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Vinte anos da OMC Twent years of wto Brasília v. 12 n. 2 p. 1-509 jul-dez 2014 Revista de diReito inteRnacional BRazilian Jounal of inteRnational law Responsáveis por essa edição: Nitish Monebhurrun Michelle Ratton Sanchez Badin Gustavo Ferreira Ribeiro Alice Rocha da SIlva REVISTA DE DIREITO INTERNACIONAL BRASILIAN JOURNAL OF INTERNATIONAL LAW Programa de Mestrado e Doutorado em Direito Centro Universitário de Brasília Reitor Getúlio Américo Moreira Lopes Presidente do Conselho Editorial do UniCEUB Elizabeth Regina Lopes Manzur Diretor do ICPD João Herculino de Souza Lopes Filho Coordenador do Programa de Mestrado e Doutorado e Editor Marcelo Dias Varella Linha editorial A Revista de Direito Internacional (RDI) foi criada como instrumento de vinculação de trabalhos acadêmicos relacionados a temáticas tratadas pelo Direito Internacional Público e Privado. A revista é sucessora da Revista Prismas, que foi dividida em dois periódicos (junto com Revista Brasileira de Políticas Públicas), em virtude da quantidade de submissão de artigos e procura. Na busca pelo desenvolvimento e construção de visões críticas a respeito do Direito Internacional, a RDI possui sua linha editorial dividida em dois eixos: 1. Proteção internacional da pessoa humana: abrange questões referentes ao direito internacional ambiental, direito humanitário, internacionalização do direito, além de pesquisas sobre a evolução do direito dos tratados como forma de expansão do direito internacional contemporâneo. 2. Direito Internacional Econômico: abrange questões referentes aos sistemas regionais de integração, direito internacional econômico e financeiro e solução de controvérsias comerciais e financeiras. A RDI busca incentivar a pesquisa e divulgação de trabalhos relacionados as disciplinas voltadas para o estudo do Direito Internacional publicando artigos, resenhas e ensaios inéditos. A revista está aberta às mais diversas abordagens teóricas e metodológicas impulsionando a divulgação, o estudo e a prática do Direito Internacional. Comitê editorial Alice Rocha da Silva, Centro Universitário de Brasília Cláudia Lima Marques, Universidade Federal do Rio Grande do Sul José Augusto Fontoura Costa, Universidade de São Paulo Julia Motte Baumvol, Université de Nice Nádia de Araújo, Pontíficia Universidade Católica do Rio de Janeiro Nitish Monebhurrun, Centro Universitário de Brasília Layout capa Departamento de Comunicação / ACC UniCEUB Disponível em: www.rdi.uniceub.br Circulação Acesso aberto e gratuito Matérias assinadas são de exclusiva responsabilidade dos autores. Citação parcial permitida com referência à fonte. Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Reitor João Herculino Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Reitor João Herculino Endereço para Permuta Biblioteca Reitor João Herculino SEPN 707/907 Campus do UniCEUB Cep 70790-075 Brasília-DF Fone: 61 3966-1349 e-mail: biblioteca@uniceub.br Revista de Direito Internacional / Centro Universitário de Brasília, Programa de Mestrado e Doutorado em Direito, volume 12, número 2 - . Brasília : UniCEUB, 2011- . Semestral. ISSN 2237-1036 Disponível também on-line: http://www.rdi.uniceub.br/Continuação de: Revista Prismas: Direito, Políticas Públicas e Mundialização. Programa de Mestrado em Direito do UniCEUB. 1. Direito Internacional. 2. Políticas Públicas. 3. Mundialização. I. Programa de Mestrado em Direito do UniCEUB. II. Centro Universitário de Brasília. CDU 34(05) – Editorial – Edição Especial: Avaliando vinte anos de OMC Editora Especial: Michelle Ratton Sanchez Badin1* O aniversário da Organização Mundial do Comércio (OMC), em 31 de dezembro de 2014, foi pouco alardeado nas mídias nacional e internacional, diante dos impasses em se avançar para a conclusão da Rodada Doha. Mesmo entre os contratempos, há uma tentativa de imprimir a ideia de avanço pelo seu Diretor Geral, Roberto Azevêdo. No último encontro do Conselho Geral da OMC, órgão centralizador das atividades cotidianas da organização, em 10 de dezembro passado, Azevedo anunciou 2015 como um ano especial para a OMC, com a celebração de seus vinte anos e a realização da sua 10ª. Conferencia Ministerial. Aos vinte anos a OMC enfrenta os desafios de fechar a Rodada Doha, a pulverização de outros espaços regulatórios, com a expansão dos acordos regionais e preferenciais de comércio, e o impacto no comércio internacional da carência regulatória internacional em outros temas econômicos e sociais. Isso coloca a OMC em xeque nos seus trabalhos internos, no seu âmbito de atuação que é o comércio internacional especificamente, mas também num espaço mais amplo da governança global. Por outro lado, a OMC conseguiu se valer de um relevante grau de institucionalização no cenário internacional, com a prerrogativa das regras acordadas entre os seus membros. Nesse sentido, a continuidade dos seus trabalhos, sobretudo de acompanhamento e supervisão das políticas comerciais de seus membros, ainda no cenário de retomada da economia internacional após a crise de 2008, e a credibilidade no funcionamento do seu sistema de solução de controvérsias são pontos de destaque entre os organismos internacionais. A relevância da organização para a projeção internacional do Brasil e as prerrogativas da sua política externa, em prol do multilateralismo nas relações econômicas internacionais, também traz elementos adicionais para essa analise retrospectiva e prospectiva nos vintes anos de OMC, neste numero da RDI. Este número especial da RDI convocou, com sucesso, a comunidade acadêmica para refletir, de forma interdisciplinar, sobre o comércio internacional hoje, o papel da OMC na governança do sistema multilateral e seus desafios no século XXI. É com satisfação que publicamos aqui os resultados selecionados a partir desta chamada. Os artigos que aqui se encontram abordam as temáticas sobre a OMC, seus arranjos e regras, sobre propostas de reforma do sistema multilateral e de sistemas alternativos no debate do comércio internacional, sobre as regras do comércio internacional e os impactos para políticas nacionais de desenvolvimento, bem como sobre evoluções recentes do sistema de solução de controvérsias. Artigos com reflexões teóricas sobre o funcionamento da OMC e o impacto político dos trabalhos desta organização para a inserção internacional de países em desenvolvimento como o Brasil também enriquecem este numero, projetando novas questões sobre a OMC enquanto organismo internacional e seu papel na política internacional. Esperamos que o numero contribua, assim, para enriquecer o debate nacional sobre o papel do direito no sistema de comercio internacional e a inserção do Brasil neste cenário. Desejamos uma boa leitura a todos! * Professora da Escola de Direito da FGV-São Paulo. Sumário I. CrônICas 1. CrônICas da atualIdade do dIreIto InternaCIonal ...............................................................16 Nitish Monebhurrun (org.) crônica 1: um panorama sobre as negociações do Pacote de Bali e os seus desdobramentos no âmbito da oMc ......16 Erika Braga crônica 2: incorporação do F.A.T.C.A. – Foreign Account Tax Compliance Act no ordenamento jurídico brasileiro e impactos jurisprudenciais no conceito de sigilo bancário. ..............................................................20 Carolina Reis Jatobá Coêlho crônica 3: as sanções aplicadas pela união europeia à Rússia em razão da anexação da península da crimeia ...24 Tiago Felipe de Oliveira crônica 4: international law and the curious case of scottish independence ................................................27 Eshan Dauhoo crônica 5: evolution or Procrastination? the ongoing debate(s) on the Recognition of the Palestinian state ......30 Nitish Monebhurrun (org)0 2. CrônICas da jurIsprudênCIa InternaCIonal decisões da corte internacional de Justiça e do tribunal internacional sobre o direito do Mar ....................34 Nitish Monebhurrun José EduardoSiqueira Questões relacionadas com a apreensão e detenção de certos documentos e dados (timor leste c/ austrália), Medidas Provisórias, 03 de março de 2014 ........................................................................................40 Gleisse Ribeiro Alves Alice Rocha da Silva o caso austrália c. Japão perante a corte internacional de Justiça, decisão, 31 de março de 2014 .................43 Liziane Paixão Silva Oliveira Maria Edelvacy Marinho caso do Parecer consultivo do tribunal internacional de direito do Mar de 1º de fevereiro de 2011 ...............49 Gabriela Garcia B. Lima comentários ao caso m/v “virginia ” (Panamá c. Guiné-Bissau), 14 de abril de 2014 ......................................55 Carina Costa de Oliveira Natália da Silva Gonçalves 3. CrônICas do dIreIto InternaCIonal dos InvestImentos ........................................................ 65 Nitish Monebhurrun Tema 1: Reflexão sobre os (futuros) acordos brasileiros relativos à proteção dos investimentos: os acordos de cooperação e de facilitação de investimentos. ....................................................................................................65 tema 2: a desapropriação ...................................................................................................................................72 II. os vInte anos da omC export Controls as IndustrIal polICy on natural resourCes: regulatory lImItatIons on ChIna – raw materIals and ChIna – rare earths Cases ............................................................... 78 Gustavo Ferreira Ribeiro 1 introduction .........................................................................................................................................................79 2 development .......................................................................................................................................................80 2.1 The rebirth of export controls: from mercantilism to the multilateral system .............................. 