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Brasília-DF. Desenvolvimento De Fitoterápicos e sua utilização na saúDe pública Elaboração Carolina Biz Rodrigues Silva Produção Equipe Técnica de Avaliação, Revisão Linguística e Editoração Sumário APRESENTAÇÃO .................................................................................................................................. 5 ORGANIZAÇÃO DO CADERNO DE ESTUDOS E PESQUISA ..................................................................... 6 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 8 UNIDADE I FITOTERAPIA ...................................................................................................................................... 11 CAPÍTULO 1 PLANTAS MEDICINAIS E OS FITOTERÁPICOS – UMA ABORDAGEM HISTÓRICA ............................ 11 CAPÍTULO 2 IMPORTÂNCIA ECONÔMICA E ASPECTOS POLÍTICOS DOS FITOTERÁPICOS .............................. 17 UNIDADE II ETAPAS DO DESENVOLVIMENTO DE FITOTERÁPICOS .............................................................................. 22 CAPÍTULO 1 HISTÓRIA POPULAR DA PLANTA ............................................................................................... 22 CAPÍTULO 2 TESTES DE EFICÁCIA E SEGURANÇA ....................................................................................... 24 CAPÍTULO 3 DESENVOLVIMENTOS DE PRODUTOS FITOTERÁPICOS ............................................................... 29 CAPÍTULO 4 CULTIVO, COLHEITA, SECAGEM E ARMAZENAMENTO .............................................................. 33 CAPÍTULO 5 EXTRAÇÃO E FORMAS FARMACÊUTICAS ................................................................................ 40 UNIDADE III UTILIZAÇÃO DE FITOTERÁPICOS EM SAÚDE PÚBLICA ............................................................................. 51 CAPÍTULO 1 PROGRAMA DE MEDICINA TRADICIONAL DA ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE – OMS ........ 51 CAPÍTULO 2 POLÍTICA NACIONAL DE MEDICINA TRADICIONAL ................................................................... 54 CAPÍTULO 3 RELAÇÃO DE PLANTAS DE INTERESSE PELO SUS – RENISUS ....................................................... 58 CAPÍTULO 4 HISTORICIDADE NO USO DE CHÁS ......................................................................................... 60 PARA (NÃO) FINALIZAR ...................................................................................................................... 65 REFERÊNCIAS .................................................................................................................................... 66 5 Apresentação Caro aluno A proposta editorial deste Caderno de Estudos e Pesquisa reúne elementos que se entendem necessários para o desenvolvimento do estudo com segurança e qualidade. Caracteriza-se pela atualidade, dinâmica e pertinência de seu conteúdo, bem como pela interatividade e modernidade de sua estrutura formal, adequadas à metodologia da Educação a Distância – EaD. Pretende-se, com este material, levá-lo à reflexão e à compreensão da pluralidade dos conhecimentos a serem oferecidos, possibilitando-lhe ampliar conceitos específicos da área e atuar de forma competente e conscienciosa, como convém ao profissional que busca a formação continuada para vencer os desafios que a evolução científico-tecnológica impõe ao mundo contemporâneo. Elaborou-se a presente publicação com a intenção de torná-la subsídio valioso, de modo a facilitar sua caminhada na trajetória a ser percorrida tanto na vida pessoal quanto na profissional. Utilize-a como instrumento para seu sucesso na carreira. Conselho Editorial 6 Organização do Caderno de Estudos e Pesquisa Para facilitar seu estudo, os conteúdos são organizados em unidades, subdivididas em capítulos, de forma didática, objetiva e coerente. Eles serão abordados por meio de textos básicos, com questões para reflexão, entre outros recursos editoriais que visam a tornar sua leitura mais agradável. Ao final, serão indicadas, também, fontes de consulta, para aprofundar os estudos com leituras e pesquisas complementares. A seguir, uma breve descrição dos ícones utilizados na organização dos Cadernos de Estudos e Pesquisa. Provocação Textos que buscam instigar o aluno a refletir sobre determinado assunto antes mesmo de iniciar sua leitura ou após algum trecho pertinente para o autor conteudista. Para refletir Questões inseridas no decorrer do estudo a fim de que o aluno faça uma pausa e reflita sobre o conteúdo estudado ou temas que o ajudem em seu raciocínio. É importante que ele verifique seus conhecimentos, suas experiências e seus sentimentos. As reflexões são o ponto de partida para a construção de suas conclusões. Sugestão de estudo complementar Sugestões de leituras adicionais, filmes e sites para aprofundamento do estudo, discussões em fóruns ou encontros presenciais quando for o caso. Praticando Sugestão de atividades, no decorrer das leituras, com o objetivo didático de fortalecer o processo de aprendizagem do aluno. Atenção Chamadas para alertar detalhes/tópicos importantes que contribuam para a síntese/conclusão do assunto abordado. 7 Saiba mais Informações complementares para elucidar a construção das sínteses/conclusões sobre o assunto abordado. Sintetizando Trecho que busca resumir informações relevantes do conteúdo, facilitando o entendimento pelo aluno sobre trechos mais complexos. Exercício de fixação Atividades que buscam reforçar a assimilação e fixação dos períodos que o autor/ conteudista achar mais relevante em relação a aprendizagem de seu módulo (não há registro de menção). Avaliação Final Questionário com 10 questões objetivas, baseadas nos objetivos do curso, que visam verificar a aprendizagem do curso (há registro de menção). É a única atividade do curso que vale nota, ou seja, é a atividade que o aluno fará para saber se pode ou não receber a certificação. Para (não) finalizar Texto integrador, ao final do módulo, que motiva o aluno a continuar a aprendizagem ou estimula ponderações complementares sobre o módulo estudado. 8 Introdução Sabe-se que o poder curativo das plantas é tão antigo quanto o aparecimento da espécie humana na terra, pois, desde cedo, as primeiras civilizações perceberam que algumas plantas continham em suas essências princípios ativos os quais, ao serem experimentados no combate às doenças, revelaram empiricamente seu poder curativo. De acordo com a Organização Mundial da Saúde – OMS, plantas medicinais são todas as plantas que contêm, em um ou mais de seus órgãos, substâncias que podem ser utilizadas com propósitos terapêuticos ou que sejam precursoras de compostos químicos farmacêuticos. Ainda nesse sentido, estudos afirmam que toda planta que contém um ou mais princípios ativos em sua composição e que é útil à saúde dos seres humanos é considerada planta medicinal. Toda informação acumulada sobre o uso de plantas medicinais foi inicialmente transmitida oralmente, de geração a geração, para só depois, com o advento da escrita, ser compilada em livros. Durante muito tempo, o uso de plantas medicinais foi o principal recurso terapêutico utilizado para tratar a saúde das pessoas e de suas famílias, entretanto, com os avanços ocorridos no meio técnico-científico, sobretudo, no âmbito das ciências da saúde, novas maneiras de tratar e curar as doenças foram surgindo. Uma dessas maneiras consiste no uso de medicamentos industrializados, gradativamente introduzidos no cotidiano das pessoas modernas, por meio de campanha publicitária que promete curar as mais diversas doenças. Desde então,o uso de plantas medicinais vem sendo substituído pelos medicamentos alopáticos. No Brasil, mesmo com o incentivo da indústria farmacêutica para a utilização de medicamentos industrializados, grande parte da população ainda se utiliza de práticas complementares para cuidar da saúde, como o uso das plantas medicinais, usada para aliviar ou mesmo curar algumas enfermidades. Assim, antigas práticas complementares de tratamentos à saúde ainda são largamente utilizadas em países periféricos e que nos últimos anos estão sendo resgatadas pela sociedade urbana industrial. Atualmente, as mudanças econômicas, políticas e sociais que eclodiram pelo mundo a fora, influenciaram não só na saúde das pessoas como também nos modelos de cuidado. O uso terapêutico de recursos naturais utilizados no cuidado humano, que antes estava situado às margens das instituições de saúde, hoje tenta legitimar-se nesse meio dominado pelas práticas alopáticas. Nesse contexto, esse caderno de estudos pretende transmitir aos alunos alguns aspectos importantes do uso de plantas medicinais e fitoterápicos. De maneira geral, visa, também, introduzi-los nos estudos da fitoterapia, fazê-los conhecer o planejamento de desenvolvimento de fitoterápicos, bem como sua utilização no Sistema Único de Saúde – SUS. 9 Objetivos » Esclarecer alguns aspectos sobre o uso de plantas medicinais e fitoterápicos. » Conscientizar a importância dos fitoterápicos na saúde. » Introduzir o estudo da fitoterapia, da história do uso de plantas medicinais, seu uso na história dos medicamentos. » Conhecer o planejamento para o desenvolvimento de fitoterápicos, cultivo, coleta, secagem, moagem, armazenamento e obtenção das mais variadas formas farmacêuticas. » Conhecer como a fitoterapia é utilizada no Sistema Único de Saúde – SUS. » Analisar a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares e Relação Nacional de Plantas Medicinais, reconhecidas pelo Ministério da Saúde. 