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Livro Eletrônico Aula 01 Direito Processual Penal p/ PC-PR (Delegado) - 2019.2 Leonardo Ribas Tavares 55314334925 - marcos santos 2 AULA 01 AÇÃO PENAL E AÇÃO CIVIL EX DELICTO SUMÁRIO 1. Ação penal ......................................................................................................................... 5 1.1 Distinções prévias ....................................................................................................... 5 1.2 Conceito ........................................................................................................................ 6 1.2.1 Teorias da ação ..................................................................................................... 7 1.2.2 Conceito no processo penal ................................................................................ 9 1.3 Natureza jurídica das normas sobre ação penal................................................... 12 1.4 Características do direito de ação penal ................................................................ 13 Doutrina Complementar............................................................................................ 16 2. Condições da ação penal ............................................................................................... 19 2.1 Condições genéricas da ação penal ........................................................................ 24 2.1.1 Pela teoria geral do processo ............................................................................ 24 2.1.2 Justa causa ........................................................................................................... 37 2.1.3 Como categorias próprias do processo penal ................................................ 41 2.2 Condições específicas da ação penal ...................................................................... 43 Doutrina Complementar............................................................................................ 50 Jurisprudência pertinente .......................................................................................... 54 3. Classificação das ações penais ..................................................................................... 54 3.1 Classificação das ações penais de acordo com o processo penal ................... 56 Doutrina Complementar............................................................................................ 58 Jurisprudência pertinente .......................................................................................... 60 4. Princípios da ação penal ............................................................................................... 60 4.1 Princípio da obrigatoriedade da ação penal pública ........................................... 60 4.2 Princípio da oportunidade da ação penal de iniciativa privada ........................ 62 4.3 Princípio da indisponibilidade da ação penal pública ........................................ 63 4.4 Princípio da disponibilidade da ação penal de iniciativa privada .................... 64 4.5 Princípio da (in)divisibilidade da ação penal pública ......................................... 64 4.6 Princípio da indivisibilidade da ação penal de iniciativa privada .................... 65 4.7 Princípio da intranscendência ................................................................................. 66 4.8 Princípio da oficialidade .......................................................................................... 67 4.9 Princípio da autoritariedade ................................................................................... 67 4.10 Princípio da oficiosidade ....................................................................................... 68 Leonardo Ribas Tavares Aula 01 Direito Processual Penal p/ PC-PR (Delegado) - 2019.2 www.estrategiaconcursos.com.br 1451285 55314334925 - marcos santos 3 Doutrina Complementar............................................................................................ 68 Jurisprudência pertinente .......................................................................................... 72 5. Ação penal pública incondicionada ........................................................................... 73 Doutrina Complementar............................................................................................ 75 6. Ação penal pública condicionada ............................................................................... 76 6.1 Representação ............................................................................................................ 76 6.1.1 Forma e natureza jurídica ................................................................................. 76 6.1.2 Destinatário da representação.......................................................................... 78 6.1.3 Titularidade ou legitimidade para o oferecimento ....................................... 79 6.1.4 Prazo da representação ..................................................................................... 81 6.1.5 Retratação da representação............................................................................. 82 6.1.6 Extensão e eficácia ............................................................................................. 83 6.1.7 Retratação da representação na Lei Maria da Penha .................................... 84 6.2 Requisição .................................................................................................................. 