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FACULDADE MUNICIPAL DE PALHOÇA TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO DE PEDAGOGIA AMANDA LUIZE DE MATOS O ACOMPANHAMENTO DA APAE PARA UMA CRIANÇA COM TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA Palhoça, SC 2018 AMANDA LUIZE DE MATOS O ACOMPANHAMENTO DA APAE PARA UMA CRIANÇA COM TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA Trabalho de Conclusão de Curso como requisito parcial para obtenção do grau de Licenciatura em Pedagogia, pela Faculdade Municipal de Palhoça – FMP, apresentado sob a orientação da Prof.ª Maria Fernanda Diogo. Palhoça, SC 2018 FICHA CATALOGRÁFICA M4281a Matos, Amanda Luize de O acompanhamento da APAE para uma criança com Transtorno do Espectro Autista / Amanda Luize de Matos — Palhoça: FMP, 2018. 73 f. Monografia (Graduação) - Faculdade Municipal de Palhoça, Curso de Graduação em Pedagogia, 2018. Orientador (a): Prof. Dra. Maria Fernanda Diogo. 1. Transtorno do Espectro Autista. 2. Acompanhamento. 3. Estimulação. 4. APAE. I. Título. CDD 618.928982 AGRADECIMENTO Agradeço primeiramente a Deus, por me dar forças para ser persistente e me fazer acreditar em mim mesma e no meu sonho. Agradeço também a minha orientadora Profª. Maria Fernanda Diogo, pelas palavras de incentivo e pelo empenho dedicado à elaboração desta pesquisa. A todos os profissionais da APAE, que me receberam muitíssimo bem e se dispuseram a me auxiliar no que fosse necessário. A todos os professores do curso, os quais me deram todo o conhecimento para chegar até aqui. A minha família, principalmente meus avós Tomaz e Márcia, que me forneceram todo o apoio necessário durante minha formação acadêmica. E aos amigos que permaneceram comigo e sabem como esse momento foi esperado por mim. Por fim, agradeço a todos que fizeram parte desta caminhada. Muito obrigada! Em muitos aspectos, uma professora é como a capitã de um navio que precisa partir de um porto rumo a um destino muito distante. Como capitã, ela é responsável pelo bem- estar de todos os passageiros por todo o tempo de duração da jornada. Depois que o navio parte das docas e adentra o alto-mar, ela deve negociar dois mundos. O primeiro está sob o seu controle – supervisionar as condições a bordo; já o segundo não está sob seu controle – responder aos elementos externos, como o sol, o vento, as nuvens e a chuva. Seu trabalho é transportar os passageiros em segurança, navegando em um mundo exterior que pode mudar de glorioso para tempestuoso e voltar ao estado anterior em um piscar de olhos. Ao mesmo tempo, o conforto de todos no ambiente é de grande importância. À medida que atravessam os mares, familiarizando-se com cada parte da jornada, os passageiros aprendem mais sobre si mesmos, os outros e o mundo. (Jan W. Valle e David J. Connor) Crianças com autismo são seres humanos de “verdade”, existem e jamais devem ser um fardo em nossas vidas. [...] elas têm o dom de persistir e esperar, e assim o fazem: esperam por nós, por nosso momento de consciência mais profunda, no qual entendemos que também existem seres humanos que precisam de “Fadas Azuis”. Não para que se tornem crianças de “verdade”, mas sim para que possamos escolher se queremos ser pessoas melhores ao abraçarmos esse desafio, que transcende, em muitos, nossas “misérias individualistas”. Essa é uma aventura que não tem fim, tal como o conhecimento advindo dela, uma ciranda da vida, do amor, aos moldes do criador/criatura, na qual a partir de um determinado ponto, de onde não podemos mais regressar, os papéis se alternam de tal forma que é impossível saber quem é a “Fada Madrinha” de quem. Agora a escolha é toda nossa! (Ana Beatriz Barbosa Silva, Mayra Bonifacio Gaiato e Leandro Thadeu Reveles) RESUMO A inclusão da criança com TEA na escola e sua participação ativa nas práticas pedagógicas ainda é vista como desafio para muitos professores do ensino regular, isso por conta da diversidade de características do transtorno, com dificuldades na comunicação e na interação. Além disso, por mais que muitos professores saibam que o aluno com TEA é estimulado na Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE), estes geralmente não conhecem o trabalho da instituição para com a criança. A fim de compreender melhor esse acompanhamento, esta pesquisa tem como objetivo analisar como uma criança com TEA é acolhida na APAE de Santo Amaro da Imperatriz – SC e como os profissionais da instituição planejam e atuam a estimulação essencial da mesma. Para a realização da pesquisa foram entrevistados 8 (oito) profissionais da APAE, todas as entrevistas foram transcritas, divididas em 4 (quatro) categorias e analisadas. Na análise dos dados foi possível perceber que o trabalho multidisciplinar da equipe é essencial para o desenvolvimento da criança com TEA. Durante todo o processo de acolhida e acompanhamento para a criança, há uma comunicação entre os profissionais da APAE, assim como com os professores do ensino regular e com a família. A estimulação essencial é pensada para cada criança, sempre respeitando a especificidade desta, pois o planejamento é individual e os objetivos são traçados pela área que a criança apresenta mais dificuldade. Este trabalho teve como base teórica principal os autores Mantoan (2015), Silva, Gaiato e Reveles (2012), Valle e Connor (2014) e Whitman (2015). Como conclusões, o presente trabalho ressalta a importância da acolhida dessa criança, de trazer atividades lúdicas para o seu desenvolvimento e do trabalho em conjunto da APAE com a família e os professores do ensino regular. Palavras-chave: Transtorno do Espectro Autista; Acompanhamento; Estimulação; APAE. LISTA DE QUADROS QUADRO 1 – Identificação dos sujeitos da pesquisa .......................................................... 30 QUADRO 2 – Descrição das categorias ................................................................................ 31 LISTA DE SIGLAS APAE – Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais TEA – Transtorno do Espectro Autista FCEE – Fundação Catarinense de Educação Especial DSM – Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais ONU – Organização das Nações Unidas TDAH – Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade PPP – Projeto Político Pedagógico ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente DIR. – Diretora ASOC. – Assistente Social FISIO. – Fisioterapeuta FONO. – Fonoaudióloga PEDG. – Pedagoga Geral PEDC. – Pedagoga Criança PSICO. – Psicóloga TO. – Terapeuta Ocupacional SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 11 1.1 Problema da pesquisa ............................................................................................. 12 1.2 Objetivos .................................................................................................................. 12 1.2.1 Objetivo geral ..................................................................................................... 13 1.2.2 Objetivos específicos .......................................................................................... 13 1.3 Justificativa ............................................................................................................. 132 INFÂNCIA ...................................................................................................................... 14 2.1 O surgimento da infância ....................................................................................... 14 2.2 Os direitos da criança ............................................................................................. 15 3 INCLUSÃO ..................................................................................................................... 17 3.1 Definição de Inclusão ............................................................................................. 17 3.2 Práticas educativas inclusivas................................................................................ 18 4 TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA (TEA) .................................................. 19 4.1 Definição de TEA .................................................................................................... 19 4.2 Aspectos Históricos do TEA .................................................................................. 20 4.3 Classificação ............................................................................................................ 21 4.4 Diagnóstico do TEA ................................................................................................ 23 4.5 Processo de aprendizagem e Práticas Pedagógicas ............................................. 25 4.6 Ingresso na Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE) ................ 28 5 ORGANIZAÇÃO DA APAE ......................................................................................... 29 5.1 Missão da instituição .............................................................................................. 29 5.2 Organização didático pedagógica ......................................................................... 29 6 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ................................................................ 30 6.1 Caracterização da pesquisa ................................................................................... 30 6.2 Sujeitos da pesquisa e instituição escolhida ......................................................... 31 6.3 Técnica de coleta de dados ..................................................................................... 33 6.4 Análise dos dados .................................................................................................... 