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O campo brasileiro em disputa a expansão do agronegócio e a resistência dos povos do campo

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O campo brasileiro em disputa: a expansão do agronegócio e a resistência dos povos do campo
no século XXI 
Paulo Alentejano1
Introdução
O presente artigo busca demonstrar como a expansão do agronegócio no Brasil tem reforçado o
poder do latifúndio, bloqueado a democratização da terra e impedido a realização da reforma agrária,
apesar das lutas dos movimentos sociais e povos do campo. 
A partir dos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e da Comissão Pastoral
da Terra (CPT), buscaremos demonstrar como ao mesmo tempo estamos diante de um
aprofundamento da expropriação e da violência contra camponeses, indígenas, quilombolas e outras
comunidades tradicionais e do crescimento da produção agropecuária centrada na grande
propriedade, articulada ao grande capital transnacional e sustentada política e economicamente pelo
Estado brasileiro. 
Assim, a luta pela terra adquire novos contornos, ainda que preserve seu conteúdo: a luta dos
camponeses, indígenas e quilombolas contra a usurpação das terras que ocupam pelas forças do
latifúndio/agronegócio e contra um modelo agrário que concentra riqueza, promove devastação
ambiental (desmatamento e contaminação de águas, solos, alimentos e trabalhadores por
agrotóxicos) e se reproduz com base na violência e na exploração do trabalho (inclusive com
trabalho escravo); a luta por uma reforma agrária que desconcentre a terra, o poder e a riqueza no
campo e promova a produção de alimentos saudáveis a partir da perspectiva agroecológica. 
1. A violência como método de expansão do agronegócio
O modelo agrário dominante no Brasil, ancorado no tripé latifúndio-monocultura-agroexportação, é
historicamente violento, injusto e devastador e a longa história de luta dos trabalhadores rurais,
povos indígenas e comunidades tradicionais contra esse modelo tem denunciado frequentemente as
mazelas que produz. 
Os dados sobre a violência no campo levantados pela CPT e publicados anualmente no Caderno
Conflitos no Campo Brasil (www.cptnacional.org.br) mostram que 2017 foi o ano mais violento no
campo brasileiro nas últimas décadas, com 71 pessoas assassinadas (só inferior nos últimos 25 anos
aos 73 assassinatos de 2003), sendo que 31 foram assassinadas em 5 massacres ocorridos em Mato
1 Professor do Departamento de Geografia da Faculdade de Formação de Professores da UERJ – FFP/UERJ e dos
Programas de Pós-Graduação em Geografia e em Ensino de Ciências e Biodiversidade da FFP/UERJ e do Programa de
Pós-Graduação em Desenvolvimento Territorial na América Latina e Caribe da Unesp, em parceria com a Escola
Nacional Florestan Fernandes - ENFF. 
http://www.cptnacional.org.br/
2
Grosso, Rondônia, Pará, Amazonas e Bahia e que vitimaram sem terras, indígenas, quilombolas e
posseiros. Este aumento da violência está diretamente associado à intensificação dos conflitos pela
terra. 
O Gráfico 1, abaixo, aponta para o crescimento da proporção dos conflitos por terra entre os conflitos
no campo na última década, pois se entre 2007 e 2009 os conflitos por terra representavam 40% a
50% dos conflitos no campo, este patamar mudou para 50% a 65% entre 2010 e 2015 e pulou para
mais de 70% em 2016, atingindo o pico de 81,6% em 2017.
Gráfico 1 – Conflitos no Campo e Conflitos por Terra no Brasil – 2007-2017
2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017
0
200
400
600
800
1000
1200
1400
1600
1538
1170 1184 1186
1363 1364
1266 1286 1217
1536
1431
615
459 528
638
805 816 763 793 771
1079 1168
Conflitos no Campo e Conflitos por Terra - Brasil - 2007-2017
 
Conflitos no Campo Conflitos por Terra
Fonte: CPT. Organização do Autor.
Vale registrar ainda o crescimento dos conflitos por terra em termos absolutos, pois estes passaram
dos 1.000 casos pela primeira vez em uma década.
Já o Gráfico 2 mostra que a maior parte dos conflitos por terra não foi resultante de ações dos
movimentos sociais, como ocupações de terra, como apregoam certas vozes ligadas aos interesses do
agronegócio, mas de ações de despejo, expulsão, enfim, ações protagonizadas pelo capital/latifúndio
na sua sanha de se apropriar de mais e mais terras. Os dados apontam para a redução do percentual
de ocupações em relação ao total dos conflitos por terra, caindo de um patamar superior a 50% entre
2007 a 2009 para um padrão entre 20 a 30% entre 2010 e 2015 e para menos de 20% em 2016 e
2017. Isto demonstra que os povos do campo estão sendo vítimas de um brutal aumento da violência
na corrida do capital por terras que tem caracterizado o capitalismo global na última década, como
registram os estudos sobre este assunto e que resultaram na criação de termos como land grabbing e
acaparamiento de tierras. 
3
Gráfico 2 – Conflitos por Terra e Ocupações de Terra no Brasil – 2007-2017
2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017
0
200
400
600
800
1000
1200
615
459
528
638
805 816
763 793 771
1079
1168
364
252 290
180 200
238 230 205 200 194 169
Confitos por Terra e Ocupações - Brasil - 2007-2017
Conflitos por Terra Ocupaçoes
Fonte: CPT. Organização do Autor.