85 Doutrina Complementar............................................................................................ 85 Jurisprudência pertinente .......................................................................................... 88 7. Ação penal privada ........................................................................................................ 89 7.1 Ação penal exclusivamente privada ...................................................................... 91 7.2 Ação penal privada personalíssima ....................................................................... 92 7.3 Ação penal privada subsidiária da pública .......................................................... 92 7.3.1 Atuação do Ministério Público ........................................................................ 93 7.4 Extinção da punibilidade e ação penal de iniciativa privada ............................. 94 7.4.1 Decadência .......................................................................................................... 94 7.4.2 Perempção ........................................................................................................... 95 7.4.3 Renúncia .............................................................................................................. 96 7.4.4 Perdão do ofendido ........................................................................................... 97 Doutrina Complementar............................................................................................ 98 Jurisprudência pertinente ........................................................................................ 101 8. Ação penal popular ...................................................................................................... 102 Doutrina Complementar.......................................................................................... 104 9. Ação penal adesiva ...................................................................................................... 104 Doutrina Complementar.......................................................................................... 105 10. Ação de prevenção penal .......................................................................................... 105 11. Ação penal secundária .............................................................................................. 105 DoutrinaComplementar.......................................................................................... 106 12. Ação penal nas várias espécies de crimes ............................................................. 106 12.1 Ação penal nos crimes contra a dignidade sexual ........................................... 106 12.1.1 Direito intertemporal ..................................................................................... 108 12.2 Ação penal nos crimes contra a honra de servidor público ........................... 109 12.3 Ação penal nos crimes de lesão corporal leve e culposa com violência doméstica...................................................................................................................................... 110 Doutrina Complementar.......................................................................................... 111 Jurisprudência pertinente ........................................................................................ 112 13. Peça acusatória ............................................................................................................ 114 13.1 Denúncia e queixa-crime ..................................................................................... 114 13.2 Requisitos da peça acusatória ............................................................................. 114 13.2.1 Exposição do fato criminoso com todas as suas circunstâncias .............. 115 Leonardo Ribas Tavares Aula 01 Direito Processual Penal p/ PC-PR (Delegado) - 2019.2 www.estrategiaconcursos.com.br 1451285 55314334925 - marcos santos 4 13.2.2 Qualificação do acusado ............................................................................... 117 13.2.3 Classificação do crime ................................................................................... 117 13.2.4 Rol de testemunhas ....................................................................................... 118 13.2.5 Endereçamento da peça acusatória ............................................................. 118 13.2.6 Redação na língua oficial .............................................................................. 118 13.2.7 Subscrição do Ministério Público ou do advogado do querelante ......... 119 13.2.8 Procuração da queixa-crime e custas processuais ..................................... 119 13.3 Prazo para oferecimento da peça acusatória .................................................... 120 Doutrina Complementar.......................................................................................... 121 Jurisprudência pertinente ........................................................................................ 124 14. Questões diversas ...................................................................................................... 126 14.1 Denúncia genérica e crimes societários ............................................................. 126 14.2 Cumulação de imputações .................................................................................. 127 14.3 Imputação implícita .............................................................................................. 