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CENTRO UNIVERSITÁRIO PROJEÇÃO ESCOLA DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES UNIDADE TAGUATINGA LICENCIATURA EM HISTÓRIA CONCEPÇÕES EDUCACIONAIS E SEUS REFLEXOS NA LEGISLAÇÃO DO PRIMEIRO GOVERNO VARGAS (1930-1937) STANLEY AMARANTE RODRIGUES BRASÍLIA/DF – NOVEMBRO 2016 STANLEY AMARANTE RODRIGUES CONCEPÇÕES EDUCACIONAIS E SEUS REFLEXOS NA LEGISLAÇÃO DO PRIMEIRO GOVERNO VARGAS (1930-1937) Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como exigência para a obtenção de diploma de conclusão do curso de Licenciatura em História da Escola de Formação de Professores do Centro Universitário Projeção, sob orientação do Professor Dr. Jeansley Charlles de Lima. BRASÍLIA/DF – NOVEMBRO 2016 CONCEPÇÕES EDUCACIONAIS E SEUS REFLEXOS NA LEGISLAÇÃO DO PRIMEIRO GOVERNO VARGAS (1930-1937) STANLEY AMARANTE RODRIGUES Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como exigência para a obtenção de diploma de conclusão do curso de Licenciatura em História da Escola de Formação de Professores do Centro Universitário Projeção, área de concentração: História da Educação Brasileira, defendido em 21 de novembro de 2016. Banca Examinadora constituída pelos professores: ___________________________________________________________________________ Prof. Dr. Jeansley Charlles de Lima Centro Universitário Projeção (UniProjeção) – Orientador ___________________________________________________________________________ Prof. Me. Francisco Thiago Silva Centro Universitário Projeção (UniProjeção) – Membro Convidado Dedico este trabalho aqueles interessados na criação do modelo educacional brasileiro e, particularmente, a todos os professores do Brasil que, a despeito de todas as adversidades, ainda tem fé na educação. AGRADECIMENTOS Primeiramente gostaria de agradecer aos meus pais Mírian Alberta Amarante de Sousa e Ricardo Pereira Rodrigues que muito me ajudaram durante toda a graduação, proporcionando as condições práticas para que eu pudesse me dedicar aos estudos, o que inclui este trabalho, tanto do ponto de vista financeiro quanto em relação a paciência em ouvir minhas divagações durante a pesquisa, em particular minha mãe. Não posso deixar de agradecer as políticas públicas estabelecidas no período de governo do PT, não que eu seja partidário, mas ingressei no ensino superior por meio da minha nota do ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio) a qual apliquei no PROUNI (Programa Universidade para Todos) e que me tornou bolsista integral do presente curso. Aos meus colegas/amigos da graduação que tal como meus pais me escutaram bastante – suspeito que estejam enjoados só de ouvir o título do meu trabalho – e, claro, ao meu orientador e demais professores do curso que me iniciaram na arte da historiografia, particularmente aos professores Francisco Thiago que me apresentou o materialismo histórico dialético, guia metodológico desta pesquisa, e Alexandre de Carvalho que instigou meu intelecto a diferentes formas de pensar a História – e o próprio contexto em que vivo – por meio de seu olhar sóbrio e realista. E como é de praxe agradeço a Deus. RESUMO A presente pesquisa pretende discutir as principais concepções pedagógicas da década de 1930 e seus reflexos na legislação do Primeiro Governo Vargas (1930-1937) determinando o impacto social dessa legislação educacional na sociedade do referido período. O objetivo geral da pesquisa é compreender como as concepções pedagógico-educacionais da década de 1930 influenciaram a legislação do Primeiro Governo Vargas e o impacto desta na sociedade brasileira realçando pontos negativos e positivos. Por meio do materialismo histórico dialético adotou-se um enfoque qualitativo. Quanto aos procedimentos gerais para a coleta de informações foram utilizados a análise documental e a análise bibliográfica. Como fundamentação teórica serão utilizados os seguintes autores: Demerval Saviani, Otaíza de Oliveira Romanelli, Maria Luisa Santos Ribeiro, Paulo Ghiraldelli Jr., Moacir Gadotti, Azilde Lina Andreotti, Louis Althusser e Augusto Nibaldo Silva Triviños. A abordagem utilizada é da História Textual, optou-se por uma análise múltipla fundada nos aspectos intertextuais, intratextuais e contextuais. Lançando mão, eventualmente, de uma abordagem comparativa. A pesquisa resultou na consideração de que ambas as principais concepções educacionais da década de 1930, a tradicional e a escolanovista influíram profundamente na legislação educacional brasileira. O resultado mostra-se no âmbito da constatação da criação de um sistema escolar dual, expansão da atividade escolar, desenvolvimento da indústria e uso ideológico do ensino. Palavras-chave: Concepções Educacionais, Legislação Educacional, Era Vargas. LISTA DE TABELAS Tabela 1 – Crescimento real da rede escolar ......................................................................... 56 Tabela 2 – Crescimento da população total do país e da matrícula geral ............................. 56 Tabela 3 – Crescimento do professorado .............................................................................. 56 Tabela 4 – Variação de aprovação ........................................................................................ 57 Tabela 5 – Reprovações em números absolutos ................................................................... 60 Tabela 6 – Conclusão de curso segundo os graus de ensino ................................................. 61 Tabela 7 – Quantidade de pessoas que deixam de completar os outros graus em relação ao elementar .................................................................................................................................. 61 LISTA DE SIGLAS SIGLA SIGNIFICADO ABE Associação Brasileira de Educação AIB Ação Integralista Brasileira ANL Aliança Nacional Libertadora CNE Conselho Nacional de Educação DIP Departamento de Imprensa e Propaganda DNP Departamento Nacional de Propaganda ENEM Exame Nacional do Ensino Médio HISTEDBR História, Sociedade e Educação no Brasil IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística INEP Instituto Nacional de Ensino e Pesquisa Anísio Teixeira MEC Ministério da Educação e Cultura PROUNI Programa Universidade para Todos PRP Partido Republicano Paulista PSD Partido Social Democrata PT Partido dos Trabalhadores PTB Partido dos Trabalhadores Brasileiros PUC-SP Pontifícia Universidade Católica de São Paulo UFMG Universidade Federal de Minas Gerais UFPR Universidade Federal do Paraná UNICAMP Universidade Estadual de Campinas UNIVILLE Universidade da região de Joinville SUMÁRIO Introdução ................................................................................................................................. 9 1. A EDUCAÇÃO BRASILEIRA NA ERA VARGAS (1930-1937): UMA ANÁLISE DE CONTEXTO ........................................................................................................................... 12 1.1. Histórico da Educação Brasileira ....................................................................................... 12 1.2. A Era Vargas ...................................................................................................................... 17 1.2.1. Contexto Político, Econômico e Social .......................................................................... 20 1.2.2. A Legislação Educacional .............................................................................................. 24 1.3. Os Ideários do Período .......................................................................................................25 2. O CAMPO DA HISTÓRIA SOCIAL: UMA ANÁLISE TEÓRICO-CONCEITUAL 30 2.1. Conhecendo a História Social ............................................................................................ 30 2.2. A Educação na Era Vargas: Um viés da História Social ................................................... 32 2.3. Um Passeio Conceitual ...................................................................................................... 37 3. LEGISLAÇÃO EDUCACIONAL E SOCIEDADE NA ERA VARGAS (1930-1937): DA METODOLOGIA ÀS FONTES ..................................................................................... 45 3.1. Sobre a Metodologia .......................................................................................................... 45 3.2. A Legislação Educacional e seus Impactos: De 1930 a 1937 ........................................... 47 3.2.1. Ansiando por mudanças (1930 a 1934): o Manifesto e a Reforma de Campos......................................................................................................................................48 3.2.2. A incerteza (1934 a 1937): a Constituição e as “novas” possibilidades ......................... 57 3.2.3. As novas diretrizes da Educação e a Centralização do Estado: a Constituição de 1937 e o papel do DIP na Educação ........................................................................................................ 62 Considerações Finais .............................................................................................................. 66 Bibliografia .............................................................................................................................. 69 Anexos ...................................................................................................................................... 72 Anexo I – Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova ........................................................... 73 Anexo II – Artigos referentes a educação nas Constituições de 1934 e 1937 .......................... 