80 2.2 The recent cases: China – raw materials and China – rare earths ....................................................81 2.3 Export quotas and article XI of GATT-94 .........................................................................................82 2.3.1 Temporarily ........................................................................................................................................................82 2.3.2 Essential ..............................................................................................................................................................83 2.3.3 To prevent or relieve critical shortages ..........................................................................................................84 2.3.4 Intermediate remarks ......................................................................................................................................85 2.4 Export duties and article XI of the GATT-94 .................................................................................... 86 2.5 Export restraints (in various types) and the downstream industry exception: article XX(i) of the GATT-94 ................................................................................................................................. 87 2.6 Export restraints and the general and local shortage exception conditioned by the equity partition obligation: article XX(j) of the GATT-94 ...................................................................................89 3 final remarks .......................................................................................................................................................90 References .............................................................................................................................................................. 91 o problema da espIonagem eConômICa InternaCIonal: serIa a organIzação mundIal do Co- mérCIo o foro adequado para sua apreCIação? ........................................................................... 93 Humberto A.Vasconcelos Lima Naiana Magrini Rodrigues Cunha 1 introdução ...........................................................................................................................................................94 2 espionagem econômica, propriedade intelectual e comércio internacional .....................................................95 2.1 Espionagem econômica como tema afeto à propriedade intelectual ................................................95 2.2 O vínculo entre propriedade intelectual e comércio internacional ...................................................96 3 espionagem econômica diante das normas do acordo tRiPs e do sistema de solução de controvérsias da oMc .....97 3.1 Atos de espionagem econômica violam obrigações assumidas no acordo TRIPS? .......................98 3.2 O órgão de solução de controvérsias da OMC poderia apreciar atividades de espionagem econômica como uma violação a costume internacional? ..................................................................... 100 3.3 Mecanismo de apreciação de reclamações em situações de não violação (Non-violation complaints)......................................................................................................................................................102 4 conclusão .......................................................................................................................................................... 103 Referências ........................................................................................................................................................... 104 InternatIonal standards for IntelleCtual property rIghts proteCtIon: a refleCtIon on ClImate-frIendly teChnology transfer ...................................................................................107 Guihong Zhang Jiani Jiang Can Wang 1 introduction ....................................................................................................................................................... 107 2 transfer of climate-friendly technologies and minimum protection standards for iP .................................... 109 3 Reflection on “Minimum Protection standards” in the international iP system .............................................112 4 china’s practice and patent laws ........................................................................................................................116 5 suggestions to improve the standards for iP Protection ..................................................................................118 6 conclusion ......................................................................................................................................................... 120 Bibliography ......................................................................................................................................................... 122 os vInte anos da omC, suas ConquIstas e desafIos: uma análIse do brasIl e o sIstema de soluções de ControvérsIas ................................................................................................ 124 Etiene M. Bosco Breviglieri Luciano Meneguetti Pereira 1 aspectos introdutórios ....................................................................................................................................... 125 2 A Organização Mundial do Comércio: conquistas e desafios .......................................................................... 125 2.1 Entendendo a OMC .............................................................................................................................. 126 2.2 As conquistas da OMC ......................................................................................................................... 129 2.3 Os desarranjose os desafios da OMC na atualidade ........................................................................131 3 o órgão solucionador de controvérsias: conceituação e alcance ..................................................................... 139 4 as soluções de controvérsias na oMc e o Brasil: efetivação do comércio e desenvolvimento de uma política econômico-diplomática .....................................................................................................................................141 4.1 O Brasil nos Contenciosos da OMC: Aspectos Relevantes ..............................................................143 5 Considerações finais .......................................................................................................................................... 146 Referências ........................................................................................................................................................... 148 a relação entre os tratados multIlateraIs ambIentaIs e os aCordos da omC: é possível ConCIlIar o ConflIto? ................................................................................................................ 151 Fabio Costa Morosini, Luisa Zuardi Niencheski 1 introdução ......................................................................................................................................................... 152 2 Obstáculo para superação: análise do surgimento de conflitos ...................................................................... 152 2.1 Conflito de normas ...........................................................................................................................................152 2.2 Conflito de jurisdições .......................................................................................................................................155 3 interpretação e integração aplicáveis aos subsistemas do direito internacional ............................................. 156 3.1 Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados: instrumentos à interpretação .................................156 3.2 Aplicação do desenvolvimento sustentável como diretriz interpretativa ..................................................159 4 conciliando medidas restritivas do comércio e objetivos ambientais ..............................................................161 4.1 Premissas do artigo XX do GATT 1994 ........................................................................................................161 4.2 Incidência prática das exceções ao sistema multilateral comercial .............................................................162 5 conclusão .......................................................................................................................................................... 165 Referências ........................................................................................................................................................... 166 um desafIo na organIzação mundIal do ComérCIo: vIabIlIdade de um aCordo plurIlateral sobre energIa .............................................................................................................................169 Matheus Linck Bassani 1 introdução ......................................................................................................................................................... 170 2 Desafios no comércio de energia na Organização Mundial do Comércio ....................................................... 