Em estudo recentemente concluído, CUIN (2018) reforça estes argumentos ao mostrar a dissociação
nos últimos quinze anos entre a violência e a capacidade de enfrentamento desta por parte dos
movimentos e povos do campo. Como mostra o Gráfico 3, abaixo, as ações dos movimentos sociais
e povos do campo, representadas por Acampamentos, Ocupações e Retomadas de Terra caíram de
um patamar superior a 600 ações em 2003 para menos de 200 em 2017. Vale registrar que se até
2007 estas ações sempre somaram anualmente mais de 300, após 2010, nunca ultrapassaram o
patamar de 250 ações. 
Gráfico 3 – Ações dos Povos do Campo e Movimentos Sociais – Brasil 2003-2017
20
03
20
04
20
05
20
06
20
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20
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20
15
20
16
20
17
 - 
 100 
 200 
 300 
 400 
 500 
 600 
 700 
Protagon istas
Ação dos Povos do Campo e Movimentos Soc iais
Brasil - 2003-2017
Acampamentos, Ocupações Retomadas de Terra
L
o
ca
li
d
a
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s 
co
m
 O
co
rr
ê
n
ci
a
s
Fonte: CPT. Elaboração CUIN, 2018.
4
Por outro lado, os dados sobre Violência do Poder Público e Violência do Poder Privado mostram
que as ações de despejo e expulsão aumentaram nos últimos anos, principalmente as protagonizadas
pelo poder privado, isto é as ações diretas, violentas e arbitrárias do capital/latifúndio contra os
povos do campo para se apropriar das terras ocupadas por estes. 
As ações de despejo que haviam caído sucessivamente entre 2004 e 2008, de um patamar de 300
ações para pouco mais de 100, passaram a crescer novamente a partir de então, ultrapassando o
patamar de 250 ações nos últimos dois anos (Gráfico 4). Trata-se nesse caso de uma ação articulada
entre o Estado brasileiro e o capital/latifúndio para retirar “legalmente” os trabalhadores das terras
que ocupam, via ordens judiciais e acionamento das forças policiais para o cumprimento dessas
ordens de despejo exaradas pelo poder judiciário. 
Gráfico 4 – Violência do Poder Público – Brasil – 2003-2017
2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017
 - 
 50 
 100 
 150 
 200 
 250 
 300 
 350 
Violênc ia
Violênc ia do Poder Púb lico
Brasil - 2003-2017
Despejos e Tentativas de Despejo
n
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 L
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ci
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Fonte: CPT. Elaboração CUIN, 2018.
Já as ações de expulsão empreendidas pelo poder privado que oscilaram entre 150 e 200 ocorrências
entre 2003 e 2015, aumentaram nos últimos dois anos, ultrapassando o patamar de 200 ocorrências
(Gráfico 5). Neste caso, trata-se da ação de jagunços, ou sua expressão moderna, as firmas de
segurança privada, que a mando de fazendeiros retiram na marra os trabalhadores das suas terras, não
sendo raros os casos em que estas açõesresultam em violências adicionais como assassinatos. 
5
Gráfico 5 – Violência do Poder Privado – Brasil – 2003-2017
 
2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017
 - 
 50 
 100 
 150 
 200 
 250 
Violênc ia
Violênc ia do Poder Privado
Brasil - 2003-2017
Expulsões e Tentativas de Expulsão
n
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Fonte: CPT. Elaboração CUIN, 2018.
Quando se comparam diretamente as ações dos movimentos sociais e povos do campo com a
violência dos poderes público e privado (Gráfico 6), temos a evidência de que a violência cresceu
nos últimos anos mesmo com a redução das ações dos movimentos sociais e povos do campo,
demonstrando claramente tratar-se de um processo de intensificação da violência expropriatória que
marca a expansão do latifúndio/agronegócio. 
Gráfico 6 – Ações dos Movimentos e Povos do Campo x Violência dos Poderes Público e
Privado no Campo – Brasil – 2003-2017
2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017
 - 
 100 
 200 
 300 
 400 
 500 
 600 
 700 
Categor ias de Ações
Violênc ia e En frentamento
Brasil - 2003-2017
Acampamentos, Ocupações Retomadas de Terra
Violências
n
º 
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 O
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ci
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s
Fonte: CPT. Elaboração CUIN, 2018.
6
Os mapas 1 e 2, abaixo, também elaborados por CUIN (2018), além de corroborarem a conclusão
anterior acerca do crescimento da violência no campo, permitem ainda identificar a concentração
espacial desta na Amazônia, ao passo que no Centro-Sul e no Nordeste prevalecem as ações dos
movimentos sociais.2 
No Mapa 1 observa-se que, com raras exceções, entre 2003 e 2009 as ações dos movimentos e povos
do campo são predominantes no Nordeste e no Centro-Sul, ao passo que a violência dos poderes
público e privado predomina na Amazônia. 
Mapa 1 – Ações dos Movimentos e Povos do Campo x Violência dos Poderes Público e
Privado – Brasil 2003-2009
2 Consideramos que a regionalização do território brasileiro que mais ajuda a compreender a dinâmica dos conflitos pela
terra no Brasil, é a que subdivide o país em três regiões, Amazônia (estados da Região Norte, Mato Grosso e Maranhão),
Centro-Sul (estados das regiões Sul e Sudeste, Goiás, Mato Grosso do Sul e Distrito Federal) e Nordeste (estados da
Região Nordeste, exceto o Maranhão). Para uma explicação detalhada desta opção metodológica ver ALENTEJANO,
LEITE E PORTO-GONÇALVES (2013). 
7
Já o Mapa 2 revela, além do crescimento generalizado da violência e do refluxo das ações dos
movimentos, a concentração dessas ações violentas na Amazônia, com destaque para os estados do
Maranhão, do Amapá, de Rondônia e do Acre.