87 9 INTRODUÇÃO Este trabalho visa refletir sobre a influência das concepções pedagógico-educacionais da década de 1930, em especial a relação entre as concepções escolanovista e tradicional, na legislação educacional do Primeiro Governo Vargas (1930-1937) e seu impacto na sociedade brasileira do referido período, buscando levantar pontos positivos e negativos a esse respeito. Por que este tema seria relevante à academia e à ciência histórica? Pode se responder o seguinte: este tema, embora diversas vezes explorado, não é comumente tratado de forma ampla. Serão discutidas ideias de autores de variadas áreas (pedagogos, filósofos, sociólogos e historiadores) que se enquadram em uma ou até mais de uma dessas áreas, podemos destacar Demerval Saviani, Otaíza Romanelli e Maria Luisa S. Ribeiro, e outros como Maria Lúcia de Arruda Aranha, Boris Fausto, Louis Althusser, Moacir Gadotti, Claudino Piletti, Nelson Piletti e Augusto Nibaldo Silva Triviños. Este trabalho é dotado de uma visão não apenas ampla, mas ao mesmo tempo sintética das transformações educacionais ocorridas no Brasil entre os anos de 1930 e 1937 contribuindo assim para os eixos teóricos da(s) (1) História da Educação Brasileira, (2) Concepções Pedagógicas do Século XX e (3) Legislação Educacional e seus impactos sociais; inclusive através de conhecimentos potencialmente generalizáveis – construídos a partir de uniformidades empíricas – e que podem permitir uma aplicabilidade adaptada a outras pesquisas possibilitando, dessa forma, o avanço ou o enriquecimento do conhecimento científico tanto da área de história como de outras áreas interessadas na Educação Brasileira. Do ponto de vista social esta pesquisa é relevante a compreensão do contexto educacional brasileiro, que se encontra, atualmente, diante de vários problemas relacionados à estrutura física e ao próprio modelo educacional. É preciso apontar que para uma legítima compreensão do atual momento é necessário conhecer as origens desse modelo, identificadas aqui no Primeiro Governo Vargas. Uma melhor compreensão das transformações educacionais entre os anos de 1930 e 1937 pode ajudar a entender melhor o atual contexto da educação brasileira e auxiliar na criação de propostas que venham a renovar os atuais paradigmas do ensino no Brasil. Para este pesquisador a importância desse trabalho de pesquisa está profundamente relacionada à sua relevância social, pois ao ver-se inserido no meio educacional deparou-se com imensas dificuldades na aplicação efetiva do processo de ensino-aprendizagem frente ao atual modelo educacional – que parece não estar em consonância com as necessidades da presente sociedade brasileira. Dentre essas necessidades pode-se pontuar o aumento dos investimentos 10 em recursos tecnológicos e infraestrutura escolar, uma maior preocupação com a formação pedagógica de professores de forma que estes possam usar de mecanismos didáticos que mais os aproximem dos alunos – e que despertem nestes um maior interesse – como uso de histórias em quadrinhos, obras literárias, músicas, jogos, viagens de campo e acesso a laboratórios para experiências práticas. Outro fator que vale ser destacado é a viabilidade de execução desta pesquisa que, desde o início, mostrou-se promissora, tanto pela grande disponibilidade de referencial bibliográfico, quanto pela facilidade de acesso às fontes primárias, disponíveis em sites governamentais e no próprio referencial bibliográfico. Esta pesquisa adere à linha de pensamento marxista partindo, portanto, do pressuposto de que a luta de classes e o modo de produção são elementos propulsores da história – da transformação da sociedade. Nota-se como a perspectiva do materialismo histórico dialético pode ser de grande utilidade nesta pesquisa, em que é possível enxergar a luta de classes no campo educacional e a forma pela qual o novo modo de produção capitalista afeta as classes trabalhadoras. Desta forma, no primeiro capítulo, busca-se contextualizar as políticas educacionais do Primeiro Governo Vargas (1930-1937) analisando os antecedentes da educação brasileira e os aspectos social, político, económico e cultural do período tratado, assim como identificar as principais concepções pedagógico-educacionais da década de 1930 e analisar suas influências na legislação. No segundo capítulo, optou-se por dividi-lo em três subtemas. No primeiro, procura-se mostrar o panorama teórico do campo da História Social. No segundo é apresentado o referencial bibliográfico que fundamenta esta pesquisa. A terceira e última parte do capítulo busca familiarização para com determinados conceitos que são frequentemente utilizados. Por sua vez, o terceiro capítulo, que pode ser visto como núcleo deste trabalho, é iniciado com uma breve exposição do método para em seguida tratar do reconhecimento e análise crítica da nova legislação educacional (decretos que compõe a Reforma Francisco Campos e as Constituições de 1934 e 1937) e de material que lhe é contemporâneo (Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova e a cartilha “A Juventude do Estado Novo”, publicada pelo DIP), discutindo seus impactos na sociedade brasileira do referido período. Além de realçar pontos negativos e positivos dessas medidas. 11 CAPÍTULO 1 A EDUCAÇÃO BRASILEIRA NA ERA VARGAS (1930-1937): UMA ANÁLISE DE CONTEXTO “A História nos mostra que, apesar das intensas lutas de seu povo, o Brasil sempre foi mantido numa situação de dependência. Inicialmente de Portugal; depois, da Inglaterra; por último dos Estados Unidos. E a educação foi um dos instrumentos de que lançaram mão os sucessivos grupos que ocuparam o poder para promover e preservar essa dependência. Quando não através da exclusão pura e simples, impedindo-se o acesso de grande parte dosbrasileiros a escola, por meio de um ensino para a submissão, desprovido da preocupação crítica, tanto em seus conteúdos quanto em seus métodos”. (PILETTI e PILETTI, 2009, p. 163). 12 1. A EDUCAÇÃO BRASILEIRA NA ERA VARGAS (1930-1937): UMA ANÁLISE DE CONTEXTO 1.1. Histórico da Educação Brasileira Antes de adentrar na Era Vargas é importante fazer um levantamento do caminho percorrido pela educação brasileira até 1930. Assim poderá ser mais bem compreendido o desenrolar dos acontecimentos que motivaram as reformas educacionais do período ao qual se dedica este trabalho: o Governo Provisório (1930-34) e o Governo Constitucional (1934-37) de Getúlio Vargas. Ao iniciar a colonização das terras brasileiras Portugal tinha em mente dois papeis para o que logo viria a se tornar sua mais importante colônia no ultramar: (1) o fornecimento de gêneros úteis ao comércio metropolitano e (2) a catequização dos nativos, que em muito reforçaria o primeiro papel. Caio Prado Júnior (1978) atesta os interesses de Portugal em sua obra História Econômica do Brasil: para sua colônia americana [queria] é que fosse uma simples produtora e fornecedora de gêneros úteis ao comércio metropolitano e que se pudessem vender com grandes lucros no mercado europeu. Este será o objetivo da política portuguesa até o fim da era colonial. E tal objetivo ela o alcançaria plenamente, embora mantivesse o Brasil, para isto, sobre um rigoroso regime de restrições econômicas e opressão administrativa. (p. 55). A chegada dos jesuítas ao Brasil (1549), em pleno contexto das Reformas Religiosas e da expansão da fé protestante, vem integrá-los ao início da política colonizadora do rei de Portugal dando-lhes a responsabilidade quase exclusiva pela educação no Brasil por 210 anos, no chamado período jesuíta, que vai de 1549 a 1759 quando da expulsão dos mesmos pelo Marquês de Pombal. Paulo Ghiraldelli Jr. (2005) nos dá o contexto do aparecimento dos jesuítas: A Companhia de Jesus foi oficializada pela Igreja em 1540. Nasceu em uma época caracterizada por conflitos e divisões dentro da Igreja, sendo a Reforma Protestante o principal deles. Era também a época da expansão das fronteiras geográficas, com a descoberta da América e a abertura de novas rotas comerciais para a Ásia, e das mudanças radicais no campo das ciências e das letras. A Companhia tentou dar uma resposta positiva a esses desafios, atuando em três campos: defesa e promoção da fé cristã; propaganda da fé nos territórios coloniais; educação da juventude. A atividade educativa tornou-se a principal tarefa dos jesuítas. A gratuidade do ensino da Companhia favoreceu a expansão dos seus colégios. Em 1556, quando da morte de Santo Inácio, o criador da Companhia, havia 46 colégios sob seu controle. No final do século XVI o número de colégios era de 372. (p. 25). 