11 UNIDADE IFITOTERAPIA CAPÍTULO 1 Plantas medicinais e os fitoterápicos – uma abordagem histórica As plantas terapêuticas, desde o início da história da humanidade e até o final do século passado, desempenharam um papel-chave na cura das doenças. O homem pré-histórico já utilizava e sabia distinguir as plantas comestíveis daquelas que podiam ajudar a curá-lo de alguma moléstia. A natureza foi, portanto, o primeiro remédio e a primeira farmácia a que o homem recorreu. Assim, imagina-se que foi por meio da observação dos animais que o homem iniciou a utilização das plantas terapêuticas como cura de males. De acordo com a Organização Mundial de Saúde – OMS, 80% das pessoas dos países em desenvolvimento no mundo dependem da medicina tradicional para as suas necessidades básicas de saúde e aproximadamente 85% da medicina tradicional envolve o uso de plantas ou extratos destas. Ao se referir às plantas, em especial as medicinais, não se pode deixar de ressaltar que o conhecimento adquirido sobre essas espécies – seus usos, indicações e manejo – são uma herança dos antepassados, que, de forma tradicional, têm passado seus conhecimentos de geração a geração, desde os tempos mais remotos até os dias atuais. Assim, o processo de utilização das plantas em práticas populares e tradicionais, como remédios caseiros e comunitários, é conhecido atualmente como medicina alternativa. Os chineses, egípcios, hindus e gregos foram os primeiros a catalogar as ervas medicinais, classificando-as de acordo com a sua forma, cor, sabor e aroma, incluindo ligações com os astros e, evidentemente, com seus atributos mágicos. Desta forma, as plantas foram, ao longo das diversas gerações, sendo manipuladas e utilizadas para as mais diversas finalidades terapêuticas, e assim gerou um rico conhecimento tradicional. Na literatura, encontram-se várias citações de povos e nomes históricos, os quais fizeram algum tipo de uso de ervas, tanto benéficas quanto maléficas. Os druidas, sacerdotes celtas, usavam poções mágicas, mandrágoras e ervas venenosas, idealizando inclusive, um horóscopo baseado na energia das árvores, segundo as diferentes épocas do ano. Aquiles, para debelar seus males, usava mil-em-rama, erva que passou a ser conhecida como Achillea millefolium. Sócrates, condenado 12 UNIDADE I │ FITOTERAPIA à morte por seus adversários, ingeriu cicuta, planta de efeito mortífero. Carlos Magno foi um dos primeiros defensores das plantas ao baixar um edital protegendo o hortelã nativo, ameaçado de extinção. Por este ato, poderia ter sido considerado o “patrono da ecologia”, hoje representado pelo inglês William Cobbett. Os antigos egípcios, que se aprimoraram na arte de embalsamar os cadáveres para guardá-los da deterioração, experimentaram muitas plantas, cujo poder curativo descobriram e confirmaram: nascia assim a fitoterapia. As plantas eram escolhidas pelo seu cheiro, pois acreditavam que certos aromas afugentavam os espíritos das enfermidades. Essa crença continuou até a Idade Média. Os egípcios, que estavam relativamente adiantados na arte de curar, usavam, além das plantas aromáticas, muitas outras cujos efeitos bem conheciam: papoula (sonífera), a cila (cardíaca), a babosa e o óleo de rícino (catárticos), entre outros. O papiro, descoberto por Ebers, em 1873, está repleto de receitas médicas que incluíam plantas em mistura com outras substâncias. Na medicina, os mais velhos babilônios eram tão adiantados como os egípcios. A regulamentação sobre o exercício da medicina e da prescrição de remédios está no Código de Hamurabi, estruturado mais ou menos no tempo do patriarca Abraão. Os assírios incluíram no seu receituário 250 plantas terapêuticas, entre elas: o açafrão, a assa-fétida, o cardamomo, a papoula, o tremoço e outros. Hipócrates da Grécia (460-361 a.C.), que é considerado o pai da medicina, empregava centenas de drogas de origem vegetal. Teofrasto (372-285 a.C.), na sua história das plantas, catalogou 500 espécimes vegetais. Crateús, que viveu no século I a.C., publicou a primeira obra que se tem conhecimento na história – Rhizotomikon – sobre plantas medicinais com ilustrações. Dioscórides, o fundador da “matéria médica”, no século I, publicou um livro com 600 plantas medicinais. Plínio “o velho”, que também viveu no século I e cuja enciclopédia constava de 37 volumes, catalogou as espécies de vegetais úteis à medicina. Na teoria de Plínio, havia para cada enfermidade uma planta específica. Os árabes tomaram conhecimento da ciência fitoterápica dos gregos, dos romanos e de outros povos e Abd-Allah Ibn Al-Baitar, que viveu no século XIII, foi o maior especialista árabe no campo da botânica aplicada à medicina; ele viajou por muitos países em busca de dados que necessitava para seu livro e sua obra descreveu mais de 800 plantas. No Brasil, a utilização das plantas não só como alimento mas também como fonte terapêutica teve início desde que os primeiros habitantes chegaram ao Brasil, há cerca de 12 mil anos, dando origem aos paleonídeos amazônicos, dos quais derivaram as principais tribos indígenas do país. Pouco, no entanto, se conhece sobre esse período, além das pinturas rupestres. Em 1500, com a chegada de Pedro Álvares Cabral ao Brasil, surgiu a primeira correspondência oficial de Pero Vaz de Caminha ao Rei de Portugal, D. Manuel, relatando o descobrimento da nova terra e suas características. Padre José de Anchieta de 1560 a 1580 detalhou em suas cartas aos Superiores Geral da Companhia de Jesus as plantas comestíveis e medicinais do Brasil. As plantas medicinais especificamente mencionadas foram: capim-rei, ruibarbo do brejo, ipecacuanha-preta, cabriúva-vemelha, erva boa, hortelã-pimenta, que era utilizada pela os indígenas contra indigestão,aliviando nevralgias, reumatismos, doenças nervosas, purgativos, bálsamos e cura de feridas. 13 FITOTERAPIA │ UNIDADE I Outro fato que chamou a atenção dos missionários foi à utilização, pelos índios, dos timbós, que produziam um efeito narcótico nos peixes para facilitar a pesca, possibilitando assim, pescar com a mão, uma vez que a planta era macerada e jogada na água. A flora brasileira foi descoberta por cientistas estrangeiros, especialmente os naturalistas, que realizavam grandes expedições científicas desde o descobrimento pelos portugueses até ao final do século XIX. Assim, percebe-se que a botânica é sempre aliada à medicina numa união indissolúvel e nunca será possível separar uma da outra. Em todo o mundo são conhecidos inúmeros remédios vegetais de incalculável valor para a farmacopeia moderna. Apesar das ervas terem sido relegadas, principalmente no ocidente, em função do progresso científico e do uso dos produtos químicos, nunca deixaram de ser utilizadas, principalmente pelos povos fora dos grandes centros. Entre 1880 e 1900, começaram as mudanças com o desenvolvimento do primeiro medicamento sintético, as antipirinas, seguidas pela antifebrina e pela aspirina. Após a II Guerra Mundial, as pesquisas com ervas medicinais foram deixadas de lado pelo grande avanço das formas sintéticas, sendo retomadas somente nos dias de hoje. A ciência busca o progresso com tudo o que a natureza oferece e o respeito à cultura dos povos em torno do uso de produtos ou ervas medicinais para curar os males é prova disto. Nas regiões tropicais da América Latina, existem diversas espécies de plantas medicinais de uso local, com uma relação custo-benefício bem menor para a população, promovendo saúde a partir de plantas produzidas localmente. A eficácia e o baixo risco de uso são características desejáveis das plantas medicinais, assim como reprodutibilidade e constância de sua qualidade. O aproveitamento adequado dos princípios ativos de uma planta exige o preparo correto, ou seja, para cada parte a ser usada, para cada grupo de princípio ativo a ser extraído e para cada doença a ser tratada, existe forma de preparo e uso adequados. Conforme a Agência Nacional de Vigilância Sanitária, as plantas medicinais são plantas capazes de tratar ou curar doenças. Essas plantas têm tradição, pois são usadas como remédio em uma população ou comunidade. Para que sejam usadas, é necessário conhecer a planta e saber onde colher e como prepará-la. Já o Fitoterápico é o resultado da industrialização da planta medicinal para se obter um medicamento. Assim, a diferença entre planta medicinal e fitoterápico reside na elaboração da planta para uma formulação específica, o que caracteriza um fitoterápico. É por meio do processo de industrialização que são evitadas contaminação por micro-organismos, agrotóxicos e substâncias estranhas, padronizadas a quantidade e a forma certa que deve ser usada e permitida maior segurança de uso. Os medicamentos fitoterápicos industrializados devem ser registrados na ANVISA, Ministério da Saúde, antes de serem comercializados. De todos os métodos da medicina natural, a fitoterapia é o mais antigo. Na fitoterapia, a planta toda ou parte dela é utilizada de modo que seus constituintes ajam conjuntamente ao invés de um único princípio ativo isolado. Atualmente, os remédios à base de extratos vegetais estão modificados por causa da revolução tecnológica. No entanto, a utilização de avançados recursos não deixou para trás os conhecimentos medicinais tradicionais. Portanto, o que se tem observado nas últimas décadas é um acentuado 14 UNIDADE I │ FITOTERAPIA aumento nas pesquisas de caráter interdisciplinar que buscam a documentação do conhecimento relativo aos “povos tradicionais”, em que suas interações ecológicas, simbólicas e culturais com as plantas representam um aparente retorno à revalorização dos processos de cura com espécies