33 7 RESULTADOS E ANÁLISE DOS DADOS ................................................................ 35 7.1 Categoria 1 – Acolhida ........................................................................................... 35 7.2 Categoria 2 – Planejamento e Estimulação Essencial ......................................... 37 7.3 Categoria 3 – Parceria com o ensino regular ....................................................... 41 7.4 Categoria 4 – Parceria com a família ................................................................... 42 8 CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................................... 45 REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 47 APÊNDICE A ......................................................................................................................... 50 APÊNDICE B .......................................................................................................................... 51 ANEXO A ................................................................................................................................ 52 ANEXO B ................................................................................................................................ 71 11 1 INTRODUÇÃO De acordo com o site APAE Brasil (s/d), a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE) nasceu em 1954, no Rio de Janeiro e é uma organização social que tem como objetivo promover a atenção integral à pessoa com deficiência múltipla e intelectual. As APAEs prestam serviços de educação, saúde e assistência social para aproximadamente 250.000 (duzentos e cinquenta mil) pessoas por dia, em todos os estados brasileiros. Esta pesquisa visa identificar a inserção de um tipo de deficiência nesta instituição: o Transtorno do Espetro Autista (TEA). Sobre o termo “autista”, este foi dado pelo pesquisador Eugen Bleuler, em 1911, pois dizia que as crianças que ele pesquisou viviam num mundo próprio, dentro de si mesmas, por isso, “auto” (voltado para si mesmo). O autismo é definido como uma síndrome comportamental que apresenta sintomas como dificuldade de interação social, déficit de comunicação social e padrões inadequados de comportamento. Este é classificado em 3 graus: autismo leve, autismo moderado e autismo severo (SILVA; GAIATO; REVELES, 2012). Atualmente a denominação desta síndrome é Transtorno do Espectro Autista (TEA) e há diretrizes específicas para este público determinadas pela Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com TEA, Lei n. 12.764, de 27 de dezembro de 2012. No art. 3º desta mesma lei consta que a pessoa com TEA têm o direito ao “[...] acesso a ações e serviços de saúde, com vistas à atenção integral às suas necessidades de saúde [...]” (BRASIL, 2012), incluindo o diagnóstico precoce e o atendimento multiprofissional, serviços estes que são ofertados pela APAE. Dessa forma, a proposta desta pesquisa é de abordar como é pensado e desenvolvido o acompanhamento para crianças com TEA na instituição. O presente trabalho inicia-se apresentando o surgimento da infância e os direitos da criança, colocando como foco os direitos da criança com deficiência. Fundamentado em autores como Ariès (1986), Lorenzi (2007) e alguns documentos oficiais como o Estatuto da Criança e do Adolescente (1990), entre outras legislações importantes sobre as políticas públicas sobre os direitos das pessoas com deficiência. Após se aprofundar sobre a infância, adentramos no assunto inclusão, apresentando a definição deste conceito e exemplos de práticas educativas inclusivas que professores e familiares devem ter com crianças com TEA. Para fundamentar este tema, foi utilizado teóricos como Mantoan (2015), Valle e Connor (2014) e a Constituição Federal (1988), 12 afirmando a importância de usufruir de várias possibilidades para uma verdadeira ação inclusiva. Posteriormente, aprofundamos o conhecimento sobre o TEA, entendendo sua definição, aspectos históricos, classificação da deficiência, diagnóstico, processo de aprendizagem da criança e práticas pedagógicas. Tivemos como base sobre este assunto autores como Silva, Gaiato e Reveles (2012), Teixeira (2017), Whitman (2015) e também o documento APA (DSM-5, 2014). Neste item, podemos compreender a importância de se conhecer sobre o TEA para conseguir trabalhar com uma criança com o transtorno. Este pode apresentar várias comorbidades e, por conta disso, o trabalho desenvolvido e as práticas pedagógicas utilizadas com a criança não têm uma fórmula fechada, isto é, cada criança apresentará seus déficits e cabe ao professor, à família e aos profissionais que a atendem buscar formas específicas e a orientação necessária para conseguir atender essa criança de forma que seu desenvolvimento evolua. É neste momento que apresentamos o ingresso da criança com TEA na APAE, pois a instituição fornece a estimulação essencial para o desenvolvimento cognitivo, afetivo, de linguagem, comunicação e autonomia. No último capítulo, apresentamos a missão da instituição de Santo Amaro da Imperatriz – SC e sua organização didático pedagógica, que é ofertada em diversos níveis, possibilitando aos seus alunos vivenciar questões relacionadas à afetividade, interação, autonomia e várias outras potencialidades. Sendo assim, esta pesquisa buscou compreender como uma criançacom TEA é acolhida e como é realizado seu acompanhamento pelos profissionais da APAE. 1.1 Problema da pesquisa O problema que esta pesquisa buscou responder é: como é desenvolvido o acompanhamento para uma criança com TEA na APAE? 1.2 Objetivos A seguir, estão delineados os objetivos da pesquisa. 13 1.2.1 Objetivo geral Analisar como é pensado e desenvolvido o acompanhamento dos profissionais para com uma criança com TEA. 1.2.2 Objetivos específicos Conhecer a organização pedagógica da APAE para receber crianças com TEA; Identificar como atuam os profissionais que atendem essas crianças; Compreender como se processa o acompanhamento da criança com TEA na instituição. 1.3 Justificativa A primeira justificativa para esta pesquisa é de caráter pessoal, pois começou a partir do trabalho da pesquisadora como Segunda Professora de uma criança de 2 (dois) anos de idade, o Caio, que ainda não tinha diagnóstico de TEA, porém estava em avaliação para ter seu diagnóstico feito. Duas vezes na semana, por duas horas, ele ia à APAE para ter o acompanhamento da pedagoga, fisioterapeuta e outros profissionais. Era notável que nestes dias ele ia para a aula mais agitado, algumas vezes agressivo e, por mais que a pesquisadora soubesse que na APAE eles tinham que tirá-lo da zona de conforto para estimulá-lo, a mesma se questionava sobre como eram organizadas e desenvolvidas essas práticas. Então abraçou a oportunidade de compreender esse processo através do Trabalho de Conclusão de Curso. Assim que a pesquisadora decidiu seu tema de TCC, ela foi até a APAE de Santo Amaro da Imperatriz – SC para pedir permissão para ter acesso aos documentos necessários para a pesquisa. A mesma foi muito bem recebida e já apresentada a alguns profissionais, que se dispuseram a ajudar no que fosse preciso. Após essa decisão e apoio, iniciou a pesquisa sobre o tema e não foi localizado nenhum artigo ou pesquisa já feita sobre este acompanhamento para crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA) na APAE. Como estudante e futura professora, a pesquisadora acredita ser necessário conhecer e entender este trabalho para dar continuidade a ele no ensino regular. 14 2 INFÂNCIA No decorrer desse capítulo, será apresentado o surgimento da infância e os direitos da criança, tendo como foco os direitos da criança com deficiência. 2.1 O surgimento da infância As concepções de infância são construções históricas, isto significa que em cada época predomina certas ideias sobre o conceito de infância. De acordo com Ariès (1986), a infância era desconhecida ou, então, não representada até meados do século XII. Ele acreditava que isso acontecia por não haver lugar para a infância na época. Além disso, o autor dá ênfase ao fato de, nas pinturas de crianças até o século XIII, estas não terem uma expressão particular, sendo apenas pinturas de seres adultos menores. Por volta do século XIII, surgiram “tipos” de criança mais próximos do sentimento de infância atual. Ariès (1986) coloca 3 (três) exemplos que relatam essa mudança tipológica, que são: o surgimento do anjo, representado por um adolescente; o menino Jesus, que aparece no colo de sua mãe, sendo aninhado por ela; e a criança nua, sendo usada como metáfora sobre a morte e a alma, já que na arte medieval francesa estas eram representadas por imagens de crianças nuas e geralmente assexuadas. No século XVI surgiu o retrato da criança morta, sendo este um momento importante na história do conceito de infância, visto que isso mostra que a criança não era mais considerada uma perda inevitável à família. Estes modelos de retrato foram raros até o fim do século XVI, pois no início do século XVII, os retratos de crianças isoladas passaram a ser um dos modelos favoritos da sociedade, além de que, os retratos de família tenderam a se organizar em torno da criança. Mesmo assim, o sentimento de infância começou a ser alterado apenas com a institucionalização da escola, iniciando, assim, a construção social da infância (CORSARO, 2003, apud NASCIMENTO; BRANCHER; OLIVEIRA, 2008). Esta construção visa à importância de observar e ouvir a criança, assim, a compreensão da infância parte de uma visão da própria criança. No próximo item iremos relatar um breve histórico dos direitos da