13 Foram então criadas as escolas de primeiras letras, instrumento usado pelos jesuítas para alcançar seu principal objetivo: a difusão e a conservação da fé católica entre o elemento gentio, senhores de engenho, colonos e, posteriormente, os negros escravizados. Esses colégios jesuíticos ofereciam, além das aulas básicas de ler e escrever, três cursos: (1) Letras Humanas (Gramática Latina, Humanidades e Retórica), (2) Filosofia e Ciências (Lógica, Metafísica, Moral, Matemática e Ciências Físicas e Naturais) – ambos de nível secundário com uma duração global média de 9 anos, 5 ou 6 no primeiro e 3 anos segundo curso – e (3) Teologia e Ciências Sagradas – de nível superior. Aqueles que pretendessem continuar seus estudos, ao invés de ingressar na carreira eclesiástica, deviam seguir para a Europa. (PILETTI e PILETTI, 2009, p. 167-168). Ghiraldelli Jr. (2005) atesta essa configuração e ainda fala do trato da educação infantil: Sob os jesuítas, na prática, o que ocorreu foi que o ensino das primeiras letras ficou sob o cargo das famílias, na sua maior parte. As famílias mais ricas optaram ou por pagar um preceptor ou por colocar o ensino de suas crianças sob os auspícios de um parente mais letrado, de modo que os estabelecimentos dos jesuítas, quanto ao atendimento dos brancos e não muito pobres, se especializaram menos na educação infantil que na educação de jovens já basicamente instruídos. (p. 26). Maria Lúcia de Arruda Aranha (2006) acrescenta: “Inicialmente os curumins aprendiam a ler e a escrever ao lado dos filhos dos colonos. Anchieta usava vários recursos para atrair a atenção das crianças: teatro, música, poesia, diálogos e verso”. (p. 141-142). Desenvolveu-se ainda a aprendizagem de ofícios, essa na maioria das vezes havia sido de iniciativa jesuítica, embora ainda se pudesse encontrar algumas escolas-oficinas para a formação de artesãos e outros ofícios sobre a direção dos mesmos. Sobre a aprendizagem dos ofícios Luiz Antônio Cunha (apud ARANHA, 2006) disse “tanto para os escravos quanto para os homens livres, era desenvolvida no próprio campo de trabalho sem padrões ou regulamentações, sem atribuições de tarefas para os aprendizes”. (p. 166). Em 1759, o Marquês de Pombal, primeiro-ministro de Portugal, suprimiu as escolas jesuíticas em seus domínios atribuindo-lhes intenções de opor-se ao governo português (Alvará de 28 de junho). O resultado, na análise do educador cearense Valnir Chagas (1980), foi: Pior é que, para substituir a monolítica organização da Companhia de Jesus, algo tão fluido se concebeu que, em última análise, nenhum sistema passou a existir [...] Não havia currículo, no sentido de um conjunto de estudos ordenados e hierarquizados, nem a duração prefixada se condicionava ao desenvolvimento de qualquer matéria. O ‘aluno’ se matriculava em tantas aulas quantas fossem as disciplinas que desejassem [...] os professores eram 14 geralmente de baixo nível, porque improvisados e mal pagos. (CHAGAS, 1980 apud PILETTI; PILETTI, 2009, p. 168-169). Sobre o estado da educação brasileira no século XVIII, Aranha (2006) comenta: Persistia o panorama do analfabetismo e do ensino precário, restrito a poucos, uma vez que a ação mais eficaz dos jesuítas se fez sobre a burguesia e na formação das classes dirigentes, além da tarefa dos missionários sobre os índios. Uma sociedade essencialmente agrária que não exigia especialização e em que o trabalho manual estava a cargo de escravos, permitiu a formação de uma elite intelectual cujo saber universal e abstrato voltava-se mais para o bacharelismo, a burocracia e as profissões liberais. Resultou daí um ensino predominantemente clássico, por valorizar a literatura e a retórica e desprezar as ciências e a atividade manual. Durante esse longo período do Brasil colônia aumentou o fosso entre os letrados e a maioria da população analfabeta. (p. 193). Com a vinda da Família Real Portuguesa para o Brasil (1808) e a Independência (1822) a prioridade do governo em relação à educação converteu-se na formação das elites dirigentes do país criando escolas superiores e mecanismo para o acesso às mesmas, principalmente por meio dos cursos secundários e exames. (PILETTI e PILETTI, 1990). Assim o ensino superior e o secundário passaram a ser privilegiados em prejuízo do ensino primário e do técnico- profissional. O primeiro tendo apenas algumas iniciativas legais (que na prática acabaram se refletindo em letra morta1) e tendo sido deixado a cargo dos governos provinciais, enquanto o segundo foi completamente marginalizado. Aranha (2006) pontua essa situação afirmando: Sem a exigência da conclusão do curso primário para o acesso a outros níveis, a elite educava os seus filhos em casa, com preceptores. Outras vezes os pais se reuniam para contratar professores que dessem aula em conjunto para seus filhos em algum lugar escolhido. Portanto, sem vínculo com o Estado. (p. 223). O ensino no Império foi estruturado em três níveis: primário, secundário e superior. Oprimário se referia ao aprendizado da leitura e escrita. O secundário, a partir do Ato Adicional de 1834, foi organizado na forma de dois sistemas paralelos: o regular (reduzido praticamente ao Colégio Pedro II que era inclusive o modelo para as escolas secundárias) e o irregular (centrado nos preparatórios para o ensino superior). O curso normal – que abrangiam literatura e algumas matérias relacionadas à docência só se desenvolveu no final do Império enfrentando enormes dificuldades como condições precárias de ensino e a falta de professores qualificados. Foram criadas algumas escolas de nível superior, como as Faculdades de Direito de São Paulo e do Recife e as Faculdades de Medicina do Rio de Janeiro e de Salvador, e ainda a Escola de 1 Expressão utilizada para se referir a uma legislação que não é efetivamente cumprida, ou seja, quando o definido por lei não é posto na prática. 15 Engenharia do Rio de Janeiro. Em suma, havia pouca ou nenhuma articulação entre os níveis de ensino e nada que pudesse ser chamado, a rigor, de sistema educacional – o Brasil nem sequer possuía uma Universidade. (GHIRALDELLI JR., 2005, p. 28). Ghiraldelli Jr. (2005) completa ao falar sobre a educação nas escolas do Império: No campo do ensino superior, quem quisesse uma boa escola deveria se deslocar para os cursos jurídicos de São Paulo e Olinda. Quem desejasse seguir a carreira médica deveria se contentar com a Bahia e o Rio de Janeiro. A engenharia estava restrita, de certo modo, à Escola Politécnica do Rio de Janeiro [...]. Não existia uma política integrada entre o governo central e o que se fazia nas províncias, o que nutria não só um caráter heterogêneo para a educação brasileira da época como também mostrava, para qualquer viajante, uma imensa alteração da qualidade de educação quando este fosse caminhando de província para província. (p. 29). A Primeira República foi herdeira do modelo educacional adotado no Império. A taxa de analfabetismo no Brasil em 1890, segundo Fernando de Azevedo, atingia a cifra de 67,2%, herança do período imperial que a república conseguiria reduzir para 60,1%, até 1920. (ARANHA, 2006). Este modelo, essencialmente elitista, foi permeado pelos pensamentos positivistas e ideais republicanos – federação, democracia, convivência social, progresso econômico, independência cultural. O fracasso desses ideais no decorrer da Primeira República gerou uma crise (desencadeadora da Revolução de 1930) que teve forte repercussão na educação e colocou em evidência vários princípios educacionais amplamente discutidos na década de 1920 e que entraram na pauta constitucional de 1934. Ghiraldelli Jr. (2005) contextualiza o período no qual surgiu a República da seguinte forma: ocorreu por obra de um movimento militar com apoio variado de setores sociais que lidavam com a economia cafeeira, e que estavam, então, descontentes com a política econômica do Imperador. O Império não conseguiu sobreviver às modernizações que ocorreram no final do século XIX no Brasil. Por essa época, nosso país passou por uma expansão da lavoura cafeeira em conjunto com o fim do regime escravocrata e a consequente adoção do trabalho assalariado. Além disso, tivemos uma substancial remodelação material: instauramos a rede telegráfica e melhoramos os portos e as ferrovias. Junto disso, tivemos a disseminação, entre nós, de algumas ideias democráticas, trazidas por ventos políticos do exterior. (p. 31-32). As competências educacionais continuaram com uma configuração dual, com algumas alterações em função da carta constitucional de 1891: o sistema federal passou a ser responsável pelo ensino secundário e superior (ensino das elites) e aos sistemas estaduais coube o ensino primário e profissional (educação popular). Aranha (2006) reitera que: O projeto político republicano visava a implantar a educação escolarizada, oferecendo o ensino para todos. É bem verdade que se tratava ainda de uma 16 escola dualista, em que para a elite era conservada a continuidade dos estudos, sobretudo científicos [...] enquanto o ensino para o povo ficava restrito ao elementar e professional. (p. 298). Houve ainda algumas mudanças, a educação elitista sofreu cinco reformas (1890, 1901, 1911, 1915 e 1925). As principais características da educação nesses períodos foram quanto aos a) objetivos – preparar os estudantes para o ensino superior; b) a estrutura – curso único, com duração de 4 a 7 anos; e c) o conteúdo – predominância da área de Humanidades. Na década de 1920 multiplicaram-se os debates sobre educação com a fundação da Associação Brasileira de Educação (ABE), em 1924, e o inquérito educacional realizado por Fernando de Azevedo, em 19262. Dentre as várias reformas educacionais estaduais – a de Sampaio Doria, em São Paulo (1920); a de Lourenço Filho, no Ceará (1923); a de Anísio Teixeira, na Bahia (1925); a de Francisco Campos e Mário Casassanta, em Minas Gerais – a do Distrito Federal3 (1928) alcançou a maior repercussão. Organizada por Fernando de Azevedo teve por base os seguintes princípios: (1) extensão do ensino a todos que pudessem frequentá-lo; (2) articulação entre os graus e modalidades do ensino; e (3) adaptação ao meio e as ideias modernas de educação. Aranha (2006) disse sobre as reformas: não se implantaram, de fato, devido à ausência de infraestrutura adequada, apesar do esforço iniciado de construção de prédios e formação de professores. Além disso, a Igreja Católica reagia de forma negativa às novidades positivistas atribuídas ao governo republicano, que na Constituição estabelecera a separação entre a Igreja e o Estado e a laicização do ensino nos estabelecimentos públicos. (p. 299). Ghiraldelli Jr. (2005) completa: Era como se, depois de duas décadas, as promessas dos governantes de criar um Brasil diferente daquele que existiu sob o Império não tivessem sido realizadas. No campo da educação havia um dado em favor dessa reclamação: em 1920, 75% da população em idade escolar ou mais era analfabeta. (p. 33). Tamanha era a insatisfação geral no final da década de 1920, acentuada pela crise econômica de 1929, que não demorou a organizar-se uma crise generalizada nas alianças que mantinham a política dos governadores levando a uma ruptura da política do café com leite, ou seja, o rompimento entre os governos de Minas Gerais e São Paulo. Isso possibilitou a Getúlio 2 O referido inquérito consistiu na coleta de numerosos depoimentos de educadores que procurou levantar problemas e soluções referentes a todos os graus do ensino, indicando caminhos para a renovação da educação brasileira. Muitas ideias surgidas do inquérito foram levadas a diante por meio das reformas estaduais e, depois de 1930, com o próprio governo federal. (PILETTI e PILETTI, 1990). 