medicinais. Uma das culturas mais antigas que relatam a utilização de plantas, animais e minerais com fins terapêuticos é a chinesa. Relatos esses encontrados no primeiro livro que trata da medicina interna “Huang Di Nei Jing” escrito na dinastia Han, por volta de 3000 a.C.. Esse tratado listava 13 fórmulas de fitocompostos, incluindo pílulas, pós, emplastos, chás etc. Outro grande tratado que data de aproximadamente, 219 a.C. é o Shan-han Zabing Lun (Tratado das diversas doenças do frio nocivo), que contém mais de 113 fórmulas de fitocompostos chineses. A primeira produção em massa de fitocompostos data da dinastia Song (960 d.C. a 1279 d.C.), quando o império feudal chinês construiu um hospital para o uso da família real. Uma farmácia herbária foi feita no hospital, as fórmulas foram coletadas por um famoso médico da época, Chen Shi-wen e 788 dessas fórmulas foram publicadas no texto Tai Ping Hui Min He Ji Ju Fang (Fórmulas do bem-estar popular) de 1151 d.C.. Na dinastia Ming (1368 a 1644 d.C.) e dinastia Qing (1644 a 1911 d.C.) muitas farmácias herbárias particulares foram abertas. Alguns destes medicamentos produzidos por essas farmácias eram secretos. Uma das mais antigas e famosas farmácias na China hoje é Tung Jen Tang, em Pequim, fundada em 1669. Desde a década de 1950 vários fitocompostos vêm sendo desenvolvidos e utilizados em hospitais da China. Os chineses criaram um método de classificação das plantas diferente da classificação da fitoterapia ocidental: enquanto os ocidentais perdem-se somente na parte fitoquímica das plantas, os chineses classificam as ervas de maneira bem diferente. As classificações são: » Os cinco sabores: picante, salgado, azedo, amargo e doce (algumas ervas apresentam mais de um sabor). » As quatro direções: para cima (ascender), para fora (flutuam), para baixo (descender) e para dentro (aprofundam). » A temperatura (natureza): quentes, mornas, frescas e frias. As ervas picantes estimulam, dispersam e promovem o movimento de subida e fazem transpirar. Ex.: pinellia, menta, alho, angélica, canela. As ervas salgadas transformam a umidade e suavizam, também são tóxicas. Ex.: trigo, osso de tigre. As ervas azedas são adstringentes. O sabor azedo é utilizado frequentemente para tratar diarreias e suores excessivos. Ex.: crataegus, acerola, limão. 15 FITOTERAPIA │ UNIDADE I As ervas amargas eliminam, ativam e promovem o movimento de descida, tratam a dor, são utilizadas em constipação, vômitos, reduzem o calor, drenam fluidos corporais e servem para tratar distúrbios cardíacos. Ex.: Aloe vera, bardana, Ephedra, Cordydalis. As ervas doces tonificam, nutrem e promovem o movimento de descida lenta e tratam a dor. Ex.: Ginseng, alcaçuz, Ziziphi, aveia, Hipericum, madressilva. As quatro direções do movimento são a capacidade que cada erva tem de mover a energia em determinadas direções dentro do corpo. Considere que o corpo tem quatro partes: Para cima (ascender): tem como objetivo despertar e revigorar o CHI. Ex.: Gengibre, Aconitum, Café. Para fora (flutuam): abrem os orifícios, promovem a sudoripação (pele) e a expulsão do agente patogênico exógeno, dispersam o frio e o vento, eliminam a mucosidade pulmonar e abrem as vias respiratórias. Ex.: Pinellia, Ephedra, canela, magnólia. Para baixo (descender): ativam a descida da energia, têm ação diurética e laxativa, facilitam a digestão e eliminam os acúmulos. Ex.: sene, bardana, cáscara sagrada, semente de pêssego, quebra-pedra. Para dentro (aprofundam): acalmam a mente. Ex.: Acantophanax, Ziziphi, trigo, Rhemania. As temperaturas das ervas descrevem as características energéticas com ação terapêutica. As plantas mornas e quentes dissipam síndromes de frio e as plantas frias e frescas dissipam as síndromes de calor.Quentes: são plantas estimulantes usadas para expulsar o frio. Ex.: Aconitum, gengibre, canela, alho, pimenta. Mornas: normalmente são ricas em óleos essenciais. Elas têm a propriedade de abrir os orifícios. Ex.: angélica, ginseng, Ephedra. Frescas: são plantas que dissipam o calor. Normalmente, têm ação anti-inflamatória e analgésica. Ex.: menta, Crataegus, calêndula, equinácea, Hipéricum, lavanda. Frias: combatem o calor. Ex.: melissa, Paeonia, bardana. A medicina tradicional chinesa leva em consideração os termos tóxicos, inócuos, muito tóxicos e levemente tóxicos. As substâncias inócuas não apresentam valor, mas as tóxicas e muito tóxicas, quando usadas em dosagens superiores ou tempo prolongado, podem provocar lesões sérias. Já as levemente tóxicas geralmente apresentam efeitos secundários. As combinações de plantas podem torná-las tóxicas ou inócuas, portanto, para se combinar as plantas, é preciso conhecer as suas funções energéticas e fitoquímicas. 16 UNIDADE I │ FITOTERAPIA Exemplos: » Tóxicas: Aconitum, noz-vomica, mirra. » Levemente tóxicas: Poria cocus, Zizyphi. » Inócuas: ginseng, alcaçuz. Uma outra característica importante da fitoterapia chinesa é a utilização de formulações de ervas para o tratamento, sendo mais raro o uso de ervas isoladas. Na composição das fórmulas da medicina tradicional chinesa, as ervas (ou componentes) são classificadas nas seguintes categorias: Imperador (erva imperial): é o principal componente da fórmula. Atua na função ou órgão que é a base do processo de adoecimento. Na maioria das vezes, é executada por uma só erva. Ministro (erva ministerial): auxilia ou reforça a ação do imperador, atuando também na condição básica do processo de adoecimento, porém com potência menor que o imperador. As fórmulas potem ter mais de um ministro. General ou Assesor (erva assessora): componente da formulação que visa restringir os efeitos adversos ou exagerados dos outros componentes, também possibilitando a regressão mais rápida dos sintomas. As fórmulas podem ter mais de um general. Embaixador ou Coordenador (erva coordenadora): é o componente com a função de reduzir a toxidade e/ou harmonizar as outras plantas na fórmula. Usualmente, utilizamos para esta função a casca de poncã ou Chen Pi (Citrus reticulata), o alcaçuz ou Gran Cao (Glycyrrhiza glabra, raiz), o gengibre ou Gan Jiang (Zingiber officinale, rizoma seco), as folhas e ramos de alecrim (Rosmarinus officinalis) e a erva-doce ou Xiao Hui Xiang (Foeniculum vulgare, frutos). Em fórmulas com muitos componentes, podem ser usadas uma ou duas plantas com função embaixador. 17 CAPÍTULO 2 Importância econômica e aspectos políticos dos fitoterápicos Importância econômica dos fitoterápicos No Brasil, pesquisas demonstram que mais de 90% da população já fizeram uso de alguma planta medicinal. A riqueza da diversidade vegetal brasileira contribuiu para que a utilização das plantas medicinais seja considerada uma área estratégica para o país. O país contém aproximadamente 23% das espécies vegetais existentes em todo o planeta. A utilização de plantas medicinais para produção de medicamentos apresenta uma melhor relação custo/benefício, quando comparada aos produtos sintéticos, pois sua ação biológica é eficaz, com baixa toxidade e efeitos colaterais, além de apresentar um custo de produção inferior e, consequentemente, um preço de venda menor. Entretanto, esses medicamentos não são necessariamente mais barato que os sintéticos, pois necessita de matéria-prima de qualidade, para que a planta possa apresentar as substâncias ativas, além de grandes quantidades de planta, o que acaba encarecendo o processo. Além disso, o medicamento sintético normalmente tem uma especificidade muito alta, o que permite que se usem doses baixas, 5 a 10 mg, enquanto que com os extratos vegetais, é necessário usar doses de 300 a 500 mg para obtenção do efeito. O mercado mundial de medicamentos fitoterápicos vem crescendo ano a ano e uma prova disso é que somente na Europa já atinge quantias equivalentes a sete bilhões de dólares. No Brasil, a estimativa é que o mercado movimente cerca de 1 bilhão de dólares. Em 2000, o mercado mundial para medicamentos movimentou cerca de 470 e 780 bilhões de dólares, sendo aproximadamente US$ 22 bilhões do segmento de fitoterápicos. No Brasil, dos US$ 8 bilhões totalizados pelo setor farmacêutico, os fitoterápicos respondem anualmente por US$ 400 milhões, valor que corresponde a metade do total movimentado pelos fitoterápicos em geral, quando incluídos os produtos considerados naturais e que são comercializados sem respaldo científico. Outro dado importante diz respeito ao crescimento das vendas de medicamentos fitoterápicos no Brasil, quando comparados aos alopáticos, vendido sob prescrição médica. Enquanto as vendas de medicamentos alopáticos, incluindo as drogas sintéticas, cresceram de 3 a 4% de 1999 para 2000, as de fitomedicamentos aumentaram 15% neste mesmo período. O que se pode observar no mercado brasileiro é que a produção de fitoterápicos ainda é dominada pelas grandes corporações da indústria farmacêutica, porém, empresas de médio e pequeno porte já começaram a investir em estudos de novos produtos. A indústria farmacêutica apresenta uma taxa de crescimento econômico de aproximadamente 5% ao ano, mas deve-se entender que grande parte da matéria-prima para confecção dos fármacos são importados, o que encarece a produção no Brasil, além de exercer uma correlação negativa na balança comercial neste setor, uma vez que as importações são maiores que as exportações. 