 
Mapa 2 – Ações dos Movimentos e Povos do Campo x Violência dos Poderes Público e
Privado – Brasil 2010-2017
Ora, todo esse processo revelado pelos dados da CPT expostos até aqui converge com os dados
recém publicados pelo IBGE com base nos resultados preliminares do Censo Agropecuário de 2017.
Por ele, os estabelecimentos agropecuários com mais de 1.000 ha aumentaram ainda mais a área sob
seu controle, que já era de absurdos 45% segundo o Censo de 2006 e agora é de 47,5%. Isso para um
total de apenas 1% dos estabelecimentos, pouco mais de 50 mil de um total de mais de 5 milhões.
Foram 16,5 milhões de ha a mais incorporados pelos grandes, enquanto os menores
estabelecimentos, que têm até dez hectares, representam 50,2% do número total de estabelecimentos,
mas ocupam apenas 2,3% da área. Essa inominável concentração fundiária segue inalterada,
8
configurando talvez a principal marca histórica do campo brasileiro. Inaugurada com o instrumento
colonial das sesmarias, foi intensificada pela Lei de Terras de 1850 e se manteve intacta pelos
sucessivos bloqueios impostos à reforma agrária na história do país. 
Se considerarmos os dados do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária ( Incra), ao
invés dos dados do IBGE, isto é considerarmos os imóveis rurais, ao invés dos estabelecimentos
agropecuários3, verificamos que o panorama não é muito diferente.
Gráfico 7 – Imóveis Rurais segundo o Número e a Área por Grupos de Área - 2012
Imóveis Rurais - Número e Área por Grupos de Área - 2012
34,10
52,08
12,34
1,481,46
15,74
30,05
52,84
0,00
10,00
20,00
30,00
40,00
50,00
60,00
0 a 10 ha 10 a 100 ha 100 a 1.000 ha mais de 1000 ha
Nº
Área
Fonte: Estatísticas Cadastrais do Incra, 2012 – Organizado pelo Autor.
Os imóveis com menos de 10 ha são 34,10% do total, mas ocupam apenas 1,46% da área e os com
mais de 1.000 ha representam apenas 1,48% do total de imóveis, mas controlam 52,84% da área.
Somados os imóveis com menos de 100 ha correspondem a 86,2% do total e possuem menos de 20%
da área, ao passo que os que possuem mais de 100 ha são menos de 15% dos imóveis e concentram
mais de 80% da área.
Este processo histórico de concentração fundiária foi reforçado com a modernização conservadora da
agricultura brasileira conduzida pela Ditadura Empresarial-Militar após 1964, resultando na
adaptação da agropecuária brasileira à lógica da revolução verde4 e se mantém até hoje. Carter define
assim esse processo: 
3 O IBGE utiliza a categoria estabelecimentos agropecuários que considera a unidade produtiva, enquanto o Incra utiliza
a categoria imóvel rural, isto é, tem como base a propriedade da terra. Assim, por exemplo, se uma fazenda é arrendada
para quatro diferentes agricultores, o Incra contabiliza um imóvel rural e o IBGE quatro estabelecimentos agropecuários.
Por outro lado, se três diferentes fazendas são administradas como uma unidade produtiva contínua, o Incra contabiliza
três imóveis rurais e o IBGE apenas um estabelecimento agropecuário. Assim, os dados do IBGE e do Incra devem ser
considerados como complementares para a análise da concentração fundiária. 
4 A revolução verde consiste no processo de modernização técnica da agricultura – baseada em mecanização,
quimificação e melhoramento genético – gestada nos EUA e difundida pelo Terceiro Mundo a partir dos anos 1950 sob o
pretexto de combater a fome e a miséria, mas que visava na realidade combater o perigo da revolução
vermelha/comunista que chegara à China no fim da década de 1940 e ameaçava se espalhar pelo resto do Terceiro
Mundo. 
9
...o atual modelo de desenvolvimento rural do país, fundado na promoção do
agronegócio e na proteção das grandes propriedades de terras, foi desenvolvido e
financiado pelo regime militar. Desde então, a inércia conservadora do Estado se
manteve sem grandes alterações, apesar da democratização do regime político, das
leis favoráveis à reforma agrária e da expressiva demanda popular por terra.”
(CARTER, 2010: 514)
Ou como prefere Delgado (2010: 88), estamos diante de um “pacto agrário tecnicamente
modernizante e socialmente conservador” que articulou as oligarquias rurais ligadas à grande
propriedade territorial com a moderna indústria e o setor financeiro, intensificando a concentração
fundiária no país.
2. E para que o agronegócio se apropria de tanta terra?
 
Um dos efeitos da concentração fundiária é facilitar a transferência do patrimônio natural brasileiro
para o controle estrangeiro, afinal, quando se trata o agro como negócio (agronegócio) a terra é de
fato mera mercadoria que só importa por seu valor de troca no mercado de terras e pode, portanto,
ser transacionada sem maiores preocupações, diferentemente de quando o agro é lugar de vida
(agricultura) e a terra importa por seu valor de uso. 
Por isso temos visto crescer a aquisição de terras por fazendeiros, empresas e fundos de
investimentos estrangeiros, uma das faces do crescente processo de internacionalização da
agricultura brasileira, ao lado do domínio cada vez mais ampliado das grandes corporações
transnacionaissobre o setor agropecuário brasileiro através do controle da tecnologia e dos processos
de comercialização e processamento agroindustrial. 
