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23/04/2020 O Jogo da Realidade: Surgem as ciências que estudam a sociedade https://cead.uvv.br/graduacao/conteudo.php?aula=o-jogo-da-realidade-surgem-as-ciencias-que-estudam-a-sociedade&dcp=estudos-socioantropologicos&topico=03 1/14 Lição 03 O Jogo da Realidade: Surgem as ciências que estudam a sociedade Começar a aula 1. Introdução A Revolução Francesa e a Revolução Industrial foram os acontecimentos que serviram de cenário para o surgimento da Sociologia. A Europa experimentava grandes mudanças que transformaram a vida da população, seus valores, seu cotidiano e seu trabalho. Alguns costumes e tradições começaram a desaparecer e a antiga organização social começou a abrir espaço para o processo de industrialização e urbanização da sociedade europeia. Em um prazo relativamente curto, a humanidade presenciou uma das maiores transformações em sua história: a família patriarcal, a servidão e o trabalho manufatureiro foram desaparecendo, dando início à indústria capitalista. Num espaço de cem anos, a Europa que possuía fazendas, pequenas manufaturas e dispositivos mecânicos simples foram substituídos por máquinas complexas e grandes fábricas. Paralelamente, a Revolução Francesa promoveu ideais seculares, como a liberdade e a igualdade, desafiando a ordem social tradicional, e muitas das explicações baseadas na religião passaram a receber críticas e a serem superadas por interpretações racionais e lógicas da realidade. As mudanças provocadas pela revolução científico-tecnológica que chamamos de Revolução Industrial, e pela Revolução Francesa, alteraram profundamente a mentalidade coletiva e a organização social, criando novas formas de organização da vida e provocando modificações culturais que se mantém até os dias atuais. É nesse cenário de mudanças rápidas e abruptas que a Sociologia nasce, tentando explicar essas transformações e produzir um conhecimento científico que permitisse uma análise racional da realidade social. 23/04/2020 O Jogo da Realidade: Surgem as ciências que estudam a sociedade https://cead.uvv.br/graduacao/conteudo.php?aula=o-jogo-da-realidade-surgem-as-ciencias-que-estudam-a-sociedade&dcp=estudos-socioantropologicos&topico=03 2/14 2. Contexto histórico do surgimento da sociologia Compreender minimamente a história do século XVIII é essencial para entendermos a mentalidade ocidental que estava se construindo e para o surgimento da Sociologia. As transformações intelectuais, políticas, econômicas e culturais se aceleram e apresentam problemas inéditos aos filósofos iluministas. Com o pensamento iluminista viralizando a mentalidade europeia, e principalmente a França, o poder absoluto da Monarquia e da Igreja passou a ser questionado. A riqueza e a ostentação dos nobres e do Alto Clero, antes vista com naturalidade, passou a ser vista como ofensiva em relação à miséria experimentada pelo povo. Impregnados dos ideais de liberdade e igualdade, representantes dos comerciantes, empresários, trabalhadores urbanos e camponeses se uniram para formular uma nova constituição para a França e, a partir daí, em meio a muita revolta popular e violência, iniciou-se a Revolução Francesa. Na Inglaterra, com o desenvolvimento tecnológico promovendo a Revolução Industrial, o vapor e a eletricidade substituíram as fontes tradicionais de energia utilizadas até então: a água, o vento e o músculo dos animais e dos humanos. A substituição da energia humana pela energia motriz, das ferramentas pelas máquinas, bem como da produção doméstica pelo sistema fabril, trouxe enormes prejuízos para as famílias que começaram a ficar desempregadas. Os habitantes das aldeias e das fazendas, vendo suas antigas profissões se tornarem desnecessárias, passaram a emigrar para as minas de carvão mineral ou para as cidades onde havia fábricas, em busca de trabalho e sustento para suas famílias. A Revolução Industrial foi mais do que apenas a introdução da máquina no cotidiano do trabalho humano e seus constantes aperfeiçoamentos; ela representou o triunfo da indústria capitalista, administrada por empresários que aos poucos concentraram as máquinas, as terras e as ferramentas sob o controle de poucos, transformando populações inteiras de camponeses e trabalhadores independentes em grandes massas humanas aglomeradas nas cidades. https://cead.uvv.br/conteudo/wp-content/uploads/2018/09/aula_estsoc_top3_img01.jpg 23/04/2020 O Jogo da Realidade: Surgem as ciências que estudam a sociedade https://cead.uvv.br/graduacao/conteudo.php?aula=o-jogo-da-realidade-surgem-as-ciencias-que-estudam-a-sociedade&dcp=estudos-socioantropologicos&topico=03 