criança e adolescente, com foco às crianças com deficiência, abordando principalmente os direitos direcionados às crianças com TEA. 15 2.2 Os direitos da criança Em 1854, o ensino primário obrigatório foi regulamentado no Brasil, porém não universalmente, já que escravos, pessoas com doença contagiosa ou crianças que não tivessem sido vacinadas não tinham acesso ao ensino. Além disso, em 1891, estipulou-se que a idade mínima para trabalhar seria de 12 (doze) anos, de acordo com o Decreto nº 1.313 (LORENZI, 2007). O início do século XX foi marcado pelo surgimento de lutas sociais dos trabalhadores urbanos, fazendo com que seja criado, em 1917, o Comitê de Defesa Proletária. Uma de suas reivindicações era a proibição do trabalho de menores de 14 (quatorze) anos e abolição do trabalho noturno realizado por mulheres e menores de 18 (dezoito) anos (LORENZI, 2007). Dessa forma, em 1923, foi criado o Juizado de Menores e em 1927, promulgado o primeiro documento legal para a população menor de 18 (dezoito) anos: o Código de Menores. Lorenzi (2007, p. 1) coloca que “o Código de Menores visava estabelecer diretrizes claras para o trato da infância e juventude excluídas, regulamentando questões como trabalho infantil, tutela e pátrio poder, delinquência e liberdade vigiada”. Em 1937, a Constituição dos Estados Unidos do Brasil, declarou que “a infância e a juventude devem ser objeto de cuidados e garantias especiais por parte do Estado, que tomará todas as medidas destinadas a assegurar-lhes condições físicas e morais de vida sã e de harmonioso desenvolvimento das suas faculdades”, assim afirmando que crianças e adolescentes necessitavam de garantias especiais (BRASIL, 1937). Apenas em 13 de julho de 1990 o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) foi promulgado. Este documento é formado por várias leis que garantem os direitos fundamentais das crianças e dos adolescentes, que são os direitos à: vida, saúde, liberdade, respeito, dignidade, convivência familiar e comunitária, educação, cultura, esporte, lazer, profissionalização e proteção no trabalho (BRASIL, 1990). Além disso, o ECA assegura que todos os direitos anunciados nele aplicam-se a todas as crianças e adolescentes, sem qualquer tipo de discriminação, isto é, inclusive para crianças com deficiência. Em 06 de julho de 2015 foi instituída a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência), que visa assegurar e promover os direitos fundamentais da pessoa com deficiência, dando ênfase à inclusão social, cidadania e igualdade. De acordo com o Estatuto da Pessoa com Deficiência (BRASIL, 2015), um dos direitos das pessoas com deficiência é o benefício da prestação continuada, que dá direito a 16 esta pessoa a receber um salário mínimo por mês ao comprovar a deficiência com nível de incapacidade para a vida independente e para o trabalho. Especificamente em relação as crianças com TEA, estas têm direito à educação, esporte, cultura, lazer e saúde. Silva, Gaiato e Reveles (2012) colocam que as pessoas com TEA já tinham garantido na Lei Federal 7.853/89 o tratamento adequado em estabelecimentos públicos e privados específicos, porém, também frisam o fato de esse direito não era cumprido em toda a sua amplitude. Desta forma, visando garantir os direitos, em 27 de dezembro de 2012, com a Lei nº 12.764/12, instituiu-se a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista. Esta lei veio com o intuito de eliminar qualquer forma de discriminaçãoe garantir o direito a um diagnóstico precoce, tratamento, terapias e medicamento, além do acesso à educação, proteção social e trabalho. Logo após a promulgação da Lei nº 12.764 (BRASIL, 2012), o Ministério da Educação (MEC) publicou a nota técnica nº 24 (BRASIL, 2013), frisando a importância da educação inclusiva para as pessoas com TEA e o direito ao Atendimento Educacional Especializado (AEE), que é um “conjunto de atividades, recursos de acessibilidade e pedagógicos, organizados institucionalmente e prestados de forma complementar ou suplementar à escolarização” (BRASIL, 2013, p. 5). Para compreendermos melhor a importância desta educação inclusiva e do AEE, debateremos sobre o significado de inclusão e suas particularidades. 17 3 INCLUSÃO Iniciaremos este capítulo debatendo sobre a definição de inclusão e, após, quais práticas educativas inclusivas podemos e devemos ter com as crianças com TEA. 3.1 Definição de Inclusão Atualmente, muito se ouve sobre inclusão e educação inclusiva, mas para entender sua prática, é preciso compreender sua definição. Mantoan (2015) afirma que a inclusão questiona as políticas e a organização da educação especial e da educação comum, não deixando nenhum aluno fora do ensino regular, desde o começo da vida escolar. A autora também coloca que “o radicalismo da inclusão vem do fato de exigir uma mudança de paradigma educacional [...]” (MANTOAN, 2015, p. 28), pois na educação inclusiva é preciso atender todos os alunos sem discriminação, analisando não apenas o que o aluno aprendeu ou não, mas também, a forma que este pensa e constrói o seu conhecimento. A inclusão parte da ideia de revitalização da educação escolar. Mantoan (2015) coloca três questões como necessárias para esta revitalização, que são: a questão da identidade- diferença, a questão legal e a questão das mudanças. As primeiras consistem na tolerância e no respeito. Tolerância no fato de aceitar algo que não se pode modificar ou alterar e respeito ao compreender que as diferenças são definitivas, fazendo com que só nos reste respeitá-las. A partir dessas duas palavras, vem a diferença e a identidade. Boaventura de Souza Santos (1995, apud MANTOAN, 2015, p. 36) afirma que “[...] é preciso que tenhamos o direito de sermos diferentes quando a igualdade nos descaracteriza e o direito de sermos iguais quando a diferença nos inferioriza”, pois há diferenças e igualdades e todos somos igualmente diferentes. Na segunda questão, a legal, presume-se a garantia da lei que assegura o direito de todos à educação. Conforme já visto anteriormente, a Constituição Federal (BRASIL, 1988) garante não só o direito à educação, mas a igualdade de condições de acesso e permanência e a oferta de AEE, complementando a escolarização. Deste modo, é preciso que a escola se reorganize, não apenas em sua questão legal ao priorizar o acesso à educação, mas também ao considerar a organização pedagógica das escolas, entrando a terceira e última questão: a questão das mudanças. Mantoan (2015) afirma que nossas escolas não acompanham as inovações e não questionam a produção da diferença e da identidade das crianças e adolescentes na escola. A inclusão não deve ser reduzida a um grupo de alunos, mas sim dar condições para que a 18 cooperação esteja presente na instituição, fazendo com que “as diferenças se articulem e se componham e os talentos de cada um sobressaiam” (MANTOAN, 2015, p. 58). A fim de praticar uma educação inclusiva, é necessário que gestores e professores se aperfeiçoem em sua formação e compreendam seus alunos e as especificidades de cada um. Por meio disso, iremos agora debater sobre as práticas educativas inclusivas. 3.2 Práticas educativas inclusivas Conforme dito anteriormente, para ensinar de forma inclusiva é preciso que os professores conheçam seus alunos como indivíduos. Valle e Connor (2014, p. 95) afirmam que: [...] ao fazerem a pergunta ‘a quem eu vou ensinar?’ e descobrirem o máximo possível sobre os seus alunos, especialmente no início do semestre, os professores podem usar as informações para atualizar todos os aspectos de sua prática – planejamento, instrução, atividades e avaliações. Dessa forma, conhecer bem os alunos visa garantir um ensino-aprendizagem mais eficiente. Além da prática de conhecer seus alunos, outra ideia que pode ser aplicada em sala de aula é a de criar materiais, atividades e ambientes acessíveis para todos. Esta prática é citada por Valle e Connor (2014) como design universal, que em sua tradução significa “criado com todas as pessoas em mente”. Esta prática baseia-se na ideia de usar várias opções ao mesmo tempo, pois além de conseguir respeitar o potencial individual de cada aluno, ainda desafia o professor a pensar de maneira não tradicional. Mantoan (2015) afirma que fazer um ensino individualizado ou diferenciado para os alunos que apresentam alguma deficiência não é uma solução inclusiva, pois, ao fazer isso, reforçamos a diferenciação do aluno pela deficiência. Ela ainda coloca que “os alunos aprendem nos seus limites e se o ensino for, de fato, de boa qualidade, o professor levará em conta esses limites e explorará convenientemente as possibilidades de cada um” (MANTOAN, 2015, p. 69). Neste caso, entra o design universal citado por Valle e Connor (2014), pois ao dispor de várias possibilidades em uma atividade ou avaliação, é provável que se consiga explorar a potencialidade de cada indivíduo, de formas diversas. A inclusão envolve toda a comunidade escolar, pois para colocá-la em prática é preciso repensar sobre o PPP e o currículo da escola, fazendo com que a diversidade seja vista como um recurso que traz benefícios a todos. 