Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Amálgama Odontológico Um dos materiais restauradores diretos para dentes posteriores de maior sucesso até o advento das resinas compostas, é o amálgama de prata. Este material que consiste em uma mistura dos metais prata, estanho, cobre e mercúrio surgiu há quase dois séculos e ainda hoje é o material restaurador direto para dentes posteriores que apresenta a maior durabilidade, embora venha sendo cada vez menos utilizado devido a sua estética desfavorável. Sua durabilidade ou longevidade clínica depende principalmente de três fatores: o correto preparo do dente para receber a restauração, a educação do paciente para manter hábitos de higiene e por fim, dos procedimentos restauradores. Neste capítulo iremos discutir a seleção do material e seus procedimentos restauradores, que são: 1. Seleção da liga. 2. Proporcionamento. 3. Trituração. 4. Condensação. 5. Brunimento pré-escultura. 6. Escultura. 7. Brunimento pós-escultura. Seleção da liga: Os amálgamas foram cientificamente desenvolvidos no final do século XlX por GV Black e são uma mistura de prata, estanho e cobre fundidos até a obtenção de um pequeno bloco metálico (lingote) que é então limado para formar um pó fino, conhecido como limalha (o produto da limagem). Esse pó é então misturado com o mercúrio (metal que na temperatura ambiente se encontra no estado líquido). A massa obtida é plástica o suficiente para que seja inserida no interior da cavidade dentária antes que se torne rígida. Uma reação entre o mercúrio e a liga metálica (Ag/Sn/Cu) ocorre formando duas novas ligas metálicas (chamadas de matriz), agora com mercúrio em sua composição, essa matriz envolve o restante da liga metálica não reagida formando a restauração. Embora esse processo pareça complicado ele é, em princípio, muito semelhante as reações de formação da matriz e da presa dos cimentos odontológicos já estudados anteriormente. Para poder escolher qual amálgama de prata iremos utilizar é necessário que conheçamos os tipos existentes, sendo assim: Ligas para amálgama convencionais (alto teor de prata e baixo teor de cobre). O quadro abaixo mostra a quantidade de metais necessários para se obter uma liga para amálgama convencional. (conforme a especificação nº1 da ADA antes de 1977). A limalha obtida é principalmente composta de prata e estanho. A prata confere resistência mecânica e à corrosão por isso é usada em maior quantidade já o estanho, fornece a plasticidade necessária para a inserção do material, mas também interfere consideravelmente na velocidade da reação de presa: quantidades menores de estanho produzem uma liga com velocidade de reação muito alta, em contrapartida, quantidades maiores produzem uma liga que não toma presa. A concentração ideal é o terceiro composto quando misturamos a prata com estanho e, portanto, ele recebe a denominação de gama (γ), afinal é a terceira letra do alfabeto grego. Embora nesta liga exista cobre em sua composição, ele é adicionado em pequenas concentrações e participa muito pouco da reação de presa, porém aumenta a resistência mecânica e a dureza das restaurações. A reação de cristalização (presa) é de suma importância para que possamos compreender os fatores importantes na escolha deste material, sendo assim: Quando misturamos a liga com o mercúrio uma primeira reação envolvendo prata e o mercúrio ocorre formando um composto conhecido como gama 1 (Ag2Hg3) por analogia ao nome gama e por ser o primeiro composto e em maior concentração a se formar. A segunda reação ocorre entre o estanho e o mercúrio e forma o gama 2 (Sn7-8Hg). Tanto gama 1 como gama 2 são cristais metálicos que envolvem as partículas de gama (Ag3Sn) não reagidas, isso é que promove a presa do material. Dentre as deficiências eventualmente apresentadas pelas restaurações construídas com ligas convencionais, está a alta ocorrência de valas marginais, manchas e corrosão, além de relativa fragilidade mecânica. Estas deficiências têm sido atribuídas à fase gama 2. Liga para amálgama de fase dispersa (alto teor de prata e alto teor de cobre). O quadro abaixo mostra a quantidade de metais necessários para se obter uma liga para amálgama de fase dispersa (tipo mistura). Esta liga agora proposta por Innes e Youdelis em 1962 possui um novo composto, o eutético Ag/Cu, que