3/14 As cidades fabris, devido a um crescimento populacional grande e rápido, não possuíam a infraestrutura necessária para acomodar tantos novos habitantes, e as consequências da rápida industrialização foram percebidas no aumento do alcoolismo, da criminalidade, da violência, da prostituição; surtos de epidemias de tifo e cólera se tornaram constantes, exterminando uma grande quantidade de pessoas. O cenário urbano da Inglaterra estava se transformando num caos e os índices de suicídio aumentavam constantemente. O social torna-se um problema a ser estudado. As mudanças promovidas pela Revolução Industrial e pela Revolução Francesa produziram a ascensão definitiva da sociedade capitalista e desenharam um novo futuro para a humanidade: muita produção de bens e riqueza num ritmo frenético, coexistindo com um cenário inimaginável de miséria e desvalorização da vida. Alvin Toffler, futurista americano e estudioso das revoluções científico-tecnológicas da humanidade, argumenta que na Revolução Industrial os meios de produção de riqueza se alteraram. Na economia agrícola a forma de gerar riqueza era cultivando a terra, e os meios de produção de riqueza eram, portanto, a terra, alguns implementos agrícolas (ferramentas de cultivo), os insumos básicos (sementes), e o trabalho do ser humano e de animais, que fornecia toda a energia necessária ao processo produtivo. Do ser humano se esperava que tivesse um mínimo de conhecimento sobre técnicas de plantio e colheita, e que tivesse a força física para trabalhar. Em tempos de industrialização, os prédios (fábricas), equipamentos, energia para os equipamentos, matéria prima, o trabalho do ser humano, e, naturalmente o capital (dada a necessidade de grandes investimentos iniciais) passaram a assumir um papel essencial enquanto meios de produção. Do ser humano passou a se esperar que pudesse entender ordens e instruções, que fosse disciplinado e que, na maioria dos casos, tivesse força física para trabalhar. Para que o camponês europeu pudesse se adaptar a essas novas demandas da indústria, era necessário treiná-lo, discipliná-lo e transformá-lo num sujeito útil para as indústrias. Para alcançar esse objetivo, foi criada a Escola. Trabalhadores aglomerados em busca de empregos nas cidades industriais. 3. A origem da educação Joseph Meyer, um dos mais diligentes editores do século XIX, inventou o slogan “A educação liberta!”, e a democracia social do século XX elevou esse slogan à categoria de exigência política, levando todos a acreditarem na educação como um grande benefício concedido às pessoas. Talvez você já tenha ouvido a frase “Saber é Poder!” ou “Cultura para todos!” e tenha acreditado na transformação que a educação pode causar na vida das pessoas, ou na importância de todas as crianças frequentarem uma escola. 23/04/2020 O Jogo da Realidade: Surgem as ciências que estudam a sociedade https://cead.uvv.br/graduacao/conteudo.php?aula=o-jogo-da-realidade-surgem-as-ciencias-que-estudam-a-sociedade&dcp=estudos-socioantropologicos&topico=03 4/14 No entanto, Hans Magnus Enzensberger, poeta, ensaísta e escritor alemão, em sua obra Mediocridade e Loucura (1995), argumenta que a escola foi criada pelo Estado para atender a uma exigência dos capitalistas industriais, que precisavam de trabalhadores treinados para operarem suas máquinas e fazerem funcionar suas indústrias. Enzensberger diz que já em 1880 na Alemanha, o índicede analfabetismo era menor do que 1% e hoje é praticamente inexistente, mas desconfia da notícia, acreditando que ela não seja tão boa quanto parece. Em suas próprias palavras, Nossa alegria em relação a este triunfo mantém-se dentro de certos limites. A notícia é boa demais para ser verdadeira. Os povos aprenderam a ler e a escrever não por vontade própria, mas porque se viram obrigados a tanto. A emancipação deles foi, simultaneamente, uma cassação dos seus direitos. A partir de então, o ato de aprender passou a ser controlado pelo Estado e suas agências: a escola, o exército e a justiça. (...) A meta perseguida pela alfabetização da população nada teve a ver com o Iluminismo. Os filantropos e os sacerdotes da cultura que a defendiam foram apenas cúmplices de uma indústria capitalista, exigindo que o Estado colocasse à sua disposição trabalhadores treinados. (...) O esforço nunca tratou de abrir um caminho para a “cultura escrita” e muito menos de libertar as pessoas para que falassem por si mesmas. O que estava em jogo era um tipo completamente diferente de progresso. Ele consistia em domesticar os