18 UNIDADE I │ FITOTERAPIA Aspectos políticos da Fitoterapia na sociedade O interesse da sociedade sobre as plantas e seu uso para diversas áreas, inclusive para área de saúde, e suas aplicações terapêutica está cada vez mais sendo difundido e discutido, isto ocorre pelo fato de que o uso e aplicações terapêuticas das plantas têm uma série de influencias culturais, como dos colonizadores europeus, dos indígenas e dos africanos. Tal conjunto de conhecimentos sobre o uso de plantas forma hoje a “fitoterapia popular”, uma prática alternativa optada por milhares de brasileiros que não têm acesso às práticas médicas oficiais devido aos altos custos, principalmente no que diz respeito a consultas médicas e medicamentos. O conhecimento tradicional sobre o uso de plantas na sociedade moderna e urbana, concentrado nas mãos de especialistas populares (erveiros, rezadeiras etc.), tem demonstrado sua eficácia e validade em muitos casos. No entanto, nem todas as práticas e receitas populares são eficazes, ao contrário, muitas podem ser altamente danosas à saúde. Segundo a Organização Mundial de Saúde, o uso de plantas medicinais pela população mundial tem sido muito significativo, pois cerca de 80% da população já fizeram o uso de algum tipo de planta com o objetivo de aliviar alguma sintomatologia. Em um estudo realizado por estimativa, 50% dos europeus e mais de 50% dos norte-americanos fazem uso de fitoterápicos. No Brasil, estima-se que o comércio de fitoterápicos seja de aproximadamente 5% do mercado total de medicamentos, avaliado em mais de US$ 400 milhões. O aumento do interesse quanto à utilização das plantas medicinais está relacionado a diversos fatores, entre eles o alto custo dos medicamentos industrializados, a falta de acesso da população à assistência médica e farmacêutica, a crise econômica e uma tendência dos consumidores em utilizar produtos de origem natural. É necessário, também, fazer referência sobre a regulamentação do uso. Nesse sentido, em 2006, o Brasil decidiu regulamentar o uso e a pesquisa das terapias alternativas no âmbito do SUS. O Ministério da Saúde publicaa Portaria no 971, de 3 de maio de 2006, que aprova a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares no SUS, com principal objetivo de ampliar as alternativas terapêuticas aos seus usuários, além de ofertar segurança no seu uso. Desta forma, antes o uso das plantas medicinais se restringia às comunidades que tinham acesso não oficial e de uso popular. Com sua regulamentação e inserção no SUS, a fitoterapia ganha seu espaço, como uso de terapias alternativas, e amplia seu uso e acesso, uma vez que são quase 180 milhões de usuários do Sistema Único de Saúde. Uma vez inserido, a sociedade, tanto popular como científica, começa um grande interesse pelo assunto. Os fitoterápicos estão cada vez mais presentes, principalmente nas políticas de saúde municipais, principalmente na atenção básica, por meio do Programa de Saúde da Família. Nesse sentido, há relatos na literatura de experiências que tiveram êxito como no Estado do Paraná que 82% das unidades básicas de saúde de Curitiba já implantaram a fitoterapia como opção ou complementação terapêutica junto a alopatia. 19 FITOTERAPIA │ UNIDADE I Outros exemplos de implantação destas políticas são: » No município de São Paulo, foi regulamentado o Programa Qualidade de Vida com Medicinas Tradicionais e Práticas Integrativas em Saúde, tendo como objetivo principal as atividades de promoção e recuperação de saúde, por meio de medicinas tradicionais, homeopatia, alimentação saudável e plantas. » Em 2004, a Prefeitura Municipal de Cuiabá implantou o Programa de Fitoterapia e Plantas Medicinais da Secretaria Municipal de Saúde – FITOVIVA, com a publicação do Decreto no 4.188, e em 2006 contava com 15 unidades de saúde na capital. » Os municípios de Campinas, Cunha, Guaratinguetá, Herculândia, Pindamonhangaba, Piquete, Roseira, São José do Barreiro, Ribeirão Preto, São Lourenço da Serra, Cruzeiro e Dobrada utilizam os recursos do poder público municipal para os programas de fitoterapia, porém, muitos municípios que possuem o projeto e profissionais desativaram os serviços de fitoterapia devido à falta de incentivos. Não existem dados oficiais, no Brasil, quanto ao mercado de fitoterápicos, porém, estima-se que gire em torno de um bilhão de reais por ano. Pesquisas realizadas demonstram que 91,9% da população já fizeram uso de alguma planta medicinal, sendo que 46% da população mantém um cultivo caseiro de plantas medicinais. Com relação aos produtos industrializados, encontram-se registrados na ANVISA 432 fitoterápicos simples e 80 compostos. O setor produtivo industrial possui uma legislação ampla no tocante aos aspectos da produção e comercialização de fitoterápicos. Sendo assim, percebem-se os avanços que aconteceram diante de políticas instituídas pelo Ministério da Saúde para a inserção das terapias alternativas à população brasileira, porém, devemos considerar que ainda há uma série de questões que devem ser consideradas. Uma delas é relacionada aos profissionais de saúde que devem ser preparados adequadamente para atender a população corretamente e fazer o uso racional dessas terapias. Outro fator importante é saber da cultura milenar que deve ser investigado por pesquisadores para conhecer o uso e eficácia dos fitoterápicos. Com a qualificação dos profissionais, o apoio político com as Políticas já implantadas, a adesão dos gestores locais e a participação e aceitação da comunidade, as perspectivas para a Fitoterapia no SUS são melhores e poderão trazer como resultado a possibilidade da avanço da qualidade de vida da população. Tal resultado se dará por uma nova opção de tratamento ao Sistema de Saúde e aquisição das plantas medicinais por agricultores familiares, como matéria-prima para as indústrias de fitoterápicos. 20 UNIDADE I │ FITOTERAPIA Conceitos básicos em fitoterapia Adjuvante: substância de origem natural ou sintética adicionada ao medicamento com a finalidade de prevenir alterações, corrigir e/ou melhorar as características organolépticas, biofarmacotécnicas e tecnológicas do medicamento. Carminativo: agente que favorece e provoca a expulsão de gases intestinal. Catártico: purgante mais enérgico que o laxante e menos drástico. Colagoga: agente ou substância que provoca e favorece a produção da bílis. Colerética: agente ou substância que aumenta a liberação de bílis. Derivado de droga vegetal: produtos de extração da matéria-prima vegetal: extrato, tintura, óleo, cera, exsudato, suco e outros. Droga vegetal: planta ou suas partes, após processos de coleta, estabilização e secagem, podendo ser íntegra, rasurada, triturada ou pulverizada. Emenagoga: agente que restabelece o fluxo menstrual. Estomáquico: agente que estimula a atividade secretora do estômago. Etnofarmacologia: Disciplina que estuda como as populações tradicionais interagem com as plantas e como as usa no tratamento de suas doenças. Fórmula fitoterápica: relação quantitativa de todos os componentes de um medicamento fitoterápico. Fitofármaco: Medicamento feito a partir de substância de origem vegetal, porém de forma isolada. Fitoterápico: medicamento obtido empregando-se exclusivamente matérias- primas ativas vegetais. É caracterizado pelo conhecimento da eficácia e dos riscos de seu uso, assim como pela reprodutibilidade e constância de sua qualidade. Sua eficácia e segurança são validadas por meios de levantamentos etnofarmacológicos de utilização, documentações tecnocientíficas em publicações ou ensaios clínicos na fase 3. Não se considera medicamento fitoterápico aquele que, na sua composição, inclua substâncias ativas isoladas, de qualquer origem, nem as associações destas com extratos vegetais. Marcador: componente ou classe de compostos químicos (ex.: alcaloides, flavonoides, ácidos graxos etc.) presente na matéria-prima vegetal, idealmente, o próprio princípio ativo e, preferencialmente, que tenha correlação com o efeito terapêutico, que é utilizado como referência no controle de qualidade da matéria- prima vegetal e dos medicamentos fitoterápicos. 21 FITOTERAPIA │ UNIDADE I Matéria-prima vegetal: planta medicinal fresca, droga vegetal e derivado de droga vegetal. Medicamento: produto farmacêutico, tecnicamente obtido ou elaborado, com finalidade profilática, curativa, paliativa ou para fins de diagnósticos. Nomenclatura botânica oficial completa: gênero, espécie, variedade, autor do binômio, família Nomenclatura botânica oficial: gênero, espécie e autor. Nomenclatura botânica: gênero e espécie. Princípio ativo de medicamento fitoterápico: Substância ou classes químicas (ex.: alcaloides, flavonoides, ácidos graxos etc.), quimicamente caracterizadas, cuja ação farmacológica é conhecida e responsável, total ou parcialmente, pelos efeitos terapêuticos do medicamento fitoterápico. Medicamento fitoterápico novo: aquele cuja eficácia, segurança e qualidade sejam comprovadas cientificamente junto ao órgão federal competente, por ocasião do registro, podendo servir de referência para o registro de similares. Medicamento fitoterápico tradicional: é aquele elaborado a partir de planta medicinal, de uso alicerçado na tradição popular, sem evidências, conhecidas ou informadas, de risco à saúde do usuário, cuja eficácia é validada por meio de levantamentos etnofarmacológicos e de utilização, de documentações tecnocientíficas ou publicações indexadas. Medicamento fitoterápico similar: aquele que contém as mesmas matérias-primas vegetais, na mesma concentração de princípio ativo ou marcadores, utilizando a mesma via de administração, forma farmacêutica, posologia e indicação terapêutica de um medicamento fitoterápico considerado como referência. Planta medicinal: espécie vegetal designadapelo seu nome científico e/ou popular utilizada com finalidades terapêuticas. Princípio ativo: substância, ou grupo delas, quimicamente caracterizada, cuja ação farmacológica é conhecida e responsável, total ou parcialmente, pelos efeitos terapêuticos do medicamento fitoterápico. Produto natural: é toda substância encontrada na natureza (vegetal, mineral ou animal) de origem orgânica ou inorgânica que pode ser utilizada diretamente ou processada pelo homem. 