3 Vale lembrar que a capital federal referida é ainda a cidade do Rio de Janeiro. 17 Vargas, líder político da oposição, auxiliado pelos militares chegasse ao poder e modificasse as estruturas estabelecidas até então. Cabe lembrar ainda que as mudanças educacionais tratadas até aqui visavam estritamente um atendimento à população urbana e que a ampla maioria da população brasileira era rural. Sobre o ensino escolarizado nos meios rurais nada ou muito pouco era dito e nenhuma medida foi tomada ou discutida nesse sentido nos círculos oficiais. 1.2. A Era Vargas Discutidos os precedentes pode-se dar início ao desenvolvimento do tema desta pesquisa: as concepções pedagógicas da década de 1930 e seus reflexos na legislação do Primeiro Governo Vargas (1930-37), determinando o impacto social dessa legislação educacional na sociedade do referido período. Esse não é um assunto novo na historiografia brasileira, muito pelo contrário. Tanto historiadores como educadores já se dedicarama fazer uma análise e crítica das transformações educacionais ocorridas nesse período, a exemplo de Azilde Lina Andriotti4, Otaíza Romanelli5, Maria Luisa Santos Ribeiro6 e Demerval Saviani7. No entanto, esse não é um assunto esgotado, pois ainda é muito relevante à resolução dos problemas educacionais atuais. O interesse ora manifesto pela pesquisa no campo da educação no Brasil deve-se a dois fatores: a implantação dos cursos de Pós-Graduação em Educação – iniciados a partir da década de 1960 – que estão a exigir especialistas em História e Política Educacional; e, principalmente, aos rumos da historiografia brasileira, para a qual esse campo vem contribuindo decisivamente (ROMANELLI, 2014). A primeira metade do século XX foi para o Brasil uma época de várias transformações, não apenas no campo educacional, mas também na estrutura política, social, cultural e econômica. O Brasil entrava no novo século como um país essencialmente agrário, que 4 Azilde Lina Andriotti é Doutora em História da Educação pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), pesquisadora vinculada ao Grupo de Estudos e Pesquisa “História, Sociedade e Educação no Brasil"(HISTEDBR). 5 Otaíza de Oliveira Romanelli é licenciada em Pedagogia pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) em 1965, exerceu o magistério durante longos anos. Ao falecer era professora de História da Educação no curso de Pós- Graduação da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Concluiu o doutorado em Educação na Sorbonne (Paris). 6 Maria Luisa Santos Ribeiro é Pedagoga, com mestrado e doutorado em Filosofia da Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), professora no Programa de Mestrado em Educação na mesma universidade. 7 Demerval Saviani é formado em filosofia pela PUC-SP (1966), doutor em Filosofia da Educação também pela PUC-SP (1971) e livre-docente em história da educação na UNICAMP (1986). Autor de grande número de trabalhos publicados, atualmente é professor emérito da UNICAMP e coordenador geral do Grupo Nacional de Estudos e Pesquisas HISTEDBR. 18 necessitava se enquadrar no panorama internacional dominado pelo capitalismo industrial. A partir da década de 1930, no governo de Getúlio Vargas, iniciou-se um projeto de modernização e de intensa política nacionalista, projeto este de cunho nacional-desenvolvimentista. É em meio a essa conjuntura que a educação adquirirá um papel central nas demandas do Primeiro Governo Vargas, como bem atesta Fausto (1995): Os vencedores de 1930 preocuparam-se desde cedo com o problema da educação. Seu objetivo principal era o de formar uma elite mais ampla, intelectualmente mais bem preparada. As tentativas de reforma do ensino vinham da década 1920, caracterizando-se nesse período pela iniciativa no nível dos Estados, o que correspondia ao figurino da República federativa. (p. 336). A educação brasileira passa por intenso processo de transformações em que duas concepções educacionais irão se destacar: a tradicional – de forte influência da Igreja Católica – que defendia o ensino da doutrina religiosa na escola, a separação dos sexos e o ensino particular – e a escolanovista ou renovadora – marcada pelo discurso pedagógico liberal – que defendia, tal como o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, a escola pública, laica, gratuita, obrigatória e voltada para o aluno e suas necessidades. As duas concepções entraram em choque e repercutiram, especialmente a escolanovista, no novo modelo educacional organizado pelo governo de Vargas. Pela primeira vez a educação foi colocada em pauta constitucional, tanto na Constituição de 1934 como na de 1937, pode-se também destacar a reforma educacional realizada pelo ministro do recém-criado Ministério dos Negócios da Educação e Saúde Pública (1930): Francisco Campos. É possível perceber que a legislação do Primeiro Governo Vargas dá um imenso destaque a educação. A Constituição de 1934 estabelece a necessidade de um Plano Nacional de Educação assim como a gratuidade e obrigatoriedade do ensino elementar, havendo já nesse momento o atendimento de algumas das ideias expressas no Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova (1932), obra dos principais representantes brasileiros da concepção escolanovista (Anísio Teixeira, Fernando de Azevedo, Paschoal Lemme, Gilberto Freyre, Lourenço Filho, Cicília Meireles, Florestan Fernandes, Gustavo Capanema, etc.). O próprio ensino escolar passa a ganhar uma valorização sem precedentes no Brasil, a escolarização passa a ser vista como mecanismo de ascensão social (ANDREOTTI, 2008) e serve muito bem ao projeto de modernização e nacionalização do país como se nota nos decretos de Francisco Campos em 1931 que organizaram o ensino secundário e superior. Essa reforma deu a base para a política nacional-desenvolvimentista do Governo Vargas. Embora o número de escolas públicas tenha aumentado geometricamente, este não conseguiu acompanhar 19 a demanda exigida pela sociedade brasileira (ROMANELLI, 2014). Fausto (1995) comenta que: A ação do Estado no setor educativo relacionou-se intimamente com movimentos na sociedade, envolvendo educadores e a elite cultural, como a fundação da USP bem exemplifica. Esses movimentos vinham da década de 1920 e ganharam maior ressonância após a Revolução de 1930. Podemos falar de duas correntes básicas opostas: a dos reformadores liberais e a dos pensadores católicos. (p. 339). Ainda assim é possível visualizar o sucesso da política educacional de Vargas que formou em menos de duas décadas o “grosso” do proletariado brasileiro e introduziu o Brasil no mundo capitalista industrial, deu-lhe algum porte na economia internacional e, simultaneamente, adquiriu o apoio político dessa classe ganhando alcunhas como “Pai dos Pobres”, “Protetor dos Trabalhadores” e “Primeiro Operário da Nação”. Ideias de valorização do trabalho e do trabalhador eram frequentes no ensino, fosse ele normal, agrícola, comercial ou industrial. O melhor cidadão era o trabalhador que ajudava no desenvolvimento da nação. Vargas era o primeiro deles – o exemplo a ser seguido (SOUZA, 2006) 8. Nesse discurso pode- se ver a ideologia da Nova Escola9, que embora relacionada com a concepção escolanovista não deve ser confundida com a mesma. No entanto, deve-se tomar cuidado para não confundir a tendência centralizadora e autoritária do governo Vargas com o fascismo. Sobre isso Fausto (1995) disse que: É costume apontar a inspiração fascista do governo Vargas na área educativa. Lembremos também que nessa área, como em outras, o governo adotou uma postura autoritária e não-fascista. Ou seja, o Estado tratou de organizar a educação de cima a baixo, mas sem envolver uma grande mobilização da sociedade; sem promover também uma formação escolar totalitária que abrangesse todos os aspectos do universo cultural. Mesmo no curso da ditadura do Estado Novo (1937-1945), a educação esteve impregnada de uma mistura de valores hierárquicos, de conservadorismo nascido da influência católica, sem tomar a forma de uma doutrinação fascista. (p. 337). Em resumo, esse foi um período particularmente agitado e marcado por uma grande gama de acontecimentos. Para melhor entendê-los optou-se por uma abordagem compartimentada, onde serão tratados os contextos político, econômico e social, de um lado, e, de outro, o contexto ideológico. 8 Giani Maria de Souza é licenciada em História pela Universidade da região de Joinville (UNIVILLE). Mestra em Filosofia e História da Educação pela UNICAMP. Participa do Grupo Nacional de Estudos e Pesquisas HISTEDBR. 9 Este termo é aqui utilizado para designar o modelo escolar criado pela administração do Primeiro Governo Vargas. 