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A Constituinte Burguesa- Emmanuel Joseph Sieyès

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A	Constituinte	Burguesa
Qu’est-ce	que	le	Tiers	État?
www.lumenjuris.com.br
EDITORES
João	de	Almeida
João	Luiz	da	Silva	Almeida	
	
Conselho	Editorial
	
Adriano	Pilatti
Alexandre	Freitas	Câmara
Alexandre	Morais	da	Rosa
Aury	Lopes	Jr.
Cezar	Roberto	Bitencourt
Cristiano	Chaves	de	Farias
Carlos	eduardo	Adriano	Japiassú
Cláudio	Carneiro
Cristiano	Rodrigues
Daniel	Sarmento
elpídio	Donizetti
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Firly	Nascimento	Filho
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Geraldo	L.	M.	Prado
Gustavo	Sénéchal	de
Goffredo
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João	Carlos	Souto
João	Marcelo	de	Lima	Assafim
José	dos	Santos	Carvalho	Filho
Lúcio	Antônio	Chamon	Junior
Luigi	Bonizzato
Luis	Carlos	Alcoforado
Manoel	Messias	Peixinho
Marcellus	Polastri	Lima
	
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Melo
Marcos	Chut
Marcos	Juruena	Villela	Souto
Mônica	Gusmão
Nelson	Rosenvald
Nilo	Batista
Paulo	de	Bessa	Antunes
Paulo	Rangel
Ricardo	Lodi	Ribeiro
Rodrigo	Klippel
Salo	de	Carvalho
Sérgio	André	Rocha
Sidney	Guerra	
	
Conselho	Consultivo
	
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Caio	de	Oliveira	Lima
	
Cesar	Flores
Firly	Nascimento	Filho
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Francisco	de	Assis	M.	Tavares
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João	Theotonio	Mendes	de	Almeida	Jr.
Ricardo	Máximo	Gomes	Ferraz
Sergio	Demoro	Hamilton
Társis	Nametala	Sarlo	Jorge
Victor	Gameiro	Drummond	
	
Rio	de	Janeiro
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Rio	de	Janeiro	-	RJ
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Universidade	estácio	de	Sá
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Minas	Gerais
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Rio	Grande	do	Sul
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Moinhos	de	Vento	-	Porto	Alegre	-	RS
CEP	90570-080	–	Tel.	(51)	3211-0700
Espírito	Santo
Rua	Constante	Sodré,	322	–	Térreo
CEP:	29055-420	–	Santa	Lúcia
Vitória	-	ES.
Tel.:	(27)	3235-8628	/	3225-1659
	
EMMANUEL	JOSEPH	SIEYèS
Prèjus	(1748)	–	Paris	(1836)
	
	
A	Constituinte	Burguesa
Qu’est-ce	que	le	Tiers	État?
	
5a	edição
	
Organização	e	Introdução
Aurélio	Wander	Bastos
	
Prefácio
José	Ribas	Vieira
Tradução
Norma	Azevedo
EDITORA	LUMEN	JURIS
Rio	de	Janeiro
2009
	
Copyright	©	Lumen	Juris/Aurélio	Wander	Bastos
	
	
PRODUÇÃO	EDITORIAL
Livraria	e	Editora	Lumen	Juris	Ltda.
	
	
	
A	LIVRARIA	E	EDITORA	LUMEN	JURIS	LTDA.
não	se	responsabiliza	pelas	opiniões	emitidas	nesta	obra.
	
	
	
	
É	proibida	a	reprodução	total	ou	parcial,	por	qualquer	meio	ou	processo,	inclusive	quanto	às
características	gráficas	e/ou	editoriais.	A	violação	de	direitos	autorais	constitui	crime	(Código
Penal,	art.	184	e	§§,	e	Lei	no	6.895,	de	17/12/1980),	sujeitando-se	a	busca	e	apreensão	e
indenizações	diversas	(Lei	no	9.610/98).
	
	
	
	
Todos	os	direitos	desta	edição	reservados	à
Livraria	e	editora	Lumen	Juris	Ltda.
	
	
	
Impresso	no	Brasil
Printed	in	Brazil
Nota	Explicativa
À	 decisão	 da	 editora	 Lumen	 Juris	 de	 traduzir	 e	 publicar	 esta	 obra	 sobrepôs-se
correspondência	 de	 Fortaleza,	 assinada	 pelo	 Professor	 Dimas	 Macedo.	 Posteriormente,
solicitamos	ao	Professor	José	Ribas	vieira	a	apreciação	técnica	do	texto	francês	original,	bem
como	do	texto	espanhol,	que	serviram	de	base	a	esta	tradução,	realizada	por	Norma	Azeredo.
A	 preparação	 dos	 textos	 e	 a	 respectiva	 adaptação	 de	 linguagem,	 quando	 necessárias,	 bem
como	as	notas,	os	 fragmentos	 introdutórios	à	história	da	França,	a	cronologia	da	Revolução
francesa	e	a	organização	geral	da	obra	 ficaram	sob	a	responsabilidade	do	Professor	Aurélio
Wander	Bastos.
Para	 melhor	 compreensão	 do	 texto	 de	 Sieyès,	 a	 localização	 de	 sua	 obra	 e	 de	 seu
pensamento,	 o	 Professor	 Aurélio	 Wander	 Bastos	 elaborou	 uma	 introdução	 analítica	 das
principais	vertentes	de	suas	proposições	e,	o	Professor	José	Ribas	vieira,	um	prefácio	histórico
e	comparativo.
A	par	da	utilidade	didática	desta	obra,	até	agora	 inexplicavelmente	 inédita	no	Brasil,	ela
deve	ser	vista	nas	suas	circunstâncias	históricas,	no	quadro	revolucionário	francês	do	século
Xviii.	O	 livro	é	uma	excelente	consolidação	de	 informações	sobre	a	 transição	 institucional	e
um	repositório	de	experiências	 imprescindíveis	para	todos	que	pretendam	estudar	ou	dirigir
mudanças	políticas.
No	 Brasil,	 são	 pouquíssimas	 as	 informações	 sobre	 a	 obra	Qu’est-ce	 que	 le	 Tiers	 État?,
elaborada	 por	 emmanuel	 Joseph	 Sieyès.	 Nós	 encontraremos,	 naturalmente,	 em	 língua
francesa,	um	farto	material	a	respeito	deste	assunto.	Destaca-se	entre	estes	a	edição	crítica
organizada	 por	 Roberto	 Zapperi,1	 onde	 há	 valiosos	 dados	 sobre	 as	 edições	 francesas	 do
trabalho	mais	renomado	de	Sieyès.
Com	base	nos	dados	a	respeito	do	processo	de	publicação	desta	obra,	indicados	no	prefácio
desta	edição	brasileira,	podemos,	desde	já,	informar	que	a	brochura	foi	elaborada	durante	os
meses	de	novembro	e	dezembro	de	1788	e	publicada	sem	o	nome	de	seu	autor	no	 início	de
janeiro	de	1789.
Sieyès	 apressou-se	 em	 editar	Qu’est-ce	 que	 le	 Tiers	 État?	 pressionado	 pelos	 dramáticos
momentos	da	França	pré-revolucionária	e	desejoso	de	participar	desses	acontecimentos.	Certo
de	que	se	tratava	de	um	esboço	a	ser	posteriormente	aperfeiçoado,	embora	tenha	alcançado
uma	repercussão	política	surpreendente,	este	 trabalho	não	deixou	de	 frustrar	Sieyès	na	sua
ambição	 de	 tomar-se	 um	 importante	 escritor	 político.	 Para	 superar	 esta	 frustração,	 este
pensador	e	ativista	francês	dedicará	toda	a	sua	vida	à	tarefa	angustiante	de	revê-la.
Após	 esta	 nota	 explicativa	 esboçando	 a	 trajetória	 desta	 importante	 obra,	 cabe	 observar,
também,	que	adotamos	para	a	presente	edição	brasileira	o	títuloA	Constituinte	Burguesa,	uma
forma	 viável	 de	 se	 estimular	 discussões	 sobre	 o	 verdadeiro	 quadro	 histórico	 que	 levou	 à
incipiente	teoria	política	e	jurídica	sobre	o	Poder	Constituinte	formulada	por	Sieyès.
Os	Editores
	
	
———————————
1	Emmanuel	Sieyès,	Qu’est-ce	que	le	Tiers	État?,	edição	organizada	por	Roberto	Zapperi,	Genebra:	Librairie	Droz,
1970.
	