19 4 TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA (TEA) Neste item iremos abordar sobre o Transtorno do Espectro Autista, desde sua definição até as práticas pedagógicas usadas com uma criança com TEA, além de explicar sobre o ingresso dessa criança na APAE. 4.1 Definição de TEA A palavra “autismo” origina-se do grego “autos”, tendo como significado a ideia de “voltar-se para si mesmo”. A primeira pessoa que utilizou este termo foi o psiquiatra austríaco Eugen Bleuler, em 1911, para descrever a característica do isolamento social dos indivíduos com esquizofrenia. Porém, a maior parte das histórias sobre o Transtorno do Espectro Autista iniciaram-se apenas na década de 1940 (SILVA; GAIATO; REVELES, 2012). A definição de autismo mudou ao longo do tempo, conforme suas características e de outros transtornos, como por exemplo o transtorno de déficit de atenção/hiperatividade e o transtorno da bipolaridade, foram gradativamente aprimoradas. Segundo o autor Thomas L. Whitman (2015, p. 33), “[...] o argumento para o autismo estar em um espectro ou ser um transtorno de espectro baseia-se na similaridade da sintomatologia de indivíduos no espectro”, ou seja, por conta da semelhança das características das pessoas com TEA. O autor Gustavo Teixeira (2017, p. 24) afirma que “o transtorno do espectro autista pode ser definido como um conjunto de condições comportamentais caracterizadas por prejuízos no desenvolvimento de habilidades sociais, da comunicação e da cognição da criança”, porém, para um diagnóstico de TEA não é necessária a presença de todos os sintomas descritos, pois há uma exigência mínima de critérios e classificações do transtorno. Além disso, o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (APA, DSM- 5, 2014, p. 31) define o TEA como um transtorno do neurodesenvolvimento, pois este se manifesta geralmente no início do período do desenvolvimento, muitas vezes antes mesmo da criança ingressar na escola. Para que seja possível compreender melhor a definição de TEA e suas particularidades, iremos fundamentar agora sobre a história do TEA. 20 4.2 Aspectos Históricos do TEAConforme vários autores, o TEA foi inicialmente descrito pelo psiquiatra infantil austríaco Leo Kanner (1894 -1981). Ele publicou um artigo científico relatando sobre 11 (onze) crianças que apresentavam características comuns entre si, porém tinham comportamento inusitado para crianças da mesma idade. De acordo com Kanner (1943, apud WHITMAN, 2015), as principais características do autismo eram: o desinteresse e inaptidão de se relacionar com outras pessoas; falha no desenvolvimento da linguagem para se comunicar e marcada pela ecolalia, que é a repetição de palavras ouvidas pela criança; resistência a mudanças e apego às rotinas; presença de movimentos repetitivos e sem algum propósito aparente; e inversão pronominal persistente, que é o fato das crianças se chamarem na terceira pessoa. Outro fato importante que devemos pontuar são as ideias de Kanner sobre a origem do transtorno. Ele criou o conceito “mãe geladeira” ao descrever o comportamento das mães e pais da criança com autismo, dizendo que estas apresentavam contato afetivo frio, mecanizado e obsessivo. Por conta disso, o psiquiatra foi bastante criticado, pois ele dizia que o tratamento com crianças autistas daria mais resultado se fossem colocadas em lares adotivos (KANNER, 1943, apud SILVA; GAIATO; REVELES, 2012). Alguns outros autores como Bruno Bettleheim, por exemplo, também via crianças com autismo como vítimas de negligência materna. Essa teoria também foi bastante criticada por estudiosos e hoje caiu em completo desuso pela comunidade médica e psicológica (WHITMAN, 2015). Logo após a publicação de Kanner, Hans Asperger (1944) publicou a “Psicopatia autista da infância”, com um estudo de observação com mais de 400 (quatrocentas) crianças, no qual ele avaliou seus comportamentos e habilidades. Asperger se aprofundou mais no desenvolvimento da linguagem, apontando que a fala deste grupo de crianças, embora não fosse atrasada, ainda era incomum e estereotipada. Mais tarde, deu-se o nome de Síndrome de Asperger nos casos em que não há atraso expressivo no desenvolvimento inicial da linguagem, no desenvolvimento cognitivo ou das habilidades de aprendizagem durante os três primeiros anos de vida, com a exceção do domínio da interação social (WHITMAN, 2015). Após Asperger, na década de 1960, a psiquiatra da infância e da adolescência, Lorna Wing, publicou textos de grande importância sobre o estudo do autismo, além de ser a primeira pessoa a estabelecer a análise do TEA sob a ótica de três pilares principais, conhecidos como “tríade de Wing” ou “tríade de sintomas”. Estes são: alterações na sociabilidade, comunicação/linguagem e padrão alterado de comportamento. O objetivo deste 21 conceito era de introduzir a ideia de que qualquer um desses sintomas pode ocorrer em graus variados de intensidade e com diferentes manifestações (SILVA; GAIATO; REVELES, 2012). Segundo o autor Whitman (2015, p. 23), antes da publicação de Kanner, em 1943, “os indivíduos autistas tendiam a ser incluídos como particularidade de outros transtornos, como psicose infantil ou retardo mental, ou eram simplesmente vistos como pessoas estranhas e peculiares”. Hoje podemos dizer que por mais que a criança com TEA ainda seja um tanto quanto desconhecida pelo público em geral em suas particularidades, temos mais espaço, estudos e buscas por médicos, professores e familiares para melhor compreendê-la. Após este contexto, o psicólogo comportamental Ole Ivar Lovaas, também na década de 1960, adotou a ideia de que as crianças com autismo aprendem habilidades novas por meio de técnicas baseadas na terapia comportamental. Isto significa que a partir da identificação de comportamentos emitidos pela criança são indicadas técnicas para alterar ou desenvolver melhor esses comportamentos. (SILVA; GAIATO; REVELES, 2012). Apenas em 1980, o autismo recebeu um reconhecimento especial, fazendo com que tenha a denominação diagnóstica correta e seus critérios específicos. E em 1994, no DSM-IV é que a definição de autismo veio como TEA no qual as pessoas manifestam características como prejuízos na interação social, problemas de comunicação e atividades e interesses repetitivos e limitados. (TEIXEIRA, 2017). Para que uma criança seja classificada com TEA é preciso que pelo menos seis dos sintomas descritos no DSM-5 (APA, 2014) se manifestem antes dos três anos de idade. A seguir, conheceremos a classificação do TEA e suas especificidades. 4.3 Classificação Conforme dito anteriormente, o TEA está incluído no grupo de transtorno do neurodesenvolvimento, pois seus sintomas se manifestam no início do período do desenvolvimento da criança. As características diagnósticas incluem: prejuízo persistente na comunicação social recíproca, na interação social, padrões restritos e repetitivos de comportamento, interesses e atividades, estando presentes desde o início da infância, limitando e prejudicando o desenvolvimento da criança (APA, DSM-5, 2014). As manifestações do transtorno podem variar, pois dependem da gravidade da condição e do nível do desenvolvimento. 22 Os níveis de gravidade para o TEA estão relacionados à quantidade de apoio necessário que a criança precisa para completar suas atividades, considerando as dificuldades na comunicação e nos comportamentos restritos e repetitivos. De acordo com a APA (2014), estes são: Nível 1 – Necessidade de apoio básico: Comunicação social: há dificuldade para iniciar interações sociais e exemplos claros de respostas inconsistentes às tentativas sociais de outros, podendo apresentar desinteresse em interações sociais. Comportamentos restritos e repetitivos: inflexibilidade comportamental, causando dificuldade em um ou mais ambientes; dificuldade em trocar de atividades; e problemas para organização e planejamento são obstáculos pela busca da autonomia da pessoa. Nível 2 – Necessidade de apoio substancial: Comunicação social: apresenta um déficit grave nas habilidades de comunicação social tanto verbal quanto não verbal; há prejuízos sociais aparentes, mesmo com a presença de apoio, devido à limitação em dar início a interações sociais e respostas reduzidas a aberturas sociais de outros. Comportamentos restritos e repetitivos: inflexibilidade comportamental e dificuldade de mudança; a criança sofre com facilidade e tem dificuldade de mudar o foco ou as ações; esses comportamentos já são facilmente observados por uma visitante casual da família. Nível 3 – Necessidade de apoio muito substancial: Comunicação social: há severos prejuízos na comunicação social verbal e não verbal, tendo grande limitação em dar início a interações sociais e resposta mínima às tentativas de sociais de outros. Comportamentos restritos e repetitivos: inflexibilidade comportamental, tendo extrema dificuldade em lidar com mudanças; apresentam comportamentos restritos/repetitivos que interferem diretamente em vários contextos; e grande sofrimento/dificuldade para mudar o foco ou as ações. Além dos fatores de dificuldade na comunicação social e presença comportamentos restritos e repetitivos, muitos indivíduos com TEA apresentam comprometimento intelectual e/ou da linguagem. No DSM-5 (APA, 2014, p. 55) consta que: A discrepância entre habilidades funcionais adaptativas e intelectuais costuma ser grande. Déficits motores estão frequentemente presentes, incluindo marcha atípica, falta de coordenação e outros sinais motores anormais (p. ex., caminhar na ponta dos pés). Pode ocorrer autolesão (p. ex., bater a cabeça, morder o punho), e 23 comportamentos disruptivos/desafiadores são mais comuns em crianças e adolescentes com transtorno do espectro autista do que em outros transtornos, incluindo deficiência intelectual. Porém, é importante ressaltar que independente do grau do transtorno a criança necessita de apoios específicos, pois o TEA não é um transtornodegenerativo, ou seja, a aprendizagem do indivíduo continua ao longo da vida, mesmo que de forma mais lenta que o convencional. 