20 1.2.1. Contexto Político, Econômico e Social Em 1929,o mundo capitalista passava por sua maior crise até então. Essa crise teve uma grande repercussão não só na economia, mas também na própria estrutura política do governo brasileiro. Pela primeira vez grupos de diferentes seguimentos sociais se aglutinaram em massa contra as forças conservadoras, a política dos governadores e o coronelismo mostravam-se incapazes de manter o bom funcionamento do sistema. A própria aristocracia dividiu-se, rompendo a tradicional aliança entre os estados de São Paulo e Minas Gerais, durante as eleições de 1930, quando estes dois estados entraram em desacordo quanto a escolha de seu candidato à presidência. Foi lançada pela Aliança Liberal a candidatura de Getúlio Vargas, fruto da aliança entre os estados do Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Paraíba. Ao perderem as eleições acusaram os paulistas de fraude o que desencadeou a Revolução, que contou com o apoio de parte da aristocracia cafeeira, os militares, em particular os tenentes, e uma aceitação passiva da classe média. (SKIDMORE, 1982). Ribeiro (2000) pode ajudar a compreender como foi possível esse rearranjo das forças políticas ao comentar as razões do que Sodré (1973) designou como “declínio das oligarquias”. A autora sustenta a existência de novas forças sociais decorrentes de modificações: A modificação básica é representada pelo impulso sofrido pelo parque manufatureiro que, apesar de débil, passa a ter papel indispensável no conjunto da economia brasileira. Se em 1907 existiam no Brasil 3.258 estabelecimentos industriais, 150.000 operários e um capital de 666.000 contos de réis, em 1920 estes números haviam aumentado para 13.336, 276.000 e 1.816.000, respectivamente. (SODRÉ, 1973 apud RIBEIRO, 2000: 96). Romanelli (2014) complementa: A Revolução de 1930, resultado de uma crise que vinha de longe destruindo o monopólio de poder pelas velhas oligarquias, favorecendo a criação de algumas condições básicas para a implantação definitiva do capitalismo industrial no Brasil, acabou, portanto, criando condições para que se modificassem o horizonte cultural e o nível de aspirações de parte da população brasileira, sobretudo nas áreas atingidas pela industrialização. (p. 64). No entanto, os políticos da década de 1920 ignoraram o significado dessas mudanças o que “socialmente representava a consolidação de dois componentes: a burguesia industrial e o operariado”. (RIBEIRO, 2000, p. 96). A década que antecede a Revolução de 1930 conta com a criação do Partido Comunista Brasileiro (1922) e também ao tenentismo, que pode ser interpretado como um movimento que 21 corresponde aos anseios da crescente e insatisfeita classe média, ao qual Basbaum (1962) chamou setor médio da população composto: “da pequena burguesia das cidades, por uma grande massa de funcionários públicos, empregados do comércio, as chamadas classes liberais e intelectuais e, por fim, os militares cuja origem social era agora a própria classe média”. (BASBAUM, 1962 apud RIBEIRO, 2000: 97). Quanto à generalização da última afirmação é necessário tomar certo cuidado, mas tampouco pode ser desprezada a forte penetração da classe média nos quadros militares. E é do interior desses quadros militares que irrompem a Coluna Prestes (1924-27) maior símbolo do movimento tenentista. Tal era o ambiente de agitação, de contestação de ideias e práticas estabelecidas. Esperava-se por uma modernização do sistema. Nasceu uma espécie de “entusiasmo pela educação”10 que gradualmente assimila o modelo de escolarização escolanovista. Esse processo foi habilmente acompanhado pela administração do Governo Vargas. Ribeiro (2000) aponta duas causas básicas reconhecidas para o subdesenvolvimento e do atraso do Brasil em relação aos países tidos como desenvolvidos: a condição de economia agroexportadora e a dependência da economia brasileira em relação à economia externa. A autora apresenta as saídas encontradas pelo setor industrial brasileiro proveniente do choque entre os dois grupos da classe dominante – os ligados a exportação e os dela desligados – e a supremacia destes últimos estabelece as condições necessárias à organização de um modelo econômico e político ao derrubar do poder o setor agrário-comercial exportador “Desta forma tem origem, mesmo que de maneira um pouco confusa de início, a ideologia política – o nacional-desenvolvimentismo – e o modelo econômico compatível – a substituição de importações”. (RIBEIRO, 2000, p. 103). Essa expansão capitalista veio acompanhada da luta de classes que trouxe, por conseguinte, uma expansão escolar que oscilou entre as tensões do desenvolvimento das relações capitalistas e as necessidades sociais daí advindas. Romanelli (2014) comenta: Essa luta assumiu no terreno educacional características assaz contraditórias, uma vez que o sistema escolar, a contar de então, passou a sofrer, de um lado, a pressão social de educação, e, de outro lado, o controle das elites mantidas no poder, que buscavam, por todos os meios disponíveis, conter a pressão popular, pela distribuição limitada de escolas, e, através da legislação de ensino, manter o seu caráter ‘elitizante’. (p. 64-65). 10 Relacionado com o conceito de otimismo pedagógico de Jorge Nagle que será tratado mais adiante no capítulo dois. 22 Ao obter a vitória, Vargas assume o Governo Provisório e começa a tomar conta dos postos-chave dos governos estaduais, inclusive nomeando interventores à maioria dos estados (muitos deles tenentes), e prometendo a convocação de uma Assembleia Constituinte. No entanto, dois anos após a Revolução nada havia sido feito nesse sentido. Os paulistas, ansiosos para voltar aos quadros do poder ou obter concessões vantajosas, clamam por uma constituinte, esse movimento culminou na Revolução Constitucionalista de 1932, que embora derrotada pelas forças federais conseguiu precipitar a convocação da constituinte. Sobre as causas da Revolução, Ribeiro (2000) complementa: Dir-se-ia que não havia nestes primeiros tempos um plano de governo, por dois motivos básicos: a multiplicidade de grupos e interesses e o esquecimento do programa da Aliança Liberal. Desta forma o plano vai-se delineando, mais propriamente, ditado pelas circunstâncias. Essa falta de medidas imediatas, essa hesitação inicial, essa decretação ao sabor das circunstâncias, como se acabou de assinalar, teve como consequência a queda do entusiasmo dos setores populares, principalmente urbanos, o descontentamento do próprio setor paulista. (p. 106). Vargas rapidamente mobilizou seus apoiadores e tratou de colocá-los em posições favoráveis durante a organização e convocação da constituinte que se prolongou de 1933 a 1934. Ao fim de árduas negociações, Vargas conseguiu por meio de eleições indiretas manter- se no poder. Contudo, nem todos os grupos políticos tinham estado na confecção da Constituição de 1934. Desde a crise de 1929 o mundo capitalista buscava soluções para a crise e a ameaça comunista, representada pela União Soviética. Na Europa surgiram respostas de extrema direita a esses problemas: o nazismo e o fascismo. O Brasil não ficou alheio a esse contexto. A partir de 1934 surgiram dois partidos análogos a essa conjuntura. De um lado, com tendências comunistas, a Aliança Nacional Libertadora (ANL), de outro, a Ação Integralista Brasileira (AIB). Na conjuntura da crise das democracias liberais e do fortalecimento dos regimes totalitários, não demorou muito para que a ANL incomodasse as novas classes dirigentes e, em 1935, Vargas anteviu a tentativa de um levante incitado por Luís Carlos Prestes, conhecido comunista brasileiro, e alguns associados que gozavam de considerável influência na ANL, não demorou a agir e decretou (com o aval do Congresso) estado de sítio o que permitiu uma rápida repressão da esquerda. Sobre a ANL, Ribeiro(2000) comenta: “era formada por ex-tenentes reformistas e politicamente mais à esquerda, comunistas, socialistas, líderes sindicais e mesmo de liberais fora do esquema governamental”. (p. 114). Assim rompia com os esquemas partidários estaduais e constituía o primeiro movimento nacional de massas. Isso pode facilitar o 23 entendimento das razões do apoio oferecido pela Ação Integralista cujo lema “Deus, Pátria e Família”. Segundo Ribeiro (2000): sintetiza a natureza conservadora dos princípios defendidos por essa tendência política. Princípios estes relativos a um Estado autoritário, nacionalista e anticomunista, dirigido por ‘elites esclarecidas’ que tinham por função principal ‘conciliar’ os conflitos de classe através de um controle autoritário das práticas de classes sociais. (p. 114). Em 1937, quando se aproximava o período de eleições, previstas para 1938, a Ação Integralista preparava seu candidato, Plínio Salgado, assim como antigos líderes da Aliança Liberal preparavam seu, o pernambucano José Américo11. Vargas manteve uma postura dúbia em relação a quem daria seu apoio, manteve os preparativos para eleição e, simultaneamente, trabalhou para isolar seus adversários políticos. Apressou-se em garantir o apoio dos militares influentes – nos quais tinha confiança – e libertou vários presos políticos. Em novembro de 1937, o governo divulgou a existência de um plano comunista que pretendia deflagrar uma revolução socialista e conseguiu novamente declarar estado sítio, mas dessa vez sem um prazo específico para seu término. Vargas logo tratou de outorgar a Constituição do Estado Novo que garantia amplos poderes ao governo federal. Ainda em dezembro, alegando um ataque a sua pessoa orquestrado pela Ação Integralista, pôs fim a suas atividades. (SKIDMORE, 1982). Em relação às forças econômico-sociais do Estado Novo, Ribeiro (2000) disse: são às vinculadas as atividades urbano-industriais propriamente ditas. E, sobre este prisma, a opção ditatorial (1937-45) se explica como a condição possível, dadas as circunstâncias do momento externo e, especialmente, interno, de desenvolvimento do modelo capitalista-industrial, mesmo que ainda dependente. (p. 128). Durante o Estado Novo Vargas tomou várias medidas no sentido de conseguir o apoio dos trabalhadores e de diversificar a economia subordinando-a ao Estado. Durante a Segunda Guerra Mundial entrou ao lado dos Estados Unidos garantindo o apoio deste para a criação de uma indústria de base no Brasil. Ao analisar a parte do texto constitucional referente à educação, Ribeiro (2000) comenta: Já por este texto fica explicitada a orientação político-educacional capitalista de preparação de um maior contingente de mão-de-obra para as novas funções abertas pelo mercado. No entanto, fica também explicitado que tal orientação não visa contribuir diretamente para a superação da dicotomia entre trabalho intelectual e manual, uma vez que se destina ‘às classes menos favorecidas’. (p. 129). 