22 UNIDADE II ETAPAS DO DESENVOLVIMENTO DE FITOTERÁPICOS CAPÍTULO 1 História popular da planta O uso de plantas medicinais vem sendo também estimulado, geralmente de maneira pouco criteriosa, pela propaganda e pelos meios de comunicação, tal como ocorre com outros medicamentos, por meio da divulgação de propriedades “milagrosas” de determinadas plantas. Frequentemente, esses setores ignoram ou omitem o conhecimento popular acumulado em séculos passados e o conhecimento acadêmico desenvolvido nas últimas décadas sobre efeitos desejados ou não, precauções e as contraindicações dessas plantas. Existem alguns problemas e entraves no fluxo informativo a serem superados para o desenvolvimento fitoterápico e um deles constitui-se na desenfreada plurinomenclatura popular das espécies. A inexistência ou incipiência de informações sobre a caracterização e identificação botânica de espécies fitoterápicas tem incorrido também em coletas equivocadas de materiais nativos ou subespontâneos. É comum também uma espécie apresentar várias designações, por exemplo, a quebra-pedra, apresenta três espécies que recebem esse mesmo nome, porém a espécie Euphorbia serpens é tóxica e não deve ser utilizada na forma de chá, como as do gênero Phillanthus (P. corcovadensis e P. niruri). Outra confusão ocorre com a erva-cidreira, nome popularmente atribuído a três espécies de plantas, duas de famílias distintas, mas semelhantes no aspecto fenológico, e a terceira completamente diferente no aspecto fenológico e morfológico das duas primeiras. A Lippia alba é da família das verbenáceas, denominada erva-cidreira, Mellissa officinalis, erva-cidreira-verdadeira, da família Labiatae e a terceira, a Cymbopogon citratus que é uma Gramínea. Além dos contrastes botânicos e bioquímicos, possuem cotação diferenciada no mercado, sendo a terceira de maior preferência. É importante salientar que, quando uma espécie desperta interesse, não só ela mas todas as demais que tenham o mesmo nome popular ou alguma semelhança com ela, elas correm risco, como já foi o caso da sorócea (Sorocea bomplandii), confundida com a espinheira-santa (Maytenus ilicifolia). Verifica-se que há necessidade de identificação das espécies medicinais nativas e exóticas, a fim de esclarecer ao público sobre as propriedades incontestáveis destas. Surge daí, a necessidade da instalação de unidades de observação (coleções, banco de germoplasma) com o intuito de observar as características fenológicas e morfológicas das espécies. 23 ETAPAS DO DESENVOLVIMENTO DE FITOTERÁPICOS │ UNIDADE II Outro entrave sério ocorre na transformação das plantas de valor terapêutico confirmado pelas pesquisas farmacológicas em medicamentos para a população, devido a dificuldade de obtenção de matéria-prima em quantidade suficiente e com qualidade necessária ao processamento. As principais causas dessa situação são o extrativismo irracional, a poluição ambiental, o uso indiscriminado de agroquímicos, as queimadas e o monocultivo extensivo. Tais causas afetam a biodiversidade natural, ocasionando redução e até mesmo extinção de espécies com valor fitoterápico. Ainda há o cultivo de espécies vinculadas a grandes pautas de exportação, dentre as quais podemos identificar o guaraná (Paullinia cupana), cultivado na Amazônia, bem como de espécies vinculadas a indústria (principalmente de medicamentos), como o jaborandi (Pilocarpus spp), no Maranhão, e a Duboísia (Duboisia sp.), no Paraná, além dos processos de extrativismo vinculados à batata-de- purga (Operculina macrocarpa), cumaru (Dypetrix odorata), fáfia (Pfaffia spp.) e ipecacuanha (Psychotria ipecacuanha). O aumento na demanda de matéria-prima para produtos naturais e os preços relativamente altos, quando comparados com os demais produtos agrícolas, despertou o interesse de produtores rurais para o cultivo de plantas medicinais. Inicialmente esses produtores concentraram suas produções em espécies exóticas, porém, com o aumento da dificuldade em encontrar as plantas nativas em seus ambientes naturais e o aumento nas exigências com relação à qualidade, já estão realizando empiricamente a domesticação de várias espécies para atender a demanda. É difícil quantificar o número de produtores envolvidos, as áreas e espécies cultivadas, pois em geral, estes produtores cultivam várias espécies ao mesmo tempo, num sistema de rotação, em áreas que variam de ano a ano conforme a demanda deste segmento do mercado. Essa demanda, por sua vez, é muito influenciada pelos modismos. Assim, temos no momento, uma enorme demanda por babosa (Aloe spp), gerada pelas supostas propriedades anticancerígenas desta espécie (não comprovadas). Outras espécies que recentemente despertaram a atenção desses produtores foram centela (Centella asiatica), gingko (Gingko biloba) e hipérico (Hypericum perforatum). A produção sistemática de mudas e de plantas medicinais e o controle preventivo dos problemas fitossanitários reduzem ou elimina os riscos de agressão ao meio ambiente, contribuindo com mais uma opção de comercialização ao produtor rural de baixa renda. É necessário o estudo do modo de propagação das espécies, objetivando maior eficiência econômica na instalação e condução da lavoura. Apesar da maioria das plantas serem propagadas por sementes, muitas são condicionadas às situações de clima e solo para florescerem e produzirem sementes viáveis. Posteriormente, estudos de manejos culturais, com ênfase na produção de sementes e mudas, levantamento e monitoramento de doenças e pragas, nutrição mineral, colheita, produção, comercialização e outros aspectos, tais como proteção ambiental, preservação de espécies etc., devem ser considerados. 24 CAPÍTULO 2 Testes de eficácia e segurança Na busca por oferecer aos fitoterápicos tratamento semelhante aos medicamentos alopáticos, encontram-se problemas inerentes a sua própria origem devido, principalmente, a complexidade de sua composição e a variabilidade na qualidade das drogas obtidas a partir de uma mesma espécie vegetal. Tal característica está relacionada com os fatores referentes às condições do local de plantio, processo de coleta, manuseio e processamento da matéria-prima. Desta forma, as drogas vegetais apresentam, frequentemente, variações o que justifica a necessidade da padronização desses produtos. Os fitoterápicos podem ser tão eficazes quanto os medicamentos produzidos com ativos oriundos de síntese química. Por isso, a transformação de uma planta em medicamento deve priorizar a preservação da integridade química dos princípios ativos e, por consequência, a ação farmacológica do vegetal, garantindo a constância da ação biológica desejada. Para atingir esses objetivos, a produção de fitoterápicos requer, necessariamente, estudos prévios relativos aos aspectos botânicos, agronômicos, fitoquímicos, farmacológicos, toxicológicos e de desenvolvimento de metodologias analíticas. Há de se deixar claro que a qualidade dos fitoterápicos não é obtida, simplesmente, por um laudo de análise da matéria-prima vegetal favorável, mas deve ser embasada na estrutura da produção, minuciosamente planejada, desde o cultivo até a fase de dispensação. Os requisitos de qualidade que auxiliam neste processo, aliados à aplicação das Boas Práticas de Fabricação e de Garantia deQualidade, propiciando a obtenção de matérias-primas vegetais e fitoterápicas de qualidade. Entende-se por qualidade o conjunto de critérios que caracterizam tanto a matéria-prima quanto o produto final. A eficácia é dada pela comprovação, por meio de ensaios farmacológicos pré- clínicos e clínicos, dos efeitos biológicos preconizados. A segurança é determinada pelos ensaios que comprovam a ausência de efeitos tóxicos, bem como pela inexistência de contaminantes nocivos à saúde (metais pesados, agrotóxicos, microrganismos e seus produtos de degradação). O avanço terapêutico dos fitoterápicos é grande, pelo fato de associarem o conhecimento popular ao desenvolvimento tecnológico nas diversas fases de industrialização, alicerçados em pesquisas inerentes. Os extratos obtidos de plantas medicinais devem preservar os diversos componentes ativos, caracterizando-se um fitocomplexo. Esta manutenção busca garantir a ação farmacológica específica da espécie vegetal, lembrando que o isolamento de princípios ativos não reproduz obrigatoriamente o efeito do fitocomplexo. Plantas medicinais produzem diferentes substâncias químicas (alcaloides, taninos, flavonoides, saponinas, entre outros) e o fazem em diferentes proporções, dependendo do habitat, da pluviosidade, do oferecimento de luz às plantas, das características dos solos, enfim, das características climáticas, além do seu potencial genético. Algumas substâncias químicas são características de uma determinada espécie vegetal, servindo como parâmetros para a sua caracterização e identificação. 