170 2.1 Tarifas e outras medidas aduaneiras afetando importação de bens ................................................170 2.1.1 Tarifas de importação .....................................................................................................................................170 2.1.2 Restrições de importação ...............................................................................................................................171 2.2 Medidas que afetam a exportação ........................................................................................................171 2.3 Tributação interna e regulação ..............................................................................................................172 2.4 Subsídios ...................................................................................................................................................173 2.5 Trânsito .....................................................................................................................................................174 2.6 Serviços.....................................................................................................................................................175 2.7 Conservação ambiental ..........................................................................................................................176 2.8 Investimento ............................................................................................................................................177 2.9 Disputas ....................................................................................................................................................177 3 viabilidade de um acordo plurilateral sobre energia ........................................................................................ 180 4 conclusão .......................................................................................................................................................... 184 Referências ........................................................................................................................................................... 186 Contratações públICas no âmbIto da omC: a polítICa legIslatIva brasIleIra à luz do dIreIto ao desenvolvImento ..................................................................................................................192 André Jansen do Nascimento 1 introdução ......................................................................................................................................................... 193 2 Plano normativo da onu e o direito fundamental ao desenvolvimento ......................................................... 195 3 o direito fundamental ao desenvolvimento na constituição federal de 1988 .................................................. 197 4 os vinte anos do agreement on Government Procurement (GPa) .................................................................. 199 5 a política legislativa das compras governamentais brasileira: a licitação como instrumento regulatório e realizador do direito ao desenvolvimento ......................................................................................................... 205 6 Considerações finais .......................................................................................................................................... 212 Referências ........................................................................................................................................................... 214 governança global e a organIzação mundIal do ComérCIo: desafIos Impostos pelo novo mandato de desenvolvImento ...................................................................................................218 Letícia de Souza Daibert Ana Luísa Soares Peres 1 introdução ......................................................................................................................................................... 219 2 Relevância da governança global para o funcionamento das organizações internacionais ............................ 219 3 Desenvolvimento das organizações internacionais de finalidade específica no século xx: governança e mudanças paradigmáticas motivadas pelo adensamento das relações internacionais .................................... 221 4 a oMc como agente fomentadorde uma governança global em matéria de comércio internacional e desenvolvimento econômico ............................................................................................................................. 223 4.1 Interpretação dos acordos da OMC: reconhecimento da existência de valores compartilhados pelos membros da organização .................................................................................................................. 224 4.2 A boa governança na OMC .................................................................................................................. 228 5 Países em desenvolvimento e a oMc ............................................................................................................... 229 6 a rodada doha e a necessidade de reforma da oMc ...................................................................................... 232 6.1 Reforma do processo de tomada de decisão ...................................................................................... 232 7 conclusão .......................................................................................................................................................... 234 Referências ........................................................................................................................................................... 236 vInte anos de CrIse para a áfrICa? poder, assImetrIas e a abordagem lIberal da omC .....239 Igor Abdalla Medina de Souza 1 introdução ......................................................................................................................................................... 240 2 Gatt 1947: referência para a visão liberal das instituições ............................................................................. 241 2.1 Institucionalismo liberal........................................................................................................................ 242 2.2 Liberalismo pós-guerra fria .................................................................................................................. 243 3 Poder institucional ............................................................................................................................................ 245 3.1 Mudança de fórum ................................................................................................................................ 245 3.2 Rolo compressor ..................................................................................................................................... 246 4 estimativas de perdas absolutas para a africa ................................................................................................. 248 5 Considerações finais ......................................................................................................................................... 252 Referências .......................................................................................................................................................... 254 os meCanIsmos de Indução ao CumprImento no âmbIto da omC .............................................258 Fernando Lopes Ferraz Elias 1 introdução ......................................................................................................................................................... 259 2 entre a política e o direito, a implementação das regras e das decisões da oMc .......................................... 260 3 Fatores que influenciam o descumprimento das regras e das decisões da OMC pelos países desenvolvidos 263 4 Fatores que influenciam o descumprimento das regras e das decisões da omc pelos países em desenvolvimento ................................................................................................................................................ 265 5 formas de descumprimento das regras e das decisões da oMc ..................................................................... 270 6 análise de dados e estatísticas pertinentes ao cumprimento das regras e das decisões da oMc .................. 271 7 Propostas e perspectivas de aprimoramento do cumprimento das decisões da oMc .................................... 273 8 considerações finais ........................................................................................................................................ 276 Referências ........................................................................................................................................................... 277 a promoção de aCCountabIlIty na organIzação mundIal do ComérCIo: uma análIse horI- zontal e vertICal .......................................................................................................................280 Celso Henrique Cadete de Figueiredo 1 introdução ......................................................................................................................................................... 281 2 As dificuldades da aplicação da accountability na governança global ............................................................. 283 3 Para quem a oMc deve promover accountability? .......................................................................................... 286 4 elementos de accountability no plano horizontal ............................................................................................ 288 4.1 O componente legislativo como elemento de estabelecimento de padrões .................................. 