11 Antigo ministro de viação e obras públicas e membro do Partido Republicano Paulista (PRP). 24 Ao aproximar-se do fim da guerra ficava evidente a contradição da posição do governo brasileiro, um governo autoritário que lutava pela democracia. Tendo isso em vista Vargas passou a preparar o cenário para o retorno à democracia. Deixou o poder em 1945 sendo figura influente na criação de dois partidos o PSD (Partido Social Democrata) e o PTB (Partido dos Trabalhadores Brasileiros). Foi escolhido para a presidência o candidato do PSD, Eurico Gaspar Dutra, que gozava do apoio de Vargas, sendo um dos generais de sua confiança. 1.2.2. A Legislação Educacional Do ponto de vista educacional houve várias mudanças no período abrangido por este estudo. Antes de discorrer sobre as ideias pedagógicas da década de 1930 cabe uma pequena revisão dessas mudanças, principalmente no campo legislativo ponto focal desta pesquisa. A Revolução de 1930 produziu importantes transformações no campo educacional. A educação passou a articular-se como um sistema: foi criado o Ministério da Educação e a Constituição de 1934 ganhou um capítulo específico para o tema. Daí em diante o governo federal passou a assumir novas atribuições, tais como: promover a integração e o planejamento global da educação; criar uma normatização para todo o Brasil e todos os níveis educacionais; prover supletivo de estímulo e assistência técnica; controlar supervisionar e fiscalizar assuntos referentes a educação. (PILETTI e PILETTI, 2009). Ghiraldelli Jr. (2005) comenta sobre a origem da demanda educacional: Durante a década de 1930, o Brasil continuou se industrializando e se urbanizando. A produção industrial foi superior ao valor da produção agrícola em 1933 [...] quanto mais urbano se torna uma país, mais cresce os setores de serviços, menos as pessoas querem se submeter ao trabalho braçal e, então, mais os setores médios ou os aspirantes a tal exigem educação e escolas. Foi o que ocorreu. (p. 39). O governo federal passou a regulamentar o ensino primário em 1946. Foram revistos os objetivos do ensino secundário que passaram a ser a formação geral e a preparação para o ensino superior, nas reformas de 1931 e 1942. O ensino secundário passou a dividir-se em dois ciclos: o fundamental e elementar (1931), e, a partir de 1942, ginasial e colegial. O ensino técnico-profissional só ganhou legislação nacional, a partir de 1942, e promulgaram-se os Estatutos das Universidades Brasileiras (1931) e fundou-se a Universidade de São Paulo (1934). Muitas dessas medidas foram tomadas nas reformas de Francisco Campos (1931) e Gustavo Capanema (1937-46). Sobre a reforma de Campos (assunto que será abordado com 25 mais profundidade no capítulo três), Aranha (2006) aponta: “A falta de articulação entre o curso secundário e o comercial evidencia a rigidez do sistema, enquanto o enciclopedismo dos programas de estudo, ao lado de uma rigorosa avaliação, tornou o ensino altamente seletivo e elitizante”. (ARANHA, 2006, p. 305). Romanelli (2014) conclui: a legislação acabou criando condições para que a demanda social da educação se diversificasse apenas em dois tipos de componentes: os componentes dos estratos médios e altos que continuaram a fazer opção pelas escolas que ‘classificavam’ socialmente, e os componentes dos estratos populares que passaram a fazer opção pelas escolas que preparavam mais rapidamente para o trabalho. Isso, evidentemente, transformava o sistema educacional, de modo geral, em um sistema de discriminação social. (p. 174). Visto isso vamos as propostas ideológicas que marcaram os anos 1930. 1.3. Os Ideários do Período Para Ghiraldelli Jr. (2005) o Brasil teve quatro grandes conjuntos de ideais quanto a educação: são os ideários liberal, católico, integralista e comunista. O primeiro desses ideais, o liberal, tem suas origens na doutrina do liberalismo de caráter econômico e político, calcada na ideia de liberdade individual. Do ponto de vista econômico consiste na defesa da liberdade de vender e comprar bens e serviços, enquanto do político nasceu da necessidade de salvaguardar as liberdades individuais do poder do Estado Absolutista, isto é, da intervenção arbitrária do Estado. Sobre este ideal, Fausto (1995) afirma: Os educadores liberais sustentavam o papel primordial do ensino público e gratuito, sem distinção de sexo. Propunham o corte de subvenção do Estado a escolas religiosas e a restrição do ensino religioso a entidades privadas mantidas pelas diferentes confissões. O ponto de vista dos reformadores liberais foi expresso no Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, lançado em março de 1933. Seu principal redator foi Fernando de Azevedo, destacando-se também os nomes de Anísio Teixeira e Lourenço Filho, entre outros. O manifesto constava a inexistênciano Brasil de uma ‘cultura própria’ ou mesmo de uma ‘cultura geral’. [...] A partir de uma análise das finalidades da educação, propunha a adoção do princípio de ‘escola única’, concretizado, em uma primeira fase, em uma escola pública e gratuita, aberta a meninos e meninas de sete a quinze anos, onde todos teriam uma educação igual e comum. (p. 339-340). O ideário liberal foi segundo Ghiraldelli Jr. (2005): “responsável pela motivação de determinados setores de nossa sociedade no sentido de buscar na educação possibilidades de ascensão social – daí o papel do ideário liberal no sentido de legitimar as reivindicações pela expansão da rede escolar e pela qualidade do ensino”. (p. 53). 26 O ideário liberal, em função de sua ligação histórica com a democracia, foi, frequentemente, usado por figuras dos quadros públicos, principalmente durante o Governo Provisório, como no caso de Francisco Campos enquanto Ministro da Educação defendeu em seus pronunciamentos a educação crítica, capaz de salvaguardar os indivíduos frente aos modernos processos de manipulação, embora nunca tenha sido um ardoroso defensor desses princípios. Esse ideal chega ao Brasil por intermédio de Anísio Teixeira – que o trouxe dos Estados Unidos, mais especificamente de seu contato com a obra de John Dewey – e que contou com outros dois grandes defensores no âmbito federal: Fernando de Azevedo e Lourenço Filho que tentaram adaptar, já na década de vinte, o escolanovismo à pedagogia brasileira. Ghiraldelli Jr. (2005) sintetiza o ideário liberal em educação da seguinte forma: caracterizou-se por quatro aspectos: a igualdade de oportunidades e democratização da sociedade via escola; a noção de escola ativa (com a ideia de atividade pensada tanto de modo amplo como de modo estreito, voltada para orientação vocacional-profissional); a distribuição hierárquica dos jovens no mercado de trabalho por meio de uma hierarquia de competências e não por outro mecanismo qualquer; e, por fim, a proposta de escola como posto de assistência social. (p. 55-56). Loureço Filho, em seus estudos psicológicos, complementados por Fernando de Azevedo, contribuiu com a teoria sobre a necessidade de a escola dirigir a orientação profissional e a vocação, colaborando com a divisão do trabalho e a harmonização da sociedade. Ou seja, buscavam um mecanismo mais apropriado para o funcionamento harmônico do “organismo social”12. Ribeiro (2000) comenta que os educares que eram influenciados pelas ideias novas “defendiam a laicidade, a coeducação, a gratuidade, a responsabilidade pública em educação” (p. 111) e que isso, em particular o fato de os poderes públicos assumirem mais efetivamente a responsabilidade educacional, aproximava os educadores escolanovistas dos comunistas. O ideário católico começou a mostrar uma inclinação sócio-político-pedagógica na busca de reverter o quadro de separação formal entre Igreja e Estado (1981), na década de trinta a Igreja procurou – por meio do Instituto Católico de Estudos Superiores (1932), da Confederação Católica Brasileira de Educação (1935) e Ação Católica (1935) – incentivar uma série de iniciativas culturais, organizativas e políticas ligadas a Igreja. Obtiveram de Francisco Campos, em 1931, a institucionalização do ensino facultativo de religião na rede escolar pública. Em relação ao ideário católico Fausto (1995) comenta: 12 Referência a ideias durkheimianas. 