127 14.4 Imputação alternativa .......................................................................................... 128 Doutrina Complementar.......................................................................................... 129 Jurisprudência pertinente ........................................................................................ 131 15. Aditamento à denúncia ............................................................................................. 133 15.1 Aditamento próprio e impróprio ....................................................................... 134 15.2 Aditamento espontâneo ou provocado ............................................................. 136 15.3 Recebimento do aditamento ................................................................................ 138 15.4 Interrupção da prescrição .................................................................................... 138 15.5 Recurso cabível no indeferimento ...................................................................... 138 15.6 Aditamento da queixa-crime .............................................................................. 139 Doutrina Complementar.......................................................................................... 142 Jurisprudência pertinente ........................................................................................ 144 16. Ação civil ex delicto ................................................................................................... 144 16.1 Definição e sistemas ............................................................................................. 144 16.2 Prejudicialidade - suspensão da ação civil ........................................................ 149 16.3 Legitimidade .......................................................................................................... 151 16.4 Eficácia preclusiva e força vinculatória ............................................................. 155 16.4.1 Em caso de condenação ................................................................................ 156 16.4.2 Em caso de absolvição ................................................................................... 166 Doutrina Complementar.......................................................................................... 174 Jurisprudência pertinente ........................................................................................ 177 17. Referências bibliográficas ........................................................................................ 178 18. Questões ...................................................................................................................... 181 18.1 Questões com comentários .................................................................................. 181 18.2 Questões sem comentários .................................................................................. 211 18.3 Gabarito .................................................................................................................. 220 19. Resumo ........................................................................................................................ 221 19.1 Ação penal ......................................................................................................... 221 19.2 Condições da ação penal .................................................................................. 221 19.3 Classificação das ações penais ........................................................................ 222 19.4 Princípios da ação penal .................................................................................. 223 19.5 Ação penal pública incondicionada ............................................................... 223 Leonardo Ribas Tavares Aula 01 Direito Processual Penal p/ PC-PR (Delegado) - 2019.2 www.estrategiaconcursos.com.br 1451285 55314334925 - marcos santos 5 19.6 Ação penal pública condicionada................................................................... 223 19.7 Ação Penal Privada ........................................................................................... 224 19.8 Ação penal popular .......................................................................................... 225 19.9 Ação penal adesiva ........................................................................................... 226 19.10 Ação de prevenção penal ............................................................................... 226 19.11 Ação penal secundária ................................................................................... 226 19.12 Ação penal nas várias espécies de crimes ...................................................226 19.13 Peça acusatória ................................................................................................ 226 19.14 Questões diversas ........................................................................................... 227 19.15 Aditamento à denúncia .................................................................................. 227 19.16 Ação Civil ex delicto ......................................................................................... 