Na definição de David Harvey, vivemos um processo de renovação do imperialismo, caracterizado
pela acumulação por espoliação5:
Todas as características da acumulação primitiva que Marx menciona permanecem
fortemente presentes na geografia histórica do capitalismo até os nossos dias. A
expulsão de populações camponesas e a formação de um proletariado sem terra tem
se acelerado em países como o México e a Índia nas três últimas décadas; muitos
recursos antes partilhados como a água, têm sido privatizados (com freqüência por
insistência do Banco Mundial) e inseridos na lógica capitalista da acumulação;
formas alternativas (autóctones e mesmo, no caso dos Estados Unidos, mercadorias
de fabricação caseira) de produção e consumo têm sido suprimidas. Indústrias
nacionalizadas têm sido privatizadas. O agronegócio substitui a agricultura familiar.
E a escravidão não desapareceu (particularmente no comércio sexual). (HARVEY,
2004: 121) 
5 Fontes (2010) polemiza com Harvey em torno da adequação da sua noção de acumulação por espoliação, por considerar
que a produção de expropriação é sistemática no capitalismo, dado seu caráter desigual e combinado. Embora não
discordemos da autora, consideramos que a noção de acumulação por espoliação ajuda a lançar luz sobre o atual processo
de avanço do capital sobre os recursos naturais e os direitos sociais, contribuindo para ressaltar o caráter
permanentemente violento da expansão capitalista. 
10
A combinação em alto grau da disponibilidade de terra e água faz do Brasil um dos principais focos
de atração para os capitais interessados em expandir a produção agropecuária, visto que o padrão
agrícola moderno, derivado da revolução verde, é intensivo em terra, água e energia. Ressalte-se, que
a tropicalidade (abundância de sol e água) dominante em nosso território garante a intensidade dos
processos de fotossíntese, acelerando o metabolismo das plantas e consequentemente seu processo de
crescimento, o que favorece ainda mais à acumulação de capital na agricultura, por contribuir para
reduzir um dos seus principais entreves que é a diferença entre tempo de trabalho e tempo de
produção. O mapa a seguir aponta o Brasil como o país que possui, ao mesmo tempo, as maiores
disponibilidades de terra e água. 
Mapa 1 – Disponibilidade mundial de terras e água
Estas vantagens comparativas6 para o desenvolvimento da agricultura no Brasil tornam-se ainda
mais nítidas ao analisarmos os dados sobre uso da terra. O quadro a seguir demonstra que a soma das
terras não utilizadas ou utilizadas para pastagens no Brasil representa mais do que o dobro das terras
nestas mesmas condições existentes nos EUA e na Rússia, os dois países que mais se aproximam do
Brasil neste quesito, sem contar o fato de que estes países possuem extensas áreas recobertas
permanente ou temporariamente por neve. Vale mencionar ainda que países como China e Índia, os
dois países mais populosos do mundo e economias em franca expansão, não possuem mais nenhuma
área para expansão da produção agropecuária. 
6 O uso desta expressão faz referência à noção proposta por David Ricardo no século XIX, sem entretanto dar a esta o
mesmo tratamento que faz o referido autor, pois consideramos que não se trata de vocação natural, mas de atributos
historicamente valorizados. Nem sempre a tropicalidade foi vista como benéfica, ao contrário, no mesmo século XIX em
que Ricardo viveu e escreveu, era comum a referência à hostilidade do ambiente tropical. 
11
Quadro 1 - Disponibilidade de terras aráveis
A partir disto constrói-se uma “visão triunfalista dos agronegócios articulada com uma imagem
hiperbolizada do Brasil e de seu potencial agrícola” (Almeida, 2010: 110), como parte das estratégias
de expansão do grande capital na agricultura brasileira (agroestretégias na expressão de Almeida),
como se nestas terras não houvessem indígenas, quilombolas, geraizeros, seringueiros, quebradeiras
de coco de babaçu e tantos outros que ocupam de maneira diversificada o espaço agrário brasileiro. 
Estas agroestratégias articulam-se com o crescente movimento de internacionalização da agricultura
brasileira verificada nos últimos anos, no qual destacam-se a intensificação: (1) do controle das
transnacionais do agronegócio sobre a agricultura brasileira – seja pela determinação do padrão
tecnológico (sementes, máquinas e agroquímicos), seja pela compra/transformação da produção
agropecuária (grandes traders, agroindústrias); (2) da compra de terras por fazendeiros, empresas e
grupos estrangeiros.
No que diz respeito ao controle das transnacionais sobre a agricultura brasileira, o que mais chama
atenção nos dias de hoje é a crescente difusão das sementes transgênicas pelas grandes empresas do
setor, como Monsanto, Bayer, Syngenta7, que também são as grandes produtoras de agroquímicos, o
que contribuiu para a transformação do Brasil no maior consumidor mundial de agrotóxicos, como
veremos com detalhes adiante. 
A propagação desta agricultura de base mecânico-químico-biológica embora tenha se concentrado na
grande propriedade monocultora atingiu também a pequena produção camponesa. Como afirma
Carvalho: 
Como a ideologia dominante é a ideologia da classe dominante, parcela dos
camponeses incorporou, sob as mais distintas formas, essa noção de progresso
expressa na espoliação da natureza. E, mais, com a crescente tendência da
7 A tendência é que esta concentração aumente ainda mais, pois há um movimento de fusão destas gigantes, por exemplo,
com a compra da Monsanto pela Bayer.
12
artificialização da agricultura pela burguesia sob a hegemonia do capital financeiro,
da oligopolização da oferta de insumos, do beneficiamento e da comercialização da
produção agrícola por umas poucas empresas transnacionais, não só a artificialização
da agricultura assim como o controle oligopolista da produção agrícola nacional
tornaram-se uma realidade inconteste porque dominante e legitimada pelas mais
distintas instituições da denominada democracia liberal burguesa vigente no país.