segundo os autores servia como travas no interior da massa de amálgama aumentando a resistência da restauração. Mais tarde descobriu-se que o motivo da melhora era porque a fase gama 2 era consumida pelo eutético formando uma nova fase o Cu5Sn6. A reação de presa pode ser expressa por: Embora inicialmente tenhamos a formação da fase gama 2 ela é eliminada por um processo de difusão atômica no estado sólido devido a maior afinidade do cobre pelo estanho. Acredita -se que seja necessário um mínimo de 12% de cobre para que essa difusão ocorra. A eliminação de gama 2 se tornou tão importante que no próprio rótulo o fabricante mencionava que seu amálgama não tinha a fase gama 2 (“sem gama2”). Essas ligas imediatamente apresentaram uma performance clinica muito superior às ligas convencionais e, rapidamente, esse material se tornou o amálgama mais vendido no mundo. Outro amálgama foi proposto por Asgar na década de 70 gerando mais um tipo de amálgama de alto teor de cobre. Liga para amálgama de composição única (alto teor de prata e alto teor de cobre de partículas esféricas). O quadro abaixo mostra a quantidade de metais necessários para se obter uma liga para amálgama de composição única. As ligas de composição única com alto teor de cobre possuem tanto gama como uma fase chamada neta (ε) caracterizada pela liga Cu3Sn. Quando misturada com o mercúrio, a fase neta, finamente dispersa no interior da fase gama, forma prontamente a fase gama 1 e a fase eta, mas não forma a fase gama 2. A reação de presa pode ser expressa por: Com alto teor de prata e sem a fase gama 2 esta nova liga apresentava resultados clínicos muito semelhantes ao amalgama de fase dispersa e com melhores propriedades mecânicas, já que ligas esféricas necessitam de menor quantidade de mercúrio na trituração. Aparentemente essa vantagem não foi suficiente para torná-la um produto líder no mercado de vendas, os fatores possivelmente envolvidos podem ser sua alta velocidade de presa e a maior dificuldade de se refazer o ponto de contato interproximal. Com o intuíto de se diminuir os custos, os fabricantes passaram a diminuir a quantidade de prata das ligas para amálgama. Liga para amálgama com alto teor de cobre e baixo teor de prata. O quadro abaixo mostra a quantidade de metais necessários para se obter uma liga para amálgama com alto teor de cobre e baixo teor de prata. As ligas de baixo teor de prata e alto cobre foram desenvolvidas com o intuito de baratear o custo do material. Entretanto, a grande diminuição no teor de prata fez com que esses amálgamas apresentassem baixa resistência à corrosão. Quando essas ligas apresentavam-se na forma de limalhas, os compostos formados após a cristalização apresentaram alta corrosão tornando esses materiais clinicamente inferiores aos apresentados até agora. Muitos estudos com o intuito de melhorar ainda mais as propriedades desse material foram feitos nas décadas de 70 e 80 quando diversas ligas foram desenvolvidas e acabaram recebendo uma classificação especial. Liga para amálgama especial (alto teor de cobre e baixo teor de prata). O quadro abaixo mostra a quantidade de metais necessários para se obter uma liga para amálgama especial. Alguns desses materiais apresentam um comportamento clínico muito satisfatório com altíssima resistência à corrosão. Proporcionamento: A quantidade necessária para se produzir uma massa suficientemente plástica de amálgama para confeccionar uma restauração no dente varia de acordo com o tipo de partícula empregada. Usualmente, 50% de mercúrio é adicionado à liga, entretanto para ligas esféricas essa porcentagemé sensivelmente diminuída.Um aumento na quantidade de mercúrio causa uma maior plasticidade da massa um aumento no tempo de presa, mas uma diminuição das propriedades físicas e da resistência à corrosão, e ainda existe a possibilidade da formação da fase gama 2 nos amálgamas ricos em cobre. Visto isso devemos sempre colocar a menor quantidade de mercúrio para se obter uma massa plástica.Atualmente o proporcionamento ainda é feito por aparelhos que dosam e misturam o mercúrio com a liga, entretanto esses aparelhos não fazem uma proporção muito precisa e devem ser abandonados já que utilizam o mercúrio em frascos aumentando a possibilidade de contaminação ambiental e o potencial tóxico pela evaporação do mercúrio