4.4 Diagnóstico do TEA O diagnóstico do TEA é clínico e o profissional deve ter experiência sobre o assunto e entender profundamente sobre comportamentos infantis. É preciso também avaliar comportamentalmente a criança e realizar entrevistas com os pais e, se a criança já estiver matriculada em alguma escola, também deve haver uma avaliação pedagógica escolar (TEIXEIRA, 2017). Em razão de ainda não terem sido descobertas as causas biológicas para o TEA, ainda não é possível um tratamento definitivo para o transtorno, porém, uma avaliação diagnóstica auxilia no desenvolvimento de programas para a redução de problemas sensoriais, melhoria do funcionamento motor, entre outros. E, se esta avaliação for dada precocemente, é possível alterar significativamente a trajetória de desenvolvimento de uma criança com TEA (WHITMAN, 2015). Silva, Gaiato e Reveles (2012, p. 192) relatam sobre o diagnóstico feito pelo médico, durante cada fase da vida da criança. Esta se dá da seguinte forma: Passada a fase do nascimento, investiga-se o primeiro ano de vida, ou seja, como era esse bebê em casa: se dormia bem; por quanto tempo foi amamentado; quando sentou, engatinhou e andou; quando vieram as primeiras palavras. A partir do segundo ano, o foco é direcionado para os comportamentos, as habilidades motoras e a interação social da criança. Entre 3 e 4 anos de idade, é necessário saber como foi seu ingresso na escola, como a criança brincava e lidava com os demais colegas e o seu mundo da imaginação. A partir dos 5 ou 6 anos pesquisam-se seu aprendizado e a fase da alfabetização. Para uma avaliação precisa é indispensável atenção aos detalhes do desenvolvimento da criança e das entrevistas com os pais, familiares e/ou professores. Além do conhecimento sobre a tríade de base alterada do funcionamento mental autístico, conforme já citada anteriormente, há sinais clínicos característicos do TEA. Alguns desses sinais são: dificuldade 24 de sucção na fase do aleitamento; alterações do sono; hábitos alimentares restritos; dificuldades em compartilhar momentos; apresentar movimentos repetitivos; tendem a ter pouco ou nenhum contato visual; podem apresentar hipersensibilidade a determinados sons; podem ter interesses restritos a um único tema; e vários outros sinais que podem auxiliar pais e médicos a chegarem ao diagnóstico do transtorno do espectro autista (SILVA; GAIATO; REVELES, 2012, p. 193-195). Durante o processo de diagnóstico e avaliação comportamental, há algumas escalas padronizadas que podem ser utilizadas para um diagnóstico mais preciso. De acordo com o autor Gustavo Teixeira (2017), as escalas de avaliação mais populares são: CARS – Childhood Autism Rating Scale (Escala de Avaliação do Autismo na Infância): é uma escala com 15 (quinze) itens que auxiliam no diagnóstico e na identificação de crianças com TEA. M-CHAT – Modified Checklist for Autism in Toddlers (Lista Modificada para Autismo em Crianças Pequenas): é uma escala de rastreamento que pode ser utilizada em todas as crianças durante visitas pediátricas, tendo como objetivo identificar precocemente traços do transtorno em crianças pequenas. ABC – Autism Behavior Checklist (Lista de Comportamento Autista): consiste em um questionário com 57 (cinquenta e sete) itens elaborados para avaliação de comportamentos autistas em pessoas com deficiência intelectual, ajudando na identificação de diagnóstico diferencial do TEA. PEP-R – Psychoeducational Profile Revised (Perfil Psicoeducacional Revisado): é um instrumento de medida da idade de desenvolvimento de crianças com transtorno do espectro autista ou com transtornos correlatos de comunicação. É preciso que os profissionais que estejam fazendo essa avaliação diagnóstica tenham conhecimento aprofundado sobre os instrumentos e suas características e, por mais que essas escalas tenham sido conferidas e testadas cientificamente e com base em estudos, conforme Whitman (2015, p. 44), os profissionais ainda devem avaliar a criança ou jovem com a observação contínua e entrevistas com seus familiares, professores e pessoas de sua convivência. Além das escalas de avaliação, das observações e entrevistas, há também outros procedimentos de avaliação que são utilizados para identificar se a criança tem TEA. Um desses procedimentos é a avaliação do desenvolvimento, que examina e revela o que uma pessoa pode fazer em diversas áreas do desenvolvimento e o que ela precisa realizar para 25 aumentar sua capacidade1. Este tipo de avaliação precisa ser conduzida por observação direta do desempenho de uma criança em situações de tarefas específicas (WHITMAN, 2015). Há também a análise funcional, que tem como base a premissa de que a maioria dos comportamentos é aprendida pela interação da criança com o espaço em que vive. Durante essa avaliação, o avaliador/pesquisador “[...] obtém informações sobre os estímulos que influenciam o comportamento e o aprendizado da criança” (WHITMAN, 2015, p. 47). Isto é, o avaliador deve desenvolver hipóteses sobre os variados tipos de estímulos ambientais associados com o comportamento e o seu desenvolvimento, utilizando-as para a criação de intervenções. Há vários instrumentos de avaliação para chegar num diagnóstico preciso do TEA, porém, se esta análise for feita precocemente, as possibilidades e oportunidades de um melhor desenvolvimento para a criança aumentam consideravelmente, portanto, a procura por profissionais da área da psiquiatria infantil, neurologistas e/ou neuropediatras e demais profissionais feita pelos pais é de extrema importância para o progresso da criança. Com base no diagnóstico do transtorno do espectro autista, veremos agora sobre o processo de aprendizagem da criança com o transtorno. 4.5 Processo de aprendizagem e Práticas Pedagógicas De acordo com Carothers e Taylor (2004, apud SANTOS; SANTOS; SANTANA, 2016), o processo de aprendizagem da criança com TEA tem como objetivo melhorar a qualidade de vida da criança e de pessoas de sua convivência, proporcionando mais autonomia e segurança ao executar tarefas habituais. Em razão disso, é preciso que pais e professores trabalhem para que a criança tenha o maior grau de independência possível, isto é, que a incentivem a realizar tarefas do dia a dia, levando em consideração que o processo de aprendizagem da criança com TEA é vagaroso e necessita de dedicação e paciência de ambas as partes. O primeiro passo para que o professor consiga ensinar a criança com TEA é buscar informações científicas sobre o transtorno e formas específicas de abordá-las pedagogicamente, para que este profissional tenha a orientação necessária para auxiliar este aluno, pois a criança com TEA pode dispor de várias dificuldades. As mais comuns são as 1 Um destes procedimentos pode ser realizado pelo Guia e Inventário Portage, que será apresentado na análise dos dados. 26 dificuldades de socialização, de concentração, de linguagem e de comportamento (SILVA; GAIATO; REVELES, 2012). Para as crianças que têm dificuldade na interação social, é preciso que o professor seja o intermediador do contato da criança com os colegas, por meio de brincadeiras, jogos e atividades. Segundo Whitman (2015, p. 88), “[...] as brincadeiras servem como o veículo através do qual as crianças aprendem sobre seu ambiente e como interagir com ele, influenciando assim seu desenvolvimento sensório-motor, cognitivo e socioemocional”. Aos poucos, a criança vai desenvolvendo maneiras de manter suas relações, tornando-se mais social. A dificuldade de concentração e atenção em uma criança com TEA é bastante comum. Calcula-se uma média de que 64% de crianças com TEA apresentamesse déficit, fazendo assim, com que muitas recebam um diagnóstico inicial de Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) (WHITMAN, 2015, p. 69). Isso é comum ocorrer, pois muitas crianças com TEA podem também apresentar comorbidades, ou seja, apresentar duas ou mais deficiências simultaneamente. Para conseguir a atenção da criança, é preciso estabelecer contato visual e fazer perguntas diretas, objetivas e com vocabulário simplificado, pois a criança com TEA geralmente apresenta dificuldades de linguagem e pode perder a concentração em sua fala caso sejam usadas palavras formais para interagir com ela. Algumas práticas pedagógicas, como saber os interesses do aluno e trazer atividades sobre esse interesse restrito, utilizar materiais visuais e/ou concretos, mostrar figuras e gravuras nas explicações e proporcionar vivências práticas para a criança com TEA, podem auxiliar os professores a conseguir a atenção desejada, melhorando o vínculo com a criança e incentivando-a a aprender (SILVA; GAIATO; REVELES, 2012). Nas dificuldades de linguagem há uma variação, pois algumas crianças com TEA têm poucas habilidades na fala e quase não conseguem se comunicar, outras falam corretamente, mas podem ter dificuldade na interação e, também, pode haver a presença de ecolalia na linguagem das crianças, que é o hábito de repetir palavras ou frases que escuta. Nesta última, o professor deve compreender que é um comportamento automático da criança, redirecionando-a ao aprendizado para que não perca a concentração. Para que ocorra a comunicação com as crianças que não conseguem se comunicar perfeitamente, é preciso usar métodos simplificados. O mais indicado é a comunicação por meio de figuras, deixando à disposição da criança uma “pasta de figuras” com imagens 27 diversas de acordo com suas necessidades do dia a dia. Caso ela queira se comunicar, ela pega a figura que mostra o que ela pretende fazer e a entrega para o professor, para que este entenda. Ao ver a figura, o professor deve nominar corretamente o que a criança deseja, inserindo-a no mundo da linguagem. Em razão de a figura mostrar a