(CARVALHO, 2013: 5)
Entretanto, vale observar também a ampliação do controle das transnacionais sobre a
comercialização e o processamento industrial da produção agropecuária, sobretudo ADM, Bunge,
Cargill e Dreyfus (também conhecido como grupo ABCD). Segundo Delgado & Leite (2010), a
participação do capital estrangeiro na agroindústria de esmagamento da soja cresceu de 16% em
1995 para 57% em 2005. Wesz Jr. (2014) aponta que em 2010 o grupo ABCD somado à Amaggi,
empresa da família do atual ministro da Agricultura, Blairo Maggi, dominava 50% do esmagamento,
80% do financiamento da produção e 85% da comercialização de grãos.
Essas grandes corporações, originalmente concentravam sua atuação no ramo de cereais, mas nos
últimos anos sua atuação tem se expandido para outros setores, em especial o sucroalcooleiro, no
qual a presença das grandes empresas transnacionais tem se expandido rapidamente. 
Este crescente controle das grandes corporações estrangeiras sobre a agropecuária brasileira se
reflete também na ampliação da compra de terras por fazendeiros, empresas e grupos de investidores
estrangeiros, embora a real dimensão desse processo de aquisição de terras por estrangeiros seja uma
incógnita, uma vez que o Incra, órgão responsável pela administração fundiária no Brasil, não tem
instrumentos efetivos de controle disto.8 
De toda a forma, em 2008 existiam 34.632 imóveis registrados no Cadastro do Incra como
pertencentes a estrangeiros, perfazendo um total de 4.037.667 ha, sendo 83% grandes propriedades
(SAUER & LEITE, 2010).
A fragilidade dos mecanismosde controle do Estado sobre o território brasileiro é reconhecida
inclusive por um ex-presidente do órgão que admite que o governo não tem dados sobre investidores
e pessoas físicas que já detêm terras no país e chama atenção para as brechas legais que facilitam o
acesso de estrangeiros à propriedade da terra no Brasil: “Basta abrir um escritório ou estar associado
a um brasileiro, que pode comprar o que quiser de terras.”9
8 O Sistema Nacional de Cadastro Rural é baseado em autodeclaração e praticamente não possui mecanismos de aferição
de sua fidedignidade – ao contrário de outros tipos de declaração, como acontece com o imposto de renda que também é
inicialmente baseado em autodeclaração, mas em torno do qual a Receita Federal constituiu um eficiente sistema de
fiscalização. O que não significa dizer que não haja instrumentos de burla do imposto de renda, pelo contrário, há
inclusive nas empresas de consultoria econômico-financeira especialistas em impostos que se dedicam à busca das
brechas legais para a redução do pagamento de impostos. 
9 Afirmação feita por Rolf Hackbart, ex-presidente do Incra durante palestra no BNDES no Rio de Janeiro em 2008.
13
Há, portanto, controvérsias sobre o volume de terras já pertencentes a grupos, empresas e fazendeiros
estrangeiros, assim como são diferentes os interesses que impulsionam este novo movimento de
internacionalização das terras no Brasil, mas não há como negar a existência e a gravidade de tais
processos, da mesma forma como é inegável a contribuição disto para a fragilização de nossa
soberania territorial. Isto, aliás, não é um fenômeno que se restringe ao território brasileiro, como
demonstram estudos recentes:
Só entre outubro de 2008 e agosto de 2009, foram comercializados mais de 45
milhões de hectares, sendo que 75% destes na África e outros 3,6 milhões de hectares
no Brasil e Argentina, impulsionando aquilo que se convencionou chamar, na
expressão em inglês de “land grabbing”. (SAUER & LEITE, 2010: 1).
Segundo estes autores, são três os fatores que impulsionam este movimento: governos de países com
pouca disponibilidade de terra e preocupados com o abastecimento alimentar que buscam além de
suas fronteiras terras para expandir a produção agropecuária; empresas financeiras em busca da
apropriação da renda da terra; empresas do setor agroindustrial que buscam expandir seus lucros e
seu controle sobre o processo de produção. 
As consequências desta crescente internacionalização da agricultura brasileira se refletem, por
exemplo nas transformações do padrão produtivo da agropecuária brasileira e na questão da
segurança alimentar. Desde a segunda metade do século XX, a agropecuária brasileira passou por
importantes processos de transformação que se intensificaram nas últimas décadas, com a
consolidação do agronegócio, “associação do grande capital agroindustrial com a grande propriedade
fundiária, sob patrocínio fiscal, financeiro e patrimonial do estado” (Delgado, 2006:1).
Nos últimos anos, temos presenciado a reprimarização das exportações brasileiras, com destaque
para produtos minerais (sobretudo o minério de ferro) e agropecuários. Este processo tem fortes
implicações sobre a nossa segurança alimentar, como veremos a seguir.
Segundo dados do IBGE, entre 1990 e 2016, a plantada com lavouras temporárias no Brasil
aumentou de 45,98 para 71,40 milhões de ha, isto é, cresceu 25,42 milhões de ha. 
Entretanto, o aumento concentrou-se basicamente em três produtos voltados prioritariamente para
exportação ou transformação industrial, as chamadas commodities – soja, cana e milho. A área
plantada com soja cresceu de 11,58 para 33,30 milhões de ha, a área com milho de 12,02 para 15,03
14
milhões de ha e a área com cana passou de 4,32 para 10,24 milhões de ha. Somadas as áreas dessas
três culturas o aumento foi de 31,66 milhões de ha, passando de 27,93 para 59,59 milhões de ha.