288 4.2 O Mecanismo de Revisão de Políticas Comerciais como cerne no monitoramento e na difusão de informações através da transparência .................................................................................................. 290 4.3 Órgão de Solução de Controvérsias como elemento de aplicação de sanções ............................. 291 5 elementos de accountability na oMc sob uma perspectiva vertical ............................................................... 293 5.1 A participação da sociedade civil na OMC ........................................................................................ 294 5.2 Estabelecimento de padrões ................................................................................................................. 296 5.3 Transparência na prática de difusão de informações ....................................................................... 297 5.4 A participação da sociedade civil no processo de enforcement das regras pelo Órgão de Solução de Controvérsias .................................................................................................................299 6 Considerações finais .......................................................................................................................................... 301 Referências ........................................................................................................................................................... 303 la omC y el proCeso de globalIzaCIon de la regulaCIón alImentarIa ..................................307 Maria Eugenia Marichal 1 la emergencia de un régimen alimentario global ............................................................................................ 308 2 el codex alimentarius y su articulación con la oMc ..................................................................................... 309 3 El sustento científico subyacente a la regulación alimentaria del complejo OMC e Codex Alimentarius ...... 312 4 las tecnologías de estandarización global ....................................................................................................... 315 4.1 La metodología de análisis de riesgos alimentarios ...........................................................................315 4.2 La implementación de Sistemas Nacionales de Control Alimentario ...........................................317 5 algunas problemas y límites del régimenglobal alimentario .......................................................................... 319 o aCordo gats e sua aplICação aos servIços do ComérCIo eletrônICo ..................................322 Gleisse Ribeiro Alves 1 introdução ......................................................................................................................................................... 323 2 A classificação dos serviços do comércio eletrônico ....................................................................................... 324 3 a implementação efetiva das recomendações e decisões do osc no domínio dos serviços do comércio eletrônico ........................................................................................................................................................... 327 4 conclusão .......................................................................................................................................................... 332 Referências .......................................................................................................................................................... 334 a omC e o regIonalIsmo do séCulo xxI: estratégIa de ImposIção de modelos normatIvos? .. 337 Camilla Capucio 1 introdução: a oMc e o regionalismo................................................................................................................ 338 2 desenvolvimento ............................................................................................................................................... 339 2.1 A dicotomia superada: stumbling blocs e building blocs .................................................................339 2.2 O regionalismo do século XXI como vetor para imposição de modelos normativos ............... 341 2.3 Os modelos normativos europeus e norte-americanos ................................................................... 342 2.4 Em busca de um modelo latino-americano ...................................................................................... 344 3 Comentários finais: desafios e perspectivas ...................................................................................................... 345 Referências ........................................................................................................................................................... 346 a organIzação mundIal do ComérCIo e a ChIna: dIreIto de proprIedade e proprIedade InteleC- tual no país ................................................................................................................................349 Lucas Costa dos Anjos 1 considerações iniciais ....................................................................................................................................... 350 2 direito de propriedade na china ...................................................................................................................... 351 3. Propriedade intelectual na china ..................................................................................................................... 354 4 categorias de propriedade intelectual na china ............................................................................................... 356 4.1 Marcas e nomes de domínio ................................................................................................................. 356 4.2 Patentes .....................................................................................................................................................357 4.3 Direitos de autor e programas de computador ...................................................................................357 4.4 Indicações geográficas ........................................................................................................................... 358 5 Considerações finais: implementação de padrões mínimos de proteção, adequação internacional e inovação na china ............................................................................................................................................................................... 358 Referências ........................................................................................................................................................... 360 dos ContenCIosos na omC Com enfoque em restrIções às exportações da ChIna ................363 Marco Antônio Alcântara Nascimento 1 introdução ......................................................................................................................................................... 364 2 Restrições às exportações no sistema Multilateral de comércio: um novo (velho) tema a ser enfrentado .....366 3 antecedentes recentes dos contenciosos da china: a construção da “diplomacia das matérias-primas”, com atuação destacada organização para cooperação e desenvolvimento econômico ........................................ 369 4 dos contenciosos na oMc: casos china-Matérias-Primas (cMP) e china-terras-Raras (ctR) .................. 372 4.1 Painel CMP (WT/DS394, WT/DS395 e WT/DS398) .....................................................................372 4.2 Painel CTR (WT/DS431, WT/DS432 e WT/DS433) .....................................................................374 5 conclusão .......................................................................................................................................................... 377 Referências ........................................................................................................................................................... 383 o redImensIonamento da omC no trato dos aCordos ComerCIaIs regIonaIs .......................387 Alice Rocha da Silva 1 introdução ......................................................................................................................................................... 388 2 estabelecimento de precisões conceituais ....................................................................................................... 388 3 o fortalecimento do regionalismo comercial ................................................................................................... 390 4 a proliferação de mecanismos de solução de controvérsias previstos em acR .............................................. 392 5 os efeitos da proliferação de acR para o sistema multilateral de comércio da oMc .................................... 393 6 o papel da oMc e do multilateralismo para a governança mundial aliada a novos arranjos regionais ......... 396 7 conclusão .......................................................................................................................................................... 397 Referências ........................................................................................................................................................... 399 III. outros temas dereChos humanos en la realIdad aCtual: la globalIzaCIón y el multICulturalIsmo ..........403 David Falcão 1 introducción ...................................................................................................................................................... 403 2 Globalización: sus implicaciones en el debate acerca de derechos Humanos ............................................... 