atividade concretamente, a criança facilmente compreende o que a mesma significa, conseguindo assim, se comunicar (SILVA; GAIATO; REVELES, 2012). Mesmo assim, é importante ressaltar que a comunicação oral não deve ser deixada de lado, já que ao conversar com a criança você a incentiva a tentar se comunicar da mesma forma. Já para crianças que têm apenas dificuldade na interação, a tarefa do professor é ensiná-las a utilizar a linguagem para esta habilidade. Neste contexto, o professor pode elaborar atividades que utilizam o diálogo e a troca de ideias entre as crianças da turma, fazendo com que o aluno com TEA precise se expressar e, a partir disso, exercite a interação social (SILVA; GAIATO; REVELES, 2012). Nesse diálogo deve haver discussão de vários assuntos, incluindo principalmente assuntos atrativos para as crianças com TEA, já que as mesmas geralmente têm interesses restritos. Sobre comportamentos típicos, o mais relatado por pais e professores de uma criança com TEA são os movimentos repetitivos, tais como balançar ou girar o corpo, torcer ou tocar os dedos, girar ou alinhar objetos (WHITMAN, 2015). Geralmente estes comportamentos ocorrem sem motivo coerente aparente, por isso são considerados comportamentos disfuncionais. Para lidar com um caso de comportamento repetitivo, o professor deve introduzir outra atividade que incentive o interesse da criança, fazendo com que ela foque sua atenção na mesma e redirecione a atividade motora para algo produtivo em seu desenvolvimento (SILVA; GAIATO; REVELES, 2012). Além do comportamento repetitivo, algumas crianças com TEA têm muita apego à rotina, fazendo com que uma pequena mudança na aula faça a criança se agitar. Uma prática pedagógica bastante indicada para estes casos é a confecção de um painel de rotina, onde todas as atividades que a criança realizará durante o dia estejam incluídas com figuras, palavras ou materiais concretos. Com isso, a criança irá visualizar sua rotina e conseguirá se organizar a partir daquilo, já que ela compreende melhor ao ver concretamente as ações (SILVA; GAIATO; REVELES, 2012). Além do mais, ao planejar mudanças de rotina, é preciso avisá-la com antecedência, pois a mesma precisa internalizar a informação, fazendo com que esteja preparada para tal acontecimento. 28 Como podemos notar, as práticas pedagógicas desenvolvidas por professores são de extrema importância para o desenvolvimento da criança com TEA. Os professores do ensino regular devem estar preparados para trabalhar com uma criança com TEA, porém, ainda há uma grande carência na formação desses profissionais em relação à Educação Especial, fazendo com que geralmente os pais de uma criança com TEA procurem a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE) do seu município. 4.6 Ingresso na Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE) A APAE é uma organização social, ou seja, sem fins lucrativos, para que, assim, possa receber benefícios do Poder Público para a realização dos seus objetivos institucionais, que é principalmente o de promover a atenção integral à pessoa com deficiência intelectual e múltipla, articulando ações de defesa das pessoas com deficiência para uma melhor inclusão social (APAE BRASIL, s/d). A pesquisa deste trabalho de conclusão de curso será realizada na Escola Especial Professora Juracy de Mello Schmidt – APAE de Santo Amaro da Imperatriz – SC. No Projeto Político Pedagógico (PPP) da instituição consta que seu objetivo geral é o de proporcionar situações de aprendizagem aos educandos, possibilitando o reconhecimento de si mesmo como ser social e de direitos e deveres (PPP, 2015). As APAEs realizam atendimentos pedagógicos, fonoaudiológicos, psicológicos e fisioterápicos, sendo que a criança pode ser encaminhada para avaliação pelo ensino regular, médicos, pais, clínicas ou qualquer outra pessoa de sua convivência e que acredite ser necessária a avaliação. Ao chegar à instituição é feita uma triagem e o caso é analisado por uma equipe técnica multidisciplinar. A partir disso é realizado um estudo do caso e decidido se a criança deve ir para a escola especial, estimulação essencial ou ter outros encaminhamentos, como médicos especialistas em alguma área. A criança que é encaminhada para a APAE tem seu atendimento e atividades de acordo com idade e avaliação feita sobre a equipe técnica, para que a mesma tenha atendimentos que auxiliem no seu desenvolvimento. 29 5 ORGANIZAÇÃO DA APAE Neste tópico, descrevemos a missão da instituição e explicaremos sobre a organização didático pedagógica da APAE de Santo Amaro da Imperatriz – SC. 5.1 Missão da instituição De acordo com o PPP da instituição, a APAE – Centro de Desenvolvimento Humano Juraci de Mello Schimidt, tem como missão “promover e articular ações de defesa de direitos, prevenções, orientações, prestações de serviços, apoio à família direcionadas à melhoria da qualidade de vida da pessoa portadora de deficiência e à construção de uma sociedade justa e solidária” (PPP, 2015, p. 11). Dessa forma, a missão da APAE é a de propiciar melhor qualidade de vida aos seus alunos, amenizando os déficits apresentados por eles, fazendo com que sejam respeitados como cidadãos dentro de suas especificidades. 5.2 Organização didático pedagógica A organização didático pedagógica da APAE é dividida em 8 (oito) grupos. Estes são: Educação Precoce: faixa etária de 0 (zero) a 3 (três) anos e 11 (onze) meses, que é para a criança que apresenta atraso no desenvolvimento neuropsicomotor. Neste caso devem-se trabalhar questões relacionadas à afetividade, interação, autonomia, atenção, organização, entre outras. A criança deve estar frequentando a Educação Infantil,para então, poder participar do Serviço de Estimulação Essencial; Serviço de Atendimento Educacional Especializado – SAEDE: é direcionado ao aluno com diagnóstico de deficiência intelectual. Deve possibilitar ao aluno a apropriação de conhecimento, melhorando seu desenvolvimento, por meio de metodologias, estratégias e recursos pedagógicos; Serviço Pedagógico Específico: refere-se a estrutura e organização na classe ou outro ambiente de ensino, ajudando o aluno em algumas dificuldades de aprendizado. Alguns itens citados no PPP (2015) da instituição são os horários planejados e os métodos de ensino onde as atividades são pensadas individualmente. Estes recursos são facilitadores para trabalhar com crianças com TEA, por exemplo. 30 Serviço Pedagógico Específico – SPE TIDH: estende-se aos adultos que necessitam de um acompanhamento complementar especializado e individualizado na área pedagógica, emocional, psicomotora e/ou específica. Atendimento Dia: atendimento em período integral para alunos com faixa etária acima de 14 (quatorze) anos, que têm diagnóstico de deficiência intelectual e múltipla e que, por condições familiares, necessitam desse suporte. Oficina Protegida Terapêutica e de Iniciação para o Trabalho: destina-se a alunos, com idade superior a 17 (dezessete) anos e que, no momento, não têm condições de serem inseridos no mercado de trabalho em razão de sua(s) deficiência(s). Os planejamentos da oficina tem como foco a aquisição de hábitos, atitudes e experiências na integração em diferentes situações. Centros de convivência: serviço direcionado a pessoas com deficiência intelectual, já em fase adulta. Os planejamentos são voltados às práticas saudáveis para a melhor qualidade de vida e para o envelhecimento saudável. SAESP: destinado a pessoas da comunidade, com serviço de atendimento reabilitatório. Dessa forma, podemos verificar que a instituição oferta a Educação Especial em diversos níveis, proporcionando o pleno desenvolvimento dos alunos. De acordo com Silva (2017, p. 306), a APAE “trata-se de uma escola pública que elimina as diferenças entre as classes sociais e contribui na formação humanista (cultural) e técnica (trabalho)”, permitindo, assim, que todas as pessoas atendidas pela instituição aprendam que devem ser valorizadas e respeitadas, dentro de suas especificidades. 6 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS 6.1 Caracterização da pesquisa Segundo Gerhardt e Silveira (2009, p. 32), “[...] a pesquisa qualitativa preocupa-se [...] com aspectos da realidade que não podem ser quantificados, centrando-se na compreensão e explicação da dinâmica das relações sociais”. Por conta disso, o método utilizado nesta pesquisa foi o qualitativo, pois o objetivo será o aprofundamento da compreensão do problema. 31 Quanto aos objetivos, esta pesquisa será de caráter exploratório. Gil (2002, p. 41) diz que as pesquisas exploratórias “têm como objetivo proporcionar maior familiaridade com o problema, com vistas a torná-lo mais explícito ou a constituir hipóteses”. Para realização da pesquisa foi realizada uma pesquisa de campo, que é desenvolvida por meio “[...] de entrevistas com informantes para captar suas explicações e interpretações do que ocorre no grupo” (GIL, 2002, p. 53). 