Para	Compreensão	de	Sieyès
Notas	e	Fragmentos	sobre	a
História	da	França	Feudal
	
Nos	antigos	domínios	do	império	Romano,	dos	reinos	fundados	pelos	bárbaros,	o	mais	forte
foi	o	Franco.	Iniciou	a	sua	expansão	com	a	conquista	das	últimas	possessões	romanas	na	Gália
por	Clovis	 (481-511),	que	 inaugurou	a	dinastia	merovíngea.	Percebendo	o	poderio	da	 igreja
nas	antigas	áreas	do	império	Romano,	converteu-se	ao	cristianismo	e	incentivou	o	regime	de
grandes	 propriedades	 (feudos),	 controladas	 por	 príncipes	 milicianos,	 ou	 pelo	 alto	 clero,
apoiados	no	trabalho	servil.
Em	meados	do	século	VIII,	expandiu-se	na	Gália	o	poderio	da	família	nobre	dos	carolíngeos,
que	 instauraram	 uma	 nova	 dinastia	 (715/987),	 cujo	 maior	 expoente	 foi	 Carlos	 Magno
(768/814).	A	partir	de	meados	do	século	X,	o	império	iniciou	sua	decadência	e	desmembrou-se
nos	reinos	da	itália,	da	Francônia	ou	Franco-oriental	(Germânia)	e	Franco-ocidental	(França).
O	 poder	 dos	 senhores	 feudais	 (condados	 e	 ducados)	 aumentou	 significativamente,	 o	 que
permitiu	ao	 senhor	de	Paris	 e	Orleans	 (Hugo)	 sobrepor-se	aos	 remanescentes	 carolíngeos	e
inaugurar	uma	nova	dinastia	(987):	a	dos	capetos.
É	neste	período	que	mais	visivelmente	se	pode	identificar	socialmente	o	regime	feudal.	Os
capetos	reinavam	sem	poder	central,	o	que	permitiu	o	crescimento	desarmônico	de	condados,ducados	 e	 da	 igreja.	 Paralelamente,	 iniciou-se	 o	 processo	 de	 expansão	 comercial	 e	 urbana,
especialmente	 a	 partir	 do	 século	 XII,	 após	 as	 cruzadas	 incentivadas	 pelo	 Papa	 urbano	 II
(Clermont,	 França,	 1095)	 e	 as	 usurpações	 de	 pequena	 monta	 do	 rei	 capeto	 Felipe	 i
(1066/1108).	Felipe	II	(1180/1223),	na	política	de	usurpações,	obteve	resultados	mais	positivos
e	anexou	a	Normandia	e	Anjou,	vencendo,	inclusive,	o	rei	inglês	João	Sem	Terra	e	seus	aliados
germânicos	(Flandres,	1214).	Mais	tarde,	anexando	Tolosa,	obteve	saída	para	o	Mediterrâneo
permitindo	o	crescimento	de	cidades	e	ducados	setentrionais.
Luís	 IX	 (1226/1270),	 neto	 e	 sucessor	 do	 rei	 capeto	 Felipe	 ii,	 promoveu	 uma	 importante
reforma	judiciária,	que	debilitou	as	atribuições	judiciais	dos	senhores	feudais	(abolindo	o	Juízo
de	Deus)	e	fortaleceu	o	poder	real,	obtendo	o	apoio	de	cavaleiros	menores,	do	clero	paroquial
e	 dos	 camponeses.	 Anos	 depois,	 Felipe	 iv,	 o	 Belo	 (1285/1314),	 da	 mesma	 dinastia,
consagrouse,	 historicamente,	 por	 dois	 significativos	 feitos:	 cerceou	 as	 preocupações
expansionistas	 e	 autonomistas	 da	 igreja	 e	 submeteu	 o	 papado	 (Bonifácio	 VIII)	 ao	 domínio
francês	 (cativeiro),	 retirando-o	 de	 Roma	 e	 instalando-o	 em	Avinhão	 (1308/1378).	 Antes,	 em
1302,	criou	os	estados	Gerais,	composto	de	representantes	do	clero,	dos	nobres	(que	de	certa
forma	 já	 se	 reuniam	 a	 chamado	 do	 rei	 para	 tratar	 de	 questões	 importantes)	 e	 dos	 comuns
(mercadores	citadinos	que	haviam	adquirido	bastante	força	e	dispunham	de	vultosos	recursos
financeiros),	denominados	de	Terceiro	estado	ou	estado	plano.
Em	1328,	os	senhores	feudais	interromperam	a	dinastia	dos	capetos	e	levaram	ao	trono	um
parente	daqueles:	Felipe	de	valois,	inaugurando-se	nova	dinastia.	Logo	depois	(1337),	iniciou-
se	a	Guerra	dos	Cem	Anos	entre	a	Inglaterra	e	a	França,	que	se	prolongou,	com	interrupções,
até	1442.	A	essencial	razão	dos	combates	era	a	posse	da	rica	região	industrial	de	Flandres,	no
norte	 da	 França,	 mas	 de	 discutível	 domínio	 francês.	 As	 sucessivas	 derrotas	 dos	 franceses
(especialmente	 em	 Crecy	 e	 Poitiers),	 inicialmente,	 comandados	 pelos	 reis	 valois	 João	 II,	 o
Bom,	 e	 depois	 pelo	 rei	 Carlos,	 combinadas	 com	 o	 descontentamento	 da	 burguesia	 e	 as
sublevações	 populares	 (Jacquerie),	 levaram	 este	 rei	 a	 convocar	 os	 estados	 Gerais,
transferindo-lhe	virtualmente	o	poder	administrativo,	o	que	pouco	durou.	O	desgoverno	levou
a	nobreza	atemorizada	a	apoiar	e	fortalecer	o	rei	Carlos	e	os	que	lhe	sucederam	até	a	invasão
de	Paris	pelos	ingleses,	após	a	vitória	de	Azincourt	(1415).
Henrique	V	(da	Inglaterra)	proclamou-se	rei	da	França,	com	apoio	do	Duque	de	Borgonha,
e	garantiu	o	cerco	 trágico	da	cidade	de	Orleans.	Sem	maiores	sucessos	 (as	escaramuças	de
Joana	D’Arc	se	ampliaram)	e	ante	a	deserção	do	Duque	de	Borgonha	(que	assinou	tratado	de
paz	 com	o	 rei	 de	França),	 os	 ingleses	 perderam	o	 seu	poderio	 e	 abandonaram	os	 domínios
conquistados.	O	 fim	da	Guerra	dos	Cem	Anos	 consolidou	o	poder	 real	 da	dinastia	de	 valois
com	Carlos	VII	(1422/1461),	que	organizou	um	exército	permanente	e	decretou	o	imposto	da
talha	para	sua	manutenção.	Os	estados	Gerais	perderam	a	sua	importância,	inclusive	o	poder
de	autoconvocar-se	(grande	ordenação),	adquirido	no	início	da	guerra.
Luís	XI	(1461/1483),	conhecido	como	aranha	universal,	sucedeu	a	Carlos	VII,	enfraquecido
em	 guerras	 com	 os	 senhores	 feudais,	 especialmente	 com	 Carlos,	 o	 Temerário	 (Duque	 de
Borgonha),	que,	finalmente,	vencido,	perdeu	os	seus	domínios.	Esta	vitória	sobre	o	Duque	de
Borgonha	 caracteriza	 o	 início	 da	 formação	 do	 estado	 nacional	 francês.	 Os	 borgúndios,
provençais,	bretões	e	gascões	passaram	a	se	denominar	franceses,	como	os	francos	ocidentais
e	 os	 povos	 setentrionais.	 O	 idioma	 francês	 foi	 se	 tornando	 comum	 a	 todo	 o	 país.	 Muitas
regiões	 isoladas,	 domínios	 feudais	 e	 cidades,	 uniram-se	 num	 território	 único,	 com	 cerca	 de
quinze	milhões	de	habitantes	(nove-décimos	no	campo).
Na	França,	o	maior	estado	da	Europa	à	época,	desenvolvia-se	a	indústria	têxtil	do	linho,	lã
e	 seda,	 bem	 como	 de	 rendas,	 tapetes,	 vidros	 e	 porcelana.	 A	 imprensa	 estava	 sendo
incrementada	 em	 Lyon	 e	 Paris.	 No	 apogeu,	 a	 unificada	 monarquia	 francesa	 começou	 a
descarregar	 seus	 primeiros	 golpes	 para	 proporcionar	 ocupação	 e	 lucro	 à	 sua	 nobreza,
especialmente	sobre	a	rica,	desunida	e	débil	Itália.	Destacaram-se	nestes	combates	Francisco
I	 (1515/1547),	 que	 acabou	 por	 ser	 derrotado	 por	 Carlos	 V,	 rei	 da	 Espanha	 (Pávia,	 1525),	 a
quem	procurou	minar,	inclusive	buscando	o	apoio	dos	protestantes.	Governou	por	éditos	e	não
convocou	uma	só	vez	os	estados	Gerais,	transferindo	o	poder	a	seu	filho	Henrique	II,	que,	em
1559,	perdeu	definitivamente	a	Itália	(paz	de	Chateau-Cambresis).
As	campanhas	na	Itália	e	as	alianças	com	os	protestantes	tiveram,	todavia,	visíveis	efeitos
na	 conformação	história	 francesa	do	 século	XVI:	 a	 influência	 do	 renascimento	 italiano	 e	 do
protestantismo,	 que,	 na	 Alemanha,	 desenvolveu-se	 com	 a	 pregação	 reformista	 de	 Martim
Lutero	 (1483/1546).	 Paralelamente	 a	 estes	 fatores,	 especialmente	 ao	 segundo,	 cresceu	 o
aparelho	 burocrático	 do	 reino	 unificado	 francês.	 A	 burguesia,	 fugindo	 de	 sua	 situação,
começou	 a	 comprar	 cargos	 administrativos,	 a	 viver	 de	 arrendamentos	 e	 da	 usura,	 o	 que
arrefeceu	o	crescimento	industrial	e	comercial.	O	governo	começou	a	ampliar	drasticamente	a
cobrança	de	impostos	e,	ao	mesmo	tempo,	arrendá-los	a	ricos	burgueses.
A	partir	de	1534,	o	movimento	protestante	começou	a	crescer	na	França,	especialmente	o
calvinismo	 (Calvino,	1509/1564),	pedindo	a	aniquilação	da	 idolatria	católica	 e	 a	 confiscação
das	 terras	 da	 igreja	 (facção	 dos	 huguenotes).	 Após	 a	 morte	 do	 valois	 Henrique	 II,	 quando
reinava	 seu	 filho	 mais	 velho	 Francisco	 ii,	 tomaram	 de	 fato	 o	 poder	 os	 duques	 de	 Guise,
proprietários	de	enormes	riquezas	em	terras	senhoriais	eclesiásticas,	 tenazes	defensores	do
catolicismo,	que	perseguiram	 ferozmente	os	huguenotes.	Os	huguenotes,	 comandados	pelos
Bourbons,	parentes	da	decadente	dinastia	dos	valois,	especialmente	o	rei	de	Navarro	(situado
nos	Pireneus),	 iniciaram	severa	oposição	que,	por	algum	tempo,	foi	equilibrada	pela	regente
Catarina	 de	 Médicis,	 mãe	 de	 Carlos	 IX	 (menor,	 segundo	 filho	 de	 Henrique	 II	 e	 irmão	 do
também	falecido	Francisco	II).
Sucederam-se	 combates	 contínuos	 com	 a	 Inglaterra:	 os	 príncipes	 alemães	 apoiando	 os
huguenotes	 e	 Felipe	 ii,	 da	 Espanha,	 os	 Guise	 católicos.	 Em	 1572,	 quando	 da	Noite	 de	 São
Bartolomeu	 (23/24	 de	 agosto),	 os	 católicos,	 apoiados	 pela	 burguesia	 parisiense,	 resolveram
acabar	 com	 os	 huguenotes,	 exatamente	 quando	 Henrique	 de	 Navarra	 se	 casaria	 com
Margarida,	irmã	de	Carlos	IX.	Apesar	dos	desastrosos	resultados,	os	huguenotes	sublevaram-
se	 com	 o	 apoio	 da	 nobreza	 e	 das	 cidades	 do	 sul	 da	 França	 contra	 a	 regente	 Catarina	 de
Médicis	e	o	rei	Carlos	IX,	que	veio	a	falecer	em	1574.
Ocupado	 o	 poder	 por	 seu	 irmão	 Henrique	 III	 de	 valois,	 sem	 autoridade	 e	 competência
administrativa,	 não	 se	 impediu	 a	 expansão	 no	 incipiente	 estado	 francês	 de	 um	 verdadeiro
poder	paralelo:	o	estado	huguenote	com	administração,	exércitos,	 finanças	e	 tribunais.	Este
estado	 incipiente,	 comandado	 por	 Henrique	 de	Navarra,	 que	 não	 era	 valois,	 mas	 Bourbon,
com	a	morte	 de	Henrique	 III,	 seu	 cunhado	 (com	quem	chegou	 a	 se	 aliar	 para	 combater	 os
Guise),	tornou-se	o	legítimo	sucessor	do	trono	francês.	Este	fato	não	só	é	significativo,	mas	de
crucial	importância	na	história	francesa,	pois	ascende	ao	trono	francês,	não	apenas	uma	nova
dinastia,	mas	uma	dinastia	com	vínculos	religiosos	com	os	huguenotes	e	sem	ligações	diretas
de	linhagem,	até	aquele	fato,	com	os	Francos,	os	Capetos	e	os	valois.Com	a	morte	de	Henrique	III	de	valois	 (assassinado	pelo	monge	Jacques	Clément,	1589),
tratou	o	novo	rei	Henrique	IV	de	Bourbon	de	articular	as	condições	necessárias	para	o	pleno
exercício	de	seu	reinado,	procurando,	preliminarmente,	ampliar	as	pensões	e	dignidades	dos
senhores	católicos.	Todavia,	ele	encontrou	forte	resistência	nos	católicos	parisienses,	apoiados
pelos	católicos	espanhóis.	Calculista	e	pertinaz,	tendo	como	objetivo	a	ocupação	definitiva	do
poder	 e	 não	 a	 expansão	 ou	 a	 consagração	 de	 postulados	 religiosos,	 converteu-se	 ao
catolicismo,	 quando	 fez	 a	 célebre	 afirmativa	 que,	 para	 sempre,	 passou	 a	 caracterizar	 a
sucumbência	das	idéias	ao	utilitário	pragmatismo	do	poder:	Paris	bem	vale	uma	missa.
Paralelamente,	 Henrique	 IV	 promulgou	 o	 Édito	 de	 Nantes,	 que	 resguardou	 a	 liberdade
religiosa	para	os	calvinistas.	O	império	floresceu:	a	indústria,	o	comércio	e	a	agricultura	foram
incentivados	 e	 acumularam-se	 as	 reservas	 de	 ouro.	 Em	 1610,	 todavia,	 Henrique	 IV	 foi
assassinado	pela	resistência	católica	e	o	seu	sucessor,	Luís	XIII	de	Bourbon,	para	sobreviver
aos	conflitos	intestinos,	ampliou	a	política	de	concessões	aos	antigos	senhores	eclesiásticos	e
aos	nobres,	levando	novamente	os	cofres	do	estado	ao	esvaziamento.	Em	1614,	empobrecido	o
estado,	 Luís	 XIII	 convoca	 sem	 sucesso	 os	 estados	 Gerais	 que,	 mais	 uma	 vez,	 puseram	 em
evidência	 as	 hostilidades	 entre	 o	 clero,	 a	 nobreza	 e	 os	 comuns.	 Luís	 XIII,	 dissolvidos	 os
estados	Gerais,	passou	a	governar,	a	partir	de	1624,	com	o	decisivo	apoio	do	Cardeal	Richelieu
(1585/1642).
Inaugurou-se	 o	 longo	 período	 do	 absolutismo	 francês,	 continuado,	 a	 partir	 de	 1643,	 por
Luís	XIV	(1638/1715)	e	pelo	astuto	Mazarino	(1602/1661).	O	absolutismo	só	foi	destruído	pela
Revolução	 Francesa,	 no	 quadro	 e	 nas	 condições	 que	 Sieyès	 analisa	 neste	 seu	 livro
originariamente	denominado	Qu’est-ce	que	le	Tiers	État?
	
