemente, a monitora torna-se-lhe 
presentemente simpática sem que possa explicá-lo: a monitora é incons­
cientemente ela que goza sexualmente. 
Neste nível, já apreendemos como certos significantes seleciona­
dos associam-se entre si e constituem uma cadeia que inaugura, sem 
o conhecimento do sujeito, uma significação original. A associação do 
"macacão/corpo nu" e do "creme chantilly/esperma" contribui para 
transformar o derramamento sobre o corpo em um produto de conden­
sação significante do coito com um homem. 
O significante "banheiro/toalete" vai igualmente intervir de uma 
maneira preponderante nessa associação significante. Torna-se o signi­
ficante do lugar onde essa mulher pode a partir de agora gozar metafo­
ricamente com um homem tomando duchas. 
Em uma das outras cenas anteriormente evocadas, podemos pros­
seguir do mesmo modo a determinação dos significantes . Quando sur­
preende sua colega de quarto acariciando os seios, uma nova inscrição 
inconsciente constitui-se. A partir do momento em que uma mulher go­
za sozinha supondo a outra adormecida, o significante selo vem emba­
ter a cadeia dos significantes anteriores . O seio inscreve-se não apenas 
como significante de um gozo possível, mas também de um gozo que 
uma mulher pode se conceder sem um homem. Por outro lado, ele se 
associa igualmente à conotação particular desse gozo que consiste em 
gozar sem ser vista. Pode-se então supor, a partir desse acontecimen­
to, que se operou uma seleção significante para vir inscrever o limite 
da intimidade do gozo . 
O sono intervém aqui como um anteparo que dissimula o prazer 
de uma em relação a outra . Retroativamente, esse significante antepa­
ro* pode então repercutir com o conteúdo das cenas anteriores. Encon­
tramo-lo presente tanto com a porta atrás da qual a monitora goza 
em companhia dos homens, quanto com a porta do banheiro atrás da 
qual ela própria se abriga para procurar atingir metaforicamente o mes­
mo objetivo. 
Na cena seguinte - a seqüência da televisão - vários outros signi­
ficantes vêm ainda associar-se inconscientemente de um modo determi­
nante. A seqüência da televisão desdobra-se em três momentos: l) o 
• Signifiant écran, tem o mesmo sentido tradutivo que souvenir-écian, recordação en­
cobridora, um conceito fundamental em Freud. 
44 JOEL DOR 
vinho da missa é bebido; 2) o prestigitador sufoca-se; 3 ) ele vomita 
um termômetro. Nessa encenação de comiquetroupier** , é primeira­
mente o s ignificante "vermelho" (a cor do vinho da missa, tinto) que 
é selecionado. A este associa-se por condensação o significante do pê­
n is em ereção metaforizado pelo termômetro que surge da boca. 
A constituição da cadeia dos significantes inconscientes comple­
ta-se então da seguinte maneira: se o significante da ereção é desde 
já associado ao significante "vermelho", faz metonimicamente eco 
ao significante do corpo da mulher que goza de macacão vermelho. 
Gozar com um homem torna-se então inconscientemente metaforiza­
do pelo significante "vermelho" que se associa, por sua vez, ao derra­
mamento sobre o corpo. Quanto ao acesso de riso irreprimível, é a 
matéria significante do desejo e da chegada do orgasmo que encontra 
seu auge nesta outra metáfora significante da micção incontrolada. 
Mais uma vez, identificamos nesse mecanismo o exercício do recalca­
mento/deslocamento já encontrado. 
A cena da piscina é também ocasião de um certo número de con­
densações significantes inconscientes da mesma ordem . O aconteci­
mento desenrola-se em um vestiório, isto é, em um local fechado on­
de ela se encontra ao abrigo do homem que lhe propõe gozar. O sig­
n ificante anteparo é novamente mobilizado em torno do prazer se­
xual, exceto que é a partir de agora explicitamente ligado ao de fazer 
amor com um homem. Esses três significantes serão eletivamente asso­
ciados entre si pelo afeto que pontua o fim da cena. Por que essa pa­
ciente sente-se tão tranqüila por ver uma mulher na portaria, ao sair 
da piscina? Ela encontra motivos para se tranqüilizar porque, duran­
te um instante, identificou-se inconscientemente com a mulher da por­
taria, loira como ela. Neste sentido, tudo se passa então como se ela 
já estivesse onde o homem convidara-a para fazer amor. 