analfabetos, acabando com a imaginação e a teimosia deles, passando-se desde então a explorar não apenas sua força muscular e suas habilidades, como também seus cérebros. Aquilo a que chamamos de Educação e da qual nos orgulhamos, foi na verdade um processo histórico de adestramento populacional para o trabalho na indústria, que desejava empregar pessoas que fossem tecnicamente treinadas, obedientes e dóceis. Michel Foucault (1987) constatou em suas pesquisas que nos séculos XVII e XVIII inaugura-se na sociedade europeia o momento das disciplinas, ou seja, um momento histórico em que as práticas de vigilância eram utilizadas como método de controle comportamental, através de instituições como as prisões, os quartéis, as escolas, os hospitais e outras organizações, produzindo corpos submissos por meio de uma sujeição implantada nos indivíduos que sabiam que estavam sendo observados. Era um tipo de poder que ele chama de microfísico e que, nas palavras do próprio Foucault “[...] se exerce continuamente através da vigilância [...]”. Cena do clipe Another brick in the wall, da banda Pink Floyd, que acusa o sistema educacional de controlar as mentes das cianças. https://cead.uvv.br/conteudo/wp-content/uploads/2018/09/aula_estsoc_top3_img02.gif 23/04/2020 O Jogo da Realidade: Surgem as ciências que estudam a sociedade https://cead.uvv.br/graduacao/conteudo.php?aula=o-jogo-da-realidade-surgem-as-ciencias-que-estudam-a-sociedade&dcp=estudos-socioantropologicos&topico=03 5/14 A vigilância dos corpos e o controle do indivíduo no espaço e no tempo são, portanto, segundo Foucault, estratégias utilizadas pelo poder para garantir a docilização do indivíduo e torná-lo útil à sociedade. A escola absorveu muito dessa metodologia de vigilância e transformou o ambiente de aprendizado num ambiente de disciplinamento, vigilância e punição. Talvez você já tenha se submetido ao mapa de sala, para ter o controle territorial dos alunos, ou já tenha sido envergonhado publicamente por não se adequar aos padrões comportamentais exigidos na escola. Foi essa “parceira de adestramento” entre o Estado e a Indústria Capitalista que nos colocou num banco de escola, aprendendo aquilo que a indústria (e atualmente o Mercado) determinou que deveríamos aprender. As escolas foram os locais criados para se preparar a mão de obra para o trabalho na indústria. Até o formato das salas de aula correspondiam ao ambiente da indústria. 4. O surgimento da sociologia Esse cenário de mudanças profundas em todas as esferas da sociedade inspirou os intelectuais que já buscavam compreender a sociedade, a empreenderem uma investigação mais profunda e científica. Para isso, alguns pensadores começaram a desenvolver metodologias de pesquisa e análise da realidade, buscando criar uma ciência que pudesse estudar a realidade social de modo racional e sistematizado. A criação da Sociologia representa o resultado da pesquisa e da produção científica de um conjunto de pensadores que se empenharam em compreender as novas situações de existência que estavam acontecendo. Os pensadores ingleses que testemunhavam estas transformações e com elas ocupavam seu pensamento, eram antes de tudo pessoas voltadas para a ação, que tinham o objetivo de introduzir determinadas mudanças na sociedade. Participavam ativamente dos debates das diferentes correntes ideológicas, como os liberais, conservadores e socialistas. https://cead.uvv.br/conteudo/wp-content/uploads/2018/09/aula_estsoc_top3_img03_-768x229.jpg 23/04/2020 O Jogo da Realidade: Surgem as ciências que estudam a sociedade https://cead.uvv.br/graduacao/conteudo.php?aula=o-jogo-da-realidade-surgem-as-ciencias-que-estudam-a-sociedade&dcp=estudos-socioantropologicos&topico=03 6/14 Todas as transformações que ocorreram desde o século XVIII trouxeram consigo problemas para a vida em comunidade, daí surge a Sociologia e seus pesquisadores para esclarecerem as mudanças ocorridas no meio social, juntamente com os processos que interligam os indivíduos em grupos, associações e instituições. O termo Sociologia foi criado por Auguste Comte em 1838, e pretendia unificar a Psicologia, a Economia e a História, levando em consideração que todos esses assuntos giram em torno do ser humano e seu comportamento. Mas os fundamentos sociológicos só foram institucionalizados com Karl Marx, Émile Durkheim e Max Weber, pensadores que se tornam base para a fundação da Sociologia como ciência. Durkheim afirmou que desde quando “a tempestade revolucionária passou, constituiu-se como que por encanto a noção de ciência social”, ou seja, desde os primeiros impactos