Aurélio	Wander	Bastos
Prefácio
Acreditamos	que	a	edição	da	obra	de	Sieyès,	Qu’est-ce	que	le	Tiers	État?,	em	nosso	país,	se
justifica	por	inúmeras	razões.
Entre	estas,	podemos	mencionar	que	o	pensamento	de	Sieyès	 traz	 importantes	 subsídios
para	o	debate	ora	iniciado	no	Brasil	a	respeito	de	nosso	processo	constituinte.	Ao	longo	desta
apresentação,	 procuraremos	 demonstrar	 como	 Sieyès	 contribuiu,	 por	 exemplo,	 para	 a
elaboração	de	uma	teoria	caracterizando	a	noção	de	Poder	Constituinte.
Não	 devemos,	 também,	 esquecer	 o	 fato	 de	 Sieyès	 ser	 citado	muitas	 vezes	 em	 obras	 de
Direito	Constitucional	no	Brasil,	mas,	na	verdade,	ele	é	um	autor	pouco	conhecido	e	lido	entre
nós.	Dessa	forma,	a	presente	edição	brasileira	de	Qu’est-ce	que	le	Tiers	État?	vem	suprir	uma
lacuna	existente	na	bibliografia,	principalmente	dos	nossos	cursos	de	Direito,	quer	em	nível	de
Graduação	ou	de	Pós-Graduação.
É	 de	 ser	 ressaltado,	 ainda,	 que,	 através	 da	 leitura	 dos	 trabalhos	 de	 Sieyès,	 é	 possível
termos	uma	dimensão	mais	exata	da	própria	Revolução	Francesa.
1.	O	Pensamento	de	Sieyès
Sabemos	que,	apesar	de	quase	duzentos	anos	após	o	início	deste	processo	revolucionário,
sua	historiografia	não	apresenta,	ainda,	um	determinado	consenso	quanto	a	sua	interpretação.
Deste	 embate,	 sobressaem	 as	 discussões	 travadas	 entre	 François	 Furet2	 e	 Albert	 Soboul.3
Neste	 quadro,	 destacam-se	 questões	 como:	 teria	 havido	 várias	 formas	 de	 processo
revolucionário	 entre	 o	período	de	1789	a	1799,	 e,	 por	 conseqüência,	 a	Revolução	Francesa
poderia	 ser	 reduzida,	 em	 um	 procedimento	 tão	 homogêneo,	 ao	 significar,	 apenas,	 um
fenômeno	político	tipicamente	burguês.
Neste	 sentido,	 a	 presente	 edição	 trará	 possíveis	 reflexões	 para	 responder	 a	 estes
questionamentos,	 como	 também,	 gostaríamos	 desde	 já,	 de	 um	 certo	 modo,	 polemizar	 com
algumas	das	interpretações	que	reduzem	o	pensamento	de	Sieyès	a	um	típico	representante
da	 burguesia	 francesa	 nascente	 por	meio	 das	 soluções	 jurídicas	 apresentadas	 ao	 longo	 das
mudanças	 revolucionárias	 de	 1789.	 Esta	 redução	 simplista	 pode	 ser	 visualizada	 através	 da
apresentação	elaborada	por	Francisco	Ayala	para	uma	edição	espanhola	do	Qu’estce	que	 le
Tiers	État?.4	em	conseqüência,	com	base	em	Ayala,	seria	acertado,	compreender	Sieyès	como
um	mero	pensador	burguês?
Assim,	nessa	apresentação,	antes	mesmo	de	esbo	çar	os	traços	biobibliográficos	de	Sieyès,
gostaria	de	ponderar	algumas	reflexões	a	respeito	dessa	questão.	Na	verdade,	o	pensamento
deste	autor	insere-se,	Muito	mais,	numa	tradição	política	de	modernizar	a	sociedade	francesa.
Sieyès	 procurou	 atualizar	 para	 a	 realidade	 francesa	 as	 concepções	 liberais	 econômicas	 de
Adam	Smith	a	uma	linha	mercantilista	esboçada,	por	exemplo,	por	Condillac.	Neste	raciocínio
é	a	lição	de	Roberto	Zapperi:5
Sieyès	tinha	interesse	somente	de	direcionar	à	Teoria	de	Smith	na	medida	em	que
esta	pudesse	harmonizar	com	o	ensinamento	de	Condillac	ao	qual	ele	sempre	esteve
vinculado.	Não	é	por	acaso	que	Sieyès	ao	introduzir	a	brochura	sobre	o	Terceiro
estado	com	base	numa	análise	da	sociedade	francesa,	ele	a	apresentou	como	um
conjunto	laborioso,	unido	e	compacto,	da	qual	o	único	entrave	era	a	contradição	entre
o	trabalho	e	as	funções	públicas,	sendo	que	os	aristocratas	tinham	usurpado	o
exercício	exclusive	por	estes	últimos.
Portanto,	é	de	ser	aferido	que	o	pensamento	de	Sieyès	produz,	com	base	nesta	análise	de
Zapperi,	uma	certa	vertente	para	compreender	o	processo	revolucionário	de	1789.	Ao	lermos
Qu’est-ce	que	le	Tiers	État?,	podemos,	como	resultado,	visualizar	a	existência,	neste	momento,
de	 uma	 certa	 perspectiva	 econômica,	 social	 e	 política	 que	 desejava,	 como	 já	 afirmamos
anteriormente,	mais	um	encaminhamento	de	uma	mudança	meramente	modernizante	para	a
sociedade	francesa	do	final	do	século	XVIII.
É	 importante,	 ainda,	 completar	 esta	 interpretação	ao	afirmar	que,	mais	 especificamente,
em	nível	político,	Sieyès	elaborou	todo	um	processo	reflexivo	significando	um	instrumento	de
limitação	 da	 estrutura	 representativa.	 Neste	 caminho,	 este	 autor	 francês	 coloca-se
diametralmente	em	oposição	ao	pensamento	de	Rousseau.	Zapperi	observa	com	precisão	que
a	 proposta	 de	 representação	 política	 esboçada	 por	 Lodse	 ressurge	 no	 corpo	 desta	 obra	 de
Sieyès.	Cremos	que	a	própria	citação	de	Zapperi	esclarece	ainda	mais	esta	interpretação:6
Ele	acredita	poder	responder	com	um	discurso	de	ataque	a	Rousseau	ao	sugerir
uma	versão	de	contraste	de	Lodse	devidamente	posta	em	dia	no	contexto	não-
mercantilista	da	liberdade	econômica,	que	lhe	parecia	garantir	resultados	econômicos
certos.
Assim,	 pensamos	não	haver	 dúvida	que,	 através	do	quadro	 teórico	delineado	por	Sieyès,
poderemos	encontrar	algumas	respostas	a	respeito	do	processo	historiográfico	da	Revolução
Francesa.
Após	termos	exposto	estas	justificativas	para	explicar	a	contemporaneidade	da	obra	Qu’est-
ce	que	le	Tiers	État?,	pretendemos,	a	seguir,	traçar	os	aspectos	iniciais	da	vida	de	Sieyès.
II.	O	início	de	Sua	vida
Sieyès,	filho	de	um	coletor	de	direitos	reais,	nasceu	em	13	de	maio	de	1748,	em	Fréjurs-en-
Provence.	 Entrou	 para	 a	 carreira	 eclesiástica	 como	 uma	 forma	 de	 encontrar	 uma	 melhor
oportunidade	 de	 ascensão	 social	 dentro	 de	 uma	 família	 bastante	 numerosa	 e	 com	 parcos
recursos	financeiros.
Dessa	forma,	o	autor	preparou-se	para	ser	padre	sem	a	mínima	vocação,	animado	somente
por	uma	ambição	sem	limites.	Entretanto,	através	da	correspondência	com	seu	pai,	podemos
avaliar	 como	 esta	 carreira	 foi	 para	 Sieyès	 brutal	 e	 frustrante.	 Seus	 primeiros	 passos	 na
estrutura	 eclesiástica	 ocorreram	 na	 região	 de	 Tréguier.	 Todavia,	 a	 serviço	 do	 bispo	 de
Lubersac,	 ele	 sai	 de	 Tréguier	 para	 Chartres.	 Nessa	 caminhada,	 é	 de	 ser	 refletido	 que,
finalmente,	 este	 ambicioso	 abade	 termina	 por	 se	 projetar	 na	 carreira	 eclesiástica.	 É	 na
véspera	 da	 Revolução	 de	 1789	 que	 se	 pode	 compreender	 como	 o	 autoré	 um	 homem
afortunado,	pelos	seguintes	motivos:	gozando	das	boas	graças	dos	altos	prelados	e	membro	de
uma	loja	maçônica,	participante	de	clubes	e	salões	à	moda	de	Paris.	Enfim,	é	na	qualidade	de
vigário-geral	da	diocese	de	Chartres	que	ele	participa	da	Assembléia	Provincial	de	Orléans	ao
abrir	os	seus	debates	em	6	de	setembro	de	1787.
Devemos	fazer	uma	pausa	nestes	primeiros	traços	biográficos	para	observar	que,	segundo
Zapperi,	a	sua	formação	intelectual	era	bem	limitada	em	termos	de	preparo	teórico.
É	 nessas	 condições	 que	 Sieyès	 atuará	 no	 processo	 revolucionário	 a	 partir	 de	 1789,	 ao
contribuir	 para	 a	 campanha	 eleitoral	 da	 convocação	 dos	 estados	 Gerais,	 além	 da	 obra	 ora
traduzida,	com	mais	três	opúsculos:	Essai	sus	les	Privilèges,	Vues	sur	les	Moyens	d’exécution
dont	 les	 Représentants	 de	 la	 France	 Pourront	 Disposer	 en	 1789	 e	 Delibérations	 à	 Prendre
dans	les	Assemblées.
III.	Sieyès	e	o	Processo	Revolucionário	de	1789
Para	 entendermos	 porque	 Sieyès	 elaborou	 esses	 opúsculos,	 devemos	 lembrar	 o	 fato	 de,
neste	momento,	a	França	viver	uma	profunda	crise	econômica	e	social.	É	diante	deste	quadro
que	Luís	XVI,	seguindo	conselhos	de	seu	Ministro	Necher,	decide	convocar	os	estados	Gerais
(em	1o	de	maio	de	1789)	para	discutirem	a	reforma	da	tributação	francesa.	Assim,	o	aumento
da	taxação	tributária	seria	um	recurso	último	com	que	o	Poder	Real	teria	de	suprir	o	déficit
orçamentário.
Em	razão	dos	direitos	assegurados	ao	clero	e	à	nobreza	nos	estados	Gerais	é	que	podemos
perceber	 o	 caráter	 minoritário	 destinado	 ao	 denominado	 Terceiro	 estado.	 Em	 face	 desta
realidade,	o	processo	revolucionário	de	1789	será	deflagrado	a	partir	de	um	conflito	entre	o
Terceiro	estado	e	as	duas	ordens	privilegiadas.
Contudo,	 isto	 não	 significa,	 ainda,	 uma	 ruptura	 total	 destes	 setores	 sociais.	 Assim,	 os
grandes	 senhores	 liberais	 unem-se	 à	 alta	 burguesia	 para	 formarem	 o	 “Partido	 Nacional
Patriota”	e	o	seu	“Comitê	dos	Trinta”,	 figurando	entre	os	seus	 fundadores	os	marqueses	de
LaFayette	e	de	Condorcet,	Talleyrand,	Mirabeau	e	o	nosso	abade	Sieyès.
Cabe	 sublinhar	 que	 o	 pensamento	 de	 Sieyès	 se	 explicita	 tendo	 em	 vista	 o	 ato	 de
convocatória	 dos	 estados	Gerais	 de	 julho	 de	 1788,	 autorizando	 aos	 franceses	 apresentarem
suas	 idéias	 sobre	 a	 reforma	 de	 estado.	 Neste	 procedimento,	 foram	 editados	 quarenta	 mil
cahiers	de	doleances;	entre	estes,	os	quatro	opúsculos	já	mencionados	por	nós,	elaborados	por
Sieyès.