Identificamos, novamente, este processo de identificação ao tra­
ço unório - aqui a cor dos cabelos - que apóia uma metaforização 
sexual inconsciente. 
Examinemos agora a última lembrança que parece ter dirigido o 
conj unto dos significantes inconscientes para a precipitação do siste­
ma. Nesta seqüência - a cena de amor de sua amiga no banheiro -
o significante não tão forte ou não tão forte assim catalisou o mate­
rial significante em uma metaforização última do ato sexual com um 
homem. Um outro elemento igualmente interveio de modo determi­
nante. Enquanto permanecia testemunha auditiva de algo que não via, 
essa situação deixara-á sem ouvir nada. Esse "sem ouvir nada" apare-
"'* Gênero cômico grosseiro. (N. da T.) 
ESTRUTURA E PERVERSÕES 45 
cerá depois, como o testemunho de sua identificação triconsciente com 
a outra mulher que supostamente goza. Totalmente identificada com 
sua amiga nesse momento, deseja não poder ser ouvida do exterior 
em situação semelhante. Sob a influência desse significante anteparo 
efetua-se assim um deslocamento entre os dois termos de uma oscila­
ção significante: o "sem ouvir nada" transforma-se em seu contrário, 
em "sem ser ouvida", o qual faz eco metonimicamente ao "sem ser 
vista" das seqüências anteriores. No decorrer dessa cena, outras séries 
significantes são igualmente convocadas por identidade ou proximida­
de metonímica. Além do significante banheiro/toalete, encontramos tam­
bém a referência significante à voz de um homem atrás de uma porta. 
De resto, é porque esse significante já estava inconscientemente asso­
ciado ao ato sexual que o primeiro pensamento que lhe ocorre - por 
mais fugidio que seja - é exatamente este, mesmo ao preço de recu­
sá-lo em um segundo momento, em proveito de um fantasma de disputa. 
Um índice marcante deve ser também salientado no desenrolar 
dessa cena: pela primeira vez surge o significante da dor e do sofrimen­
to. A seleção de um tal significante revelar-se-á essencial na estrutura­
ção do sintoma. O ato sexual com um homem, por mais que seja recal­
cado, não deixa de ser associado ao contexto de uma situação fantas­
mática não somente violenta, mas também dolorosa. O final dessa se­
qüência testemunha, incontestavelmente, essa associação inconscien­
te entre o prazer sexual e o sofrimento físico. De fato, seu primeiro or­
gasmo não encontrará outra identidade aceitável a seus olhos senão 
através da metáfora dos espasmos abdominais inscritos sobre o fundo 
de uma dor no corpo. 
Assim isola-se progressivamente uma comunidade de significantes 
que convocam, eles próprios, pelo jogo das ligações metafóricas e/ou 
metonímicas, a seleção de outros significantes. Todavia, se essa cadeia 
constitui-se de uma pluralidade de significantes heterogêneos, em com­
pensação, sua combinação recíproca efetua-se sempre de acordo com 
processos homogêneos. Por esta razão, esses processos podem ser de­
terminados como traços marcantes da estrutura histórica. 
Por mais que seja incoerente, essa cadeia do significantes recalca­
dos não deixa de metaforizar uma realização de desejo. 
Ainda é preciso que esses elementos significantes recalcados so­
fram um último remanejamento para irromper na consciência do sujei­
to de tal maneira que a realização de desejo aí se exponha sob um 
perfil totalmente irreconhecível. Em outras palavras, essa organização 
significante deve poder se travestir em uma forma de expressão sintéti­
ca que será, no presente caso, uma formação do inconsciente cristaliza­
da na estruturação de um sintoma de automutilação. 
46 JOÊ L DOR 
Para chegar a isto, o material inconsciente vai sofrer uma últi­
ma elaboração por intermédio de um acontecimento determinante. 
Esse acontecimento intervém

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