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6 Direito Civiil III (Excludentes do Dever de Indenizar e Relações entre as esfera civil e penal)

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DAS EXCLUDENTES DO DEVER DE INDENIZAR
Da legítima defesa
De acordo com o art. 188, I, do CC, não constituem atos ilícitos os praticados em legítima defesa. 
O conceito é retirado do art. 25 do Código Penal, cuja redação merece destaque: “entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem”.
Para ilustrar, transcreve-se o julgado a seguir, em que o extinto Primeiro Tribunal de Alçada Civil de São Paulo entendeu pela não configuração da legítima defesa em um caso envolvendo acidente de veículos:
“Responsabilidade civil – Acidente de trânsito – Réu que, ao ser seguido pelo autor e filho deste, o qual promovia a filmagem do veículo que ia à frente, engata a marcha à ré deste e arrasta o outro conduzido pelo demandante até imobilizá-lo em um muro – Responsabilidade do réu configurada – Alegação de legítima defesa em face da conduta ilícita do autor – Descabimento – Ocorrência da causa excludente não configurada – Sentença confirmada, afastada a assertiva de nulidade desta, por cerceamento de defesa – Recurso improvido” (Primeiro Tribunal de Alçada Civil de São Paulo, Processo: 1197249-5, Recurso: Apelação, Origem: Atibaia, Julgador: 5.ª Câmara, Julgamento: 11.02.2004, Relator: Sebastião Thiago de Siqueira, Decisão: negaram provimento, v.u.).
Sob outro prisma, é fundamental salientar que a legítima defesa putativa não exclui o dever de indenizar. Nesse sentido, há tempos vêm entendendo os nossos Tribunais, inclusive o Superior Tribunal de Justiça:
“Civil – Dano moral – Legítima defesa putativa. A legítima defesa putativa supõe negligência na apreciação dos fatos, e por isso não exclui a responsabilidade civil pelos danos que dela decorram. Recurso Especial conhecido e provido” (STJ, REsp 513.891/RJ, Processo 2003/0032562-7, 3.ª Turma, Rel. Min. Ari Pargendler, j. 20.03.2007, DJU 16.04.2007, p. 181).
O parágrafo único do art. 930 reconhece o direito de regresso também contra aquele em defesa de quem o dano acabou sendo causado. Em outras palavras, havendo exercício imoderado da defesa ou defesa putativa e sendo o fato causado por terceiro, é reconhecido o direito de regresso do ofensor contra aquele que gerou a situação que causou o dano.
Em resumo, temos as seguintes situações:
· contra o próprio agressor: Não há dever de indenizar
· contra terceiro ou seus bens: (aberratio ictus) Deve indenizar o terceiro, mas dispõe de ação regressiva
· putativa: Deve indenizar
· com excesso: Deve indenizar, porém de forma proporcional, pois subsiste a ilicitude em parte da conduta
Do estado de necessidade ou remoção de perigo iminente
Preconiza o art. 188, II, do atual Código Civil, que não constitui ato ilícito a deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão à pessoa, a fim de remover perigo iminente, prestes a acontecer. Esse comando legal prevê o estado de necessidade, que merece tratamento idêntico, como se sinônimo fosse.
Em complemento, o parágrafo único do mesmo dispositivo disciplina que o ato será legítimo somente quando as circunstâncias o tornarem absolutamente necessário, não excedendo os limites do indispensável à remoção do perigo. 
Outros dois preceitos do Código Civil vigente são aplicáveis ao instituto, merecendo transcrição integral:
“Art. 929. Se a pessoa lesada, ou o dono da coisa, no caso do inciso II do art. 188, não forem culpados do perigo, assistir-lhes-á direito à indenização do prejuízo que sofreram”.
“Art. 930. No caso do inciso II do art. 188, se o perigo ocorrer por culpa de terceiro, contra este terá o autor do dano ação regressiva para haver a importância que tiver ressarcido ao lesado”.
Quanto ao primeiro dispositivo, este dispõe que agindo a pessoa em estado de necessidade (ou remoção de perigo iminente) em situação não causada por aquele que sofreu o prejuízo, permanecerá o dever de indenizar.
Mitigando a sua aplicação, pontue-se que o Superior Tribunal de Justiça tem entendido que a circunstância de ter o agente atuado em estado de necessidade pode influir na fixação do valor da indenização, reduzindo o quantum debeatur. Nessa esteira, 
“a adoção da restitutio in integrum no âmbito da responsabilidade civil por danos, sejam materiais ou extrapatrimoniais, nos conduz à inafastabilidade do direito da vítima à reparação ou compensação do prejuízo, ainda que o agente se encontre amparado por excludentes de ilicitude, nos termos dos arts. 1.519 e 1.520 do CC/1916 (arts. 929 e 930 do CC/2002), situação que afetará apenas o valor da indenização fixado pelo critério da proporcionalidade” (STJ, REsp 1.292.141/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 04.12.2012, publicado no seu Informativo n. 513).