É	 dentro	 desta	 numerosa	 publicação	 de	 idéias	 que	 sobressai	 o	 mais	 famoso	 de	 todos:
Qu’est-ce	que	 le	Tiers	État?	 esta	 obra	 é	 editada	 em	 fevereiro	 de	 1789,	 consubstanciando	 a
proposta	da	igualdade	de	direitos	do	Terceiro	estado	em	relação	a	duas	ordens	privilegiadas:	o
clero	e	a	nobreza.
Logo	após	a	instalação	dos	estados	Gerais,	o	conflito	apresenta-se	entre	o	clero	e	a	nobreza
em	 relação	ao	Terceiro	 estado.	Nesta	perspectiva,	 em	17	de	 junho	de	1789,	 tomando	 como
base,	principalmente,	os	representantes	do	Terceiro	estado,	estes	declaram	a	sua	legitimidade
de	 se	 instituírem	 em	 Assembléia	 Nacional	 com	 ou	 sem	 a	 presença	 das	 duas	 ordens
privilegiadas.	Prevalece	a	noção	contida	na	obra	de	ilegitimidade	da	hegemonia	do	clero	e	da
nobreza	ao	representarem	apenas	duzentos	mil	indivíduos.
Dentro	desta	perspectiva,	a	Assembléia	Nacional	assume	o	compromisso	de	elaborar	uma
constituição	para	a	sociedade	francesa.
Entretanto,	 um	 último	 obstáculo	 restava	 para	 a	 instituição	 desta	 nova	 ordem	 jurídica:	 a
existência	de	uma	estrutura	social	segmentada	em	privilégios	fiscais.	Na	noite	histórica	de	4
de	 agosto	 de	 1789,	 a	 Assembléia	 Nacional	 decreta	 a	 igualdade	 fiscal	 ao	 abolir	 todos	 os
direitos	de	tributos	feudais.	É	neste	momento	que	é	fácil	depreender	a	posição	de	Sieyès,	pois
caracteriza	 toda	a	 sua	visão	política	modernizadora	bem	 limitada	ao	se	opor	à	abolição	dos
direitos	fiscais	eclesiásticos.
Segue-se,	ainda,	outro	documento	básico	da	Revolução	Francesa	que	foi	a	Declaração	dos
Direitos	do	homem	e	do	Cidadão,	promulgada	em	26	de	agosto	de	1789.
Diante	do	fato	de	Luís	XVI	se	recusar	à	sanção	destes	decretos,	prevalece,	mais	uma	vez,	a
tese	de	Sieyès	de	que	à	Nação	cabe	uma	autoridade	anterior	de	estabelecer	a	ordem	jurídica.
Em	conseqüência,	 tal	proposição	 traduz-se	na	 idéia	de	um	Poder	Constituinte	originário	por
parte	da	nação.	E	nós	encontraremos	esta	concepção	 revolucionária	para	a	época	de	 forma
explícita	na	obra	Qu’est-ce	que	le	Tiers	État?
A	 redação	 definitiva	 da	 carta	 constitucional	 da	 primeira	 fase	 revolucionária	 de	 1789
completa-se	com	a	 sua	promulgação,	em	3	de	 setembro	de	1791.	Nela	está	contida,	na	 sua
plenitude,	a	idéia	de	nação	delineada	por	Sieyès.	Ao	contrário	de	Rousseau,	com	sua	proposta
democrática	 mais	 plena	 de	 soberania	 (soberania	 popular),	 na	 qual	 a	 representação	 é	 uti
singuli,	 Sieyès	 postula	 um	 processo	 representativo	 restrito.	 Assim,	 ele	 esboça,	 diante	 do
perigo	das	classes	populares	conquistarem	a	 igualdade	eleitoral,	a	distinção	entre	cidadania
ativa	e	passiva.	Isto	é,	mesmo	aqueles	que,	ao	se	enquadrarem	no	nível	da	cidadania	passiva,
estariam	 representados	 pelos	 cidadãos	 ativos	 porque	 estes	 corporificam	 uma	 idéia	 de
totalidade	 através	 da	 nação.	 É	 o	 que	 reza	 o	 artigo	 7o	 da	 Seção	 III,	 CapítuloI,	 Título	 III,	 da
Constituição	de	1791:
Os	representantes	eleitos	nos	departamentos	não	serão	representantes	de	um
departamento	particular	senão	da	nação	inteira.
Portanto,	a	noção	deste	“corpo	nacional”	substitui	com	muito	mais	sabedoria	a	concepção
de	contrato	do	século	XVII,	pois	esse	é	firmado	por	todos,	sem	distinção	entre	despossuídos
(cidadania	passiva)	ou	não.	Abre-se	o	caminho	para	uma	abstração	formal	através	do	conceito
de	nação,	na	qual	todos	estariam	representados	sem	diferenciação	de	qualquer	nível.	Mas	não
devemos	 esquecer	 que	 a	 categoria	 “nação”	 fundada	 por	 Sieyès	 com	 sua	 falsa	 totalidade
encobre,	em	conseqüência,	qualquer	possibilidade	de	conflito.
Agora,	 devemos	 voltar	 àquelas	 questões	 propostas	 por	 nós	 no	 início	 deste	 trabalho,	 ao
apontar	 como	 esse	 autor	 francês	 distancia-se	 da	 visão	 liberal	 econômica	 de	 Adam	 Smith.
Enquanto	este	propõe	que	as	soluções	dos	conflitos	sociais	encontram-se	na	livre	concorrência
de	mercado,	Sieyès	estrutura	a	sua	perspectiva	jurídico-política	de	caráter	unitário	de	nação.
Além	desses	aspectos,	devemos	deixar	em	aberto	a	seguinte	questão:	afinal,	o	que	é	nação?
Ressaltada	esta	contribuição	de	Sieyès	para	a	primeira	fase	do	período	revolucionário	pós-
1789,	 é	 necessário	 dar	 continuidade	 ao	 histórico	 sobre	 este	 autor,	 relacionando-se	 com	 os
fatos	marcantes	ocorridos	neste	período.
Nesse	 sentido,	 em	 3	 de	 setembro	 de	 1791,	 a	 Assembléia	 Constituinte	 completa	 os	 seus
trabalhos	e	é	eleita	uma	Assembléia	Legislativa.	Entretanto,	o	momento	histórico	que	se	segue
é	de	uma	profunda	radicalização	política,	culminando,	na	noite	de	9	e	10	de	agosto	de	1792,
com	uma	comuna	insurgente	de	Paris.	Tal	processo	ocasiona	combates	violentos,	acarretando
a	dissolução	da	Assembléia,	a	instalação	da	Convenção	e	o	término	da	monarquia.
V.	Período	de	“Terror”
A	Convenção	permanece	constituída	de	21	de	setembro	de	1792	a	26	de	outubro	de	1795.
Ao	 contrário	 da	 Constituição	 de	 1791,	 este	 período	 logra	 decretar	 uma	 igualdade	 jurídica
plena	e	o	avanço	para	certos	patamares	de	uma	democracia	social	e	direta.
Durante	esta	época	conturbada,	Sieyès	manteve-se	em	uma	posição	eclipsada	e	discreta.
Eleito	para	a	Convenção	pelo	Departamento	de	Sarthe,	votou	pela	morte	de	Luís	XVI.
V.	Fase	Conservadora
Os	 denominados	 setores	 burgueses	 reassumem	 o	 controle	 do	 processo	 revolucionário
através	 do	 golpe	 de	 9	 Termidor	 (27	 de	 julho	 de	 1794).	 Tal	 quadro	 restabelece-se,
juridicamente,	 apesar	 das	 divisões	 entre	 monarquistas	 constitucionais	 e	 termidorianosrepublicanos,	através	da	Constituição	de	5	Frutidor,	ano	III	(22	de	agosto	de	1795).
Nesta	 Constituição,	 restringiram-se	 o	 princípio	 da	 igualdade	 (reduzida	 esta	 à	 seguinte
noção:	a	 igualdade	consiste	que	a	 lei	é	 igual	para	todos)	e	a	noção	de	cidadania.	Quanto	ao
Poder	Legislativo,	foi	dividido	em	um	Conselho	dos	Quinhentos	e	em	um	Conselho	de	Anciãos.
O	 executivo	 foi	 entregue	 a	 um	 Diretório	 de	 cinco	 membros	 designados	 pelo	 Conselho	 de
Anciãos.
Para	o	primeiro	Diretório,	entre	os	indicados	estava	Sieyès,	que	recusou	o	posto,	pois	não
perdoava	 aos	 termidorianos	 uma	 elaboração	 constitucional	 que	 debilitava	 a	 autoridade	 de
estado.	Por	esta	razão,	ele	se	mantém	à	margem	do	processo	político,	mas	em	uma	posição	de
conspirar	contra	ele.	O	autor	por	nós	estudado	arguía,	contra	a	Constituição	do	ano	III,	que
ela	estimulava	o	conflito	entre	os	poderes	e	uma	total	ineficácia	administrativa.	A	sua	postura
conspirativa	 culmina	 ao	 assumir	 o	 Diretório	 em	 21	 Prairal	 (9	 de	 junho),	 apesar	 de	 estar
contrário	a	este	regime.	Embora	julgue	necessária	a	revisão	constitucional,	Sieyès	optou	pelo
Golpe	de	estado.	Isto	ocorre	com	o	primeiro	18	Brumário	(9	de	novembro	de	1799),	quando
Napoleão	 Bonaparte	 assume	 o	 controle	 militar	 de	 Paris.	 Sob	 a	 pressão	 do	 exército,	 os
Conselhos	foram	subordinados	a	duas	comissões	que	votaram	a	substituição	do	Diretório	por
três	 cônsules.	 As	 comissões	 e	 os	 cônsules	 tinham	 como	 função	 elaborar	 a	 nova	 carta
constitucional.	Os	cônsules	foram	RogerDucos,	Bonaparte	e	Sieyès.
Mais	 uma	 vez,	 a	 influência	 deste	 pensador	 francês	 transparece	 na	 Constituição	 de	 22
Primário,	ano	VIII	(13	de	dezembro	de	1799).	Com	a	instituição	desta	ordem	jurídica	e	com	o
início	do	período	napoleônico,	podemos	afirmar	que	o	momento	revolucionário	de	1789	havia
encerrado	o	seu	ciclo	de	mudança.	A	construção	da	base	de	uma	nova	sociedade	completa-se
com	a	promulgação	do	Código	Napoleônico	de	1804.
Apesar	 de	 sua	 enorme	 contribuição	 para	 a	 Constituição	 de	 1799,	 Sieyès	 é	 afastado	 do
Consulado.	É	destinada	a	ele	a	posição	de	presidente	do	Senado.	Com	este	cargo	de	pouco
prestígio,	 o	 autor	 de	 Qu’est-ce	 que	 le	 Tiers	 État?	 torna-se	 opositor	 de	 Bonaparte.	 Com	 a
restauração	de	1814/1815,	por	ter	sido	regicida,	é	obrigado	a	refugiar-se	em	Bruxelas.	Volta	a
Paris	após	a	Revolução	de	Julho	de	1830,	falecendo	em	20	de	junho	de	1836.
VI.	Conclusão
Estamos	 certos	 de	 que	 a	 leitura	 desta	 obra,	 editada	 pela	 editora	 Lumen	 Juris,	 trará
algumas	reflexões	aos	questionamentos	levantados	por	nós	no	início	desta	apresentação.	Pois,
na	 verdade,	 Sieyès	 não	 pode	 ser	 reduzido,	 apenas,	 a	 um	mero	 representante	 da	 burguesia
francesa.	 Neste	 sentido,	 apesar	 das	 limitações	 de	 seu	 preparo	 teórico,	 desejamos,	 a	 título
conclusivo,	 reafirmar	que	Sieyès	 insere-se	 em	uma	 tradição	política	 francesa	de	 objetivar	 a
construção	de	uma	ordem	jurídica	e	social	estável.	Tal	tradição	aproxima-se	do	pensamento	de
Montesquieu	e	abre	o	caminho	para	a	elaboração	teórica	de	Benjamim	Constant	no	período	de
Restauração.
	