6.2 Sujeitos da pesquisa e instituição escolhida Os sujeitos desta pesquisa foram os profissionais que trabalham com crianças com TEA, na APAE de Santo Amaro da Imperatriz. A importância da abertura desta Instituição deu-se por uma pesquisa feita pelo Lions Clube2 em Santo Amaro da Imperatriz, em 1979, a partir da qual foi feito um levantamento sobre quantas pessoas com deficiência (crianças, adultos e idosos) residiam no município. Esta pesquisa finalizou contando 117 (cento e dezessete) pessoas com deficiência no município e por isso reconheceram a necessidade de criarem uma escola de Educação Especial. Com a colaboração da Fundação Catarinense de Educação Especial (FCEE), da Federação Nacional das APAEs e de 86 (oitenta e seis) sócios fundadores, a APAE de Santo Amaro da Imperatriz foi fundada no dia 28 de fevereiro de 1980, tendo como data de inauguração o dia 01 de maio de 1980, recebendo o nome de “Centro de Desenvolvimento Humano Professora Juracy de Mello Shmidt”, em homenagem a professora diretora da FCEE, que faleceu em um acidente aéreo dias antes da inauguração. No dia posterior a inauguração, a escola iniciou seu atendimento à treze pessoas com deficiência, com três professores, cada um responsável por uma turma, que eram: Estimulação Precoce, Jardim e Oficina Pedagógica. Hoje, a escola presta atendimento a 113 (cento e treze) alunos, com idade entre 0 (zero) e 70 (setenta) anos, nos níveis de: Educação Infantil, Ensino Fundamental, Ocupacional, Dependentes, Oficina Pedagógica e Oficinas de Produção. A APAE conta com uma equipe multidisciplinar composta por Diretor, Coordenação Pedagógica, Professores, Pedagogo, Psicólogo, Assistente Social, Fisioterapeuta, Fonoaudiólogo, Médico Psiquiatra, Terapeuta Ocupacional, Corpo Docente. Além dos serviços prestados na Instituição, são 2 Lions Clube é uma organização internacional de clubes de serviço, que visa atender a causas humanitárias, promovendo trabalhos voltados às comunidades locais. 32 realizadas visitas às escolas de ensino regular nas quais os alunos estão matriculados, para assim, orientar os professores para que desenvolvam as potencialidades dos alunos, promovendo sua integração. No Projeto Político Pedagógico (PPP, 2015, p. 10) da escola, consta que a mesma tem a missão de: Preparar o aluno com dificuldade educativa especial para a sociedade, levando em conta a visão histórico-cultural oportunizando um espaço na busca do conhecimento e de crescer como cidadão crítico, atuante, competitivo, de direito e de deveres, consciente de seu papel como agente transformador, tendo a família como parceira nesta meta. Com este objetivo é possível notar que a Instituição preza por seus alunos, para que, conforme a nossa Constituição Federal de 1988, estes sejam livres de qualquer preconceito ou discriminação (BRASIL, 1988, Art. 3º, inciso IV). Segue quadro 1 com a identificação dos sujeitos da pesquisa. Quadro 1: Identificação dos sujeitos da pesquisa FUNÇÃO FORMAÇÃO TEMPO DE SERVIÇO Diretora – Dir. Pedagogia em Educação Especial 25 anos Assistente Social – Asoc. Serviço Social 1 ano e 3 meses Fisioterapeuta – Fisio. Fisioterapia 10 anos Fonoaudióloga – Fono. Fonoaudiologia e Pós-graduada em Educação Especial 20 anos Pedagoga geral – PedG. Educação Especial e Pós- Graduada em Educação Infantil 26 anos Pedagoga criança – PedC. Pedagogia para Educação Infantil e Séries Iniciais e Pós-graduada em Educação Especial e Interdisciplinaridade 24 anos Psicóloga – Psico. Psicologia 2 anos Terapeuta Ocupacional – TO. Terapia Ocupacional 3 meses Fonte: A autora (2018) 33 6.3 Técnica de coleta de dados A coleta de dados foi realizada por meio de entrevistas (apêndice A) para com os profissionais da Instituição. De acordo com Gil (2008), a entrevista pode ser definida como uma técnica que tem como objetivo a aquisição de dados que interessam na pesquisa, sendo assim, uma interação social, pois o investigador se apresenta ao investigado e lhe faz perguntas, sendo uma forma de diálogo entre as partes. Foi utilizado o termo de consentimento livre e esclarecido (apêndice B) o qual os entrevistados assinaram, autorizando o uso das informações para esta pesquisa. Gil (2008, p. 37) também afirma que à medida que as “[...] entrevistas vão sendo realizadas, o problema vai se aprimorando, tornando-se mais claro e específico”, fazendo com que o pesquisador tenha um contato maior com a realidade vivida pelos sujeitos da pesquisa. Durante acoleta de dados, as entrevistas foram realizadas a partir de perguntas fixas (apêndice B), onde a ordem das perguntas são as mesmas para todos os entrevistados, porém, o desenvolvimento das perguntas aconteceu de acordo com o contexto da conversa. O foco das entrevistas nessa pesquisa foi o de compreender por meio das falas dos entrevistados como se dá o acompanhamento dos profissionais da APAE para uma criança com TEA, permitindo que o mesmo falasse livremente sobre o assunto, de acordo com suas práticas na instituição. No decorrer das entrevistas, foi utilizado um gravador para que a pesquisadora conseguisse reproduzir as respostas com precisão para transcrevê-las e, posteriormente, fazer a análise. Para isso, foi pedido autorização dos entrevistados para a gravação. 6.4 Análise dos dados Para uma melhor compreensão das análises de dados desta pesquisa, esta foi dividida em 4 (quatro) categorias. Segue quadro 2 com a descrição das categorias: Quadro 2: Descrição das categorias CATEGORIA DESCRIÇÃO 1 – Acolhida Refere-se ao acolhimento na APAE para com a família e a criança com TEA, quando estes 34 visitam a instituição e/ou iniciam a estimulação. 2 – Planejamento e Estimulação Essencial Destina-se ao planejamento da estimulação essencial para a criança e como este ocorre. 3 – Parceria com o ensino regular Aborda a parceria da APAE com os professores do ensino regular. 4 – Parceria com a família Expõe sobre a parceria da APAE com a família da criança com TEA, algo que acontece desde o acolhimento destes. Fonte: A autora (2018). A seguir, explicaremos cada uma de acordo com a coleta de dados. 35 7 RESULTADOS E ANÁLISE DOS DADOS A seguir estão descritos os resultados e as análises dessa pesquisa. 7.1 Categoria 1 – Acolhida A primeira categoria é relacionada ao acolhimento da APAE com a família e a criança com TEA. Segundo as informações coletadas, este se inicia com a visita dos pais da criança à instituição, sendo que geralmente as crianças vêm sem um “diagnóstico fechado”, ou seja, sem laudo médico ou equivalente. O primeiro passo é a entrevista entre os pais e a assistente social (Asoc.). Estes são encaminhados à sala da mesma e tiram suas dúvidas sobre o TEA (ou outras deficiências). Após, é feito uma ficha de triagem. Nessa ficha constam informações pessoais, como: nome, endereço e composição familiar. Além disso, também é perguntado sobre dados médicos, principalmente relacionados ao parto e à a gestação, e sobre a interação da criança com a família e na escola, caso ela já esteja matriculada no ensino regular. Esta primeira etapa é chamada de anamnese. Segundo os relatos, no caso da criança que já tem diagnóstico de TEA, ela passará pelos profissionais da estimulação essencial e pela psicóloga (Psico.), para que, de forma multidisciplinar, eles analisem quais estimulações ela precisa participar e de que forma este trabalho vai ocorrer. Já a criança sem diagnóstico é encaminhada para a Psico., a qual aplica algumas atividades com a mesma para analisar se ela tem atraso no desenvolvimento ou não. São aplicadas algumas escalas específicas, como o M-CHAT, o CARS, o Denver e o ProTea. Após fechar o diagnóstico, a criança é encaminhada aos outros profissionais, estes a observam e a acolhem para que iniciem a avaliação da mesma, organizando, assim, o planejamento multidisciplinar da estimulação essencial. Segundo as informações coletadas, esta segunda acolhida tem foco na criança, já que é preciso observá-la para conseguir saber quais são suas dificuldades e atrasos e, assim, planejar como ocorrerá o trabalho com ela. Segundo os relatos, inicialmente os profissionais a deixam livre no ambiente em que trabalham para que ela possa conhecer e se familiarizar com o local e com eles. Todos colocaram como de extrema importância o lúdico nesse momento, já que muitas vezes é a única forma de conseguir se aproximar da criança com TEA e ganhar sua confiança. Durante a entrevista, a fonoaudióloga (Fono.) ressaltou a importância do lúdico na seguinte fala: 36 Eu uso muito o lúdico pra poder chegar na criança, criar vínculo, porque sem isso tu não consegue chegar. Já teve caso de a criança chorar a sessão inteira, e tu ali dizendo que vai brincar sozinha pra ver se ela se interessa sabe, então varia muito de cada grau e personalidade da criança, né. É bem variado, mas eu uso como principal foco pra criar vínculo a atividade lúdica. Além dela, a pedagoga da criança (PedC.) também afirmou que um ambiente com brincadeiras faz a criança se sentir a vontade e conquista a confiança da mesma. Primeiro de tudo são as brincadeiras que eu faço pra acolher essa criança. Com bolão, bolinha de sabão, pra que ela se sinta bem, porque não adianta ela chegar aqui e eu já dar atividade pra ela, porque ela não vai querer. Primeiro eu resgato a confiança dela em mim, a confiança é tudo. Se ela tem um espaço de brincadeiras, de lúdico, ela com certeza vai se sentir bem melhor. De acordo com Saldanha (2014, p. 121), o jogo é de extrema importância e deve ser usado como atividade de ensino e aprendizagem, pois além de contribuir para várias aquisições e descobrimentos, ele “favorece a aprendizagem significativa devido ao seu efeito motivante que permite o interesse necessário para a aprendizagem”. Dessa forma, a criança aprende e explora seu ambiente através das brincadeiras. Whitman (2015, p. 191) afirma que “[...] a brincadeira tornou-se um importante veículo para o entendimento e avaliação do desenvolvimento sensório-motor, cognitivo, linguístico, social e emocional das crianças”, pois por meio das atividades lúdicas é possível verificar os pontos fortes e as limitações destas, fazendo com que seja possível planejar a estimulação sensorial das mesmas e a partir disso, iniciá-la. Além do lúdico estar presente no acolhimento da criança com TEA, temos também a importância do trabalho multidisciplinar que é realizado na instituição. Whitman (2015) afirma que é preciso desenvolver um trabalho multidisciplinar, onde os profissionais estabelecem uma comunicação entre eles, garantindo que os métodos utilizados complementem uns aos outros de forma apropriada. Durante as entrevistas, ficou claro o quanto esse trabalho é realizado e importante para o planejamento e a prática da estimulação essencial, que é o assunto da próxima categoria. 