25 ETAPAS DO DESENVOLVIMENTO DE FITOTERÁPICOS │ UNIDADE II Atualmente, a padronização de fitoterápicos é realizada com base no teor de uma substância marcadora presente no extrato, indicando que se ela está presente em quantidade apropriada e também se os demais componentes estão igualmente representados. Tal substância não necessariamente apresenta a atividade farmacológica esperada ou para a qual o extrato é empregado. Os diferentes métodos existentes para a padronização físico-química de fitoterápicos incluem, entre outros, técnicas cromatográficas como a cromatografia em camada delgada, que permitem a quantificação de componentes de interesse diretamente ou indiretamente, após separação e extração do cromatograma, seguida de determinação química ou físico-química. No entanto, essa metodologia é considerada fora do estado da arte atual, principalmente pelo advento das técnicas mais sensíveis como cromatografias líquida e gasosa, acopladas a espectrômetro de massas ou ressonância magnética nuclear, entre outras. A técnica acoplada cromatografia em camada delgada – CCD, empregando placas de alta eficiência (HPTLC) tem sido utilizada em análise de ativos de drogas vegetais e seus extrativos, tanto qualitativamente quanto quantitativamente. De acordo com o Guia para Validação de Métodos Analíticos e Bioanalíticos – Resolução RE no 899, de 29 de maio de 2003 –, a validação de processo analítico deve garantir, por meio de evidências experimentais, que o método atenda às exigências das aplicações analíticas, assegurando a confiabilidade dos resultados. Para tanto, o método deve ter definidos seus limites de detecção e de quantificação, bem como apresentar precisão, exatidão, linearidade, especificidade, reprodutibilidade, estabilidade e recuperação adequada à análise. Além da legislação brasileira, outros documentos oficiais, tais como os descritos pelo International Conference on Harmonisation – ICH, 2005, descrevem os parâmetros que devem ser avaliados para validação de um método bioanalítico. Assim, os equipamentos e materiais devem ser devidamente calibrados e o analista qualificado. As substâncias químicas de referência devem ser certificadas por organismos oficiais, como Farmacopeia Brasileira, Farmacopeia Americana ou por outros códigos autorizados pela legislação vigente. Um método analítico abrange a determinação qualitativa, semiquantitativa e/ou quantitativa de fármacos e outras substâncias em produtos farmacêuticos. Já um método bioanalítico é a determinação quantitativa de fármacos e/ou metabólitos em matrizes biológicas, tais como sangue, soro, plasma e urina. Produtos intermediários (extratos vegetais) são considerados matrizes complexas e podem ser tratados como nos bioanalíticos, ou seja, sua composição é tão complexa quanto à composição das matrizes biológicas. No entanto, quando o produto final ou fitoterápico, esse deve apresentar níveis mais severos de aceitação para as análises quantitativas, com determinação exata da sua composição. A determinação quantitativa de fármacos e/ou metabólitos em matrizes biológicas permite limites de aceitação maiores em relação aos métodos analíticos para controle de qualidade de fármacos, por exemplo, o desvio padrão relativo deve ser menor ou igual a 15% para aceitar-se uma curva de calibração, enquanto que para os métodos analíticos se aceita, no máximo, 5%. O coeficiente de correlação linear deve ser igual ou superior a 0,99 para métodos analíticos, enquanto que para os métodos bioanalíticos permite-se igual ou superior a 0,98. 26 UNIDADE II │ ETAPAS DO DESENVOLVIMENTO DE FITOTERÁPICOS Tão importante quanto o desenvolvimento e validação de uma metodologia analítica que será utilizada para quantificar os marcadores químicos envolvidos na padronização do fitoterápico é o posterior estudo de estabilidade da formulação para continuar mantendo os níveis da qualidade garantidos na sua manufatura. A estabilidade de produtos farmacêuticos depende de fatores ambientais, como temperatura, umidade e luz, e de fatores relacionados ao próprio produto, como propriedades físicas e químicas de substâncias ativas e excipientes farmacêuticos, forma farmacêutica e sua composição, processo de fabricação, tipo e propriedades dos materiais de embalagem. A ANVISA disponibiliza um guia para realização de estudos de estabilidade, contido na Resolução no 1, de 2005, a qual contempla diretrizes para estudos de estabilidade acelerada, estabilidade de acompanhamento e estabilidade de longa duração, seja para medicamentos alopáticos ou mesmo fitoterápico. Esses estudos abrangem um conjunto de testes projetados para se obter informações sobre a estabilidade de produtos farmacêuticos que visam definir seu prazo de validade e período de utilização em embalagem e condições de armazenamento especificadas. A estabilidade acelerada representa o estudo no qual a degradação química ou mudanças físicas de um produto são aceleradas em condições forçadas de armazenamento. A estabilidade de longa duração contempla um estudo projetado para verificar as características físicas, químicas, biológicas e microbiológicas de um produto durante o prazo de validade esperado e, opcionalmente, após seu vencimento. Já na estabilidade de acompanhamento o estudo é realizado após o início da comercialização do produto, para verificar a manutenção das características físicas, químicas, biológicas e microbiológicas, previstas nos estudos de estabilidade de longa duração. O tempo de duração dos estudos varia de acordo com qual está sendo realizado. Para o estudo acelerado, recomenda-se de 3 a 6 meses. Para o estudo de longa duração, o tempo é maior, de 3 a 24 meses. Ambos contemplam os testes de doseamento, quantificação de produtos de degradação, dissolução (quando aplicável) e pH (quando aplicável). No estudo de acompanhamento, todas as análises requeridas são realizadas a cada 12 meses. Para os fitoterápicos, a determinação de produtos de degradação é um pouco mais complexa, considerando que a matéria-prima desses medicamentos, extratos vegetais, contém centenas de substâncias químicas, sendo muitas destas não identificadas, tornando-se uma tarefa de difícilexecução. Os guias estabelecidos pelo ICH vão um pouco além, abrangendo testes de fotoestabilidade, tanto para a substância ativa como para os produtos acabados, assim como para a avaliação destes estudos. Entre os vários estudos para que um extrativo vegetal possa atingir a etapa clínica e mesmo o registro, a padronização deste é fundamental para que os lotes sejam uniformes e com qualidade e eficácia garantida. Um produto não atingirá a qualidade necessária e a indústria não poderá garantir a eficácia do fitoterápico sem a padronização, já que desconhece a concentração dos princípios ativos do produto. Com a resolução da ANVISA, RDC 48, de 16 de março de 2004, estabeleceu-se uma legislação específica baseada em critérios para a garantia da qualidade em fitoterápicos exigindo a reprodutibilidade dos 27 ETAPAS DO DESENVOLVIMENTO DE FITOTERÁPICOS │ UNIDADE II parâmetros aceitáveis para o controle físico-químico, químico e microbiológico dos fitoterápicos produzidos no Brasil, o que só pode ser alcançado se as empresas produtoras utilizarem-se de extratos padronizados de plantas. Para uma garantia da qualidade relativa a material botânico, não apenas os aspectos físico-químicos são importantes, mas também o microbiológico, considerando o fato de que os materiais vegetais normalmente podem conter um grande número de propágulos de fungos e bactérias, pertencentes à microbiota normal ou introduzido durante a manipulação. Ainda, esta contaminação pode ser intensificada com o tempo e não somente comprometer o material em si, mas também o usuário. Diversos são os estudos relativos à qualidade microbiológica de plantas medicinais e há especificação de níveis aceitáveis de microrganismos nesses materiais vegetais. A especificação da OMS para contaminação por microrganismos aeróbios totais é de, no máximo, 5,0x107 UFC/g para materiais vegetais destinados ao uso na forma de chás e infusões e de, no máximo, 5,0x105 UFC/g para uso interno. Já a contaminação por bolores e leveduras pode ser no máximo, 5,0x104 UFC/g para materiais vegetais destinados ao uso na forma de chás e infusões e de, no máximo, 5,0x103 UFC/g para uso interno. Para a obtenção de registro de um fitoterápico dentro dos padrões requeridos pela legislação brasileira, faz se necessário, portanto, a realização de diferentes testes para validação deste medicamento de forma a garantir sua segurança no uso, eficácia na utilização e qualidade do produto, realizados por meio de diversos ensaios, de controle de qualidade, farmacológicos, toxicológicos, tecnológicos, pré-clínicos, clínicos toxicológicos e ensaios clínicos. Diversas normas regulamentam a produção de medicamentos, incluindo os fitoterápicos. Medicamentos fitoterápicos podem ser manipulados ou industrializados, conforme a legislação brasileira. Podem ainda ser destinados a uso humano, regulamentados pela ANVISA, ou veterinário, regulamentados pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento – MAPA. A manipulação de medicamentos para uso humano é feita em farmácias com autorização da Vigilância Sanitária (estadual ou municipal), com base em preparações magistrais (elaboradas a partir de prescrições médicas, de dentistas ou veterinários) ou oficinais (constantes no Formulário Nacional ou nos compêndios oficializados no país). A norma que regulamenta a manipulação é a Resolução de Diretoria Colegiada RDC no 67/2007, atualizada pela RDC no 87/2008, que define as boas práticas de manipulação de preparações magistrais e oficinais para uso humano em farmácias. Apenas os medicamentos fitoterápicos industrializados para uso humano são registrados na ANVISA. Para o registro de medicamentos fitoterápicos, existe regulamentação específica desde 1967, a Portaria no 22, que foi seguida pela Portaria no 6, publicada em 1995, RDC no 17, publicada em 2000, e a vigente, RDC no 48, publicada em 16 de março de 2004. O registro de medicamentos é o instrumento por meio do qual o Ministério da Saúde, no uso de sua atribuição específica, determina a inscrição prévia do produto no órgão ou na entidade competente, pela avaliação do cumprimento de caráter 28 UNIDADE II │ ETAPAS DO DESENVOLVIMENTO DE FITOTERÁPICOS jurídico-administrativo e técnico-científico, relacionada com a eficácia, segurança e qualidade destes produtos, para sua introdução no mercado e sua comercialização ou consumo. Para cada forma farmacêutica, deve ser elaborado um relatório técnico, contendo a exposição completa da produção e as metodologias de controle do processo produtivo. Nessa etapa do dossiê, devem ser descritas as formas farmacêuticas a serem produzidas, a nomenclatura botânica completa da planta e excipientes conforme a Denominação Comum Brasileira – DCB ou Denominação Comum Internacional – DCI, com as quantidades expressas no Sistema Internacional – SI e a indicação de sua função na fórmula. É necessária a descrição de todas as etapas do processo produtivo contemplando equipamentos e metodologias utilizadas, descrição dos critérios de identificação do lote a ser produzido e seu tamanho máximo e mínimo. 