27 A Igreja Católica enfatiza o papel da escola privada, defendia o ensino religioso tanto na escola privada quanto na pública – neste último caso em caráter facultativo e diferenciado segundo o sexo. Sob esse aspecto, o pressuposto era de que meninos e meninas deviam receber educação diferente, pois destinavam-se a cumprir tarefas diversas, na esfera do trabalho e do lar. (p. 339). Ghiraldelli Jr. (2005) aponta que “A oposição católica em relação ao movimento escolanovista em nosso país foi muito contundente nos anos trinta: crítica dura, competente e erudita, acompanhada de um processo crescente de auto-reformulação”. (p. 60). No entanto, o ataque dos intelectuais católicos não atuou sem objetivos bem definidos. Sobre os princípios dos educadores católicos, Ribeiro (2000) complementa “defendiam a educação subordinada à doutrina religiosa (católica), a educação em separado e, portanto, diferenciada para os sexos masculino e feminino, o ensino particular, a responsabilidade da família quanto à educação, etc.”. (RIBEIRO, 2000, p. 111). O ideário integralista, por sua vez, distinguia-se do católico, embora ambos fossem conservadores e houvesse uma certa simpatia13, por seu caráter radical e autoritário. A fundação da ação Integralista Brasileira, em 1932, clareou e radicalizou o quadro político levando as ideias de direita a novos extremos no Brasil. A pedagogia integralista se não obteve grandes vitórias na constituinte de 1933-34 teve sua revanche na Constituição de 1937 (mesmo ante o fim da Ação Integralista). Sobre o integralismo Ghiraldelli Jr. (2005) aponta: Na visão do integralismo – que buscou a concretização do chamado Estado Corporativo, que se formaria pelos grupos naturais, como a família, as sociedades científicas, religiosas e artísticas e os sindicatos profissionais, com a exclusão dos partidos políticos porque eles seriam ‘artificiais e fracionadores da nação’ – os sindicatos profissionais deveriam ser reconhecidos pelo Estado, e, ao serem reconhecidos, ganhariam direitos e deveres. (p. 65). Esses sindicatos teriam quatro funções: a política, que seria responsabilizar-se pela indicação dos representantes aos Conselhos Municipais, aos Conselhos Econômicos Provinciais e à Câmara Corporativa Nacional (órgãos criados pelo Estado Integralista, inexistentes em uma democracia liberal); a econômica, que levaria os sindicatos, por meio de seus órgãos superiores, a participar na solução dos problemas da economia e na estipulação de contratos coletivos; a função moral, pela qual o sindicato resolveria conflitos surgidos na produção; e a função cultural, na qual os sindicatos profissionais se tornaria a peça chave na política educacional. Segundo Ghiraldelli Jr. (2005): 13 A Igreja Católica chegou a utilizar a Ação Integralista Brasileira para sua pregação anticomunista até mais ou menos 1937, quando optou por associar-se definitivamente aos governantes. 28 O Estado Integralista se identificaria com a nação [...] e colocaria a sociedade entre trabalhadores da inteligência, do braço e do capital formada espontaneamente e naturalmente de maneira organizada e hierarquizada [...] O ensino seria gratuito em seu grau primário com obrigatoriedade de matrícula e frequência; todavia, o secundário e a universidade só deveriam ser frequentados gratuitamente pelos estudantes que mostrarem capacidade. (p. 66). A pedagogia integralista acentuou em sua proposta de política educacional a necessidade da escola profissional voltada para o desenvolvimento industrial por meio da perpetuação da hierarquia social sobre a base da perpetuação da propriedade privada. Além disso, Ghiraldelli Jr. (2005) aponta que “o integralismo passou a advogar uma educação feminina, no sentido de secundarizar a mulher e valorizar a mãe”. (p. 68). E, por fim, o ideário comunista, que tem como precursor no Brasil o educador José Neves. Para Neves, o escolanovismo tinha pontos comuns com o fascismo ao afirmar que a escola poderia ser usada para promover os interesses gerais da sociedade, o que não passa de um engodo, segundo ele. Para Ghiraldelli Jr. (2005), na visão de Neves, “a pedagogia marxista [...] deveria integrar o conhecimento científico da realidade com a formação de pessoas aptas para o trabalho militante no sentido da revolução social”. (p. 71). Assim podemos identificar a inequívocaimportância que o debate sobre o campo educacional atingiu no Brasil durante a década de 1930. Seus reflexos são visíveis na legislação educacional do período, particularmente o dos ideários liberal (que mais influencia o pensamento escolanovista) e católico. Dada a base contextual poderemos agora partir para o plano teórico-conceitual, que será tratado mais adiante, e se concentrará no entendimento da corrente teórica da História Social e em como esta se aplica ao objeto desta pesquisa: as relações entre as concepções pedagógicas dos anos 1930, a legislação educacional da Era Vargas e a sociedade brasileira. Além disso, abordará os conceitos e noções essenciais para a compreensão deste trabalho em toda sua amplitude. 29 CAPÍTULO 2 O CAMPO DA HISTÓRIA SOCIAL: UMA ANÁLISE TEÓRICO-CONCEITUAL “Os aspectos sociais ou societais da essência do homem não podem ser separados dos outros aspectos de seu ser, exceto à custa da tautologia ou da extrema banalização. Não podem ser separados, mais que por um momento, dos modos pelos quais os homens obtêm seu sustento e seu ambiente material. Nem só por um minuto podem ser separados de suas ideias, já que suas mútuas relações são expressas e formuladas em linguagem que implica conceitos no momento mesmo em que abrem a boca”. (HOBSBAWM, 1998 apud ANDREOTTI, 2014, p. 9). 30 2. O CAMPO DA HISTÓRIA SOCIAL: UMA ANÁLISE TEÓRICO-CONCEITUAL 2.1. Conhecendo a História Social Para falar de História Social é necessário levantar a temática da “Escola dos Annales” ou movimento dos Annales. Este, por sua vez, surge em 1929, na França, com Lucien Febvre e March Bloch, como uma manifestação em prol de uma história-problema, interdisciplinar quanto às temáticas e métodos das ciências humanas (novos problemas, métodos e abordagens), contrariando a então vigente história tradicional marcada pela abordagem rankiana (fatual, narrativa e circunscrita às fontes ditas oficiais). Por muito tempo essa Nova História, iniciada pelos Annales, foi designada pela expressão “história social”, usada principalmente em oposição à postura historiográfica rankiana. O uso do termo “social” para designar essa nova abordagem frente à construção do conhecimento histórico era oportunamente abrangente podendo ser identificado nos campos da economia, cultura, política, etc. Como confirma Castro (1997): A revista e o movimento fundados por Bloch e Febvre, na França, em 1929, tornaram-se a manifestação mais efetiva e duradoura contra uma historiografia factualista (sic), centrada nas ideias e decisões de grandes homens, em batalhas e em estratégias diplomáticas. Contra ela, propunham uma história- problema, viabilizada pela abertura da disciplina às temáticas e métodos das demais ciências humanas, num constante processo de alargamento de objetos e aperfeiçoamento metodológico. A interdisciplinaridade serviria, desde então, como base para a formulação de novos problemas, métodos e abordagens da pesquisa histórica, que estaria inscrita na vaguidão oportuna da palavra ‘social’. (p. 38). Na década de 1930, produziu-se uma história econômica e social (dando ênfase ao aspecto econômico) priorizando os fenômenos coletivos sobre os indivíduos e o longo prazo sobre o evento. É apenas nas décadas de 1950 e 1960 que a história social surge como uma especialidade, com o apogeu do estruturalismo14, das abordagens quantitativas (pelos avanços dos recursos tecnológicos, tendo aí uma aproximação com a Geografia e a Informática) e a intensidade dos movimentos sociais da segunda metade do século XX. A História Social passa a reivindicar problemáticas e metodologias próprias: constituição dos autores históricos coletivos e suas relações com as estruturas sociais; análise das posições e hierarquias sociais; conjuntura e comportamento social; tudo em um campo 14 Corrente teórica do tipo que enfatiza ou privilegia as investigações sincrônicas, com o objetivo de descobrir as características estruturais ou universais da sociedade humana e, mais remotamente, que buscam relacionar estas características às estruturas universais da mente humana. 31 específico a ser recortado. Quanto à metodologia, os métodos quantitativos (demografia histórica) mereceram, nesse período, destaque. Quanto às abordagens Castro (1997) afirma que: A história social em sentido restrito surgiria, assim, como abordagem que buscava formular problemas históricos específicos quanto ao comportamento e às relações entre os diversos grupos sociais. Formulava, para tanto, primeiramente, problemas relativos à explicitação dos critérios usados pelo historiador na delimitação desses grupos. As discussões sobre a operacionalidade dos conceitos de classe social (numa perspectiva marxista) e de estamentos sociais (numa perspectiva weberiana) na análise histórica da sociedade francesa do Antigo Regime, e na Revolução Francesa em particular, tenderam a monopolizar as discussões teóricas em história social na França, na década de 1960. As discussões entre funcionalistas e marxistas, no mundo anglo-saxão, consideradas adiante, tiveram papel semelhante. Os estudos tentando circunscrever e analisar historicamente os grupos sociais e as bases socioeconômicas (posição) e/ou culturais (identidade) sobre as quais construíam sua individuação social são típicos do período. (p. 42). Com a crise do estruturalismo, ainda na década de 1960, a História Social – profundamente conectada à Economia e Sociologia – vai, no decorrer da década de 1970, aproximar-se da Antropologia, passando a privilegiar abordagens socioculturais resultando na prática da chamada “história vista de baixo” 15. Assim, o intercâmbio com a Antropologia ampliou o leque das fontes históricas, ao possibilitar a utilização de mitos, imagens e rituais como fontes. Ampliou-se também a capacidade do pesquisador de compreender o comportamento dos agentes sociais e sua criatividade na caracterização cultural dos acontecimentos sociais. No fim da década de 1970 valorizou-se a redução da escala de análise por meio da Micro História, abordagem iniciada na historiografia italiana. No Brasil, a História Social foi trabalhada principalmente por três correntes: a história social da família, nas décadas de 1960 e 1970, lançando mão de pesquisas demográficas principalmente; a história social do trabalho entre as décadas de 1960 e 1980 por um viés mais antropológico; e uma história social do Brasil e da escravidão privilegiando uma associação com a História das Mentalidades e variando entre abordagens econômicas e sociológicas. Sobre a História Social brasileira, Barros (2010) complementa: começava a respirar para além das dicotomias simplificadoras. Abria-se uma interface com a antropologia e com os estudos de história antropológica, e os olhares voltavam-se também para os circuitos familiares, para as relações sociais no âmbito da vizinhança no interior do casamento. A História Social podia se expandir efetivamente, e não burocraticamente. (p. 118). 