no interior do aparelho. Outro método utilizado, e de melhor qualidade, é o de cápsulas pré-dosadas onde sua proporção é excelente e o armazenamento muito seguro, devendo este ser o método a ser utilizado. Trituração: Neste passo misturamos a liga com o mercúrio, essa mistura não é muito fácil e necessita de muita energia, para tanto aparelhos que promovem uma rápida oscilação são capazes de fornecer energia para a trituração em poucos segundos.O objetivo da trituração é o de: Remover a camada de óxido superficial que se forma na liga para amálgama e impede o contato com o mercúrio; Promover o íntimo contato da liga com o mercúrio; Obter plasticidade ideal. Uma massa plástica (bem triturada) é caracterizada por apresentar brilho, ser coesa e quando deixada cair de uma altura de 20cm ela deve amassar e nunca quebrar. Massas que receberam uma menor energia (tempo) de trituração apresentam falta de brilho, aspecto arenoso e fraturam ao cair da altura de 20cm. As que receberam muita energia (tempo) de trituração apresentam as mesmas características das massas bem trituradas, entretanto seu tempo de trabalho é aumentado. A indicação de que o material está supertriturado é o fato da cápsula apresentar-se quente após a trituração. Condensação: A condensação é a maneira com que inserimos o material no interior da cavidade e é de suma importância para que se o material restaurador alcance o melhor desempenho. Tem como objetivos: Compactar a massa evitando poros internos; Promover o íntimo contato do material com as paredes do dente; Diminuir o excesso de matriz. A condensação é feita com instrumentos próprios que facilitam o procedimento. Ela pode ser feita manualmente ou mecanicamente (com o uso de condensadores mecânicos. Não devemos usar condensadores ultrassônicos, pois estes geram calor durante o uso podendo causar a liberação de vapor de mercúrio). A condensação para as ligas com partículas de limalhas ou misturas necessita ser feita com muita força e condensadores de ponta ativa pequena (alta pressão) para promover uma boa compactação, já para ligas esféricas isso não é necessário, apenas devemos acomodar o amálgama no interior da cavidade.A massa de amálgama deve, após a trituração, ser imediatamente condensada e durante o processo uma parte da massa condensada apresenta um aspecto brilhante. Essa parte do material deve ser removido, pois é ela que tem excesso de matriz (conhecido também como mercúrio residual). Brunimento pré-escultura: Preenchida a cavidade com um leve excesso a massa deve então ser “amassada” com um instrumento próprio; o brunidor. O objetivo é aflorar o restante de matriz e adaptar a massa na margem da cavidade. Devemos comprimir o instrumento com movimentos de vai-e-vem longos e com força, sempre apoiados nas margens do dente. Uma massa brilhante vai aflorar na superfície, rica em matriz, que então será removida na escultura. Escultura: Este passo consiste em devolver ao dente sua forma e função modelando a massa de amálgama, recém-inserida, com instrumentos cortantes. Brunimento pós-escultura: Esse passo é apenas para alisar a superfície dando conforto ao paciente, feito com os instrumentos usados na brunidura pré-escultura, mas com movimentos leves e curtos. Neste momento não devemos aflorar a matriz já que ela não pode mais ser removida.Agora vamos discutir algumas das propriedades físicas e químicas de interesse para as restaurações de amálgama de prata. Alteração dimensional: De presa: Os amálgamas de prata modernos em geral contraem durante a presa, segundo a especificação nº 1 da ADA os amálgamas podem se alterar dimensionalmente em ± 20 µm/cm e todos os amálgamas atuais satisfazem essa norma. Portanto tem pouco interesse para o dentista. Tardia: Essa é muito importante para o profissional e ocorre quando uma contaminação da massa de amálgama de prata com zinco em sua composição ocorre com umidade proveniente da saliva (por menor que seja). O material irá sofrer um aumento de suas dimensões que pode causar a fratura do remanescente dentário. A expansão ocorre em consequência da reação entre o zinco e a água formando o gás hidrogênio no interior da massa de amálgama. Essa expansão pode levar até sete dias para ocorrer.A maneira de se evitar isso é óbvia: não contaminar, em hipótese alguma, o material com umidade, mas