Gráfico 2 – Área plantada com lavouras temporárias – Milhões de ha - Brasil – 1990-2016
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di
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s
45,980,738
4,158,547 5,304,267 1,975,643
11,438,457
4,322,299
12,023,771 11,584,734
27,930,804
71,406,509
2,004,643 2,946,801 1,439,754
6,391,198
10,245,102
16,039,474
33,309,865
59,594,441
Área Plantada com Lavouras Temporárias (ha) - Brasil - 1990-2016
1990 2016
Fonte: IBGE. Organizado pelo Autor.
Por outro lado, a área destinada à produção de três alimentos básicos da dieta da população brasileira
(arroz, feijão e mandioca) diminuiu mais de 5 milhões de ha, caindo de um total de 11,43 para 6,39
milhões de ha, sendo que a maior redução foi a da área plantada com feijão, que caiu de 5,3 para 2,94
milhões de ha. 
Vale destacar adicionalmente que entre 1990 e 2016, a soja ultrapassou o milho em termos de área
plantada, assumindo a condição de maior lavoura do país. Foi também a cultura com maior
crescimento em termos proporcionais, quase triplicando a área plantada. 
Outro dado revelador dos caminhos da produção agropecuária brasileira é o relativo à expansão da
criação de bovinos no Brasil, atividade que se caracteriza pelo caráter extensivo, e cujo número de
cabeças (215,2 milhões) já é maior que o número de brasileiros (210 milhões). Neste caso
observamos que a criação de bovinos expandiu-se em todas as regiões do país, mas com destaque
15
para a Amazônia, onde a expressão foi mais significativa, passando de 17,8% do rebanho brasileiro
em 1990 para 39,1% em 2015. 
Por fim, vale registrar também o grande crescimento da produção de madeira no país a partir da
silvicultura, isto é a produção em escala industrial de árvores para fabricação de papel e celulose ou
carvão vegetal, ou ainda madeira para a indústria moveleira, da construção civil, entre outros usos.
A comparação entre o crescimento da população brasileira e o crescimento da produção agrícola,
revela uma acentuação da insegurança alimentar no país. Entre 1991 e 2010, a população brasileira
passou de 146.917.459 habitantes para 190.715.799 habitantes, um crescimento de 29,8%. No
mesmo período, a produção de arroz aumentou 33% e a de feijão 27%, ou seja, a de arroz superou
levemente o crescimento populacional e a de feijão ficou abaixo deste, o que significa dizer que caiu
a disponibilidade de feijão por habitante, o que explica que este produto seja importado hoje até da
China. Por outro lado, a produção de milho cresceu 237%, a de cana-de-açúcar 255% e a de soja
288%, o que confirma a prioridade da agricultura brasileira atual pelos produtos voltados para
exportação ou a produção de matérias primas para a indústria em detrimento da produção de
alimentos para a população. 
Todos esses dados apontam para a inexorável ampliação de nossa insegurança alimentar, decorrente
de um modelo produtivo que expande a produção de commodities em detrimento da produção de
alimentos, fortalece o agronegócio e não a agricultura, muito menos uma agricultura de base
camponesa e agroecológica. Como diz Carvalho: 
O denominado agronegócio vigente no país (as empresas capitalistas direta e
indiretamente relacionadas com o campo) enaltece e reproduz sem se ruborizar, pela
promoção consciente da subalternidade colonial brasileira perante as economias
altamente desenvolvidas, a primarização da economia exportadora nacional onde
predomina a espoliação da natureza. (CARVALHO, 2013: 10) 
Tais processos espoliativos da natureza se refletem, por exemplo, no avanço do desmatamento.
Segundo dados do IBGE10 temos o seguinte cenário em relação aos grandes biomas brasileiros: a
área desflorestada se aproxima hoje dos 20% da área florestal original da Amazônia; por sua vez, da
Mata Atlântica, restam apenas 12% da área total,do Pampa, 46%, do Cerrado, 51%, da Caatinga,
54% e do Pantanal, 85%. Entretanto, a maior expansão recente do desmatamento tem se concentrado
no Cerrado e na Amazônia. 
Já no que diz respeito aos agrotóxicos, o uso cada vez mais intenso transformou o Brasil no maior
consumidor mundial desde o ano de 2008. Segundo estudo publicado pela Associação Brasileira de
Saúde Coletiva (ABRASCO) em 2012, a utilização de agrotóxicos nas lavouras do país saltou de
10 Disponível em www.ibge.gov.br/home/geociencias/recursosnaturais/ids/default_2012.shtm
http://www.ibge.gov.br/home/geociencias/recursosnaturais/ids/default_2012.shtm
16
599,5 milhões de litros no ano de 2002 para 852,8 milhões de litros em 2011. Tal crescimento está
associado ao crescimento das lavouras de soja, milho e cana, prioritariamente voltadas para
exportação ou transformação industrial, as que mais consomem agrotóxicos, mas os alimentos
básicos também estão sendo intensamente contaminados. Pelo levantamento realizado, o consumo de
agrotóxicos entre 2002 e 2011 aumentou de 11 para 12 litros/ha e o de fertilizantes de 90,1 kg/ha
para 94,8 kg/ha. (ABRASCO, 2012)
Dentre os principais tipos de agrotóxicos consumidos no Brasil destacam-se os herbicidas que
representaram 45% do total de agrotóxicos comercializados, seguidos dos fungicidas que respondem
por 14% do mercado nacional e dos inseticidas que correspondem a 12%, cabendo aos demais tipos
29%. (ABRASCO, 2012: 15/16)
Quando consideradas as lavouras, observamos que em 2011, o consumo médio de agrotóxicos
(herbicidas, inseticidas e fungicidas) por hectare de soja foi de 12 litros, o de milho 6 l/ha; de
algodão 28 l/ha; de cana 4,8 l/ha; de cítricos: 23 l/ha; de café: 10 l/ha; de arroz 10 l/ha; de trigo: 10 l/
ha e de feijão: 5 l/hectare. (ABRASCO, 2012: 20)
A dependência de volumes crescentes de agrotóxicos e fertilizantes demonstra cabalmente o quão
insustentável é a agricultura brasileira. 