das Revoluções Francesa e Industrial, o ritmo e o nível das mudanças ocorridas, colocaram a sociedade como “um problema” a ser investigado. A tarefa que esses pensadores se propuseram foi a de compreender racionalmente a nova ordem social que estava sendo estabelecida pelos capitalistas, buscando encontrar soluções para o estado de “desorganização” existente. Inspirados pelo pensamento conservador da época, alguns intelectuais e particularmente os positivistas¹ estavam interessados na preservação da nova ordem econômica e política que estava sendo implantada. Preocupados com a ordem, a estabilidade e a coesão social, enfatizaram a importância da autoridade, da hierarquia, da tradição e dos valores morais para a conservação da vida social. O principal representante dessa visão foi o francês Auguste Comte. Mas para restabelecer a “ordem e a paz”, para encontrar um estado de equilíbrio nessa nova sociedade, seria necessário, segundo eles, conhecer as leis que regem os fatos sociais, instituindo uma ciência da sociedade. No entanto, além dos conservadores, que buscavam a estabilidade e a manutenção da nova sociedade capitalista, havia os revolucionários, que viam o sistema capitalista como uma nova roupagem para a escravidão humana, e por isso buscavam compreender suas fraquezas e suas brechas, para poder derrubá-lo. Assim percebemos que a Sociologia surge como algo mais do que mera reflexão sobre a moderna sociedade. Suas explicações tinham intenções práticas, objetivando interferir no rumo desta civilização, tanto para manter como para alterar os fundamentos da sociedade que a impulsionaram e a tornaram possível. Eles não desejavam apenas compreender o cenário social ou produzir conhecimento sobre as novas condições de vida, mas procuravam orientar-se para a ação transformadora, tanto para manter, como para reformar ou modificar radicalmente a sociedade de seu tempo. Isso significa que os precursores da Sociologia eram militantes políticos, indivíduos que participavam e se envolviam profundamente com os problemas de suas sociedades, buscando modificá-las. 23/04/2020 O Jogo da Realidade: Surgem as ciências que estudam a sociedade https://cead.uvv.br/graduacao/conteudo.php?aula=o-jogo-da-realidade-surgem-as-ciencias-que-estudam-a-sociedade&dcp=estudos-socioantropologicos&topico=037/14 4.1. Os Fundadores da Ciência da Sociedade Durkheim e o método Durkheim é considerado por muitos historiadores como o verdadeiro fundador da Sociologia como ciência independente das outras ciências sociais. Buscou estabelecer regras metodológicas claras para a prática da Sociologia e em 1895 lançou seu famoso livro As regras do método sociológico, indicando como deveria ser a abordagem dos problemas sociais, estabelecendo regras de análise dos fenômenos. Baseado na metodologia desenvolvida em seu livro, Durkheim publica dois anos mais tarde O Suicídio, fruto de uma pesquisa sobre as reais causas dos suicídios; ele constatou que o suicídio é mais do que um simples ato individual de desespero, e é fortemente influenciado por fatores sociais. Com isso, demonstrou a influência de fatores sociais na vida dos indivíduos e a importância de estudá-los para compreender a dinâmica da vida social. Durkheim chamou o suicídio que ocorre em ambientes de baixa regulação social de “suicídio anômico”. Ele ocorre quando as regras que governam o comportamento dos indivíduos são definidas de maneira vaga, tornando seu cotidiano muito imprevisível. Na situação oposta, ou seja, em ambientes de alta regulação social, tendem a ocorrer suicídios que Durkheim denominou “suicídio fatalista”. Ele decorre de uma regulação ou normatização excessiva da vida social e que deixa pouco espaço para que os indivíduos manifestem suas paixões e necessidades, ou seja, sua individualidade. Já em contextos de baixa integração social, isto é, em contextos nos quais a frequência e intensidade das interações sociais são baixas, ocorre o “suicídio egoísta”. O suicídio egoísta decorre de uma falta de integração do indivíduo à sociedade devido a laços sociais fracos com outros indivíduos. Por fim, o “suicídio altruísta” ocorre quando existe um grau muito alto de integração social, de forma que as ações individuais dizem respeito aos interesses do grupo. Karl Marx e a revolta dos explorados Enquanto o objetivo do positivismo foi a preservação da nova sociedade capitalista, Karl Marx fará a crítica radical a esse tipo de ordem social, expondo suas falhas e contradições. Enxergando a exploração do ser humano na base do sistema capitalista, Marx e Engels se dedicam a estudar e expor todas as falhas desse novo sistema. Karl Marx argumentou que os proprietários de indústrias estavam ansiosos por melhorar a maneira como o trabalho estava organizado e por adotar novas ferramentas, máquinas e métodos de produção. Tais inovações lhes possibilitariam produzir mais eficientemente, obter mais lucros e eliminar concorrentes ineficientes do mercado. 