229 1. Ação penal 1.1 DISTINÇÕES PRÉVIAS Antes de falarmos de ação penal, convém trazer algumas concepções prévias, de forma breve, em relação a institutos entrelaçados no processo penal. Pois bem. • Relação processual penal: “compreende o direito de ação do autor, o direito de defesa do réu e o poder do Estado de se impor a ambos” (Tornaghi, 1987). • Jurisdição: CHIOVENDA define como “função do Estado que tem por escopo a atuação da vontade concreta da lei, por meio da substituição, pela atividade de órgãos públicos, da atividade de particulares ou de outros órgãos públicos, já no afirmar a existência da vontade da lei, já no torná-la praticamente efetiva” (Tornaghi, 1987). “Como poder jurídico, a jurisdição é manifestação da soberania do Estado e tem por contraposto o status subjetionis do indivíduo”. Corolário da organização jurídica das sociedades, aparece o poder do Estado de se reservar a solução dos conflitos juridicamente relevantes. Sem ele, a ordem jurídica não poderia subsistir. E o Estado não alcançaria prescindir dele sem se negar a si mesmo. Estado sem poder de resolver conflitos de interesses e de normas não preencheria a própria finalidade. Mas, além de necessária à conservação e aperfeiçoamento do Estado. A jurisdição, enquanto jurisdição penal, encontra ainda outro motivo para se reservar ao Estado; é o de que o delito produz sempre, em qualquer caso, um dano mediato ou imediato, a todos os consócios da comunhão civil que, dessarte, são parte no conflito (Tornaghi, 1987). JORGE DE FIGUEIREDO DIAS: O princípio do monopólio estatal da função jurisdicional constitui hoje um alicerce inatacável de todas as sociedades; o que não significa, no entanto, total exclusão da autodefesa, mas reconhecimento da sua admissibilidade só em casos muito excepcionais, rigorosamente delimitados pela lei e subordinados à ideia da impossibilidade de recorrer em tempo útil aos meios coercivos normais, para evitar a inutilização prática do direito (Dias, 1974). • Punibilidade: na visão de HELENO CLÁUDIO FRAGOSO, seria a consequência jurídica correspondente à prática do crime. Crime é ação ou omissão típica, antijurídica e culpável. Como regra geral, em consequência, pratica crime, e deve sofrer a consequência jurídica correspondente, quem transgride a norma que lhe impõe proibição ou mandado, atuando ou omitindo-se de forma ilícita e reprovável. Há, todavia, casos em que a punibilidade depende de condições objetivas exteriores à conduta (condições objetivas de punibilidade) e casos em que ela se exclui tendo em vista condições pessoais do agente ou seu comportamento posterior Leonardo Ribas Tavares Aula 01 Direito Processual Penal p/ PC-PR (Delegado) - 2019.2 www.estrategiaconcursos.com.br 1451285 55314334925 - marcos santos 6 (escusas absolutórias). Atende-se, em tais casos, à ocorrência de elementos ou circunstâncias exteriores ao fato que, por motivos de política criminal, condicionam sua ilicitude penal ou sua punição (Fragoso, 1993). “É a possibilidade jurídica de o Estado impor uma sanção penal ao responsável (autor, coautor ou partícipe) pela infração penal. Não é seu elemento, razão pela qual o crime e a contravenção permanecem íntegros com a superveniência da causa extintiva da punibilidade. Desaparece do mundo jurídico somente o poder punitivo estatal [...]” (Masson, 2014). Segundo DE PLÁCIDO E SILVA: Formado de punir, no concerto jurídico, assim se diz o direito de punir, isto é, o direito de aplicar a pena ao caso em espécie, inclusive o de impor o cumprimento de que é imposta pela condenação. Nesta razão, não ocorre a punibilidade quando não se mostra punível o ato praticado, ou a pena que lhe era imposta foi afastada. Assim, a punibilidade encerra sentido mais amplo que sanção penal, que se mostra a regra, onde se impõe a pena, pois que significa o direito de aplicar a pena e de exigir a efetividade dela ou o respectivo cumprimento. A punibilidade vai da efetividade da sanção penal à punição ou cumprimento da pena (Silva, 2005). • Pretensão punitiva: segundo GUSTAVO HENRIQUE BADARÓ, seria o “poder do Estado de exigir de quem comete um delito a submissão à sanção penal”. Através da pretensão punitiva o Estado-Administração procura tornar efetivo o ius puniendi, com o exigir do autor do crime, que está obrigado a sujeitar-se à sanção penal, o cumprimento dessa obrigação, que consiste em sofrer o delinquente as consequências do crime e se concretiza no dever de abster-se ele de qualquer resistência contra os órgãos estatais a que cumpre executar a pena. Porém, tal pretensão não poderá ser voluntariamente resolvida sem um processo, não podendo o Estado impor a sanção penal, nem o infrator submeter-se à pena. Assim sendo, tal pretensão já nasce insatisfeita. (Correlação entre acusação e sentença. 2ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. P. 68) (Lima, 2018). 1.2 CONCEITO Começamos aqui, neste ponto, tentando trazer a você a definição do que seja ação penal e direito de ação penal. Se, no Direito, normalmente já é difícil e controverso conceituar e atribuir natureza jurídica aos mais diversos institutos – aqui a dificuldade atravessa gerações. Já era assim ao tempo de JOSÉ FREDERICO MARQUES: Dizia SABATINI que a ação penal, pelas dificuldades e controvérsias que sugere, é tema verdadeiramente escabroso. E JOÃO MENDES JÚNIOR, tratando do problema da ação, teve de adentrar-se, como anotou COUTURE, nos domínios transcendentes da metafísica escolástica, tal a relevância e complexidade da matéria (Marques, 1997). De qualquer modo, vamos aqui fazê-lo compreender o direito de ação penal de uma forma mais simples e objetiva, observada a doutrina mais ortodoxa e dominante1. Por essa forma de pensar, concluímos que a definição de ação que temos lá da teoria geral do processo é, basicamente, a mesma aqui na área penal. Ao largo das controvérsias, como já dizia TORNAGHI, referindo-se à ação, “uma