Os ideólogos do agronegócio usam a expressão “produção de commodities” para designar a
produção em larga escala e de forma especializada de cana, milho, soja, outrora denominada
simplesmente monocultura. Rejeitam a noção de latifúndio, afirmando que é a moderna tecnologia e
a elevada produtividade que marcam o campo brasileiro. Dizem que não existe trabalho escravo no
campo, mas uma “cultura trabalhista diferenciada”. E que a agricultura brasileira é sustentável.
Novas justificativas para velhas práticas. Mudam os nomes, mas a realidade persiste no campo
brasileiro: violência, exploração e devastação. E cinismo também. 
Já dizia Marx que para desvendar as relações sociais precisamos ir muito além das aparências. Nada
mais falacioso do que o discurso dos ideólogos do agronegócio de que a terra já não é mais
fundamental para a agricultura contemporânea, pois está é intensiva em capital e tecnologia. Terra é
não só fundamental para o agronegócio, como hoje também para uma série de outras estratégias do
capital, dentre elas a especulação movida por grandes empresas transnacionais, bem como fundos
financeiros os mais diversos que cada vez mais investem em terras como ativos financeiros. De outro
modo, como explicar a resistência do agronegócio à atualização dos índices de produtividade para
desapropriação de terras para reforma agrária? Como afirma Medeiros:
Terras improdutivas ou produzindo pouco fazem parte das necessidades criadas pela
expansão das atividades empresariais. Transformá-las em áreas passíveis de
desapropriação, com a possibilidade de se transformarem em assentamentos,
17
significa subtraí-las do mercado e excluí-las do cerne desse circuito de reprodução”
(MEDEIROS, 2010: 4)
O quadro abaixo sintetiza o que está em disputa no campo brasileiro hoje: apesar de já controlar
praticamente um terço do território brasileiro (280 milhões de ha, 32,9% do total), o
latifúndio/agronegócio pretende avançar sobre as terras hoje sob controle estatal, especialmente as
Unidades de Conservação, as Terras Indígenas e os Assentamentos Rurais, que somados abrangem
41,2% do território brasileiro.
Quadro 2 – Distribuição das Terras por Categoria de Uso no Brasil
Fonte: Incra, Embrapa. Organizado pelo Autor
O fato da soma da área de Unidades de Conservação, Terras Indígenas, Assentamentos Rurais,
Territórios Quilombolas e Imóveis Rurais (862,6 milhões de ha) superar a área do Território
Brasileiro (850 milhões de ha) já indica as sobreposições existentes entre algumas dessas categorias,
o que remonta ao histórico processo de grilagem de terras existente no Brasil, mas que se renova
permanentemente. 
3. E como os movimentos sociais do campo estão reagindo a tudo isso?
Na contramão do avanço do agronegócio, a defesa da reforma agrária e da justiça no campo tem se
associado a outras bandeiras, como a causa ambiental, a soberania alimentar e a luta pela
democracia. Vale dizer que esta não é apenas uma luta brasileira, como nos lembra o sociólogo
argentino Miguel Teubal:
...la lucha por la tierra y la reforma agraria hacia fines del siglo XX, comienzos del
nuevo milenio, constituye una lucha contra el modelo de agricultura industrial o
agroalimentario, impulsado por estas transnacionales que dominan tecnologías de
punta, canales de comercialización de alimentos, grandes industrias alimentarias, así
como también la producción de semillas y productos transgénicos. Surge en
consecuencia que la lucha por la tierra es también una lucha en contra de un nuevo
establishment surgido en escala mundial que incide sobre múltiples aspectos que
atañen a la tierra y al sistema agroalimentario en su conjunto. Es, asimismo, una lucha
18
en contra de toda una cultura impulsada por ese establishment vinculado al mercado y
a la mercantilización de la vida misma. (TEUBAL, 2009: 226/227) 
Neste sentido, a construção de uma reforma agrária agroecológica tem sido colocada como pauta
central pelo MST e outros movimentos sociais do campo. Trata-se não apenas de mudar o padrão
técnico dominante com a rejeição aos agrotóxicos, mas de construir outras práticas produtivas, outras
formas de comercialização, outras relações de trabalho, outras relações sociedade-natureza que
superem a fratura metabólica (FOSTER, 2005) instaurada pelo capital. 
A multiplicação das feiras da reforma agrária nos estados e a realização da Feira Nacional da
Reforma Agrária, em São Paulo, já na sua terceira edição, espaços nos quais não apenas se vende
diretamente a produção dos assentados, mas também se debate a reforma agrária e a agroecologia e
se manifesta a cultura popular, são exemplos dessa construção. Assim também o são os Armazéns do
Campo abertos em São Paulo, Belo Horizonte e no Rio de Janeiro, espaços onde os alimentos
saudáveis se misturam à música, à poesia e à política.