29 CAPÍTULO 3 Desenvolvimentos de produtos fitoterápicos O desenvolvimento de um fitoterápico padronizado agrega um valor tecnológico no desenvolvimento da forma farmacêutica, contendo plantas medicinais e fugindo daquelas formas farmacêuticas que contém apenas o material vegetal moído, além de garantir a qualidade e eficácia do medicamento. O ponto de partida pode ser um levantamento bibliográfico na literatura científica e popular com enfoque na droga vegetal e suas propriedades químicas e farmacológicas. Por intermédio do levantamento bibliográfico, pode-se selecionar uma espécie por meio de pesquisa quimiotaxonômica, na qual aspectos morfológicos associados à identificação de grupos botânicos podem indicar a presença de determinados grupos químicos que tenham atividade farmacológica. Sequencialmente, coleta-se um espécime da planta, prepara-se uma exsicata e faz-se a identificação botânica e o registro em um herbário oficial. Em paralelo, pode-se desenvolver uma pesquisa etnobotânica, a qual tratará da observação do uso popular de plantas para fins terapêuticos nas diferentes sociedades. A seguir, remete-se o vegetal aos estudos botânicos, que têm por objetivo a identificação da espécie, que considera as suas características morfológicas externas, bem como as anatômicas, procurando destacar aquelas consideradas características da espécie. Assim, há o estabelecimento de características botânicas comparativas que permitam detectar, durante o controle de qualidade, a presença de drogas e/ou espécies adulterantes. Uma grande dificuldade é o oferecimento de matéria-prima de qualidade pelos fornecedores. Antes da compra é possível conhecer-se o local de plantio/coleta do material vegetal a ser adquirido, bem como amostras de lotes podem ser solicitadas para avaliação. Caso não estejam de acordo com as especificações, os respectivos fornecedores serão informados da impossibilidade da aceitação daquele lote, na tentativa de manter um bom padrão de qualidade. Os estudos agronômicos visam à otimização da produção de biomassa e de constituintes ativos por meio de estudos climáticos, de micropropagação, inter-relações ecológicas, densidade de plantio, de melhoramento genético da espécie, além dos aspectos sanitários de manejo e beneficiamento da espécie. Os estudos fitoquímicos compreendem as etapas de isolamento, elucidação estrutural e identificação de constituintes do vegetal, sobretudo aqueles originários do metabolismo secundário, responsáveis, ou não, pela ação biológica. É importante o estabelecimento de marcadores químicos, que são substâncias químicas característicasde determinada espécie vegetal, indispensáveis ao planejamento e monitoramento das ações de transformação tecnológica, bem como aos estudos de estabilidade dos produtos intermediários e finais. 30 UNIDADE II │ ETAPAS DO DESENVOLVIMENTO DE FITOTERÁPICOS Diversos são os grupos de metabólitos secundários produzidos pelas plantas medicinais e que podem ser os responsáveis por suas atividades biológicas. Entre eles, têm-se, por exemplo, os taninos, um grupo de substâncias polifenólicas, extensamente estudado. A avaliação da atividade biológica inclui a investigação da atividade farmacológica e toxicológica de substâncias isoladas, frações obtidas ou extratos brutos da droga vegetal. Esses aspectos são fundamentais para a transformação de uma planta medicinal em medicamento fitoterápico, havendo a necessidade de estudos de desenvolvimento tecnológico, no qual a validação do processo tecnológico exige a conservação da composição química e, sobretudo, da atividade farmacológica a ser explorada. Os métodos analíticos permitem a avaliação da qualidade do produto fitoterápico, garantindo, assim, a constância de ação terapêutica e a segurança de utilização. Aqui, destaca-se a avaliação do teor de substância ou grupo de substâncias ativas e do perfil qualitativo dos constituintes químicos de interesse, presentes na matéria-prima vegetal, produtos intermediários e produto final, empregando-se testes espectrofotométricos, cromatográficos, físicos, físico-químicos ou químicos, os quais devem possuir especificidade, exatidão, precisão e tempo de rotina analítica, para que possam ser utilizados em estudos de estabilidade, permitindo, inclusive, a detecção de produtos oriundos da degradação de substâncias ativas e/ou de marcadores químicos. Outros aspectos de qualidade a serem avaliados, sobretudo nas drogas de origem vegetal, são a carga microbiana, a contaminação química por metais, pesticidas e outros defensivos agrícolas e a ocorrência de material estranho, como terra, areia, partes vegetais, insetos e pequenos vertebrados. A situação da qualidade de fitoterápicos e drogas vegetais comercializados no Brasil A qualidade dos produtos à base de plantas medicinais, comercializados no Brasil, é cada vez mais preocupante. Pesquisas científicas têm apontado a presença de diversas irregularidades que comprometem a eficácia e põem em risco a saúde do consumidor. Uma das causas para esse panorama tem sido o fato de as indústrias responsáveis pela fabricação desses produtos serem basicamente constituída por empresas de pequeno porte que funcionam precariamente. Associado a isto, não há uma fiscalização efetiva desses produtos, além da legislação vigente (no referente à produção, ao uso, à comercialização e à fiscalização de produtos derivados exclusivamente de espécies vegetais) encontrar-se em estágio inicial, quando comparada à legislação de medicamentos sintéticos. Pesquisadores enfatizam que os estudos para avaliação do uso seguro de plantas medicinais e fitoterápicos no Brasil ainda são incipientes, como também a fiscalização do comércio por parte dos órgãos competentes. Estudos realizados no Brasil, principalmente na região sul e sudeste, têm mostrado que a situação dos produtos à base de plantas medicinais é precária em vários centros urbanos. As pesquisas estão concentradas nos estados de Minas Gerais, Paraná e 31 ETAPAS DO DESENVOLVIMENTO DE FITOTERÁPICOS │ UNIDADE II Rio Grande do Sul e constataram diversas irregularidades como: características organolépticas impróprias para a espécie, contaminação microbiológica, adulterações, informações inadequadas, elevado teor de impurezas, ausência ou baixa concentração dos constituintes ativos, elevado teor de umidade e a presença de resíduos de pesticidas nos produtos. Outro aspecto importante para a comercialização de fitoterápicos diz respeito à qualidade das informações contidas na bula. Pesquisadores averiguando a qualidade das bulas de 65 fitoterápicos à base de maracujá, boldo, alcachofra, guaraná e sene, quanto à presença das frases obrigatórias e informações específicas exigidas pela legislação (RDC no, de 2000, e a portaria no 110, de 1997, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária), constataram que 51% dos produtos não possuíam bula, nenhum apresentou todas as informações exigidas, especialmente sobre reações adversas, contraindicações e advertências, concluindo que as bulas dos fitoterápicos analisados não seguiam as normas legais, eram incompletas e deficientes de informações, podendo induzir a sérios problemas de saúde. O controle de qualidade é feito, principalmente, para verificar se as plantas medicinais estão em condições adequadas de consumo e deve seguir basicamente os seguintes passos: » Identidade: deve-se, primeiro, verificar se realmente a droga vegetal é a informada pelo fabricante e , assim, realiza-se três caracterizações: › Organoléptica: verificação da cor, odor, sabor, textura. › Macroscópica: verificação da forma da droga, além das outras visualizadas na caracterização organoléptica. › Microscópica: cortes histológicos, feito principalmente quando a droga vegetal está em pó. Nesse tipo de caracterização, podemos ver se o material está adulterado ou falsificado. » Pureza: pesquisa de elementos estranhos (tudo que não é a droga vegetal): › Endógeno: partes da planta que não são a droga vegetal. › Exógeno: outras substâncias. Só é permitido a presença de elementos estranhos endógenos. » Umidade: só pode ter no máximo 14%. Acima desse nível, pode surgir fungos. Emprega-se o método gravimétrico utilizando-se cápsulas nas quais se colocam o material e põem na estufa. Assim mede-se a umidade. 