coisa é certa: o conceito é o mesmo tanto no cível quanto no crime” (Tornaghi, 1977). E para ilustrar a concepção cível sobre o direito de ação, trazemos a lição de ninguém menos do que LUIZ GUILHERME MARINONI, para quem o direito de ação “pode ser utilizado conforme as necessidades funcionais dos direitos fundamentais”, em outras palavras, “os direitos fundamentais materiais dependem, em termos de efetividade, do direito de ação”. Nessa condição “o direito de ação é um direito fundamental processual, e não um direito 1 Suficiente para você encarar as questões dos mais variados concursos públicos. Leonardo Ribas Tavares Aula 01 Direito Processual Penal p/ PC-PR (Delegado) - 2019.2 www.estrategiaconcursos.com.br 1451285 55314334925 - marcos santos 7 fundamental material, como são os direitos de liberdade, à educação e ao meio ambiente. Portanto, ele pode ser dito o mais fundamental de todos os direitos, já que imprescindível à efetiva concreção de todos eles”. Para o mestre, “a ação é a contrapartida natural da proibição da tutela privada, ou seja, é o instrumento de que o particular passou a fazer uso diante da eliminação da ‘justiça de mão própria’”. O direito de ação aparece exatamente no momento em que o Estado proíbe a tutela privada ou o uso da força privada para a realização e a proteção dos direitos. A partir daí o Estado assume o monopólio da solução dos conflitos e da tutela dos direitos e, por consequência lógica, dá ao privado o direito de acudir a ele. Esse últimodireito, antes denominado de direito de agir e agora chamado de direito de ação, é a contrapartida da proibição da realização privada dos direitos e, portanto, é devido ao cidadão como um direito à proteção de todos e quaisquer direitos. Ou seja, é um direito fundamental não apenas à tutela dos direitos fundamentais, mas sim à proteção de todos os direitos [...] (Marinoni, 2006). 1.2.1 Teorias da ação Muitas teorias, ao longo da história, tentaram definir um conceito de ação. A maior parte delas já foi descartada, tendo apenas valor histórico. Para maior clareza no tema, importante que pontuemos algumas, as mais importantes. a) Teoria imanentista – a ação seria imanente (no sentido de inerente, inseparável) ao direito material; uma coisa estaria umbilicalmente relacionada à outra; sem direito material, fulminado estaria o próprio direito de ação. SAVIGNY consolidou a teoria imanentista (teoria civilista ou concepção clássica) em 1840. Foi a primeira teoria, no direito moderno, que tentou estabelecer o conceito de ação processual. Defendia a ideia de que para cada direito material era imanente uma ação, em analogia à concepção original dos romanos (legis actionis). O direito material era indissociável, não autônomo, ao direito de movimentar a jurisdição. A ação e o direito subjetivo material constituíam uma só coisa, eram sinônimos, quer dizer, não há ação sem direito e não há direito sem ação. Partia do conceito de ação dado pelo jurista romano Celso: Nihilaliud est actioquamius quod sibidebeatur, indiciumpersequendi (A ação nada mais é do que o direito de perseguir em juízo o que nos é devido). WINDSCHEID demonstrou que essa actio não correspondia à ação processual moderna. O conceito seria mais adequado à pretensão de tutela jurídica estatal. Existiam quatro condições da ação: existência do direito, qualidade de parte, capacidade processual e interesse. Chegou a ser adotada por GARSONNET, MATTIROLO, JOÃO MONTEIRO, JOÃO MENDES JÚNIOR, CLÓVIS BEVILÁQUA e CÂMARA LEAL. Na crítica mais central, essa teoria não consegue explicar, por exemplo, as ações que são propostas e, ao final, são improcedentes. Ora, se são improcedentes é porque o direito material não existia – não existindo este, como a ação pôde ser exercida? A famosa polêmica entre Windscheid e Muther levou à conclusão de que o direito de ação era outro, diferenciado do direito material, teria autonomia – seriam realidades distintas. Por volta de 1850, houve disputa entre os juristas alemães WINDSCHEID e MÜTHER no sentido de conceber, ou não, a ação como direito autônomo, distinto do direito material. BERNHARD WINDSCHEID publicou, em 1856, obra intitulada A ação do direito civil romano do ponto de vista do direito atual, em que demonstra que o conceito romano de actio não coincidia em absoluto com o conceito de ação (Klage) daquele direito germânico. THEODOR MÜTHER, em 1857, publica Sobre a teoria da actio romana, do moderno direito de queixa, da litiscontestação e da sucessão singular nas obrigações, em revide a WINDSCHEID. Ele procurou demonstrar que havia uma perfeita coincidência entre a actio romana e a Klage germânica. No mesmo ano, WINDSCHEID respondeu a MÜTHER na obra intitulada A actio réplica ao Dr. THEODOR MÜTHER, acolhendo muitas das ponderações de seu opositor. Duas correntes doutrinárias surgiram a partir daí, ambas baseadas na autonomia. Leonardo Ribas Tavares Aula 01 Direito Processual Penal p/ PC-PR (Delegado) - 2019.2 www.estrategiaconcursos.com.br 1451285 55314334925 - marcos santos 8 b) Teoria da ação como direito autônomo e concreto – a ação estaria condicionada à existência do direito material; a ação seria um direito subjetivo, público e autônomo a uma decisão favorável. WACH (1860) acresceu à disputa a ideia de direito a uma sentença favorável: tem direito de ação quem tem razão, ou seja, direito de ação só existe se reconhecido concretamente em juízo. Nascia a teoria concreta da ação. Fundava-se a ideia de direito autônomo e público da ação. WACH dizia que ação é um direito público contra o Estado que deve garantir os