404 3 Multiculturalismo: el cáncer de los derechos Humanos versus un pluralismo integrador razonable ........... 406 4 la amenaza multiculturalista a la integración respetuosa ............................................................................... 407 Referencias ........................................................................................................................................................... 410 ImunIdade de jurIsdIção do estado e reparação CIvIl pela prátICa de tortura: o Caso zahra KazemI v. repúblICa IslâmICa do Irã .........................................................................................412Patrícia Maria Lara Abreu Rodrigo Otávio Bastos Silva Raposo 1 introdução ......................................................................................................................................................... 412 2 o caso Kazemi e a disputa entre jus cogens e imunidade de jurisdição .......................................................... 414 2.1 O assassinato de Zahra Khazemi e a busca por reparação civil na justiça canadense .................415 2.2 A disputa entre as categorias jus cogens e imunidade de jurisdição no caso Kazemi .................416 3 o assassinato da Sra. Kazemi não é justiciável, mas o dano causado a seu filho o é: o caso na Quebec superior court .......................................................................................................................................................................419 3.1 A proibição da tortura como jus cogens e o Canada State Immunity Act .....................................419 3.2 Os danos sofridos pelo herdeiro e a hipótese de competência do art. 6(a) do Canada State Immunity Act ................................................................................................................................................ 424 4 O dano causado ao herdeiro não permite fixar a jurisdição canadense: o caso na Quebec court of appeal ...... 425 4.1 A Constituição canadense interpretada à luz do jus cogens: razões para indenizar o espólio ........425 4.2 Dano moral não configura a hipótese de competência do art. 6(a) do Canada State Immunity Act: a reversão da decisão da Quebec Superior Court .............................................................................................................427 5 a limitação à responsabilização patrimonial do estado estrangeiro pela prática de atos de tortura não afronta a sociedade democrática de direito: o caso na supreme court of canada ....................................................... 428 5.1 Hipóteses de exceção à imunidade de jurisdição e a qualificação da prática de tortura como ato oficial do Estado: impedimentos infraconstitucionais à desconsideração da imunidade de jurisdição. 429 5.2 A limitação ao direito de reparação em casos de tortura é compatível com a sociedade democrática de direito: a constitucionalidade do SIA. ........................................................................... 430 6 conclusÃo ................................................................................................................................................... 432 Referências ........................................................................................................................................................... 433 da naCIonalIdade Como dIreIto humano: da neCessárIa amplIação das hIpóteses de aplICação do CrItérIo do jus sanguInIs nos Casos de adoção InternaCIonal ............................................435 Hitala Mayara Pereira de Vasconcelos 1 introdução ......................................................................................................................................................... 435 2 Da evolução do conceito de nacionalidade: do mero reflexo da soberania estatal para a noção de direito humano ...438 3 o princípio da proteção ao interesse superior da criança e seus efeitos em matéria de nacionalidade nas hipóteses de adoção internacional .................................................................................................................... 441 4 da postura do Brasil quanto ao reconhecimento da nacionalidade brasileira nos casos de adoção internacional ...................................................................................................................................................... 444 5 conclusão .......................................................................................................................................................... 449 Referências ........................................................................................................................................................... 450 InterregIonal organIzatIons (Iros) In europe: new subjeCts of Contemporary Interna- tIonal law? ........................................................................................................................... 454 Davorin Lapas 1 introduction ....................................................................................................................................................... 454 2 interregional organizations (iRos) – new forms of institutionalized sub-state co-operation in europe ....... 455 2.1 European Groupings of Territorial Cooperation (EGTCs) and Euroregional Co-operation Groupings (ECGs) ...................................................................................................................................... 456 2.2 Association of European Border Regions (AEBR) ...........................................................................461 2.3 Assembly of European Regions (AER) .............................................................................................. 462 2.4 Euroregions ........................................................................................................................................... 464 3 Hybrid or quasi-iRos (QuaiRos) – shared membership for states and sub-state entities ........................... 467 4 concluding remarks ......................................................................................................................................... 470 Bibliography ......................................................................................................................................................... 473 a Conexão entre os dIreItos humanos e a Corrupção ..............................................................477 Gabriela Alves Mendes Vieira Marcelo Dias Varella 1 introdução ......................................................................................................................................................... 478 2 a difícil conceituação da corrupção e as suas implicações ............................................................................. 478 2.1 Os conceitos trazidos pelos principais instrumentos legais de combate à corrupção ................478 2.2 Instrumentos legais de combate à corrupção .................................................................................... 480 2.3 Quadros internacionais e outros instrumentos que relatam a corrupção e os direitos humanos ...... 483 3 a conexão entre a corrupção e os direitos humanos ....................................................................................... 485 3.1 Determinando quando um direito humano é violado ..................................................................... 485 3.2 O impacto da corrupção sobre os direitos humanos ....................................................................... 486 3.3 Conectando a corrupção a um direito humano específico .............................................................. 489 4 conclusão .......................................................................................................................................................... 491 Referências ........................................................................................................................................................... 492 grupo de soCIedades: Instrumento jurídICo de organIzação da empresa plurIssoCIetárIa .....495 Daniel Amin Ferraz 1 introdução ......................................................................................................................................................... 496 2 Breve tipologia do grupo de sociedades e suas distinções jurídico-doutrinárias: instrumento societário ou obrigacional? .....................................................................................................................................................497 3 o grupo de sociedades de base societária e outros instrumentos de concentração empresarial .................... 497 3.1 Fusão ........................................................................................................................................................ 498 3.2 Cisão ......................................................................................................................................................... 499 3.3 Holding .................................................................................................................................................... 500 4 o grupo de sociedades e a Joint Venture ................................................................................................................................501 4.1 A joint venture e as relações internacionais ...................................................................................... 501 4.2 Disciplina jurídica da joint venture ..................................................................................................... 