José	Ribas	vieira
Professor-Adjunto	do	Departamento
de	Ciência	Política	da	universidade	Federal	Fluminense	(UFF)	e	do
Programa	de	Mestrado	em	Ciências	Jurídicas	da	PUC/RJ
	
	
—————————
2	Vide	François	Furet	e	Denis	Richet,	La	Revolution	Française.	Vervier	(Bélgica):	Nouvelles	Éditions	Marabaut,
1979.
3	Vide	Albert	Soboul,	história	da	Revolução	Francesa.	2a	ed.	Rio	de	Janeiro:	Zahar	1974.
4	Sieyès.	Que	es	el	Tercer	estado?	Madrid:	Aquilar	S.	S.	de	Ediciones,	1973.	Vide	a	introdução	de	Francisco	Ayala,
pp.	XI-XX.
5	Introdução	elaborada	por	Roberto	Zapperi	à	obra	Qu’est-ce	que	le	Tiers	État?.	Genebra:	Droz,	1970,	p.	19.	A
tradução	deste	trecho	de	Zapperi	foi	elaborada	pelo	autor	deste	prefácio.
6	Sieyès	(introdução	de	Zapperi),	ob.	cit.,	p.	50.	A	tradução	do	trecho	de	Zapperi	foi	realizada	pelo	autor	deste
prefácio.
Introdução
Esta	 obra,	 Qu’est-ce	 que	 le	 Tiers	 État?,	 de	 autoria	 de	 Emmanuel	 Joseph	 Sieyès
(1748/1836),	que	está	sendo	publicado	com	o	título	de	A	Constituinte	Burguesa,	corresponde	e
se	 confunde	 com	 um	 dos	 mais	 significativos	 momentos	 da	 história	 moderna:	 a	 Revolução
Francesa.	 O	 livro	 não	 antecede	 à	 Revolução	 nem	 ao	 menos	 lhe	 sucede:	 sua	 dinâmica	 é	 a
dinâmica	da	própria	Revolução.	A	 linguagem	convulsiva	e	paradoxal	deste	eminente	político
francês	 é	 a	 expressão	 nítida	 das	 contradições	 e	 das	 esperanças	 que	 tumultuam	e	 turvam	a
própria	mudança.	 Para	 compreendermos	 o	 livro	 dentro	 do	 seu	 quadro	 político	 é	 necessário
que	 se	 entenda	 que	 ele	 é	 a	 tradução	 explícita	 da	 esperança	 revolucionária	 nas	 suas
contradições.	Nesta	 obra,	 a	 linguagem	 e	 o	 discurso	 do	 autor	 exprimem	 o	 seu	 esforço	 para
superar	limitações	provocadas	pelos	atropelos	da	Revolução.	Por	isto,	não	pode	ser	estudada	e
compreendida	 senão	 inserida	 nas	 contradições	 de	 seu	 próprio	 tempo.	 Este	 é	 um	 livro	 de
época:	no	presente	(hoje),	é	a	proposta	futura	vista	do	seu	próprio	passado.	As	suas	lições	são
lições	depuradas	pela	experiência	revolucionária:	a	esperança	que	a	história	destilou.
Qu’est-ce	que	le	Tiers	État?	é	uma	obra	perfeita	mente	inserida	no	quadro	político	francês
da	época,	mas	de	compreensão	técnica	difícil.	Quem	sabe,	esta	segunda	razão	explique	o	seu
ineditismo	 em	 língua	 portuguesa.	 Neste	 sentido,	 para	 se	 conhecer	 o	 pensamento	 deste
revolucionário,	 preliminarmente,	 é	 necessário	 que	 se	 conheça	 o	 seu	 tempo	 histórico	 —	 o
período	 pré-revolucionário,	 a	 Revolução	 Francesa	 e	 a	 ascensão	 bonapartista.	 Em	 segundo
lugar,	 deve-se	 pressupor	 que	 o	 casuísmo	 exemplificativo	 de	 sua	 narração	 é	 a	 referência
empírica,	 e	 não	 o	 indicador	 teórico,	 que	 nos	 permite	 desenvolver	 abstrações	 retrospectivas
sobre	o	que	foi	a	sua	preocupação	prospectiva.	Esta	obra	de	Sieyès,	conseqüentemente,	exige
um	aprendizado	preliminar:	para	compreendê-lo	e	retirar	do	seu	texto	a	experiência	da	época
é	imprescindível	aprender	a	abstrair-se	sobre	o	próprio	passado,	colocar-se	no	passado	como
se	 fosse	 o	 futuro.	 Este	 exercício	 metodológico	 não	 é	 simples;	 ao	 contrário,	 é	 bastante
complexo:	 abstrair-se	 sobre	 o	 passado	 implica	 necessariamente	 em	 raciocinar	 com	 os
parâmetros	que	o	próprio	passado	 impõe,	sem	se	circunscrever	aos	seus	próprios	 limites.	A
regra	 para	 se	 compreender	 a	 exata	 dimensão	 do	 passado	 é	 observá-lo	 com	 seus	 próprios
olhos,	com	seu	quadro	de	valores	e	suas	dúvidas,	mas	ter,	também,	sempre	claro	que	as	suas
lições,	especialmente	as	políticas,	somente	servem	como	lições	na	compreensão	crítica	de	sua
época	e	de	seu	desenvolvimento.
A	 conceitualística	 sociológica,	 política	 e	 jurídica	 do	 tempo	 de	 Sieyès	 nem	 sempre	 se
identificam	com	a	conceitualística	de	nosso	tempo.	Esta	é	uma	das	razões	que	exigem	do	leitor
um	 certo	 reducionismo,	 vamos	 chamar,	 terminológico,	 para	 não	 falarmos	metodológico.	 Os
conceitos	 de	 classe,	 ordem	 e	 estado	 na	 linguagem	 de	 nosso	 tempo	 têm	 uma	 dimensão
distintiva	 bastante	 nítida,	mas,	 à	 época,	 elas	 se	 confundiam,	muito	 embora	 possamos	 nelas
identificar	 nítidas	 conexões.	 O	 que	 socialmente	 se	 denominava	 ordem,	 politicamente	 se
denominava	 estado,	 e	 a	 figura	 classe	 nunca	 se	 atribuía	 à	 ordem	 dos	 privilegiados	 ou	 ao
primeiro	e	segundo	estado	(o	clero	ou	a	nobreza),	mas	ao	Terceiro	estado.	Da	mesma	forma,
não	se	deve	confundir	ou	fazer	explícita	associação	entre	burguesia	e	Terceiro	estado,	assim
como	os	estados	Gerais	não	eram	propriamente	um	parlamento,	mas,	em	tese,	um	Conselho
Consultivo	 do	 rei.	 Neste	 Conselho	 assentavam-se	 desproporcionalmente	 procuradores	 do
clero,	 dos	 nobres	 e	 da	 classe	 laboriosa	 —	 os	 homens	 das	 cidades,	 os	 comerciantes
enriquecidos,	 os	 fabricantes	 da	 indústria	 incipiente	 e	 do	 campesinato	—	 que	 politicamente
eram	denominadosTerceiro	Estado.
Da	mesma	forma,	como	no	nosso	tempo	—	esta	uma	outra	lição	interessante	de	Sieyès	—,
as	ordens	não	deviam	ser	compreendidas	isoladamente,	especialmente	na	sua	representação
política:	os	estados	Gerais.	Elas	entre	si	se	permeavam.	Assim	como	havia	o	clero	enobrecido,
tínhamos	a	nobreza	eclesiástica.	Também	não	é	menos	verdade	afirmar	que	o	Terceiro	estado
estava,	ele	próprio,	permeado	pela	presença	de	deputa	dos	originários	do	clero	paroquial	ou
da	baixa	nobreza,	assim	como	entre	si	se	confundiam	nos	estados	Gerais	o	clero	e	a	nobreza
(os	notáveis).	Não	se	foge	apenas	de	uma	afirmação,	que	é	a	verdade	da	própria	revolução:	o
Terceiro	 estado	 não	 perpassava	 as	 ordens	 privilegiadas	 (os	 notáveis).	 Todavia,	 é	 necessário
que	 se	 reconheça	 a	 outra	 verdade:	 muitos	 dos	 que	 formulavam	 as	 propostas	 políticas	 do
Terceiro	 estado	 eram	 originários	 do	 clero	 ou	 até	 da	 nobreza.	 Aliás,	 Sieyès	 dedica	 a	 estes
pensadores	 políticos	 parte	 significativa	 de	 sua	 obra:	 aqueles	 que	 pensam	 a	 política	 de
eliminação	 da	 opressão	 não	 são	 os	 próprios	 oprimidos,	 perdidos	 na	 ignorância	 de	 seus
direitos,	mas	os	privilegiados	que	tomam	consciência	do	absurdo	da	usurpação.
Esta	é	a	razão	pela	qual,	para	se	entender	esta	obra,	na	dimensão	de	sua	grandeza,	há	que
se	conhecer,	necessariamente,	o	quadro	histórico	da	Revolução	Francesa	e	as	teorias	políticas
que	 condicionaram	 a	 esperança	 e	 a	 ação	 revolucionária.	 Todavia,	 esta	 é	 a	 originalidade	 do
trabalho	 de	 Sieyès:	 em	 si	mesma	 a	 obra	 permite	 a	 percepção	 nítida	 desta	 conexão	 entre	 o
pensamento	e	a	ação	revolucionária.	Na	dinâmica	de	suas	contradições,	Qu’est-ce	que	le	Tiers
État?	é	a	exata	radiografia	da	sociedade	francesa	da	época.	Sendo	um	livro	produzido	no	exato
momento	em	que	o	presente	se	tornava	passado	e	o	futuro	ainda	não	se	instalara,	o	passado
permite	 ver,	 nas	 suas	 estruturas	 fatigadas,	 as	 combinações	 de	 todas	 as	 forças	 de	 sua
resistência.	Este	dado	nos	permite	afirmar	que	as	formulações	teóricas	sobre	o	pensamento	de
Sieyès	 ou	 sobre	 a	 sua	 proposta	 de	 ação	 são	 basicamente	 deduções	 e	 não	 a	 sua	 própria
exposição.	 A	 sua	 linguagem	 não	 é	 uniforme,	 ela	 apreende	 os	 fatos	 revolucionários	 no	 seu
próprio	 movimento.	 Por	 estas	 razões,	 às	 vezes,	 o	 texto	 está	 escrito	 no	 particípio	 presente,
outras	 no	 condicional	 e,	 em	 outras	 ainda,	 tem	 expressões	 e	 parágrafos	 no	 passado.	 A
sociedade	francesa	não	era,	nem	muito	menos	deixara	de	ser:	a	sociedade	francesa	viria	a	ser.
Esta	estrutura	do	texto	não	o	empobrece,	pelo	contrário	é	a	tradução	literal	da	grandeza	e
da	 riqueza	 da	 mudança	 revolucionária.	 Esta	 obra	 nasce	 com	 a	 Revolução	 Francesa	 e	 se
desenvolve	com	a	prática	política	de	Sieyès.	É	a	partir	desta	prática,	e	não	propriamente	das
teorias	 políticas	 da	 época,	 que	 ele	 despreza,	mas	 necessárias	 para	 compreendê-lo,	 que	 ele
propõe	 uma	 nova	 articulação	 do	 poder	 político.	 O	 seu	 livro	 demonstra,	 porém,	 não	 o
conhecimento	aguçado,	mas	a	nítida	influência	de	novas	teorias	econômicas	combinadas	com
um	significativo	esforço	para	formular	uma	nova	teoria	sobre	a	representatividade	política.	O
conhecimento	para	Sieyès	não	é	importante	na	sua	formulação	pura,	mas	na	dimensão	de	sua
utilidade	social	e	política.
Preliminarmente,	 na	 sua	 formulação	 teórica,	 ele	 não	 eliminava	 do	 cenário	 político	 as
classes	 tradicionais,	 mas	 propunha,	 especialmente,	 a	 redefinição	 do	 espaço	 político	 do
Terceiro	estado.	O	seu	estudo,	na	verdade,	não	é	clássico	pela	sua	 importância	 teórica,	mas
devido	 às	 suas	 formulações	 sobre	 a	 representatividade	 eleitoral.	 No	 entanto,	 é	 necessário
reconhecer	 que	 as	 sugestões	 sobre	 a	 representatividade	 política	 estão	 condicionadas	 pelas
circunstâncias	 históricas	 da	Revolução	 Francesa	 e	 imersas	 na	 crise	 do	 pensamento	 político
absolutista.	 Assim,	 se	 podemos	 afirmar	 que	 esta	 obra	 cresce	 e	 se	 desenvolve	 a	 partir	 da
questão	 da	 convocação	 dos	 estados	 Gerais,	 como	 alternativa	 para	 viabilizar	 a	 reversão	 do
quadro	da	pressão	tributária,	não	absorve,	apesar	da	sua	preocupação	com	a	representação
eleitoral,	as	teorias	políticas	que	historicamente	pensaram	a	organização	do	estado	moderno:
Voltaire	 (1694-1778),	Montesquieu	 (1689-1755)	 e	 Rousseau	 (1712-1778).	 Sendo	 um	 ativista
político	e,	quem	sabe,	por	isto	mesmo,	Sieyès	está	muito	mais	preocupado	com	a	pragmática
eleitoral	do	que	com	as	teorias	sobre	formas	de	organização	de	um	novo	estado.	Para	ele,	o
que	 importa	é	definir	meios	e	alternativas	eleitorais	que	transfiram	o	controle	do	poder	das
ordens	privilegiadas	—	o	clero	e	a	nobreza	(os	notáveis)	—	para	o	Terceiro	estado,	ou	o	estado
plano	 como	 também	à	época	 se	denominou.	É	nesta	 linha	de	 correlações	que	não	podemos
negar	 a	 influência	 do	 pensamento	 econômico	 burguês,	 especialmente	 Adam	 Smith	 (1723-
1790),	sobre	a	sua	teoria	da	representação	eleitoral.
Na	França	pré-revolucionária,	o	clero	e	a	nobreza	não	pagavam	qualquer	tipo	de	imposto	—
privilégio	 que	 aviltava	 os	 contribuintes	 laboriosos.	 A	 transferência	 da	 responsabilidade
econômica	 aliada	 aos	 benefícios	 políticos	 e	 a	 vileza	 inescrupulosa	 dos	 privilegiados	 vinham
influenciando	decisivamente	na	detonação	da	crise	revolucionária	e	na	desagregação	social.
Por	duas	vezes,	o	rei	Luís	XVI	—	na	primeira	(1774)	assistido	por	Turgou	(economista	e	Fiscal-
Geral	 do	 Reino)	 e,	 na	 segunda	 (1787),	 por	 Necker	 (banqueiro	 genebrino	 e	 também	 Fiscal-
Geral)	—	propôs,	convocando	os	notáveis,	suprimir	privilégios	e	obrigar	o	clero	e	a	nobreza	a
pagarem	impostos.	Em	ambas	as	ocasiões	os	ministros	foram	levados	à	renúncia	e	o	Conselho
de	 Notáveis,	 insubmisso,	 insistindo	 em	 manter	 os	 privilégios	 e	 resistindo	 ao	 gravame
tributário,	 dissolvido.	 Estes	 ministros,	 todavia,	 se	 não	 conseguiram	 romper	 o	 cerco	 dos
privilegiados,	 provocaram	 a	 precipitação	 de	 forças	 socialmente	 contidas;	 incentivando	 uma
política	de	liberação	do	comércio	de	cereais,	abolição	do	trabalho	gratuito	dos	camponeses	na
construção	de	estradas,	supressão	dos	grêmios	corporativos	e	a	emancipação	dos	servos	das
fazendas	reais.	A	combinação	das	demandas	das	novas	forças	populares	com	as	exigências	da