15 Abordagem da história que privilegia os grupos marginalizados, os perdedores, as pessoas comuns, aqueles que não detêm o poder. 32 Atualmente a História Social mantém como marca sua capacidade de síntese com os demais campos da História como bem pontua Georges Duby (1971) ao afirmar que “Sua vocação própria é a da síntese. Cumpre-lhe recolher todos os resultados das pesquisas efetuadas, simultaneamente, em todos estes domínios [história política, cultural, econômica, etc.] – e reuni-los na unidade de uma visão global”. (DUBY, 1971 apud BARROS, 2010, p. 114-115). Segundo Castro (1997): Antes de ser um campo definido por uma postura historiográfica, que resulta num alargamento do interesse histórico, construído em oposição às limitaçõesda historiografia tradicional, a história social passa a ser encarada como perspectiva de síntese, como reafirmação do princípio de que, em história, todos os níveis de abordagem estão inscritos no social e se interligam. Frente à crescente tendência à fragmentação das abordagens historiográficas, esta acepção da expressão é mantida por muitos historiadores como horizonte da disciplina. (p. 41). Barros (2010) comenta sobre os interesses compreendidos na História Social: Pode-se perceber que a maioria dos campos de interesse que ali foram assinalados correspondem a 'recortes humanos' (as classes e grupos sociais, as células familiares), ou a 'recortes de relações humanas' (os modos de organização da sociedade, os sistemas que estruturam as diferenças e desigualdades, as formas de sociabilidade). Em um caso, estudam-se fatias da sociedade (ou os subconjuntos internos à sociedade); em outro caso, estudam- se elementos específicos e transversais que parecem atravessar a sociedade por inteiro (os mecanismos de organização social e os sistemas de exclusão, por exemplo, atravessam a sociedade como um todo). (p. 110). Como se pode ver a História Social mantém seus interesses e objetivos próprios – ao focar a dimensão social de uma sociedade – visando seus mecanismos de organização, suas classes, processos, as comunidades, populações, os círculos de sociabilidade, suas diferenças e desigualdades. 2.2. A Educação na Era Vargas: Um viés da História Social Demerval Saviani no primeiro capítulo de seu livro “Escola e Democracia”, ao falar das teorias educacionais e do problema da marginalidade, situa nas pedagogias tradicional e nova, elementos fundamentais à discussão da educação na Era Vargas, aprofundando os resultados e objetivos socioeducativos de ambas e categorizando-as como não-críticas, ou seja, em estado de conformidade com o status quo. Assim, o autor procura levar a uma reflexão sobre o papel desempenhado por essas pedagogias na formação das sociedades nas quais se estabeleceram, em particular a brasileira. Buscar-se-á por meio de sua obra verificar esse aspecto passivo em relação ao papel dessas pedagogias no que se refere ao modelo social que se estabelecia no 33 Brasil da Era Vargas, que Ribeiro chama de modelo nacional-desenvolvimentista com base na industrialização. Discutindo a questão da marginalidade e a relação entre educação e sociedade, Saviani distingue dois tipos de educação a não-crítica e a crítica, sobre o primeiro, que apresenta maior interesse a essa pesquisa, disse: para o primeiro grupo a sociedade é concebida como essencialmente harmoniosa, tendendo à integração de seus membros. A marginalidade é, pois, um fenômeno acidental que afeta individualmente um número maior ou menor de seus membros, o que, no entanto, constitui um desvio, uma distorção que não só pode como deve ser corrigida. A educação emerge aí como um instrumento de correção dessas distorções. Constitui, pois, uma força homogeneizadora que tem por função reforçar os laços sociais, promover a coesão e garantir a integração de todos os indivíduos no corpo social. Sua função coincide, no limite, com a superação do fenômeno da marginalidade. Enquanto esta ainda existir, devem se intensificar os esforços educativos; quando for superada, cumpre manter os serviços educativos num nível pelo menos suficiente para impedir o reaparecimento do problema da marginalidade. Como se vê, no que respeita às relações entre educação e sociedade, concebe-se a educação com uma ampla margem de autonomia em face da sociedade. Tanto que lhe cabe um papel decisivo na conformação da sociedade evitando sua desagregação e, mais do que isso, garantindo a construção de uma sociedade igualitária. (SAVIANI, 2008, p. 4). No artigo “As concepções pedagógicas na história da educação brasileira”, Saviani procura esclarecer os campos da teoria educacional e das concepções pedagógicas, tal como suas tendências. No entanto, não para por aí, traz um retrospecto bastante amplo sobre as concepções pedagógicas que atuaram ou se desenvolveram no Brasil, em particular as concepções tradicional e renovadora (escolanovista) assunto que será esmiuçado mais à frente. Maria Lúcia de Arruda Aranha no livro “História da Educação e da Pedagogia: Geral e do Brasil”, nos capítulos dez e onze refere-se respectivamente aos novos modelos educacionais do século XX (rumo a uma perspectiva democrática) e à educação contemporânea no Brasil (a partir da Primeira República). A autora estrutura seus capítulos em três tópicos: contexto histórico, educação e pedagogia; dando espaço aos aspectos econômicos, sociais e políticos das questões educacionais. Trata das realizações dos educadores em suas atividades cotidianas e das principais teorias educacionais correntes na Era Vargas. Discute as ideias de Dewey, os princípios da escola nova e suas influências no Brasil dando destaque a atuação da Igreja Católica e dos pioneiros da educação nas Reformas de Francisco Campos e Gustavo Capanema. Um ponto que vale destacar na obra de Aranha é a preocupação da situação da mulher e sua acessibilidade ao processo educacional. Assim como alguns detalhes referentes a agentes históricos específicos que podem contribuir amplamente para a compreensão do 34 posicionamento de vários grupos em relação as concepções pedagógicas e as disputas políticas em torno da educação daí provenientes. Paulo Ghiraldelli Jr. em “História da Educação”, nos capítulos dois e três de seu livro discute respectivamente a situação pedagógico-educacional durante a Segunda República16 e o Estado Novo. O autor se debruça sobre as reflexões didático-pedagógicas e a política educacional nos confrontos ideológicos da década de 1930, traçando um paralelo entre essas ideologias, os grupos que as defendiam e seus interesses. Quanto ao Estado Novo, dedica-se a analisar a Constituição de 1937 e as leis orgânicas do ensino (de Gustavo Capanema) dando espaço ao confronto entre educadores liberais e a ditadura. Além disso, Ghiraldelli Jr. mostra um cuidado impressionante ao refletir sobre as mudanças na legislação educacional. O autor pontua o caráter conciliatório do governo, refletido nessa mesma legislação por meio de concessões mútuas as concepções mais influentes possibilitando a abertura de um caminho para aplicação de uma concepção dialética da educação no período referido. Ghiraldelli Jr. faz o seguinte balanço geral em relação a disputa educacional ao fim do Estado Novo: A centralização administrativa do governo Vargas possibilitou uma maior homogeneidade e continuidade nas medidas educacionais. Se, por um lado, a centralização era atacada por alguns setores liberais, para os setores mais pobres ela fornecia a apresentação de uma maior nitidez na ação governamental. Independentemente do conservadorismo ou dos possíveis avanços que se possa encontrar na atuação da legislação de Capanema, sua notabilidade e relevância se deram pelo seu caráter pioneiramente sistematizador do ensino nacional. Enfim, criou-se um sistema. (GHIRALDELLI JR., 2005, p. 85-86). Portanto, o autor deixa implícito que do ponto de vista ideológico pode-se dizer que nenhuma das concepções pedagógicas do período foi de fato vitoriosa. O que acabou prevalecendo foi a estruturação e a sistematização do ensino por parte do governo brasileiro. Este caminho será explorado por Moacir Gadotti em seu livro “Concepção Dialética da Educação: Um estudo introdutório” que traça a fundo a concepção e o método dialético, a partir de Marx, enxergando em sua essência o princípio da contradição. Procura com esse método construir uma crítica a educação burguesa, dialogando os princípios de Marx e Gramsci (hegemonia) para, enfim, fazer crítica a educação brasileira. Gadotti disse que: A dialética opõe-se necessariamente ao dogmatismo, ao reducionismo, portanto é sempre
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