502 4.3 Tipologia ................................................................................................................................................. 503 4.4 Joint venture e o grupo de sociedades ............................................................................................... 503 5 conclusão: o grupo de sociedades e as relações de domínio múltiplo ............................................................ 504 Referências ........................................................................................................................................................... 507 Crônicas da atualidade do Direito Internacional Erika Braga Justo Carolina Reis Jatobá Coêlho Tiago Felipe de Oliveira Eshan Dauhoo Nitish Monebhurrun (org.) 1. cRônicas da atualidade do diReito inteRnacional Nitish Monebhurrun (org.)* crônica 1: um panorama sobre as negociações do Pacote de Bali e os seus desdobramentos no âmbito da OMC (Erika Braga Justo). crônica 2: incorporação do F.A.T.C.A. – Foreign Account Tax Compliance Act no ordenamento jurídico brasileiro e impactos jurisprudenciais no conceito de sigilo bancário. (Carolina Reis Jatobá Coêlho). crônica 3: as sanções aplicadas pela União Europeia à Rússia em razão da anexação da península da Crimeia. (Tiago Felipe de Oliveira). crônica 4: international Law and the Curious Case of Scottish Independence. (Eshan Dauhoo). crônica 5: evolution or Procrastination? The Ongoing Debate(s) on the Recognition of the Palestinian State. (Nitish Monebhurrun). Crônica 1: Um panorama sobre as negociações do Pacote de Bali e os seus desdobramentos no âmbito da OMC Erika Braga** Na dinâmica mundial de (re)acomodação de poderes, a OMC exerce um importante papel. É um foro multipolar que abandona a então bipolaridade existente nas décadas anteriores à sua constituição. O jogo entre duas potências cede espaço para novos integrantes, que, dentro do contexto das negociações de comércio internacional, são contemplados com a igualdade jurídica no modelo decisório da Organização Mundial do Comércio. É certo que a igualdade jurídica não representa uma isonomia de poderes — o que limita a efetividade do equilíbrio entre as partes —, mas isso não minimiza a relevância desse avanço. O sistema multilateral combate o regionalismo fechado, indicador de tendências conflitivas no cenário internacional por seu caráter de exclusão. A escalada de tensões e os desentendimentos entre Estados são algumas das marcas da bipolaridade e do regionalismo fechado, ambos remodelados na atualidade pela multipolaridade emergente. Essa recente tendência de equilíbrio permite o protagonismo de diversos atores, muitas vezes fortalecidos por grupos de concertação, como demonstra a atuação destacada dos países em desenvolvimento. É sob esse prisma que o marco normativo único da OMC se mostra estratégico. O processo de negociação alicerçado pelo “single undertaking” abole a possibilidade de escolha de normas à la carte. Anteriormente, sob a égide do GATT 47, a cada Estado era facultado o direto de optar e se comprometer apenas com os acordos que fossem convenientes aos seus exclusivos interesses. Nos moldes atuais, os Estados Membros vinculam-se imperativamente a todas as regras1, em igualdade de direitos e deveres. 1 Apenas quatro acordos se limitam a um grupo restrito de signatários. São relativos às seguintes matérias: comércio de aeronaves civis, compras governamentais, laticínios e carne bovina. DOI: 10.5102/rdi.v11i2.3197 * PhD in International law (School of Law of Sorbonne, Paris), Associate Professor (University Centre of Brasília), Visiting Professor (Universidad de la Sabana, Bogotá). Nitish.monebhurrun@gmail.com ** Advogada, Mestre em Direito Internacional Econômico (Escola de Direito da Sorbonne, Paris). erikabjusto@yahoo.com.br JU ST O , E rik a B ra ga ; C O Ê LH O , C ar ol in a R ei s J at ob á; O LI V E IR A , T ia go F el ip e de ; D A U H O O , E sh an ; M O N E BH U R RU N , N iti sh . C rô ni ca s d a at ua lid ad e do D ire ito In te rn ac io na l. Re vi st a de D ire ito In te rn ac io na l, Br as íli a, v . 1 2, n . 2 , 2 01 4 p. 15 -3 2. 17 O preço a ser pago corresponde à maior dificuldade em se finalizar um acordo.2 O peso do poder político de cada Estado membro — ou a falta dele — se contrasta com a igualdade jurídica garantida pelo arcabouço legal. É um embate geopolítico, em última instância. Por isso a importância dos sistemas multilaterais, capazes, não de superar o desnível do poder político e econômico, mas de garantir um mecanismo jurídico apto a promover uma melhor pulverização de forças no cenário global. A Rodada de Doha é um reflexo dessa balança. A sua paralisia chegou a colocar em xeque o futuro da própria instituição. Sinais de evolução foram dados na IX Conferência Ministerial3 ocorrida em dezembro de 2013 em Bali, conduzida pelo brasileiro Roberto Azevêdo, diretor-geral da OMC. A IX Conferência Ministerial era aguardada como a mais importante em muitos anos. Os seus resultados moldariam o futuro da organização e do sistema global de comércio. As questões enfrentadas envolviam temas complicados, razão pela qual o Pacote de Bali, em caso de fracasso, comprometeria a capacidade da OMC para negociar acordos futuros. Um elemento importante inserido no debate foi o risco de exclusão dos países menos desenvolvidos em face de uma paralisia das negociações multilaterais. Além de caracterizar um retrocesso, cederia mais espaço para a realização de acordos bilaterais — excludentes por natureza. Um passo importante, portanto, deveria ser dado na direção da retomada da Rodada de Doha. Numa atmosfera de tensão, anunciou-se o avanço. O Pacote de Bali foi divulgado como um sucesso diplomático e a superação de alguns pontos nevrálgicos que bloqueavam a evolução das negociações (i). Após a conclusão dos trabalhos formalizados pela Decisão Ministerial de 7 de dezembro de 2013, a Índia, com uma nova composição de governo, recua, valendo-se do veto ao Acordo sobre a Facilitação do Comércio para barganhar outros pontos ainda pendentes de consenso, especificamente, a flexibilização dos Estoques Públicos de Alimentos para fins de Segurança Alimentar (ii). 2 As dificuldades impostas por esse modelo decisório desafiam os Estados a encontrar um caminho jurídico alternativo, sem depender da anuência de um número tão elevado de partes. O aumento significativo de Acordos de Livre Comércio (Free Trade Agreements) celebrados por membros da OMC é indicador de que há uma tendência de bifurcação das normas internacionais de comércio, até certa medida, por meio do bilateralismo. 3 A Conferência Ministerial é o órgão de decisão supremo na OMC, que se reúne a cada dois anos. a. Os resultados da IX Conferência Ministerialde Bali O chamado “Pacote de Bali”4 representou uma vitória diante do congelamento das negociações na Rodada de Doha e, pontualmente, das controvérsias acerca das reformas propostas durante a IX Conferência Ministerial de Bali. A tensão maior foi gerada por posições divergentes entre os Estados Unidos e a Índia. O debate mais crítico circunscreveu-se ao tema sobre Subsídios e Estoque de Alimentos para fins de Segurança Alimentar (a), ameaçando, inclusive, o êxito do Acordo sobre Facilitação do Comércio (B). • A “cláusula de paz” como mecanismo de flexibilização favorável aos países em desenvolvimento em casos de Estoque de Alimentos para fins de Segurança Alimentar As negociações sobre questões agrícolas são as mais complexas no comércio internacional. A polarização entre os países desenvolvidos e o grupo de países em desenvolvimento ganha realce quando o objeto de novas regulamentações é a proteção à agricultura de cada Estado membro. Se, por um lado, os países em desenvolvimento produtores e exportadores de commodities agrícolas defendem uma legislação mais rígida contra a proteção dos produtores nacionais, do lado oposto estão os países desenvolvidos. A razão é simples e a solução mostra- se distante: uma legislação mais rígida impediria que grandes potências continuassem a subsidiar significativamente a produção agrícola nacional, e a falta de competitividade de seus produtores internos seria uma das consequências diretas, abarcando todos os respectivos efeitos danosos. No caso em questão, entretanto, foi o posicionamento da Índia que, por muito pouco, não levou as negociações ministeriais de Bali ao colapso. A ausência de acordo sobre a vigência da cláusula de paz no âmbito dos subsídios e de estoque de alimentos para a segurança alimentar foi o motivo do impasse (i). O temido fracasso foi evitado nas últimas horas, quando as partes chegaram a um consenso após muita articulação e consultas feitas pelo diretor-geral Roberto Azevêdo (ii). (i) O impasse provocado pela Índia durante as negociações da cláusula de paz 4 Declaração ministerial de Bali: WT/MIN(13)/DEC. JU ST O , E rik a B ra ga ; C O Ê LH O , C ar ol in a R ei s J at ob á; O LI V E IR A , T ia go F el ip e de ; D A U H O O , E sh an ; M O N E BH U R RU N , N iti sh . C rô ni ca s d a at ua lid ad e do D ire ito In te rn ac io na l. Re vi st a de D ire ito In te rn ac io na l, Br as íli a, v . 1 2, n . 2 , 2 01 4 p. 15 -3 2. 