23/04/2020 O Jogo da Realidade: Surgem as ciências que estudam a sociedade https://cead.uvv.br/graduacao/conteudo.php?aula=o-jogo-da-realidade-surgem-as-ciencias-que-estudam-a-sociedade&dcp=estudos-socioantropologicos&topico=03 8/14 No entanto, o impulso para o lucro também faz com que os capitalistas concentrem os trabalhadores em estabelecimentos cada vez maiores, mantenham os salários o mais baixo que puderem e invistam o mínimo possível na melhoria das condições de trabalho. Para que isso seja possível, Karl Marx argumenta que os capitalistas industriais produziam uma ideologia, ou seja, uma ilusão, uma falsa consciência, uma concepção idealizada da realidade para que os trabalhadores acreditassem e permanecessem dominados. A ideologia é considerada um instrumento de repressão que age através do convencimento, alienando a consciência humana. A ideologia é a produção de uma certa “compreensão da realidade” para ocultar ou disfarçar a dominação das classes privilegiadas. Segundo Karl Marx, a própria sobrevivência dos trabalhadores era determinada pelos patrões, que ele chamava de capitalistas, ou seja, os detentores do capital. Os capitalistas industriais passaram a se articular com o Estado e a produzir legislação favorável à sua acumulação de capital. Assim, Marx argumentou: uma classe de trabalhadores pobres, cada vez maior, opõe-se a uma classe cada vez menor de proprietários dos meios de produção. Daí se origina o que Marx chama de Luta de Classes, e estabelece a centralidade do conflito como motor das relações sociais. Max Weber e o desenvolvimento da sociologia Max Weber é considerado um dos mais importantes pensadores do começo do século XX, pois deu inúmeras contribuições à Sociologia, formulando conceitos e desenvolvendo tipologias de análise científica. Entre os estudos mais relevantes, estudou a Burocracia, os sistemas de estratificação social e a questão da autoridade. Talvez um dos conceitos mais centrais na teoria weberiana seja o de “ação social”, que, segundo o autor, deveria ser o principal objeto de estudo da Sociologia. Weber estudava aspectos mais cotidianos da vida dos indivíduos justamente por acreditar que o grande motivador da ação na vida das pessoas eram as ideias, as crenças e os valores, sendo também os principais catalizadores das mudanças sociais, e não apenas a estrutura das instituições ou a situação econômica do sujeito. Ele acreditava que os indivíduos tinham liberdade para agir e mudar a sua realidade. A ação social seria, portanto, qualquer ação que possuísse um sentido e uma finalidade determinados por seu autor. Em outras palavras, uma ação social constitui-se como ação a partir da intenção de seu autor em relação à resposta que deseja de seu interlocutor. 5. Principais teorias sociológicas 5.1 Funcionalismo 23/04/2020 O Jogo da Realidade: Surgem as ciências que estudam a sociedade https://cead.uvv.br/graduacao/conteudo.php?aula=o-jogo-da-realidade-surgem-as-ciencias-que-estudam-a-sociedade&dcp=estudos-socioantropologicos&topico=03 9/14 O sociólogo norte-americano Talcott Parsons (1902-1979) foi um dos pensadores funcionalistas mais importantes, depois de Émile Durkheim. Uma de suas principais contribuições foi a de identificar como as várias instituições sociais devem operar a fim de assegurar o funcionamento regular da sociedade. Os funcionalistas acreditam que o equilíbrio social depende de cada instituição cumprir sua função na sociedade. Nessa perspectiva, cada indivíduo e cada instituição contribuem para o funcionamento harmonioso da sociedade. Para Parsons, a sociedade encontra-se bem integrada e em equilíbrio quando as famílias educam bem as novas gerações, quando os militares defendem satisfatoriamente a sociedade das ameaças externas, quando as escolas ensinam às crianças as habilidades e os valores que elas precisam para funcionar como adultos produtivos, quando as religiões criam um código moral compartilhado entre as pessoas e quando o governo transforma os impostos pagos pelos cidadãos em benefícios para toda a sociedade, tais como educação, segurança e saúde. Os funcionalistas enfatizam que o comportamento humano é governado por padrões estáveis de relações sociais; também argumentam que as estruturas