nem sempre temos certeza de que isso não ocorreu então o uso de ligas sem zinco podem prevenir essa expansão. Resistência mecânica: Todos os amalgamas apresentam alta resistência a compressão, mas baixa resistência a tração, por esse motivo são bem indicados para restaurações nas áreas internas dos dentes posteriores. Atualmente as ligas ricas em cobre, por apresentarem uma maior resistência à tração, são usadas em restaurações envolvendo a perda de uma ou mais cúspides com relativo sucesso.Outro fator importante é que embora o material tenha aspecto de “endurecido” reações internas ainda estão ocorrendo o que faz com que ele tenha uma resistência mecânica inicial muito baixa. Dai a famosa frase do dentista: “não mastigue desse lado por uma hora”. Isso porque na primeira hora sua resistência mecânica aumenta muito e continua a subir substancialmente até sete dias. Tabela 1: a tabela abaixo compara a resistência à compressão e à tração de acordo com a proporção de mercúrio para 3 tipos de amálgamas diferentes. Propriedades térmicas e elétricas: Como todos os metais, os amálgamas são bons condutores térmico e elétrico, portanto, é necessária a realização da proteção pulpar para não causar desconforto ao paciente quando este ingerir alimentos frios ou quentes.A corrosão do amálgama pode causar um efeito galvânico (pilha), quando um metal de composição diferente encostar na restauração e causar um leve choque ao paciente. Esse efeito pode ser minimizado evitando o uso de ligas metálicas de diferentes composições, prevenindo assim a corrosão. Outra maneira de evitar desconforto ao paciente é uso de um verniz ou de um sistema adesivo na cavidade antes de se inserir o amálgama. Neste caso, não evitamos a corrosão, mas sim seus efeitos. Escoamento tardio (creep): Essa propriedade está relacionada com o fato de que metade do amálgama é composto por mercúrio e este se encontra no estado líquido à temperatura ambiente, ou seja, a restauração esta muito perto da sua temperatura de fusão. A presença, principalmente da fase gama 2 pode aumentar muito a ocorrência desse fenômeno que consiste em um “escoamento” lento que pode promover a desadaptação do material das paredes do preparo cavitário causando o valamento marginal.Quanto maior o creep, maior será o valamento marginal com o passar do tempo. Essa propriedade reflete muito o comportamento da restauração durante os anos. A diminuição do creep, foi um dos motivos que fizeram os pesquisadores tentarem eliminar a fase gama 2 dos amálgamas odontológicos. Corrosão: Embora a corrosão signifique a perda de material e a diminuição da resistência mecânica da restauração, uma pequena corrosão é desejável, uma vez que ela promove o depósito de sais metálicos entre a restauração e o dente, impermeabilizando as margens da cavidade e impedindo a infiltração. Essefenômeno, conhecido como autovedamento marginal, é provavelmente, o responsável pela alta longevidade clínica das restaurações em amálgama. Toxicidade do mercúrio: Não se pode negar que o mercúrio é uma substância altamente tóxica e o máximo de cuidado deve ser tomado ao manipular esse material. Atualmente, para evitar o risco de contaminação devemos abandonar o uso desse produto em sua forma pura, portanto o uso de cápsulas pré - dosadas torna-se fundamental. Vapores de mercúrio são a maior fonte de contaminação para o dentista e sua equipe. O limite de segurança para o vapor de mercúrio no ar é 50µm/m3. Valores acima desse limite são tóxicos e os primeiros sinais da intoxicação crônica começam a aparecer, tais como: tremor nas pernas, coceiras, erupções cutâneas, insônia, irritabilidade, fadiga, entre vários outros.Com o intuito de se evitar a presença de vapores de mercúrio no consultório o profissional deve: SEMPRE utilizar uma técnica restauradora sem contato manual; Utilizar cápsulas pré-dosadas; Durante remoção de restaurações antigas e o polimento deve-se utilizar refrigeração e sucção abundantes; Amalgamadores devem possuir tampas protetoras, devem ser lisos e fáceis de limpar; O uso de luva é obrigatório. O contato da pele também é potencialmente perigoso; Restos de amálgama devem ser armazenados em um recipiente plástico, inquebrável com tampa que promova o fechamento hermético do recipiente e que contenha uma solução fixadora de radiografias.
Compartilhar