burguesia	 enriquecida	 pelas	 atividades	 comerciais	 nas	 comunas	 (cidades)	 levou,	 em	 1788,
Luís	 XVI,	 como	 alternativa	 viável	 para	 superar	 a	 crise	 social	 e	 institucional,	 a	 convocar,
novamente,	 os	 estados	 Gerais.	 Os	 estados	 Gerais,	 que	 não	 se	 reuniam	 desde	 1614,	 foram
instalados	a	5	de	maio	de	1789,	 repondo	no	quadro	da	ação	política,	 ao	 lado	do	 clero	e	da
nobreza,	o	Terceiro	Estado.
Todos	 os	 que,	 como	 notáveis,	 não	 faziam	 parte	 das	 ordens	 privilegiadas,	 pertenciam	 ao
Terceiro	 estado.	 Todavia,	 se	 bem	 que	 mutuamente	 úteis,	 o	 Terceiro	 estado,	 em	 tese,
representava	duas	nítidas	vertentes	sociais:	de	um	lado,	os	camponeses	(sua	imensa	maioria),
os	 artesãos,	 os	 operários	 e	 os	 pobres	 das	 cidades;	 de	 outro,	 também	 desprovidos	 dos
privilégios,	 os	 comerciantes,	 os	 banqueiros,	 os	 arrendatários	 e	 os	 proprietários	 de
manufaturas.	Se	alguns	de	seus	direitos	civis	estavam	resguardados,	porque	o	próprio	reino
necessitava	 que	 exercessem	 suas	 atividades	 econômicas,	 para	 que	 sobre	 elas	 tributasse,
politicamente	 estavam	 humilhados.	 Assim,	 por	 exemplo,	 no	 início	 das	 sessões	 dos	 estados
Gerais,	 costumeiramente,	 eram	 obrigados	 a	 receber	 o	 rei	 de	 joelhos	 e	 com	 a	 cabeça
descoberta,	ao	contrário	dos	notáveis	(representantes	do	clero	e	da	nobreza)	que,	segundo	o
costume,	quando	o	rei	ocupava	o	trono,	se	levantavam	e	cobriam	a	cabeça.	É	neste	quadro	de
forças	 sociais	 emergentes	 e	 submetidas	 pelas	 forças	 instituídas	 que	 este	 abade	 e	 deputado
procurador	desenvolveu	o	seu	livro	e	sua	ação.
Sieyès,	representante	do	Terceiro	estado,	homem	plasmadona	revolução,	se	confunde	com
o	 próprio	 processo	 revolucionário	 e	 não	 propriamente	 com	 o	 pensamento	 político	 burguês,
que	antecede	ao	processo	revolucionário.	Por	isto,	às	vezes,	se	percebe	na	obra	que	ele	corre
atrás	dos	fatos,	noutras,	atropela	os	fatos	e,	ainda	noutras,	antecede	aos	fatos.	O	seu	livro	não
nasce	em	terra	firme,	mas,	como	que	aos	solavancos,	sobrevive	no	pântano.	No	pântano	que
era	o	próprio	Terceiro	estado	dos	economicamente	usurpados,	politicamente	desprivilegiados
e	 socialmente	 oprimidos.	 Nesta	 linha	 de	 observação	 é	 muito	 interessante	 notar	 que	 ele
entende	 como	 oprimidos	 os	 usurpados	 de	 toda	 ordem	 —	 antigos	 nobres	 empobrecidos	 e
mesmo	 os	 que	 se	 enriqueceram	 com	 a	 expansão	 mercantilista	 (comerciantes,	 banqueiros,
manufatureiros	 etc.)	 —	 que,	 cerceados	 na	 sua	 cidadania,	 não	 desempenham	 papel	 político
significante.	A	libertação	da	opressão	para	Sieyès	tem	uma	dimensão	exclusivamente	política:
livre	 não	 é	 o	 homem	 que	 juridicamente	 tem	 resguardados	 apenas	 seus	 direitos	 civis,	 mas
aquele	que,	por	força	da	lei,	tem	protegidos	os	seus	legítimos	direitos	políticos.
Qu’est-ce	que	le	Tiers	État?,dentre	as	obras	de	seu	tempo,	é	a	que	fornece	mais	elementos
diferenciativos	 do	 conceito	 de	 cidadania	 civil	 e	 cidadania	 política;	 aliás,	 uma	 distinção
conceitual	que	o	pensamento	político	e	jurídico	de	nosso	tempo	não	tem	aprofundado.	Sieyès	o
fez	—	como	seria	próprio	fazê-lo	em	toda	época	de	transição	—,	mostrando	que	é	nos	períodos
revolucionários	que	a	cidadania	política	alcança	novos	espaços	e	significados	jurídicos	que	a
cidadania	civil,	muitas	vezes,	não	alcança	e	não	traduz.	É	a	diferença	entre	a	cidadania	civil	e
a	 cidadania	 política	 que	 fornece	 a	 exata	 dimensão	 da	 discriminação	 legal,	 entre	 os	 fatos
sociais	 novos	 e	 a	 ordem	 jurídica	 estabelecida.	 Ele	 atacou	 com	 clareza	 esta	 situação,
especialmente	 porque	 se	 apercebeu	 que	 não	 bastava	 à	 classe	 laboriosa	 —	 aqueles	 que	 a
história	 denominou	 de	 burguesia	 —	 a	 cidadania	 civil,	 mas	 especialmente	 era	 preciso
conquistar	a	sua	cidadania	política,	mutilada	pela	ordem	dos	privilegiados.
Sieyès	não	admitia	que	a	burguesia,	como	o	pensamento	sociológico	marxista	mais	 tarde
veio	 a	 fazer,	 isoladamente,	 fosse	 o	 agente	 histórico	 das	 grandes	 mudanças	 no	 modo	 de
produção	feudal,	mas	os	legítimos	francos.	O	direito	natural	de	exigir	a	mudança	política	e	a
ocupação	do	poder	(do	trono)	não	era	propriamente,	no	seu	pensamento,	da	burguesia,	mas
dos	descendentes	dos	antigos	conquistadores	francos,	usurpados	nas	suas	propriedades	e	nos
seus	bens	durante	as	sucessivas	invasões	e	guerras	de	conquista	em	que	se	viram	envolvidos
com	 os	 descendentes	 dos	 vândalos	 e	 germânicos.	 Embora	 intua,	 não	 consegue	 desenvolver
com	 clareza	 (este	 é	 um	 aspecto	 obscuro	 de	 sua	 obra)	 associações	 entre	 os	 nobres	 francos
decadentes	 e	 a	 grande	 burguesia	 em	 ascensão,	 o	 que	 o	 condiciona,	 teoricamente,	 a
fundamentar-se	 no	 legitimismo	 restaurador.	 O	 seu	 livro,	 visto	 no	 quadro	 pré-revolucionário
francês,	 permite-nos,	 com	 mais	 nitidez,	 associar	 o	 seu	 saudosismo	 legitimista	 ora	 ao
enfraquecimento	dos	francos	nas	sucessivas	guerras	pela	posse	da	região	de	Flandres	(Guerra
dos	 Cem	 Anos),	 ora	 à	 conversão	 católica	 dos	 huguenotes	 e	 à	 consolidação	 absolutista	 dos
Bourbons,	afastando	do	poder	real	as	linhas	dinásticas	tradicionalmente	católicas:	os	francos,
os	capetos	e	os	valois.
Na	verdade,	a	se	considerar	o	pensamento	de	Sieyès	no	seu	estrito	sentido,	não	há	como
negar	 que	 a	 sua	 proposta	 revolucionária	 é	 restauradora,	 onde	 os	 usurpados,	 politicamente
acuados	 no	 Terceiro	 estado,	 devem	 readquirir	 aquilo	 que	 perderam,	 pela	 força,	 de	 antigos
conquistadores.	Na	sua	 tese,	ele	não	contempla	a	burguesia	como	uma	nova	 força	histórica
com	novas	propostas	de	organização	política	e	jurídica,	mas	como	o	estado	que,	por	força	de
circunstâncias	históricas,	encamou	e	resguardou	a	dignidade	franca.	A	burguesia	é	portadora
do	 Direito	 natural	 de	 restaurar	 os	 fundamentos	 de	 legitimidade	 do	 poder	 real,	 e	 não
propriamente	de	instaurar	o	poder	burguês.
A	 tentativa	 de	 Sieyès	 de	 explicar	 a	 ascensão	 revolucionária	 de	 uma	 perspectiva
restauradora	 não	 é,	 todavia,	 suficientemente	 profunda	 para	 prejudicar	 as	 suas	 formulações
sobre	 a	 tomada	 legislativa	 do	 poder	 pelo	 Terceiro	 estado.	 Teoricamente,	 para	 o	 autor,	 o
fundamento	de	 legitimidade	do	poder	não	 é	 exclusivamente	 o	 domínio	 econômico	da	 classe
laboriosa	na	sociedade,	inclusive	considerando	que	arca	com	as	responsabilidades	essenciais
do	 reino,	 mas	 o	 seu	 Direito	 natural	 de	 governar.	 Não	 o	 Direito	 natural	 na	 sua	 dimensão
teológica	 e	 estratificada,	 mas	 enquanto	 razão	 natural.	 Neste	 aspecto,	 a	 obra	 traduz	 a
recuperação	 moderna	 do	 Direito	 natural,	 identificando	 na	 sua	 proposta	 a	 convergência	 do
naturalisratio	 de	 Cícero	 com	 a	 raison	 écrite	 de	 Rousseau,	 permitindo	 uma	 exata	 distinção
entre	o	 legitimismo	revelado	e/ou	costumeiro	e	o	 legitimismo	racionalista	como	 fundamento
da	legalidade.
Enquanto	legitimista,	ele	entende	que	a	restauração	(combinação	da	naturalisratio	com	a
raison	 écrite)	 é	 a	 vitória	 dos	 usurpados	 sobre	 os	 usurpadores	 que	 reinam	 em	 função	 de
privilégios.	 Enquanto	 racionalista,	 admite	 que	 o	 Direito	 à	 propriedade	 e	 à	 liberdade	 são
direitos	 naturais	 e	 não	 podem	 ser	 privilégio,	 muito	 menos	 fundamento	 da	 ordem	 dos
privilegiados.	 Assim,	 Sieyès	 admite	 que	 tradicionalmente	 nem	 sempre	 a	 ordem	 (situação)
pessoal	dos	cidadãos	(os	privilégios)	se	sobrepôs	à	ordem	(situação)	real.	Originariamente,	as
assembléias	eram	concebidas	em	 função	da	ordem	real	e	os	cidadãos	dela	participavam	em
função	 da	 qualidade	 de	 sua	 propriedade.	 Foram	 a	 imobilidade	 do	 reino	 e	 a	 expansão	 da
política	 de	 concessão	 de	 privilégios	 que	 sobrepuseram	 à	 ordem	 real	 a	 ordem	 pessoal,
deslocando	 o	 fundamento	 do	 poder	 da	 propriedade	 para	 os	 privilégios	 de	 Corte.
Conseqüentemente,	 a	 vida	 política	 não	 era	 determinada	 por	 aqueles	 que	 arcavam	 com	 as
responsabilidades	essenciais	da	 sociedade,	 inclusive	pagando	os	 tributos	que	 subsidiavam	a
realeza,	mas	pelas	ordens	privilegiadas.	O	Direito	à	propriedade	é	natural,	para	Sieyès,	o	que
não	 é	 natural	 é	 o	 privilégio:	 a	 isenção	 tributária,	 por	 exemplo,	 dos	 notáveis.	 Tratava-se	 de
restaurar	 o	 Direito	 natural	 dos	 proprietários	 organizarem	 o	 governo	 —	 aqueles	 que	 se
responsabilizavam	pela	vida	econômica	da	nação	—	e	eliminar	os	privilégios	que	deformam	e
destroem	a	natureza	do	próprio	homem.
Existencialmente,	para	Sieyès,	o	homem	privilegiado	é	o	homem	corrupto;	sua	recuperação
moral	 só	 é	 possível	 através	 da	 recuperação	 da	 moralidade	 do	 poder	 político.	 Para	 ele,	 o
privilégio	 calcifica	 a	 natureza	 livre	 do	 homem	 e	 torna-o	 subserviente	 e	 falso.	 O	 homem
subserviente,	 na	 sua	 opinião,	 curva-se	 mediante	 as	 “falsas”	 promessas	 de	 seus	 próprios
inimigos	ávidos	do	poder.	Aqueles	que	querem	o	poder,	na	sua	opinião,	mais	querem	os	afagos
dos	que	 estão	no	poder	 do	que	pagar	 o	 preço	de	 sua	própria	 liberdade	 e,	menos	 ainda,	 da
liberdade	 dos	 desprivilegiados.	 Neste	 sentido,	 ele	 acredita	 que	 efetivamente	 não	 têm	 a
propriedade	 os	 despossuídos	 de	 poder,	 que	 a	 resguarda	 e	 a	 legitima,	 apesar	 da
responsabilidade	social	e	tributária	ser	destes	proprietários	“presumíveis”.	Só	o	exercício	do
poder,	 através	 de	 representação	 política	 própria,	 resguarda	 o	 exercício	 da	 liberdade	 e	 o
Direito	 natural	 (naturalisratio)	 de	 proteção	 legal	 (raison	 écrite)	 à	 propriedade,	 como	 aliás,
mais	 tarde	 (1804),	dispôs	o	Código	Civil	de	Napoleão	 (art.	544),	de	quem	Sieyès,	durante	o
governo	 do	 Consulado,	 foi	 íntimo	 colaborador:	A	 propriedade	 é	 o	 direitomais	 ilimitado	 de
usufruir	e	dispor	dos	objetos.
Esta	dissociação	entre	a	propriedade	e	o	poder,	 à	época	da	Revolução	 francesa,	 como	 já
observamos,	e	a	naturalisratio	de	compatibilizar	estes	fatores,	imprescindíveis	à	organização
social,	 levou	 Sieyès	 a	 dedicar	 a	 maior	 parte	 deste	 livro	 à	 teoria	 da	 representatividade.
Inicialmente,	criticando	os	estados	Gerais,	como	fórum	legítimo	de	representação	política	e,
posteriormente,	 propondo	novas	 formas	de	 representação	que	 viabilizassem	as	 expectativas
dos	comuns	e	esvaziassem	os	notáveis.	As	suas	críticas	aos	estados	Gerais	estão	basicamente
dirigidas	 a	 seu	 anacronismo	 histórico,	 aos	 desvios	 de	 representação	 provocados	 pela	 sua
composição	e	para	sua	incapacidade	de	recuperar	os	caminhos	da	nação	francesa.	Os	estados
Gerais	 não	 representam	 a	 nação;	 na	 sua	 opinião,	 excluídos	 o	 clero	 e	 nobreza,	 o	 Terceiro
estado	é	a	própria	nação.	O	seu	pressuposto	da	representação	política	é	a	representação	da
nação.	Não	há	órgão	de	representação	política	se	a	nação	não	está	representada.	Os	estados
Gerais	só	existiam	enquanto	instrumento	de	dominação	política,	mas	não	eram	a	nação.	Daí,	a
sua	 posição	 nitidamente	 revolucionária:	 era	 necessário	 que	 os	 comuns	 se	 constituíssem
enquanto	a	própria	nação,	usurpada	pelos	privilegiados.
Neste	sentido,	a	obra	deve	ser	analisada	de	dois	prismas:	o	que	seria	a	representatividade
política	 da	 nação	 e,	 em	 segundo	 lugar,	 como	 os	 deputados	 deveriam	 se	 organizar	 para
promulgar	 uma	Constituição	 representativa.	O	pensamento	 de	Sieyès,	 visto	 de	 hoje,	 parece