sociais mantêm ou enfraquecem o equilíbrio social. É por essa razão que os funcionalistas são, às vezes, chamados de “funcionalistas estruturais”: eles analisam como as partes da sociedade (as estruturas) se encaixam umas às outras e como cada parte contribui para a estabilidade do todo (sua função). Ainda de acordo com a perspectiva funcionalista, as estruturas sociais baseiam-se, principalmente, em valores compartilhados, pois são estes valores que mantêm as pessoas unidas, são essas crenças que as aproximam. Sugerem que o restabelecimento do equilíbrio social é a melhor solução para os problemas da sociedade. Durkheim escreveu que a estabilidade social poderia ser restaurada na Europa do fim do século XIX (que sofria com as desgraças da Revolução Industrial) por meio da criação de novas associações de patrões e empregados que poderiam, por sua vez, diminuir as expectativas dos trabalhadores em relação ao que poderiam esperar da vida. Para Durkheim, se as pessoas desejassem menos, então a solidariedade social aumentaria e haveria menos greves e taxas de suicídio menores. O Funcionalismo representou, portanto, umaresposta conservadora para o mal-estar generalizado na França do fim do século XIX, e foi assim considerado porque não contempla a diversidade e não analisa as contradições existentes na realidade, mas busca uma padronização dos seres humanos para a manutenção de uma certa ordem. 5.2 Teoria Do Conflito VOCÊ SABIA O olhar funcionalista parecia se adequar perfeitamente às necessidades de compreensão e legitimação de uma sociedade que necessitava de uma padronização intensa, já que as indústrias e suas linhas de montagem haviam se espalhado por todo o globo terrestre. 23/04/2020 O Jogo da Realidade: Surgem as ciências que estudam a sociedade https://cead.uvv.br/graduacao/conteudo.php?aula=o-jogo-da-realidade-surgem-as-ciencias-que-estudam-a-sociedade&dcp=estudos-socioantropologicos&topico=03 10/14 Outra tradição teórica da sociologia enfatiza a centralidade do conflito na vida social. A teoria do conflito teve origem na obra do pensador social alemão Karl Marx. Membro da geração imediatamente anterior à de Durkheim, Karl Marx observou a pobreza e o descontentamento produzidos pela Revolução Industrial e desenvolveu um argumento generalizado acerca da maneira como as sociedades se desenvolvem. A teoria de Marx era radicalmente diferente da de Durkheim: em vez de enfatizar a importância do equilíbrio social, o cerne de suas ideias é a luta de classes, isto é, os conflitos entre as classes no sentido de resistir e superar a oposição de outras classes. A teoria do conflito concentra sua atenção no estudo das grandes estruturas macrossociais, tais como “relações de classe” ou padrões de dominação, submissão e luta entre indivíduos de posições sociais altas e baixas. Para os teóricos do conflito, os ricos lutam para permanecer ricos e, para isso, exploram injustamente a mão-de-obra da grande maioria de trabalhadores, dando-lhes baixos salários e más condições de trabalho. Os pobres lutam para manter um padrão de vida que beira à mera sobrevivência e lutam por seus interesses, gerando uma relação conflituosa com seus patrões A teoria do conflito enfatiza como os membros de grupos privilegiados tentam manter suas vantagens, enquanto grupos subordinados lutam para aumentar as suas. Desse ponto de vista, as condições sociais em um dado período de tempo são a expressão de uma luta de poder contínua entre grupos privilegiados e grupos subordinados. Nessa perspectiva, a eliminação dos privilégios diminuirá o grau de conflito e aumentará o bem-estar humano total. Essa teoria analisa as contradições que são inerentes à existência humana e que, em um sistema desigual por excelência, essas contradições assumem um caráter significativo para compreensão da realidade social e sua transformação. 5.3 Interacionismo Como vimos anteriormente, Max Weber foi um dos mais importantes sociólogos, influenciando profundamente o desenvolvimento da sociologia no mundo todo. Em muitas de suas obras, Weber enfatizou a importância de se compreender os motivos e significados que as pessoas atribuem às coisas para entender mais claramente o significado de suas ações. A ideia de que significados e motivos individuais devem ser levados em consideração em qualquer análise sociológica que se pretenda completa, foi uma das contribuições de Weber à teoria sociológica clássica. Para Weber, compreender o significado que as pessoas davam para suas ações e as motivações que as levavam a praticá-las, era de extrema importância para compreender a sociedade. 