32 UNIDADE II │ ETAPAS DO DESENVOLVIMENTO DE FITOTERÁPICOS » Teor de cinzas: tem um limite a ser seguido pela farmacopeia brasileira. Caso há um teor acima do permitido, é porque há outras substâncias misturadas no material que está sendo estudado. Utiliza-se o método da mufla (700ºC) por mais ou menos 5 horas. Mede-se as cinzas e vê a porcentagem de cinzas. » Presença de teor de princípio ativo: verificação da presença do princípio ativo em quantidade suficiente e correta. 33 CAPÍTULO 4 Cultivo, colheita, secagem e armazenamento Cultivo O correto cultivo das plantas medicinais tem importância fundamental para melhorar a produção e a qualidade da matéria-prima vegetal, o que garante a sua qualidade fitoquímica e farmacológica. No nordeste brasileiro, encontra-se uma grande diversidade de ecossistemas ricos em plantas medicinais, mas eles estão bastante devastados, sendo que muitas espécies, como o Ipê roxo (Tabebuia avellanedae), estão ameaçadas de extinção. Além disso, a coleta extrativista, além de levar as espécies medicinais à sua extinção, não garante a homogeneidade fitoquímica do material colhido, comparando-se com as plantas cultivadas dentro de condições agrícolas adequadas. Antes de se cultivar qualquer espécie medicinal, deve-se ter certeza da sua identificação, para que não se cometa enganos e cultivo de planta errada. Para isto, devemos procurar pessoas que tenham conhecimento sobre o assunto. O cultivo de plantas medicinais necessita de vários cuidados para se garantir a qualidade da matéria- prima. O local deve ser próximo a uma fonte de água como: córrego, poço, torneira. Deve estar protegido de ventos fortes, receber a luz do sol durante todo o dia, dependendo da espécie a ser cultivada, e se localizar longe de locais contaminados como fossa, criação de animais, lixo, curso de água contaminada, beiras de estradas etc. Escolhido o local, é necessário que se faça a limpeza do terreno, retirando todo o mato, pedras, tocos e vidros. Os canteiros devemser adubados com compostos orgânicos, tais como plantas, folhas, papéis, estercos e outros, bem decompostos, que podem ser preparados em área adjacente. O esterco (de boi, galinha e porco), deve está bem curtido. O estrume ainda fresco acaba se decompondo no solo e com isso rouba nitrogênio, que deveria alimentar somente as plantas. O estrume fresco aumenta a temperatura do solo, podendo sufocar as raízes das mudas. Além disto, substâncias contidas na urina dos animais enfraquecem as plantas, deixando-as amareladas. O terreno do canteiro deve ser revolvido (revirado), usando uma enxada ou um instrumento equivalente, numa profundidade de 30 centímetros. Quando possível, deve-se fazer a análise do solo e sua correção, quando necessário. O tamanho aconselhável do canteiro é de 1 metro de largura, 20 a 30 centímetros de altura e comprimento em torno de 5 metros. Estas medidas podem ser alteradas em função do tamanho do terreno, do tipo e da quantidade de plantas a cultivar. 34 UNIDADE II │ ETAPAS DO DESENVOLVIMENTO DE FITOTERÁPICOS A largura de 1 metro facilita o trabalho, pois de qualquer um dos dois lados, alcança-se, com as mãos, as mudas localizadas mais ao centro. O comprimento de 5 metros torna mais fácil o trabalho em toda a volta do canteiro. A altura (de 20 a 30 centímetros) evita o alagamento e as medidas redondas facilitam o cálculo da quantidade de adubo e sementes a colocar por metro quadrado. O espaçamento entre os canteiros deve ser de 30 a 40 centímetros, para facilitar a locomoção entre eles. A superfície do canteiro deve ser nivelada. É importante dispor o canteiro, em seu comprimento, no sentido norte-sul. Assim, o canteiro receberá igual quantidade de insolação em toda a sua área. As bordas do canteiro devem ficar em declive para que a água escorra facilmente. Assim, o canteiro nunca fica encharcado, o que prejudicaria a produção. O excesso de umidade leva ao apodrecimento das raízes e ao aparecimento de fungos, que adoram ambientes úmidos e quentes. Os sulcos são pequenas valas, que deverão ser feitas no sentido comprido do canteiro. Os espaçamentos entre os sulcos e a sua profundidade deverão estar de acordo com o indicado para cada planta medicinal. Além dos canteiros, que são mais usados para se cultivar plantas pequenas, podem-se usar as covas, quando se tratar de plantas de maior porte. Estas devem ser preparadas com antecedência mínima de 18 dias antes do plantio e seu espaçamento será de acordo com a planta medicinal a ser plantada. Elas devem ter 30 x 30 cm de boca e 30 cm de profundidade, em média. Deve-se abrir a cova tendo-se o cuidado de separar a terra de cima, que é mais ou menos a metade da profundidade da cova, da terra de baixo. A terra de cima, que é fértil, pode ser misturada ao adubo orgânico e recolocada na cova, deixando-a num nível inferior ao do solo, enquanto a terra de baixo deve ser colocada ao redor, de forma circular para se evitar a inundação. A terra do canteiro, das covas ou das sementeiras não pode ser muito argilosa. O solo excessivamente argiloso, muito grudado, retém umidade demais em razão da dificuldade da água em ultrapassar os poros da terra. O excesso de umidade não só favorece o aparecimento de doenças, como também pode asfixiar as raízes das mudas. O solo argiloso demais pode rachar durante uma seca e romper as raízes. Para torná-lo menos argiloso, deve-se acrescentar areia até o ponto certo, até ficar areno-argiloso. Com isso, haverá melhor aproveitamento da água de irrigação, que se infiltra com maior facilidade. Prestar atenção, também, para que a terra fique bem fininha, sem torrões. O solo arenoso demais (muito solto, esfarelando) também é prejudicial. A água escoa com muita facilidade, sem que as raízes das mudas tenham tempo de absorvê-las. Isso deixa a planta com sede, alterando a assimilação de nutrientes, pois a água é o agente que os dissolve, tornando-os assimiláveis pelas raízes. Nem todas as plantas podem ser plantadas diretamente nos canteiros. Neste caso, usamos as sementeiras que são locais onde se formam as mudinhas que depois serão transplantadas para o lugar definitivo. Pode-se adotar como sementeira: caixotes de madeira, bacias furadas, saquinhos plásticos, canteiros pequenos ou fazê-las em alvenaria. Os caixotes devem ter alguns furos no fundo para escoar a água. 35 ETAPAS DO DESENVOLVIMENTO DE FITOTERÁPICOS │ UNIDADE II A terra da sementeira deve ser solta, limpa, bem adubada e mantida constantemente úmida porque vai servir de leito para a germinação das sementes. Fazer a semeadura, no mínimo, uma semana após o preparo do leito da sementeira. A semeadura pode ser a lanço ou em linha. A lanço, espalha-se a semente sobre a sementeira, com cuidado para que a distribuição seja uniforme. Em linha, os sulcos devem ter 1 cm de profundidade (aproximadamente um dedo), distantes 10 cm (aproximadamente meio palmo) um do outro. Feita a semeadura, as sementes devem ser cobertas, peneirando uma camada fina de terra (do próprio leito) sobre as sementes. Deve-se cobrir a sementeira com capim ou palha. Molhar com regador, pela manhã e à tardinha. Logo que as sementes germinarem, retira-se a palha ou o capim e constrói-se um jirau com 2 palmos de altura, que deve ser coberto com capim, palha ou folha para evitar que a ação direta do sol queime as mudinhas. Aos poucos, retirar a cobertura do jirau, quando as folhas começarem a nascer, para acostumá-las ao sol. Após alguns dias, a cobertura poderá ser retirada. Quando as mudas tiverem no mínimo 5 folhas ou 20 centímetros de altura, elas deverão ser transplantadas para o local definitivo, os canteiros ou as covas. No lugar definitivo, as plantas devem se regadas com uma quantidade de água adequada. Pouca água dificulta o crescimento das plantas e a dissolução dos nutrientes do solo. Muita água acarreta o carregamento destes nutrientes, o apodrecimento das raízes e a proliferação de organismos nocivos às plantas. A rega deve ser feita preferentemente pela manhã e no fim da tarde. Para poupar água, principalmente onde esta é escassa, pode-se utilizar a irrigação por gotejamento, usando-se garrafas plásticas com um pequeno furo na tampa, colocando-se a garrafa em posição invertida. A limpeza do terreno deve ser constante e se for feita com enxada, ou instrumento similar, deve-se ter cuidado para não estragar as raízes. É importante se retirar das plantas folhas e galhos secos ou doentes, com um objeto com gume afiado, como facas ou tesouras. O mato retirado na limpeza no terreno, após bem seco, deve ser colocado em torno do tronco da planta para conservar a umidade da terra, fornecer nutrientes à planta e proporcionar o desenvolvimento da microfauna, que decompõe o material orgânico e faz buracos na terra, melhorando a sua aeração. Para a produção adequada de princípios ativos, dever haver uma variedade de plantas num mesmo canteiro, forçando a competição biológica. O controle de pragas pode ser feito pelo correto manejo do cultivo, pelo plantio, dentro e em torno do canteiro, de plantas que afugentam os insetos, normalmente plantas com odores fortes, como o capim-santo (Cibopogum citratus), o alecrim pimenta (Lipia sidoides) e a arruda (Ruta graveolens), e pela utilização de defensivos feitos com plantas, como o fumo. Colheita A colheita é, sem dúvida, um ponto crítico no cultivo de plantas medicinais, assim como em qualquer empreendimento agrícola, sendo necessário definir com precisão o seu ponto ideal. Esse ponto, se possível, deve coincidir com o momento de maior concentração de princípio(s) ativo(s) com a 36 UNIDADE II │ ETAPAS DO DESENVOLVIMENTO DE FITOTERÁPICOS máxima produção de massa seca. No entanto, para a maioria das plantas, o ponto ideal de colheita