acentuadamente	 conservador,	 mas,	 para	 a	 época,	 mesmo	 na	 sua	 proposta	 de	 recuperação
legitimista	do	passado,	foi	significativamente	revolucionário.	Em	primeiro	lugar,	ele	acreditava
que	a	referência	eleitoral	era	a	qualidade	da	propriedade	e	não	a	titulação	ou	os	privilégios.
Desta	 forma,	o	Terceiro	estado,	ou	os	comuns,	poderia	 se	 tornar	Câmara	quantitativamente
superior,	 pois	 os	 “deputados	 do	 povo”	 seriam	 necessariamente	 mais	 numerosos	 que	 os
representantes	do	clero	e	da	nobreza.	Suplementando	esta	posição,	defendia	a	tese	de	que	o
voto	devia	ser	uno,	por	cabeça.	Para	ele,	todo	cidadão	que	reúna	as	condições	determinadas
para	 ser	eleitor	 tem	direito	de	 se	 fazer	 representar,	 a	 sua	 representação	não	pode	 ser	uma
fração	da	representação	de	outro.	Este	direito	é	uno,	todos	o	exercem	por	igual,	assim	como
todos	 estão	 protegidos	 igualmente	 pela	 lei	 que	 ajudaram	 a	 fazer.	 A	 origem	 do	 poder	 é	 a
vontade	individual	de	associar-se:	a	força	de	cada	um	isoladamente	é	nula;	é	a	união	de	todos
que	gera	a	nação.
Na	organização	 tradicional	dos	estados	Gerais,	o	voto	era	por	estado,	o	que	colocava	em
situação	sempre	minoritária	o	Terceiro	estado.	Esta	a	razão	da	tese	anterior	e,	como	veremos,
a	 causa	 principal	 de	 desagregação	 dos	 estados	 Gerais.	 Para	 Sieyès,	 como	 se	 observa,	 os
fundamentos	 da	 representatividade	 estão	 muito	 nítidos:	 a	 propriedade,	 que	 deve	 ser
oportunidade	de	todos,	e	a	igualdade	perante	a	lei,	que	todos	ajudaram	a	fazer.	Não	cabia,	é
claro,	no	tempo	histórico	deste	trabalho,	questionar	a	teoria	que,	na	época,	 fundamentava	a
substituição	do	poder	político	absolutista	e	feudal	pelo	poder	político	representativo	da	nação.
Se	politicamente	a	nação	se	confundia	com	o	Terceiro	estado,	socialmente	eram	os	cidadãos
comuns,	os	burgueses,	aqueles	que	viviam	nas	comunas	e	arcavam	com	o	peso	tributário	do
reino.
No	 próprio	 Terceiro	 estado	 dos	 estados	 Gerais,	 há	 que	 se	 notar,	 porém,	 que	 os	 comuns
estavam	 esvaziados.	 O	 Terceiro	 estado,	 na	 sucessão	 dos	 anos	 em	 que	 não	 se	 reuniu,	 foi
inteiramente	 permeado	 por	 representantes	 originários	 de	 outras	 classes	 sociais	 ou
comprometidos	com	objetivos	estranhos	aos	seus	próprios	 interesses.	Entretanto,	há	que	se
reconhecer	 que	 as	 insuficiências	 do	 pensamento	 de	 Sieyès	 não	 estavam	 na	 identificação
destas	variantes,	mas	eram	imanentes	aos	seus	próprios	limites,	que	não	eram	apenas	limites
históricos,	 mas	 limites	 de	 alcance	 metodológico.	 Se	 Sieyès	 foi	 suficientemente	 hábil	 para
desenvolver,	 inclusive,	 uma	 teoria	 da	 inelegibilidade,	 não	 o	 foi	 para	 perceber	 que	 a	 “classe
laboriosa”	 não	 estava	 reduzida,	 como	 já	 mostramos,	 àqueles	 que	 detinham	 o	 controle	 da
produção	e	pagavam	impostos	—	os	burgueses.	O	seu	 livro	permite	observar	que	ele	 intuiu,
mas	não	desenvolveu	teoricamente,	que	a	classe	laboriosa	e	produtiva	se	constituía	também
daqueles	que	efetivamente	trabalhavam;	embora	não	pagassem	impostos,	geravam	a	riqueza
social.	 É	 por	 esta	 específica	 razão	 —	 associar	 contribuição	 tributária	 e	 elegibilidade,
discriminando	eleitoralmente	aqueles	que,	embora	trabalhassem,	não	fossem	contribuintes	—
que	 este	 precursor	 do	 constitucionalismo	 político,	 especialmente	 do	 Direito	 eleitoral,	 não
conseguiu	absorver	a	teoria	do	voto	universal	(que	vingou	com	a	proclamação	da	Constituição
Republicana	Jacobina,	de	1796).
Embora	 o	 pensamento	 eleitoral	 de	 Sieyès,	 para	 a	 época,	 representasse	 um	 avanço
significativo,	na	verdade,	a	sua	teoria	da	elegibilidade	é	censitária	(só	votavam	ou	se	elegiam
aqueles	 que	 tivessem	 determinada	 renda	 e	 contribuíssem	 com	 determinados	 valores	 em
tributos),	 como	 aliás	 foi	 semelhantemente	 aprovado	 na	 Constituição	 Monárquica	 de	 1791,
para	a	qual	decisivamente	ele	contribuiu.	Neste	sentido,	ele	explicita,	com	clareza	razoável,
que	não	pode	haver	 liberdade	 sem	 limites,	 e,	 conseqüentemente,	 embora	muitos	produzam,
nem	 todos	 devem	 votar;	 da	 mesma	 forma,	 nem	 todos	 que	 podem	 votar	 podem	 se	 eleger.
Assim,	por	exemplo,	se	a	lei	deve	fixar	uma	idade	limite	para	as	pessoas	representarem	seus
concidadãos,	da	mesma	forma,	na	sua	opinião,	deve	estabelecer	que	as	mulheres	não	seriam,
de	 forma	 alguma,	 elegíveis.	 Paralelamente,	 na	 sua	 opinião,	 devem	 ser	 excluídos	 da
representação	 dos	 comuns	 todos	 os	 privilegiados	 (e	 não	 propriamente	 do	 primeiro	 e	 do
segundo	estado)	acostumados	por	demais	a	dominar	o	povo,	assim	como	ele	põe	em	dúvida	a
autenticidade	 de	 representantes	 que	 sejam	 estrangeiros	 (não	 naturalizados)	 ou	 de
empregados	domésticos	que	tenham	amo.
Os	mecanicismos	analíticos	de	Sieyès	e	a	vocação	restauradora	de	sua	teoria	política,	por
isto	mesmo	eleitoralmente	 excludente,	 impediram-no,	 em	primeiro	 lugar,	 de	 compreender	 a
sociedade	como	um	todo	orgânico,	num	processo	conjunto	de	mudança,	não	como	uma	soma
de	órgãos,	de	partes	menores	com	movimentos	próprios,	como	ele	próprio	definia.	Da	mesma
forma,	em	segundo	lugar,	há	que	se	reconhecer	que	as	expectativas	da	sociedade	francesa	da
época	 não	 eram	 de	 restaurar	 uma	 ordem	 usurpada,	 e	 permeada	 por	 grupos	 mercantis,
industriais	 e	 financeiros	 fortalecidos,	 como	 acreditava	 Sieyès,	 mas	 de	 instaurar	 uma	 nova
ordem	 que	 absorvesse	 os	 interesses	 sociais	 emergentes.	 Na	 sua	 opinião,	 é	 impossível
compreender	 o	 mecanismo	 social	 se	 não	 se	 analisar	 a	 sociedade	 como	 uma	 máquina	 e
considerar,	 separadamente,	cada	parte,	 juntando-as	em	espírito	para	se	captar	os	acordes	e
ouvir	a	harmonia	geral.	Não	entendesse	ele	que	o	império	da	razão	exigia,	apenas,	restituição
dos	direitos	usurpados,	a	sua	obra	 teria	ultrapassado	o	seu	próprio	 tempo	e,	em	vez	de	ser
uma	 racionalização	 legitimista	 do	 Terceiro	 estado,	 seria	 mais	 que	 uma	 incipiente	 teoria
política	do	estado	moderno.
Esta	crítica	que	se	faz	a	Sieyès	se	faz	a	todos	os	revolucionários	franceses	que,	se	tiveram	a
grandeza	de	fazer	a	revolução,	não	tiveram	a	lucidez,	ou	faltaramlhes	os	recursos	políticos	e
teóricos	 necessários,	 se	 não	 para	 compreender,	 para	 consolidar	 institucionalmente	 a
avalanche	 das	 vertentes	 populares	 que	 atropelaram	 o	 pragmatismo	 e	 conduziram	 à	 virada
militarista	 e	 auto	 ritária	 de	 Napoleão	 Bonaparte.	 Aliás,	 a	 ascensão	 napoleônica	 nãosó	 se
confunde	com	a	afirmação	de	Sieyès	na	cena	política	executiva,	inicialmente	como	membro	do
Diretório	 (1795)	 e,	 posteriormente,	 como	articula	 dor	 do	 golpe	 (18	Brumário)	 dos	Cônsules
(1799),	 junta	 mente	 com	 Napoleão	 Bonaparte	 e	 Roger-Ducos,	 mas	 esta	 aliança	 militarista
confirma	uma	de	suas	proposições	políticas	para	se	governar	a	nação	francesa:	precisamos	ter
a	nossa	própria	nobreza,	a	nobreza	dos	francos	redimidos	e	de	seus	soldados	da	libertação.
Todavia,	 se	 podemos	 fazer	 algumas	 restrições	 de	 alcance	 à	 obra	 de	Sieyès	 não	 há	 como
desconhecer	que	ela	é	um	excelente	retrato	de	transição	institucional	e,	como	tal,	uma	lição
política	indispensável.	As	suas	contradições	e	dificuldades	na	indicação	de	alternativas	para	a
França,	 a	 sua	 insegurança	 ante	 a	 necessidade	 de	 se	 convocar	 os	 estados	 Gerais,	 com	 a
requalificação	 da	 representação	 do	 Terceiro	 estado	 ou	 a	 convocação	 de	 uma	 Assembléia
Nacional	composta	de	comuns	para	reconstruir	a	nação,	são,	muito	bem,	os	indicadores,	não
apenas	de	uma	época,	mas	da	transição.	É	neste	quadro	de	insegurança	e	tergiversação	que
ele	formula	as	suas	principais	linhas	para	a	atuação	política.
Neste	 sentido,	 como	 anteriormente	 observamos,	 Sieyès	 reconhece	 que	 o	 pressuposto	 da
organização	social	é	uma	constituição	elaborada	pela	nação,	instrumento	imprescindível	para
a	 recuperação	 da	 identidade	 nacional,	 através	 de	 uma	 Assembléia	 Nacional	 composta	 de
representantes	 eleitos	 numa	 combinação	 proporcional	 entre	 a	 população	 e	 os	 contribuintes
fiscais.	É	bem	verdade	que,	se	no	seu	trabalho,	fica	claro	que	os	elegíveis	para	a	Assembléia
Nacional	 são	 os	 proprietários	 contribuintes,	 não	 fica	 explícito	 quem	 são	 os	 votantes.	 A	 sua
teoria	 de	 representação	 está	 restrita	 à	 discussão	 sobre	 os	 elegíveis	 (e	 sua	 capacidade	 de
representação)	e	os	inelegíveis,	inibidos	no	exercício	de	seu	direito	pelos	limites	que	se	devem
impor	 ao	 próprio	 direito.	 Como	 já	 observamos,	 a	 sua	 opinião	 diverge	 das	modernas	 teorias
eleitorais:	 todos	aqueles	que	 têm	direito	de	voto	 (alistáveis)	 são	elegíveis,	 salvo,	 é	 claro,	 as
exceções	de	lei.	Em	função	das	formulações	jurídicas	da	época,	o	que	se	presume	é	que	sua
proposta	pretendia	que	todos	os	contribuintes	fiscais	fossem	elegíveis	para	o	Terceiro	estado
(e,	 conseqüentemente,	 votantes),	 mas,	 nem	 todos	 do	 povo,	 por	 não	 serem	 contribuintes,
poderiam	ser	votantes.	Esta	postura,	preliminarmente,	 justificava	a	 inelegibilidade	daqueles
que,	 não	 sendo	 proprietários,	 e	 não	 possuindo	 rendas,	 apenas	 trabalhassem.	 Para	 ele,	 a
prática	da	eqüidade	—	a	mais	importante	de	todas	as	que	a	lei	deve	estabelecer	para	a	eleição
dos	representantes	—	é	a	eqüidade	entre	clero,	nobres	e	Terceiro	estado.
Os	fatos	históricos,	tal	como	se	deram,	mostram-nos	que	as	eleições	convocadas	em	1788
para	eleger	os	 representantes	do	Terceiro	estado	aos	estados	Gerais	não	 foram	exatamente
como	Sieyès	pretendeu,	mas	realizaram-se	pelo	sistema	de	dois	graus	(um	grupo	de	cidadãos
votavam	nos	eleitores	e	estes	nos	deputados	procuradores)	e	somente	poderiam	ser	eleitos	os
contribuintes	de	impostos	com	domicílio	fixo.	O	Terceiro	estado	se	fez	representar,	após	estas
eleições,	 nos	 estados	 Gerais,	 por	 banqueiros,	 grandes	 comerciantes,	 advogados,	 notários,
curas	 de	 paróquias	 e,	 dentre	 tantos,	 pelo	 autor	 deste	 livro,	 o	 abade	 Sieyès.	 Todavia,	 as
condições	 de	 representação	 foram	 significativamente	 diferentes.	 A	 bancarrota	 do	 erário
público	 francês	 pré-revolucionário	 e	 a	 resistência	 dos	 privilegiados	 em	 abrir	 mão	 de	 seus
benefícios	 tributários	 levaram	 o	 reino	 a	 se	 submeter	 a	 muitas	 das	 exigências	 do	 Terceiro
estado,	 dentre	 elas	 a	 dupla	 representação,	 ou	 seja,	 o	 clero	 ocupou	 nos	 estados	Gerais	 300
cadeiras,	a	nobreza	outras	300	e	o	Terceiro	estado	600	cadeiras.	O	quadro	representativo	não
era	de	todo	dessemelhante	à	proposta	de	Sieyès,	se	bem	que,	na	convocação	e	instalação	dos
estados	Gerais,	não	ficou,	de	forma	nenhuma,	explícito	se	as	votações	seriam	por	cabeça	ou
por	estado,	o	que	veio	a	provocar,	finalmente,	a	desagregação	da	estrutura	política	francesa.
Aliás,	há	que	se	reconhecer	que	a	omissão	legal	(lacuna)	nas	viradas	históricas	significativas	é
que	 permite	 o	 sucesso	 da	 compressão,	 no	 vácuo,	 pelas	 forças	 políticas	 mais	 incisivas:	 o
Terceiro	estado	se	proclama	Assembléia	Nacional	(1789).
A	obra	de	Sieyès,	no	entanto,	não	é	um	tratado	de	Direito	eleitoral,	mas	um	estudo	político
onde	mais	nítidas	estão	as	linhas	teóricas	de	sua	proposta	de	representatividade	do	que	linhas
de	ação	eleitoral.	A	 sua	 teoria	da	 representatividade	é	 todavia	 suficiente	para	mostrar	que,
tivessem	 os	 estados	 Gerais	 sido	 convocados,	 mantendo	 a	 representação	 tradicional	 do