37 7.2 Categoria 2 – Planejamento e Estimulação Essencial Na segunda categoria temos o planejamento dos profissionais da APAE para atender a criança com TEA e como essa prática ocorre. Após o acolhimento da criança, descrito na Categoria 1, a mesma é encaminhada para os profissionais da estimulação essencial. Esse atendimento dá assistência às crianças de 0 a 6 anos, 2 vezes por semana, tendo 30 minutos de terapia em cada ambiente, com cada especialidade, ou seja, atendimentos na sala de fisioterapia, de fonoaudiologia, de pedagogia e de terapia ocupacional. O planejamento da estimulação ocorre de acordo com a dificuldade, ou seja, são vistas quais habilidades a criança ainda não adquiriu e, a partir disso, é feito o planejamento. Todas as crianças participam da estimulação com a PedC., pois esta aplica o método Portage (anexo A), avaliando o desenvolvimento da criança, conseguindo, assim, perceber o que ainda falta atingir. O Guia Portage é dividido em 6 categorias, que são: desenvolvimento global, socialização, linguagem, cognição, autocuidados e desenvolvimento motor. Cada categoria é subdividida pela faixa etária, até os 6 anos de idade. A estimulação com a fisioterapeuta (Fisio.), a Fono. e o terapeuta ocupacional (TO.) não são obrigatórias, pois muitas vezes a criança não tem déficit na área atendida por estes profissionais, fazendo com que este atendimento não seja necessário no momento. Durante as entrevistas,os profissionais frisaram sobre o planejamento para a estimulação da criança com TEA ser individual e sempre guiado pelas dificuldades apresentadas pela mesma. Durante a estimulação essencial, todos os profissionais usam o mesmo prontuário eletrônico, no qual descrevem a evolução diária de cada criança. Na metade do ano letivo, toda a equipe se reúne e conversa sobre as turmas, de forma geral. Caso seja necessário, se reúnem esporadicamente para conversarem sobre alguma criança, por exemplo, ou até mesmo, sobre alguma prática que precisa ser alterada. No final do ano é feita a avaliação descritiva de cada aluno, desde os bebês até os adultos, detalhando as habilidades que eles adquiriram no ano letivo3. Silva, Gaiato e Reveles (2012, p. 223), colocam a importância desse tratamento individualizado, pois “[...] a única maneira de se tratar uma criança com autismo é com personalização das atividades e dos treinos”, afinal, “cada criança tem maior ou menor 3 O PPP (2015) da APAE refere-se às crianças como alunos e ao ano como letivo. 38 facilidade com alguma área, por isso não precisamos perder tempo com aquilo que ela já domina”. Na fala a seguir, a PedC. deixa claro que essa é a forma de planejamento da estimulação: “É feito individual, cada aluno. As habilidades, o que ele precisa adquirir, de que forma eu vou fazer isso, mas tudo de forma lúdica pra que ele aprenda na nossa interação”. Além dela, a pedagoga geral (PedG.) afirmou que “nas áreas que a criança apresenta mais déficit, a gente traça os objetivos”, ou seja, todos os profissionais têm seu planejamento pautado dessa forma. Como visto na fala acima da PedC., o lúdico novamente é declarado como peça importante na relação entre os profissionais e a criança, fazendo com que ganhem sua confiança e que a mesma aprenda ao interagir e brincar. De acordo com Silva, Gaiato e Reveles (2012, p. 210-211): Todas as dificuldades que a criança com autismo apresenta [...] são, inicialmente, separadas em pequenas etapas que são treinadas, exercitadas. [...] Um objetivo importante do tratamento é tornar o aprendizado divertido para a criança. Ao conhecer e compreender o acompanhamento dos profissionais com a criança com TEA, vimos o quanto é respeitada a especificidade de cada criança, mostrando como a sessão é pensada para ela, com foco nos avanços que a mesma ainda precisa ter em seu desenvolvimento, mas sem deixar de reforçar o quanto ela já aprendeu. Na estimulação com a PedC., o atendimento é individual e realizado por meio do Guia Portage. Ao explicar o funcionamento do guia, a PedC. colocou a seguinte fala: Então, assim, nós vamos numa determinada linguagem da criança, digamos que ela tem 3 anos. A gente vai no guia Portage, olhamos que ela não venceu a habilidade daquela faixa etária ainda. Então eu pego a habilidade de 1 a 2 anos, e talvez ela esteja nessa etapa. Mas, claro, isso com muita mediação, muita estimulação, sabe, para que ela adquira essas aprendizagens básicas. É colocada no prontuário da criança a data da observação da aquisição de acordo com os seus aprendizados. Muitas vezes a criança não demonstra a aquisição em sala com a pedagoga, porém, ao ir para a sessão de fonoaudiologia, por exemplo, ela demonstrou para a outra profissional, então, esta informa a PedC. que a mesma está obtendo resultados, mesmo que ainda pequenos. Além do Guia Portage, há também o Inventário Portage (anexo B), o qual um complementa o outro. No Guia, a profissional faz as perguntas e atividades para observar a 39 aquisição do aprendizado e no inventário, a mesma pinta as habilidades que a criança já adquiriu, conseguindo assim, observar todo o desenvolvimento da criança de forma prática e rápida. A estimulação essencial com a Fono. também é feita de forma individual e dentro das especificidades de cada criança, pois algumas, por exemplo, têm um maior comprometimento de motricidade oral, outras não. Desta forma, é preciso desenvolver um trabalho por meio disso, no qual a profissional vai intervindo e desenvolvendo técnicas para trabalhar com a criança. A Fono. frisou a importância de respeitar o tempo da criança e de trazer ideias a partir do interesse que a mesma já têm, pois, muitas vezes, essa é a única chance de a criança participar da atividade, pois ela sente prazer sobre o assunto que está sendo abordado na sessão de estimulação. Além disso, a participação dos outros profissionais, pais e escolas são fundamentais para uma evolução mais significativa no desenvolvimento oral da criança, conforme ela fala a seguir: Claro que como ela (a criança) é estimulada num todo, eu falo para os outros profissionais pra usar a linguagem normal, nada de diminutivo pra não dificultar a evolução. Então, assim, tem pacientes que muitas vezes eu posso não notar na minha sessão, e aí a pedagoga fala que ele tá tagarela, ou na fisioterapia a mesma coisa, então tem essa melhora. Às vezes pra mim ele não expressa a aquisição do conhecimento, mas lá fora acontece. Dessa forma, novamente é possível estabelecer a relevância do trabalho multidisciplinar entre a equipe da instituição, pais e até mesmo, professores do ensino regular. Silva, Gaiato e Reveles (2012), declaram que o tratamento da criança com TEA precisa ser feito em conjunto, fazendo com que a equipe médica, a família, a escola e os profissionais da terapia estejam em plena sintonia. Na sessão com o TO., a criança é atendida também de forma individual e as atividades propostas estão relacionadas à independência e à integração sensorial, já que muitas crianças com TEA têm déficit em pelo menos um desses dois aspectos. De acordo com Silva, Gaiato e Reveles (2012, p. 213), “[...] a independência é um dos principais objetivos que pais e profissionais anseiam que as crianças com autismo alcancem”. Isto acontece porque muitas delas encontram dificuldades em realizar atividades básicas, como ir ao banheiro, comer sozinha, amarrar o tênis, entre outras situações. Então, o TO. aplica atividades e brincadeiras que, mesmo sem ela notar, façam a criança desenvolver essas habilidades. 40 Já a área da integração sensorial trabalha com atividades que promovam movimentos que ativam os sistemas sensoriais. Esse trabalho acontece da seguinte forma: É feito com tecido, cavalinho, a prancha, entre outros itens. A criança com TEA geralmente tem déficit na integração sensorial, daí aqui a gente consegue trabalhar o olfato, o sistema vestibular, coordenação, lateralidade, também o visual e o corporal com o tecido, que tem duas cores, rosa e azul, sendo uma para agitar e outra para acalmar... com isso eles vão tendo ganhos no desenvolvimento (TO.). Whitman (2015, p.180) destaca que “[...] durante a integração sensorial, os estímulos são recebidos, organizados, interpretados e usados para orientar o comportamento”, pois os sentidos auxiliam não apenas na conscientização do ambiente, mas também na preparação para a ação. É importante ressaltar que enquanto algumas crianças não são capazes de registrar a informação do ambiente ou mobilizar a ação, outras têm hipersensibilidade aos estímulos, ou seja, elas registram essas informações de forma excessiva. A terapia ocupacional e a fisioterapia, de certa forma, estão interligadas, pois ambas trabalham com abordagens sensório-motoras. A diferença entre elas é que a primeira é direcionada pelo desenvolvimento de habilidades específicas, enquanto a segunda é dirigida pelo desenvolvimento da mobilidade geral (WHITMAN, 2015). Na estimulação com a Fisio. o trabalho é realizado de forma diferenciada, pois geralmente este é feito em grupo. Ela apenas aplica atividades individuais, quando têm alguma questão ortopédica a ser trabalhada, ou seja, algo mais específico de alteração motora. O trabalho em grupo com as crianças
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