23/04/2020 O Jogo da Realidade: Surgem as ciências que estudam a sociedade https://cead.uvv.br/graduacao/conteudo.php?aula=o-jogo-da-realidade-surgem-as-ciencias-que-estudam-a-sociedade&dcp=estudos-socioantropologicos&topico=03 11/14 Sua ênfase em significados subjetivos encontrou solo fértil nos Estados Unidos no final do século XIX e início do século XX porque suas ideias ressoaram no profundo individualismo da cultura norte-americana. Os americanos foram culturalmente educados a acreditarem que o talento e a iniciativa individual tornavam possível que as pessoas conseguissem praticamente qualquer coisa naquela terra de oportunidades. Neste caso, o talento e a iniciativa individual são muito valorizados como fatores de transformação social. Assim, teorias interacionistas concentram suas análises na comunicação interpessoal, produzida em ambientes microssociais, nos significados subjetivos criados em pequenos ambientes. Assim, enfatiza que a vida social só é possível na medida em que as pessoas, individualmente, atribuem significado às coisas. Uma explicação adequada do comportamento social requer a compreensão dos significados subjetivos que as pessoas associam às suas circunstâncias sociais. Não podemos supor que as pessoas pensem de maneira idêntica; sabemos que temos nossas particularidades, que de alguma maneira somos seres únicos, e por isso as interpretações individuais e microssociais fazem parte do comportamento social. Assim, o Interacionismo insiste no fato de que as pessoas ajudam a criar circunstâncias sociais e não simplesmente reagem a elas. Erving Goffman, por exemplo, analisou as diversas maneiras como as pessoas se apresentavam umas às outras na vida cotidiana, de forma a aparecerem da melhor maneira possível. Goffman comparava a interação social a uma peça cuidadosamente encenada, completa, com um palco, um cenário, papéis definidos e diversos adereços. Nessa peça, a idade, o gênero, a raça e outras características de uma pessoa podem ajudar a determinar/padronizar suas ações, mas também existe muito espaço para a criatividade individual. 5.4 Construtivismo Social Uma variante do Interacionismo que tem se tornado particularmente popular nos últimos anos é o construtivismo social. Os construtivistas sociais argumentam que quando as pessoas interagem, elas quase sempre pressupõem que as coisas são, natural ou biologicamente, o que deveriam ser, ou seja, não se questionam sobre a origem e a natureza dos fatos. No entanto, características aparentemente naturais ou inatas da vida são muitas vezes sustentadas por processos sociais que variam histórica e culturalmente. As pessoas, de maneira geral, são tão bem sucedidas em construir realidades sociais de aparência natural em suas interações na vida cotidiana, que não notam os materiais? Utilizados no processo dessa construção. Em resumo, estudar os indivíduos em meio à multidão nos ajuda a perceber além da imagem oficial, além dos estereótipos, aprofundando nossa compreensão de como a sociedade funciona e complementando com as informações adquiridas a partir da análise de grandes estruturas. 5.5 Feminismos Poucas mulheres tiveram destaque na história inicial da sociologia. As obrigações colocadas sobre elas pela família do século XIX e a falta de oportunidades na sociedade como um todo impediram que a maioria das mulheres tivesse formação superior e contribuísse de maneira efetiva para a sociologia. As mulheres que deixaram sua marca na sociologia em seus primórdios, normalmente tinham biografias pouco comuns. 23/04/2020 O Jogo da Realidade: Surgem as ciências que estudam a sociedade https://cead.uvv.br/graduacao/conteudo.php?aula=o-jogo-da-realidade-surgem-as-ciencias-que-estudam-a-sociedade&dcp=estudos-socioantropologicos&topico=03 12/14 Algumas dessas mulheres excepcionais trouxeram à tona questões de gênero ignoradas por Marx, Durkheim, Weber e outros sociólogos clássicos. O reconhecimento das contribuições sociológicas de mulheres pioneiras tem aumentado nos últimos anos porque a preocupação com questões de gênero tem se tornado parte substancial da sociologia contemporânea. Harriet Martineau (1802-1876) foi a primeira socióloga, sendo uma defensora importante dos direitos das mulheres de votar, de ter acesso à educação superior e da igualdade de gênero na família. Apesar da agitação inicial, o pensamento feminista teve pouco impacto na sociologia, até que em meados de 1960 o surgimento do movimento feminista moderno chamou a atenção para muitas das desigualdades que ainda existiam entre homense mulheres. Em virtude da grande influência que