18 A segurança alimentar é um dos temas sensíveis para Estados com grandes dimensões e densidade populacional. Quando se trata de uma negociação de normas vinculantes que possivelmente atingem essa questão, a postura, naturalmente, é de defesa e menor disponibilidade de transação. Esse foi o tenso e inesperado cenário enfrentado em Bali, pois as negociações prévias realizadas em Genebra apontavam para um consenso entre as partes (a). O fator surpresa foi o recuo da Índia (b). (a) Os rascunhos Pré-Bali As reformas propostas sobre subsídios agrícolas para estocagem de alimentos para fins de segurança alimentar foram o motivo da controvérsia. Em novembro de 2012, o G-33, composto por países em desenvolvimento e liderado pela Índia, havia proposto a flexibilização da regra: os países em desenvolvimento deveriam ter maior margem de manobra para subsidiar a compra de alimentos e a sua respectiva estocagem quando a finalidade fosse garantir a segurança alimentar, sem que a distorção de mercado resultante se configurasse em um ilícito comercial. Diante da complexidade, como é peculiar às matérias relacionadas ao Acordo sobre Agricultura, o tempo seria escasso para negociar uma emenda até a data da IX Conferência Ministerial em Bali. De maneira paliativa, os Estados trabalharam sobre um texto legal que garantisse uma solução interina: os membros, temporariamente, se absteriam de apresentar uma queixa legal e de iniciar uma disputa no Órgão de Solução de Controvérsias na hipótese de distorções de mercado provocadas pelas políticas praticadas por países em desenvolvimento comprometidas com segurança alimentar. A esse compromisso foi dado o nome de “cláusula de paz”. Dessa forma, o rascunho do acordo foi aprovado por todos os membros e a IX Conferência Ministerial de Bali seria apenas o palco para a formalização. (b) O recuo da Índia durante a IX Conferência Ministerial de Bali O governo indiano, no decorrer dos trabalhos em Bali, obteve papel de destaque ao se posicionar contrário à versão do texto, alegando que a segurança alimentar seria inegociável5. A controvérsia instalou-se precisamente sobre o termo “solução interina”, cujo teor indica que a vigência da cláusula de paz seria temporária. É importante mencionar que os Estados Unidos, bem como outros membros, ainda em Genebra, haviam condicionado a aceitação desta cláusula à existência de um prazo limite para a sua validade. Diante disso, todas as outras negociações, a exemplo desta, também foram prejudicadas, dada a insistência da Índia em impedir qualquer prosseguimento do texto nos termos acordados em Genebra. O resultado do dissenso dependeria de uma questão técnica e, principalmente, da vontade política dos envolvidos. A interpretação jurídica do termo “solução interina” seria, portanto, a chave do sucesso ou do fracasso da Ministerial de Bali. Para a Índia, significaria um compromisso vigente até que uma solução permanente fosse encontrada pelos membros, consensualmente. Para os Estados Unidos, alinhados aos outros membros que receavam o provável impacto da aplicação da cláusula de paz por tempo indeterminado, “solução interina” não poderia ser entendida como algo diferente de uma medida com prazo-limite definido. (ii) A articulação diplomática e a solução apresentada Em face deste desafio, reuniões de bastidores foram articuladas a fim de superar esse impasse — que significaria uma séria crise institucional no seio da OMC —, considerando-se a já grave paralisia da agenda de Doha. Na tentativa de resgatar o Pacote de Bali, consultas foram feitas entre Roberto Azevêdo, os Estados Unidos e a Índia. Nesse momento, a Índia já não sustentava uma posição comum ao G-33, o que aumentava a pressão sobre ela. Algumas alternativas, pendentes de validação pelos outros membros, foram apresentadas pelo diretor-geral, mas não foram aceitas pelo governo indiano. No entanto, apesar da iminência de uma “tragédia institucional”, um consenso foi anunciado no último dia da IX Conferência Ministerial. A saída encontrada foi mais diplomática do que jurídica. O texto da solução proposta por Roberto Azevêdo e aceito pelas partes registra o compromisso dos membros em negociar uma 5 ht tp ://pt . i c t sd .org/br idges -news/pontes/news/ subs%C3%ADdios-e-estoque-de-alimentos-tema-decisivo-no- pacote-de-bali JU ST O , E rik a B ra ga ; C O Ê LH O , C ar ol in a R ei s J at ob á; O LI V E IR A , T ia go F el ip e de ; D A U H O O , E sh an ; M O N E BH U R RU N , N iti sh . C rô ni ca s d a at ua lid ad e do D ire ito In te rn ac io na l. Re vi st a de D ire ito In te rn ac io na l, Br as íli a, v . 1 2, n . 2 , 2 01 4 p. 15 -3 2. 19 solução permanente até a XI Conferência Ministerial de 2017, com a vigência da cláusula de paz até esta data. A revisão também restringe o alcance do acordo apenas às políticas de armazenagens já existentes. A partir dessa vitória diplomática, o caminho ficou livre para a finalização do acordo principal, referente à facilitação do comércio. B) A conclusão do Acordo sobre Facilitação de Comércio Com o Acordo sobre Facilitação do Comércio6 sugere um revigoramento da quase fracassada Rodada de Doha. Em quase vinte anos, foi o primeiro acordo multilateral concluído pelos Estados membros da OMC, que cria compromissos vinculantes em operações de importação e exportação.Trata-se de regras para o estabelecimento de critérios mais transparentes e ágeis no processamento de documentos, bem como a simplificação e redução de requisitos nas transações de comércio exterior. Especialistas demonstram que a harmonização dos procedimentos e a maior eficiência decorrente das novas regras podem significar um ganho superior à redução tarifária7. Não há dúvidas quanto à dupla importância desse acordo. Em termos econômicos, tem o potencial de promover um aumento real da circulação internacional de mercadorias e do PIB global. Em termos jurídicos e diplomáticos, representa uma vitória — mesmo que parcial — para o multilateralismo da OMC, que vinha sendo fortemente questionado e ameaçado pela sua ineficaz Rodada de Doha. Considerada a relevância do Acordo de Facilitação Comercial em ambos os aspectos mencionados, pode- se visualizar a dimensão do problema causado pelo veto da Índia no âmbito do Acordo sobre Agricultura. O impasse paralisou toda a agenda de negociações e colocou em risco o avanço de uma das peças principais do Pacote de Bali. Apesar de todas as dificuldades, a IX Conferência Ministerial entregou o Pacote de Bali com os progressos comerciais, jurídicos e diplomáticos esperados. Estabeleceu-se 31 de julho de 2014 como 6 WT/MIN(13)/36 7 Os benefícios ainda dependem da ratificação do Acordo e da implementação das medidas, que demandam reformas institucionais e ajustes nos sistemas aduaneiros. data limite para se adotar o Protocolo de Emenda do Acordo sobre Facilitação do Comércio, elaborado pelo Comitê Preparatório durante a reunião do Conselho Geral. Nessa data, o Protocolo seria aberto à aceitação até 31 de julho de 2015. A surpresa indigesta veio em julho de 2014, meses após a conclusão do Pacote de Bali. Novamente a Índia tem o protagonismo ao vetar o acordo, bloqueando não só a sua evolução como a de todos os outros temas, inclusive a Agenda de Desenvolvimento de Doha. II. O Pacote de Bali e seus desdobramentos A. O novo recuo da Índia e a comunicação de mais um veto Concluído o Pacote de Bali, iniciaram-se os trabalhos do Comitê Preparatório sobre Facilitação do Comércio, encarregado de realizar um exame jurídico de caráter formal, com o escopo de garantir o funcionamento eficiente do Acordo. Um Protocolo de Emenda deveria ser apresentado em 31 de julho de 2014, durante a reunião do Conselho Geral, quando começaria o prazo para aceitação do Acordo sobre Facilitação do Comércio como parte do conjunto de normas vinculantes da OMC. Próximo ao prazo limite, a Índia manifestou-se contrária à continuidade dos trabalhos, e as mesmas questões superadas em Bali foram resgatadas. Especificamente, indicou que não aceitaria o Protocolo enquanto não houvesse uma solução permanente sobre a flexibilização das regras nos casos de estoques públicos de alimentos para fins de segurança alimentar. Todo o trabalho realizado em Bali perderia sua eficácia. Sob o prisma jurídico, o Acordo sobre Facilitação do Comércio — o maior avanço nos últimos 20 anos da organização — não poderia, sequer, ser ratificado pelos Estados membros. Essa foi a estratégia da Índia, barganhar usando o vínculo político entre os dois instrumentos jurídicos: Acordo sobre Facilitação do Comércio v. solução interina (temporária) sobre Estoque Público de Alimentos para fins de Segurança Alimentar. O Protocolo não foi aceito pela Índia na data-limite e a crise foi instalada no seio da OMC. Os Estados Unidos posicionaram-se do lado oposto. Não concordam em negociar nos moldes impostos pelo governo indiano e o impasse congela o processo de implementação das normas negociadas em Bali, englobando as respectivas JU ST O , E rik a B ra ga ; C O Ê LH O , C ar ol in a R ei s J at ob á; O LI V E IR A , T ia go F el ip e de ; D A U H O O , E sh an ; M O N E BH U R RU N , N iti sh . C rô ni ca s d a at ua lid ad e do D ire ito In te rn ac io na l. Re vi st a de D ire ito In te rn ac io na l, Br as íli a, v . 1 2, n . 2 , 2 01 4 p. 15 -3 2. 