Ainda sobre a matéria, cumpre visualizar os conceitos de estado de necessidade defensivo e estado de necessidade agressivo. 
O estado de necessidade defensivo está presente quando o agente, para preservar bem jurídico próprio ou alheio, sacrifica bem pertencente ao causador da situação do perigo. Em situações tais, não haverá dever de indenizar.
Por outro lado, haverá estado de necessidade agressivo quando o agente, mais uma vez para preservar um bem jurídico, sacrifica um bem pertencente a terceiro. Em casos como o descrito, pelo que consta do próprio Código Civil (art. 929 do CC), haverá dever de indenizar. Mas, na última situação, haverá direito de regresso contra o real causador do evento danoso, pelo que consta do art. 930 da codificação.
Do exercício regular de direito ou das próprias funções
O mesmo art. 188, em seu inciso I, segunda parte, do CC, preconiza que não constitui ato ilícito o praticado no exercício regular de um direito reconhecido. Trata-se de uma das excludentes do dever de indenizar mais discutidas no âmbito da jurisprudência.
Um primeiro exemplo refere-se à inclusão do nome de devedores no rol dos inadimplentes ou devedores, em cadastros de natureza privada (Serasa e SPC). Por uma questão lógica, a inscrição nos casos de inadimplência constitui um exercício regular de direito do credor, conforme entendimento unânime de nossos Tribunais. O raciocínio serve para o protesto de título em casos de não pagamento no prazo fixado. 
O Tribunal Superior do Trabalho, em decisão de 2005, entendeu que o empregador tem o direito de fiscalizar o endereço eletrônico colocado à disposição do seu empregado (e-mail corporativo), o que pode até ser concebido como um exercício regular de direito do patrão:
RELAÇÃO ENTRE A RESPONSABILIDADE CIVIL E A RESPONSABILIDADE CRIMINAL
O Código Civil de 2002, a exemplo do anterior (art. 1.525 do CC/1916), traz um dispositivo que procura relacionar a responsabilidade civil com a criminal. Trata-se do art. 935, que tem a seguinte redação:
“Art. 935. A responsabilidade civil é independente da criminal, não se podendo questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal”.
Em complemento ao dispositivo, foi aprovado o Enunciado n. 45, na I Jornada de Direito Civil promovida pelo Conselho da Justiça Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça, nos seguintes termos: 
“no caso do art. 935, não mais se poderá questionar sobre a existência do fato ou sobre quem seja o seu autor se estas questões se acharem categoricamente decididas no juízo criminal”. 
A professora Heloísa Helena Barboza, titular da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, expõe
muito bem as relações entre a responsabilidade civil e a criminal, merecendo os seus ensinamentos
transcrição integral, eis que preciosos pela didática:
“1. Há independência das instâncias civil, penal e administrativa: o autor do dano pode ser responsabilizado, cumulativamente, na jurisdição civil, penal e administrativa.
2. Há, porém, repercussão da decisão criminal no juízo cível, naquilo que é comum às duas jurisdições. A apreciação da culpabilidade é feita de modo distinto, na instância civil e criminal: a decisão criminal, neste aspecto, não vincula o juízo civil.
3. A sentença penal faz coisa julgada no cível quanto ao dever de indenizaro dano decorrente do crime.
4. Não obstante a sentença absolutória no juízo criminal, a ação cível poderá ser proposta quando não tiver sido, categoricamente, reconhecida a inexistência material do fato.
5. A absolvição que tem como base a falta ou a insuficiência de prova quanto à existência do crime ou da autoria não impede a exigência de indenização. A absolvição por insuficiência da prova quanto à culpabilidade também não inibe o dever de reparar o dano.
6. A sentença penal que reconhecer ter sido o ato praticado em legítima defesa, estado de necessidade, estrito cumprimento do dever legal, ou no exercício regular de um direito, faz coisa julgada no cível. Haverá, porém, obrigação de indenizar nos termos dos arts. 929 e 930.
7. A ação indenizatória pode ser proposta antes ou no curso da ação penal, porque é dela independente.
8. A lei faculta o sobrestamento da ação civil para aguardar o julgamento da ação penal, o que é admissível quando o conhecimento da lide depender necessariamente da verificação da existência do fato delituoso, constituindo questão prejudicial.
9. Não impedem a propositura da ação civil: o despacho de arquivamento do inquérito ou das peças de informação; a decisão que julgar extinta a punibilidade; a sentença absolutória que decidir que o fato imputado não constitui crime.
10. É possível a composição dos danos decorrentes das infrações penais de menor potencial ofensivo. A composição dos danos civis no Juizado Especial Criminal será reduzida a escrito e, homologada pelo juiz mediante sentença irrecorrível, terá eficácia de título a ser executado no juízo cível competente” (Código Civil..., 2004, p. 627).

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