a teoria feminista vem exercendo sobre a Sociologia desde então, é possível considerá-la como a quarta grande tradição teórica da sociologia nos dias de hoje. As teorias feministas se concentram nos diversos aspectos do patriarcalismo, isto é, o sistema de dominação masculina na sociedade. O patriarcalismo, conforme argumentam as feministas, é tão ou mais importante do que as desigualdades de classe na determinação das oportunidades que uma pessoa tem na vida. As teorias feministas sustentam que a dominação masculina e a subordinação feminina não são determinadas biologicamente, mas decorrem de estruturas de poder e de convenções sociais. Também examinam como o patriarcalismo funciona nos níveis micro e macrossociais, isto é, examinam como a dominação masculina acontece nas grandes estruturas, tais como igrejas, empresas, política e na própria cultura de um país, mas também nas pequenas estruturas, como nas famílias e nos círculos íntimos. A teoria feminista argumenta que os padrões existentes de desigualdade de gênero podem e devem ser mudados para o benefício de todos os membros da sociedade. As principais fontes de desigualdade de gênero incluem as maneiras como meninos e meninas são educados, que resulta em barreiras em relação a oportunidades iguais de educação, trabalho remunerado e política, assim como uma divisão desigual de responsabilidades domésticas entre homens e mulheres. Movimentos feministas em diferentes épocas, defendendo diferentes pautas. https://cead.uvv.br/conteudo/wp-content/uploads/2018/09/aula_estsoc_top3_img04_-768x238.jpg 23/04/2020 O Jogo da Realidade: Surgem as ciências que estudam a sociedade https://cead.uvv.br/graduacao/conteudo.php?aula=o-jogo-da-realidade-surgem-as-ciencias-que-estudam-a-sociedade&dcp=estudos-socioantropologicos&topico=03 13/14 6. Conclusão Espero que você tenha compreendido um pouco melhor os impactos das Revoluções Industrial e Francesa na dinâmica das sociedades europeias e posteriormente nas sociedades ao redor do mundo. Foram esses impactos que promoveram a criação de instituições como a indústria, a escola, o Estado e o próprio sistema capitalista, que determina muitos aspectos em nossas vidas individuais e nos mergulham numa realidade que pouco compreendemos e que, por isso, tendemos a naturalizar. Utilize a reflexão sociológica para te ajudar a refinar sua percepção da realidade e das relações humanas, que são muito mais complexas do que imaginamos. Apenas um mergulho no estudo e na pesquisa de campo pode nos dar a noção da rede complexa de relações e de interesses que compõem o mundo ao nosso redor. Somos o tempo todo estimulados(as) por essas forças, influenciados(as) por seus apelos, e os próximos tópicos nos ajudarão a compreender melhor o jogo que estamos jogando. 7. Notas Complementares ¹ Para Auguste Comte, o positivismo é uma doutrina filosófica, sociológica e política. Surgiu como desenvolvimento sociológico do iluminismo, das crises social e moral do fim da Idade Média e do nascimento da sociedade industrial - processos que tiveram como grande marco a Revolução Francesa. 8. Referências DIAS, Reinaldo. Introdução à Sociologia. 2. ed. São Paulo, SP: Pearson, 2012. ENZENSBERGER, Hans Magnus. Mediocridade e Loucura. São Paulo: Ed. Ática, 1995. FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir. Petrópolis: Ed. Vozes, 1987. GOFFMAN, Erving. A representação do eu na vida cotidiana. 10. ed. Petrópolis: Vozes, 2002. MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã. São Paulo: Martin Claret, 2005. Robert Brym et al. Sociologia: sua bússola para um novo mundo. São Paulo: Thomson Learning, 2006. 23/04/2020 O Jogo da Realidade: Surgem as ciências que estudam a sociedade https://cead.uvv.br/graduacao/conteudo.php?aula=o-jogo-da-realidade-surgem-as-ciencias-que-estudam-a-sociedade&dcp=estudos-socioantropologicos&topico=03 14/14 TOFFLER, Alvin. A terceira onda. Rio de Janeiro: Ed. Record, 2014. YouTube. (2017, Fevereiro, 15). History Channel Brasil. Capitalismo, Revolução Industrial, Doenças, Drogas. 46min19seg. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch? v=feO4X3_EgtU&t=111s>. Acesso em: 20 maio 2018. YouTube. (2014, Setembro, 24). TEDx Talks. Tendências da Educação Contemporânea. 20min02seg. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=9k96UWzhKNU>. Acesso em: 22 maio 2018. YouTube. (2013, Junho, 09). Lucas Camargo. Another Brick In The Wall - Pink Floyd (Legendado PT-BR). 44seg. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=mP-ZAgsMAkE>. Acesso em: 22 maio 2018.
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