Terceiro	 estado,	 teria	 se	 instalado	 em	 condições	 politicamente	 desfavoráveis	 e	 não	 teria
alcançado	 o	 poder	 de	 negociação	 imprescindível,	 não	 só	 para	 alterar	 os	 rumos	 dos	 estados
Gerais,	 como	 também	 para	 impor	 sua	 vontade	 revolucionária.	 O	 seu	 voto	 era	 menos
qualificado	do	que	o	voto	do	clero	e	dos	nobres,	embora	representasse	uma	população	muito
mais	numerosa	—	seria	inútil,	seria	apenas	dar	uma	satisfação	ao	reino	e	não	permitir	que	a
nação	se	manifestasse	e	organizasse	a	sua	Constituição,	proclamava	Sieyès.	É	neste	quadro
que	ele	se	manifesta	claramente	a	favor	de	um	novo	contrato	social.	O	contrato	social	poderia
não	impedir	uma	classe	de	usurpar	os	direitos	de	outra,	mas,	pelos	menos,	fixaria	os	limites
dos	privilégios,	impedindo	que	se	transformassem	em	usurpação.	Neste	sentido,	a	sua	vocação
legitimista	(tradicionalista)	dispensa	cópias	e	modelos	estrangeiros;	ele	dispensa,	inclusive,	a
experiência	 constitucional	 britânica.	 Todavia	 não	 deixa	 de	 reconhecer	 que	 é	 a	 experiência
inglesa	 de	 garantir	 a	 liberdade	 individual,	 resguardada	 especialmente	 pelos	 Conselhos	 de
Jurados,	que	deve	ser	o	exemplo	para	as	transformações	das	vontades	individuais	que	aspiram
à	liberdade.
Apesar	das	dificuldades	iniciais	da	obra,	o	autor	timidamente	procura	mostrar	que	a	pura,
simples	 e	 tradicional	 convocação	 dos	 estados	 Gerais	 não	 permitirá	 o	 reencontro	 da	 nação
consigo	mesma.	Somente	uma	Constituição	promulgada	pelos	 representantes	da	maioria	da
nação	é	que	permitirá	que	a	França	revolucionária	reencontre	sua	identidade	nacional.	Neste
sentido,	 como	 se	 os	 tempos	 fossem	 os	 mesmos,	 e	 a	 história	 se	 deparasse	 sempre	 ante
impasses	semelhantes.	Sieyès	acredita	que	só	uma	Assembléia	Nacional,	enquanto	expressão
representativa	da	própria	nação,	é	uma	assembléia	constituinte.	A	este	nível	são	interessantes
três	aspectos	de	seu	pensamento:	em	primeiro	lugar,	ele	admite	que	uma	Assembléia	Nacional
Constituinte	deve	ser	convocada	pelo	Poder	executivo;	em	segundo	lugar,	que	os	membros	dos
estados	Gerais	 (a	Assembléia	Ordinária)	não	devem	ter	poderes	constituintes	e,	em	terceiro
lugar,	 é	 contra	 a	 participação	 de	 representantes	 corporativos	 na	 Assembléia	 Nacional
Constituinte.	Sem	nos	esquecermos	que	a	obra	de	Sieyès	foi	escrita	em	1788,	muito	embora
por	 várias	 vezes	 por	 ele	 próprio	 republicada	 e	 atualizada,	 como	 que	 procurando
apressadamente	que	ela	acompanhasse	os	fatos	revolucionários,	as	suas	observações	sobre	os
impasses	da	transição	revolucionária	 francesa	não	estão	muito	 longe	dos	 impasses	do	nosso
tempo	e	de	nossa	história.	Ao	contrário	do	que	se	espera	de	um	trabalho	clássico,	esta	obra	é
clássica,	não	pela	sua	forma,	mas	pelo	seu	conteúdo,	pelo	que	substantivamente	propõe.	Como
toda	 obra	 revolucionária	 este	 livro	 “inacabado”	 é	 o	 símbolo	 de	 que	 as	 revoluções	 não	 se
acabam,	mudam	o	seu	curso,	como	tudo	que	exprime	as	expectativas	da	própria	vida.
O	 curso	 da	 obra	 de	 Sieyès	 nos	 permite,	 todavia,	 entender	 que	 ele	 acredita	 que	 o	 poder
executivo	 deva	 convocar	 a	 Assembléia	 Nacionalpor	 duas	 razões	 bastante	 simples:	 em
primeiro	lugar,	porque	não	consegue	fugir	do	princípio	de	que	exercício	do	poder	é	um	Direito
natural	 do	 príncipe	 e,	 em	 segundo	 lugar,	 porque	 acredita	 que	 o	 príncipe,	 mais	 que	 os
particulares,	está	em	condições	de	prevenir	os	cidadãos	e	afastar	os	obstáculos	que	poderiam
se	 opor	 aos	 interesses	 gerais.	 Na	 sua	 opinião,	 o	 rei,	 por	 ser	 o	 primeiro	 cidadão,	 não	 tem
competência	para	eliminar	a	velha	Constituição,	mas	o	tem	para	decidir	sobre	a	convocação
dos	povos	para	organizar	nova	Constituição.	O	pressuposto	jurídico	do	pensamento	político	do
autor	é	o	Direito	natural	do	príncipe	e,	para	ele,	o	mal	não	é	a	monarquia,	mas	a	aristocracia.
Ele	entende	que	o	poder	do	príncipe	deixa	de	ser	 legítimo	na	medida	em	que	o	seu	Direito
natural	de	governar	se	distancia	do	Direito	natural	dos	povos	se	organizarem	conforme	seus
interesses	 gerais.	 A	 legitimidade	 do	 poder	 do	 príncipe	 é	 proporcional	 à	 sua	 capacidade	 de
exprimir	 o	 interesse	 da	 nação.	 A	 nação	 não	 deve	 nada	 à	 legalidade	 constituída.	 Por	 ser	 a
realidade	(real)	o	poder	real,	deve	propor	outra	legalidade,	sempre	que	ela	se	afastar	do	que
for	 realmente	 legítimo.	 Tanto	 é	 fato	 que	 a	Constituição	 francesa	 de	 1789,	 proclamada	 pelo
Terceiro	estado,	originariamente	transformado	em	Assembléia	Nacional,	é	monárquica.
Todavia,	 destes	 postulados,	 essenciais	 à	 reordenação	 nacional,	 a	 contribuição	 mais
importante	de	Sieyès,	que	resvala	até	os	nossos	dias,	são	as	suas	observações	sobre	o	poder
constituinte.	Muito	embora,	como	anteriormente	mostramos,	o	início	de	sua	obra	não	indique
uma	 nítida	 opção	 pela	 convocação	 de	 uma	 Assembléia	 Nacional	 alternativa	 aos	 estados
Gerais,	as	dificuldades	que	ele	próprio	apresenta,	para	que	os	comuns	alcancem	uma	situação
de	paridade	com	o	clero	e	com	os	nobres,	convencem-no	que,	a	única	forma	de	se	restaurar	a
legitimidade	usurpada,	é	a	convocação	de	uma	assembléia	com	poderes	para	a	alteração	da
ordem	 privilegiada.	 Para	 ele,	 o	 poder	 constituído	 (o	 Terceiro	 estado)	 não	 pode	 mudar	 os
limites	de	sua	própria	delegação	e,	conseqüentemente,	só	o	poder	constituinte,	pode	mudar	os
limites	 da	 ordem	 anterior.	 A	 Constituição	 não	 é	 obra	 do	 poder	 constituído,	 mas	 do	 poder
constituinte.	Nenhuma	espécie	de	poder	delegado	pode	mudar	as	condições	de	sua	delegação.
A	 distinção	 entre	 poder	 legislativo	 e	 poder	 constituinte	 é	 uma	 das	 primeiras	 conquistas	 da
Revolução	Francesa,	mas	também,	está	em	Sieyès,	como	uma	das	importantes	contribuições
ao	constitucionalismo	moderno	e	contemporâneo.
Para	viabilizar	a	sua	pressuposição	teórica,	Sieyès	propõe	uma	distinção	conceitual	entre
lei	 fundamental	 e	 leis	 fundadas.	 A	 primeira	 seria	 a	 Constituição,	 a	 expressão	 do	 Direito
natural	e	fundamento	legítimo	da	nação,	competência	exclusiva	de	delegados	constituintes.	É
lei	 fundamental	 porque	 os	 órgãos	 que	 as	 executam	devem	preservá-las	 e	 não	 alterá-las.	 As
segundas,	as	leis	fundadas,	seriam	o	direito	posto,	competência	dos	delegados	ordinários.	Na
linha	exclusiva	de	seu	raciocínio	as	leis	fundadas	seriam,	dentre	outras,	aquelas	que	fixam	as
condições	 de	 elegibilidade,	 inclusive	 para	 a	 Assembléia	 Constituinte.	 Na	 sua	 opinião,	 o
governo	atua	segundo	as	leis	fundadas	—	o	direito	positivo	—,	mas	as	leis	fundadas	só	existem
a	partir	da	lei	fundamental.	Conseqüentemente,	o	que	se	verifica	é	que	Sieyès	acredita	que	em
determinados	momentos	 o	direito	positivo	 (raison	écrite)	 em	que	 se	 apóiam	os	governantes
pode	divergir	de	expectativas	jusnaturalistas	(naturalisratio)	da	nação.	A	contradição	entre	os
fundamentos	da	nação	e	os	apoios	do	governo	só	pode	ser	superada	pelo	poder	constituinte	—
a	Assembléia	Nacional	—	 que,	 no	 seu	mais	 amplo	 significado,	 é	 originário:	 pode	 criar	 uma
nova	ordem	constitucional.
No	que	se	 refere	à	composição	da	Assembléia	Nacional	Constituinte,	que	deve	organizar
uma	 nova	 Constituição,	 Sieyès	 acredita	 que	 dela	 não	 devem	 participar	 representantes
corporativos.	Até	aquele	momento	histórico	era	comum	as	representações	 legislativas	terem
composição	 corporativa,	 na	 verdade	 expressões	 da	 atrofia	 entre	 o	 estado	 e	 a	 própria
sociedade.	 Na	 sua	 opinião,	 este	 tipo	 de	 representação	 degenera	 em	 aristocracia,	 que	 é	 o
fundamento	 da	 corrupção	 política.	 No	 fundo,	 estas	 observações	 antiaristocráticas	 do	 autor
revelam	 sua	 opinião	 contrária	 à	 participação	 dos	 notáveis,	 e	 mesmo	 dos	 representantes
gremiais	(comum	entre	os	artesãos	da	época),	na	Assembléia	Nacional,	enquanto	Assembléia
Constituinte	 do	 novo	 contrato	 social.	 Para	 ele,	 somente	 a	 Assembléia	 Constituinte,	 onde	 os
representantes	 comparecem	 desprovidos	 de	 seus	 privilégios,	 tem	 as	 condições	 necessárias
para	fixar	os	novos	limites	da	convivência	social.	Como	anteriormente	afirmamos,	o	contrato
social	 não	 impede	 que	 as	 classes	 tenham	 direitos	 especiais,	 mas	 impede	 que	 uma	 classe
usurpe	direitos,	transformando-os	em	privilégios.	A	propriedade	é	um	direito	natural,	mas	não
pode	 ser	 uma	 vantagem	 de	 privilegiados,	 assim	 como,	 para	 evitar	 os	 desastres	 sociais,	 as
constituições	 devem	 estar	 atentas	 para	 o	 fato	 de	 que	 não	 há	 falta	maior	 do	 que	 a	 falta	 de
poder.
A	obra,	na	sua	parte	final,	desenvolve-se	a	partir	dos	debates	fundamentais	 identificáveis
nas	proposições	das	sessões	 iniciais	dos	estados	Gerais.	Estas	sessões	 foram	dominadas	por
uma	contradição	de	todo	inconciliáveis:	os	notáveis	queriam	sessões	separadas	e	as	votações
por	estado,	o	que	lhes	assegurava	dois	votos,	e	o	Terceiro	estado	queria	sessões	conjuntas	e
votação	nominal,	 por	 cabeça	 (tese	de	Sieyès),	 o	que	 lhe	garantiria	 a	metade	dos	 votos	 sem
contar	as	presumíveis	adesões.	Este	 impasse	e	as	dificuldades	para	superá-lo	provocaram	a
desagregação	dos	estados	Gerais	e,	conseqüentemente,	a	eclosão	dos	fatos	revolucionários.	A
partir	de	12	de	junho	de	1789,	ampliaram-se	as	adesões	à	proposição	de	reunirem-se	os	três
estados	 conjuntamente:	 inicialmente	 os	 sacerdotes	 paroquiais	 e,	 depois,	 quase	 todos	 os
representantes	do	clero.
A	 17	 de	 junho	 de	 1789,	 por	 proposta	 do	 abade	 Sieyès,	 o	 Terceiro	 estado	 se	 declarou
Assembléia	Nacional,	representante	da	Nação	e,	mais	ainda,	aboliu	o	direito	de	veto	às	suas
decisões.	Luís	XVI,	na	expectativa	de	suspender	as	resoluções	da	autoproclamada	Assembléia
Nacional,	 conclamou	 os	 deputados	 a	 se	 reunirem	 por	 estado	 e	 a	 suspenderem	 as	 reuniões
conjuntas	sob	pena	de	dissolução	dos	estados	Gerais.	A	determinante	conclamação,	Mirabeau
respondeu:	Comecemos	os	debates.	Os	debates	da	Assembléia	Nacional	 continuaram	com	a
subseqüente	 adesão	 de	muitos	 notáveis,	 paralelamente,	 todavia,	 sob	 a	 pressão	 da	 explosão
insurrecional	 popular.	 Em	 9	 de	 julho	 de	 1789	 a	 Assembléia	 Nacional,	 constrangida	 pelo
impacto	da	insurreição	popular,	declarou-se	Assembléia	Constituinte.	Como	sempre	acontece
com	 as	 grandes	 revoluções,	 no	 ímpeto	 da	 vitória,	 as	 expectativas	 de	 seus	 dirigentes
originários	são	ultrapassadas,	para,	somente	depois,	caírem	na	prostração	do	próprio	poder.
As	propostas	alternativas	de	Sieyès	 foram	atropeladas	pelo	 substancioso	estandarte	político
da	 Declaração	 de	 Direitos	 do	 homem	 e	 do	 Cidadão,	 promulgada	 pela	 Assembléia	 Nacional
Constituinte	em	26	de	agosto	de	1789:
os	homens	nascem	livres	e	iguais	em	direitos;
todos	são	iguais	perante	a	lei;
todos	os	cidadãos	têm	direito	à	liberdade,	à	propriedade	e	à	segurança;
a	propriedade	é	um	direito	inviolável	e	sagrado;
todos	os	cidadãos	têm	o	direito	de	resistência	à	opressão.
Finalmente,	 se	 as	 teorias	 da	 representação	 política	 de	 Sieyès,	 e	 seus	 mecanismos	 de
assimilação	 eleitoral,	 não	 foram	 suficientes	 para	 absorver	 e	 acompanhar	 as	 demandas
insurrecionais	 de	 1789,	 não	 é	 menos	 verdade	 que	 elas	 subsidiaram	 e	 fundamentaram	 a
Constituição

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