Também a realização do Encontro Unitário dos Trabalhadores, Trabalhadoras e Povos do Campo,
das Águas e das Florestas, em 2012, que reuniu 37 organizações da sociedade civil, incluindo
dezenas de movimentos camponeses, indígenas e quilombolas, representou um importante passo
neste sentido, com o conjunto desses movimentos assumindo a bandeira da reforma agrária
agroecológica.
Todos esses exemplos mostram que não é possível pensar a agroecologia dissociada da reforma
agrária e do fortalecimento da agricultura camponesa. Enquanto o modelo agrário brasileiro for
marcado pelo domínio da grande propriedade monocultora, a agroecologia não será mais que um
fenômeno marginal. 
Infelizmente, no que diz respeito à reforma agrária pouco foi feito pelos sucessivos governos:
As medidas de reforma agrária adotadas até o momento procuravam satisfazer
exigências imediatas, neutralizar conflitos locais e,acima de tudo, evitar um
confronto maior com os grandes proprietários de terra. Dessa forma, elas não
representaram ações contundentes com o objetivo de transformar o sistema fundiário
e suas assimetrias nas relações de poder. O efeito distributivo das políticas agrárias do
Brasil, apesar de significativo em alguns municípios, tem tido um impacto mínimo
sobre a estrutura agrária do país. Mesmo com as iniciativas promovidas no primeiro
governo Lula, a reforma agrária brasileira é, em termos proporcionais, uma das
menores de toda a América Latina. (...) No total, esse processo de reforma beneficiou
5% de toda a força de trabalho agrícola e distribuiu 11,6% do total de terras
cultiváveis.” (CARTER, 2010: 60/61)
https://encontrounitario.wordpress.com/
https://encontrounitario.wordpress.com/
19
E não foi por falta de terras disponíveis, pois ainda existem hoje no Brasil 120 milhões de ha
improdutivos autodeclarados e 172 milhões de ha de terras devolutas (Delgado, 2010).
Ao invés de realizar a reforma agrária nas áreas onde se concentram as lutas pela terra, os sucessivos
governos brasileiros empurram as famílias assentadas para a fronteira agrícola, no que denominamos
de descolamento geográfico entre as lutas pela terra e a política de reforma agrária (Alentejano,
2004) e outros autores também têm destacado.
...os assentamentos de reforma agrária estão concentrados nas regiões de fronteira e
nas partes mais empobrecidas do país (...) Mais de 70% das terras repartidas entre
1985 e 2006 estão na Amazônia, a dizer, na região Norte e os estados vizinhos de
Mato Grosso e Maranhão. No entanto, a pressão mais intensa pela reforma agrária
aconteceu nas regiões Sul e Sudeste do país. Entre 1988 e 2006, essas duas regiões do
país – de fato as mais desenvolvidas e onde o valor das terras é mais alto –
registraram a metade das ocupações de terra, mas só tiveram o assentamento de 9%
das famílias, numa área total que apenas alcançou os 5% do território distribuído pelo
Estado. (CARTER & CARVALHO, 2010: 294)
E assim, chegamos ao século XXI, sem que a reforma agrária tenha sido realizada no Brasil, apesar de
prometida por sucessivos governos, ditatoriais ou democráticos. Mas, a luta dos movimentos sociais rurais
tampouco permitiu que deixasse de ser um espectro permanentemente presente na pauta política nacional,
afinal: 
O debate em vigor no Brasil sobre a reforma agrária toca assuntos que ultrapassam a
questão fundiária e o desenvolvimento rural. Os assuntos em pauta levantam
problemas mais profundos da sociedade brasileira. Na alvorada do século XXI, a
reforma agrária continua sendo parte de uma conversação complexa e contenciosa
sobre o futuro do Brasil – suas promessas e necessidades, seus temores e sonhos.
(CARTER, 2010: 71). 
E esta mobilização continua hoje presente, num contexto em que o governo Temer, articulado aos
ruralistas, avança na desconstrução de direitos indígenas e quilombolas, favorece a grilagem e a
privatização das terras dos assentamentos rurais, desmonta as políticas de assistência técnica, crédito,
educação e tantas outras a reação torna-se ainda mais essencial.
Foi esse o recado dado pelas crianças sem terrinha no I Encontro Nacional das Crianças Sem
Terrinha, realizado em julho de 2018, que reuniu em Brasília mais de 1.000 crianças de 24 estados
brasileiros para, através de jogos, brincadeiras, oficinas, música, teatro e poesia, debater reforma
agrária, alimentação saudável e direito à educação, saúde e cultura para as crianças do campo. Sob o
lema “Sem Terrinha em movimento: brincar, sorrir, lutar por reforma agrária popular”, as crianças
realizaram ainda um passeio/manifestação na Esplanada dos Ministérios e na Praça dos Três Poderes,
onde expressaram sua inconformidade com o fechamento de escolas no campo e exigiram reforma
agrária e alimentação saudável. Uma das principais cantigas que ecoou pelos inóspitos e insensíveis
20
espaços da capital federal foi “Sou Sem Terrinha do MST/Acordo todo dia pra lutar você vai ver/Por
terra, por escola, saúde, educação/Desse meu direito eu não abro mão”.
Que a lição das crianças sem terrinha anime a todos a seguir na luta.
 
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	Mapa 1 – Disponibilidade mundial de terras e água
	Quadro 1 - Disponibilidade de terras aráveis
	Também a realização do Encontro Unitário dos Trabalhadores, Trabalhadoras e Povos do Campo, das Águas e das Florestas, em 2012, que reuniu 37 organizações da sociedade civil, incluindo dezenas de movimentos camponeses, indígenas e quilombolas, representou um importante passo neste sentido, com o conjunto desses movimentos assumindo a bandeira da reforma agrária agroecológica.

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