20 negociações multilaterais. O colapso provocado pela Índia ameaçava potencialmente a continuidade da própria Rodada de Doha. Nesse sentido, Roberto Azevêdo declarou que a OMC enfrentava a pior crise desde a sua criação, e a própria existência/finalidade da organização estava em jogo. Muita articulação política e diplomática, aparentemente sem efeitos, eleva a crise a patamares ainda mais preocupantes. O desgaste político foi inevitável, e a Índia, por maior que fosse o seu poder de barganha, viu-se efetivamente pressionada pelos Estados membros e pelo diretor-geral Roberto Azevêdo. A conjuntura conflituosa demandava uma avaliação atenta do trade-off: o prejuízo político indiano deveria ser melhor calculado. Assim foi feito. A crise foi revertida, e na reunião do Conselho Geral, em 27 de novembro de 2014, foi anunciado um novo acordo sobre a situação. B. A recente decisão adotada pelo Conselho Geral sobre o Pacote de Bali A reunião do Conselho Geral, em 27 de novembro de 2014, foi o palco para a declaração que colocou fim ao impasse. A solução pauta-se por três decisões: 1. Esclarecimento da decisão de Bali sobre Estoques Públicos de Alimentos para fins de Segurança alimentar. Fica acordado que a cláusula de paz permanecerá vigente até que uma decisão permanente seja adotada. Além disso, antecipa-se a data limite para a conclusão das negociações relativas à matéria. Nas decisões de Bali o prazo determinado estendia-se a 2017. Com a revisão, a nova data passa a ser 31 de dezembro de 2015, assegurada a continuidade da cláusula de paz caso as partes não cheguem a um consenso.8 2. O Protocolo de Emenda do Acordo sobre Facilitação do Comércio foi adotado, iniciando- se o processo de implementação. Abre-se a fase de ratificações, respeitadas as regras internas de cada Estado. A entrada em vigor do Acordo depende do depósito do instrumento de ratificação feito por dois terços dos Estados membros.9 3. Implementação imediata de todas as Decisões Ministeriais de Bali, o que inclui o Programa de Trabalho das questões remanescentes da Agenda 8 WT/GC/W/688; 9 WT/PCTF/W/28 de Doha, com um novo prazo acordado para a sua conclusão: julho de 2015.10 Superado o conflito, fica o desafio a ser enfrentado: a OMC precisa atuar com maior rapidez e eficiência para garantir a sua relevância como foro multilateral e cumprir o seu papel de facilitador do comércio internacional. Roberto Azevêdo encerrou o seu discurso feito na reunião do Conselho Geral conclamando os Estados membros a encontrar uma nova forma de negociar: “We need do find an easier way of doing things. (...) We can’t wait another two decades to deliver further multilateral outcomes. We have to think about how we can operate in a more efficient way.”11. Espera-se, assim, que os Estados membros concluam os trabalhos e as ratificações nos prazos definidos, resgatando a relevância da OMC no complexo jogo geopolítico de (re)acomodação de poderes globais. Crônica 2: Incorporação do F.A.T.C.A. – Foreign Account Tax Compliance Act no ordenamento jurídico brasileiro e impactos jurisprudenciais no conceito de sigilo bancário. Carolina Reis Jatobá Coêlho*12 I. Apresentação do FATCA e os impactos quanto o sigilo bancário The era of banking secrecy is over”13 A declaração dos membros do G2014 exarada no contexto de pós-crise econômica que foi caracterizada — dentre outros fatores — pela evasão fiscal e quebra de confiança no sistema financeiro, na forma como dita, parece até incontestável em qualquer contexto 10 WT/GC/W/690 11 Ver declaração completa em:http://www.wto.org/english / news_e/news14_e/gc_rpt_27nov14_e.htm * Mestranda em Direito das Relações Internacionais no Centro Universitário de Brasília. Advogada da Caixa Econômica Federal e Gerente Executiva Substituta da Gerência Nacional de Atendimento Jurídico às Vices-Presidênciasde Contratações, Governo e Tecnologia. carolinarjcoelho@hotmail.com 13 “A era do sigilo bancário acabou”. LEADER’S STATEMENT. GROUP OF TWENTY. LONDON SUMMIT. G20 ACTION PLAN FOR RECOVERY AND REFORM. Declaration on Strengthening 2 April 2009. Disponível em: <http://www.imf.org/ external/np/sec/pr/2009/pdf/g20_040209.pdf>. Acesso em: 03 dez. 2013. 14 O Grupo dos Vinte reúne, desde 1999, os Ministros das Finanças e Presidentes dos Bancos Centrais das 19 maiores economias do mundo - incluindo o Brasil. JU ST O , E rik a B ra ga ; C O Ê LH O , C ar ol in a R ei s J at ob á; O LI V E IR A , T ia go F el ip e de ; D A U H O O , E sh an ; M O N E BH U R RU N , N iti sh . C rô ni ca s d a at ua lid ad e do D ire ito In te rn ac io na l. Re vi st a de D ire ito In te rn ac io na l, Br as íli a, v . 1 2, n . 2 , 2 01 4 p. 15 -3 2. 21 e para qualquer cidadão-correntista do mundo. O sigilo bancário é um direito ancião e corresponde a uma obrigação imposta por contrato, norma, prática costumeira ou por lei positivada infra ou constitucionalmente às instituições financeiras ou equiparadas de manter em segredo dados que lhes cheguem ao conhecimento como consequência de relações jurídicas vinculadas às suas atividades. No Brasil, ao direito ao sigilo bancário está conformado, de forma interpretativa por doutrina e jurisprudência, ora no inciso X, ora no inciso XII, ora em ambos os incisos do art. 5º da Constituição15. O inciso X protege a vida privada e intimidade, tendo por foco a pessoa, enquanto o inciso XII tem em vista a manifestação de pensamento da pessoa. Não há, portanto, previsão expressa constitucional sobre o próprio sigilo bancário. Infraconstitucionalmente, ao contrário, o sigilo bancário apresenta não só proteção específica, mas encontra hipóteses de exceção na Lei Complementar nº 105/2001. Quanto ao afastamento para fins fiscais, há regulamentação infralegal específica no Decreto nº 3.724/2001, que foi recentemente alterado pelo Decreto nº 8.303, de 04 de setembro de 2014. Mas será mesmo que o direito ao sigilo bancário está fadado a desaparecer, ainda que enquadrado — em alguns ordenamentos jurídicos, a exemplo do brasileiro — como um direito de estatura constitucional vinculado aos direitos humanos de privacidade e intimidade? Cinco anos após a declaração dada na Cúpula de Londres, não se pode dizer de forma peremptória que o direito ao sigilo bancário não existe mais, mas muitas iniciativas aparecem de forma global e simultânea na intenção de flexibilizá-lo em face de valores relacionados ao combate à lavagem de dinheiro, corrupção e evasão fiscal. Pode-se apontar como uma dessas iniciativas legislativas o um conjunto de normas norte-americanas de efeitos extraterritoriais em etapas 15 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Disponível em: < http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 30 out 2014. “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal”. que apresenta clara intenção de recuperar a economia norte-americana, arrasada com a crise dos subprimes, incrementando a arrecadação de tributos por parte de cidadãos residentes fora daquele território estatal. A legislação referida inseriu um capítulo inteiro (seções 1471 a 1474, correspondente ao Capítulo IV) ao Código Tributário Norte-Americano de 1986 (Internal Revenue Code), o que foi denominado no Título V do Hire Act de F.A.T.C.A. - Foreign Account Tax Compliance, normatização que estabeleceu obrigações com efeitos extraterritoriais, estabelecendo às Instituições Financeiras Estrangeiras (Foreign Financial Institution ou FFI ) procedimentos para a identificação, documentação e monitoramento de contas de pessoas consideradas norte-americanas16 Acerca da abrangência da norma, vale definir dois grupos principais que a devem observância, na posição de intermediários das informações: (i) Foreign Financial Institutions (FFIs) — Instituições Financeiras Estrangeiras e (ii) Non Finacial Foreign Entities (NFFEs) — Entidades não classificadas como Instituições Financeiras Estrangeiras. A norma impõe obrigações a tais entes, incluindo como destinatários finais da norma as denominadas US Person, que poderão ser pessoas físicas (US Individuals) ou jurídicas, cujas contas serão objeto de reporte às autoridades norte-americanas. Dentre tantos pontos polêmicos17, destaca-se que a legislação estrangeira de efeitos extraterritoriais impõe às Instituições Financeiras e assemelhadas o encaminhamento de informações pessoais e financeiras de cidadãos norte-americanos à Receita Norte-Americana (Internal Revenue Service – IRS), o que, em tese, poderia colidir frontalmente em restrições constitucionais, legais e jurisprudenciais de países que consideram o sigilo das operações bancárias em seu ordenamento jurídico doméstico, como é o caso do Brasil. 16 US GOVERNMENT PRINTING OFFICE. Congressional Bills. House Bill. 111TH Congress. Disponível em: <http://www. gpo.gov/fdsys/pkg/PLAW-111publ147/html/PLAW-111publ147. htm>. Acesso em: 10 dez 2013. Conforme a alínea b (Apresentação de Relatórios) da Seção 1471 (Retenção de Pagamentos às Instituições Financeiras), os requerimentos da subseção são atendidos com relação a qualquer instituição financeira estrangeira que mantenha um acordo em vigor, ou seja PFFI – Participating Foreign Financial Institutions. 17 Vale descrever que outro ponto polêmico é que a implementação da norma implica custos operacionais que deveriam recair sob a responsabilidade do órgão de arrecadação dos E.U.A. originalmente, cuja competência tributária se afirma. JU ST O , E rik a B ra ga ; C O Ê LH O , C ar ol in a R ei s J at ob á; O LI V E IR A , T ia go F el ip e de ; D A U H O O , E sh an ; M O N E BH U R RU N , N iti sh . C rô ni ca s d a at ua lid ad e do D ire ito In te rn ac io na l. Re vi st a de D ire ito In te rn ac io na l, Br as íli a, v . 1 2, n . 2 , 2 01 4 p. 15 -3 2. 22 As informações requeridas referem-se a dados pessoais e também financeiros de cidadãos norte- americanos como: nome, endereço, número de identificação fiscal, número, saldo e movimentação de contas bancárias detidas por18: i) US Individuals/ Person cujo valor da conta bancária exceda U$50.000,00 (cinquenta mil dólares) ou ii) US Entities — pessoas jurídicas cujo saldo em conta bancária ultrapasse o valor de U$ 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil dólares).19 Destaca-se que o procedimento de reporte ocorrerá de forma eletrônica e automática, sem quaisquer autorizações judiciais ou administrativas ou até instauração de qualquer procedimento ou pedido. Essa perspectiva é mais do que um passo adiante em comparação com modelos de intercâmbio de informações para fins fiscais, sempre firmados por intermédio de acordos ou tratados de cooperação com vinculação e respeito à legislação de cada país sobre o sigilo bancário. É um real desafio para conformação jurídica da proteção ao sigilo bancário na legislação nacional dos países, principalmente quando a lei ou a jurisprudência condicionem o acesso das informações bancárias pelo Fisco a algumas circunstâncias procedimentais, como a instauração de procedimento fiscal ou autorização
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