direitos do autor contra o réu. Seguiram WACH, MÜTHER e HELLWIG. Alguns autores inserem CHIOVENDA, pois seu conceito de ação é idêntico ao de WACH, qual seja, ação é poder atribuído ao titular do direito subjetivo material. Esse titular invoca a proteção do Estado para tornar efetivo seu direito contra o obrigado. CHIOVENDA, assim como WACH, também tentou demonstrar a autonomia do direito de ação ao subordinar o direito de ação à existência de um direito para o autor. A existência do direito é pressuposto da ação. Devem concorrer, ainda, duas condições: legitimidade e interesse, sendo que o julgamento das condições da ação é o julgamento do mérito. A concepção é duramente criticada por não explicar o direito de ação declaratória negativa que visa reconhecer a inexistência de uma relação jurídica, esvaziando o conceito concreto de ação. OSKAR VON BÜLOW (1868) concebeu o processo como relação jurídica. Quanto à ação, posicionou-se como concretista, seguindo, pois, as teorias de MÜTHER e WACH. Doutrinava que a ação é o direito a uma sentença justa, mas só ocorre após a demanda. Anterior ao juízo, não existe. c) Teoria da ação como direito autônomo e abstrato – a ação estaria completamente desvinculada do direito material, configurada como o direito abstrato de buscar a tutela jurisdicional, não dependendo, por conseguinte, da existência do direito material. Coube a DEGENKOLB, na Alemanha, e PLÓSZ, na Hungria, em 1877, desenvolver a teoria da ação como direito público, eminentemente autônomo e abstrato. Conceberam, assim, a ação como direito incondicionado de movimentar a jurisdição, pouco importando o reconhecimento do direito material alegado. Essa teoria, abstrata da ação, define a ação como direito autônomo completamente desvinculado de qualquer direito subjetivo material. O direito à ação é abstrato porque outorgado pela ordem jurídica a quem invoca proteção jurisdicional. Ação é, assim, direito geral e abstrato a uma sentença favorável ou desfavorável. A partir de 1877, desvincula-se o direito de ação do direito subjetivo invocado e da análise de ser o direito material favorável ou não. Diferencia-se, de uma vez por todas, direito material de direito processual. A existência do direito material torna-se irrelevante para o direito de ação. Seguiram a concepção CARNELUTTI, COUTURE, ALFREDO ROCCO, ZANZUCCHI dentre outros. KÖHLER dizia que acionar é um direito individual decorrente da personalidade. Essa tese não vingou, por se adequar mais à Psicologia do que ao Direito, apesar de GOLDSCHMIDT ter suavizado a crítica ao referir-se ao conceito de ação como direito da personalidade. CHIOVENDA, em 1903, profere na Universidade de Bolonha conferência intitulada A ação no sistema dos direitos, concebendo a ação como "o poder de criar a condição para a atuação da vontade da lei". Integra, assim, a ação na categoria dos chamados direitos potestativos (poderes de produzir efeitos jurídicos determinados). Para CHIOVENDA, a ação é um poder puramente ideal, quer dizer, o poder de produzir determinados efeitos jurídicos (atuação da lei), mas ação é direito autônomo. Essa teoria da ação como direito potestativo é inserida no grupo da concepção concreta, pois a ação, para CHIOVENDA, não pressupõe necessariamente um direito subjetivo, mas só existe direito de ação quando a sentença é favorável ao autor. Ação é direito potestativo, de poder jurídico (kannRechte), a quem tem razão contra quem não a tem. Não se propõe contra o Estado, mas contra o adversário, porque o Estado é que tem interesse da escolha da razão; por isso provê juízes. A vitória na demanda seria uma condição da ação sendo ele o primeiro processualista a formular a teoria das condições da ação. Conceitua-as como condições necessárias para se obter um pronunciamento favorável. Para CHIOVENDA, as condições da ação são questões de mérito,por isso é considerado adepto à concepção concreta do direito de ação, que seria autônoma, mas que estaria sempre voltada à realização efetiva do direito substantivo da parte. De forma que não faz uma separação nítida entre as condições da ação e o mérito. Diz ele que os pressupostos processuais são "condições para a obtenção de um pronunciamento qualquer, favorável ou desfavorável, sobre a demanda". Já as condições da ação seriam "condições de uma decisão favorável ao autor". Para CHIOVENDA, pois, a falta de condição da ação leva à rejeição do pedido do autor produzindo sempre coisa julgada, como decisão de mérito. É dizer: o julgamento das condições da ação é o julgamento do mérito. As condições da ação são condições de mérito. Seguiram CHIOVENDA, WEISMANN, REDENTI, ELIÉZER ROSA, CELSO AGRÍCOLA Leonardo Ribas Tavares Aula 01 Direito Processual Penal p/ PC-PR (Delegado) - 2019.2 www.estrategiaconcursos.com.br 1451285 55314334925 - marcos santos 9 BARBI. CALAMANDREI também seguiu CHIOVENDA. Para ele, a ação era direito subjetivo autônomo (existia por si mesmo). Daí dizer que havia um direito processual e outro material. CARNELUTTI definiu a ação como "o direito subjetivo processual das partes". Também dizia que o interesse individual do autor é diferente do interesse da ação. Aquele pretende a solução favorável do litígio; esse, a composição do litígio. CARNELUTTI é criticado por falar que a ação é contra o juiz, porque o juiz e o Estado não podem ser separados. Já EDUARDO COUTURE, jurista uruguaio, definiu a ação como "o poder jurídico que tem todo o sujeito de direito de recorrer aos órgãos jurisdicionais para reclamar deles a satisfação de uma pretensão". Seguindo a linha do tempo, UGO ROCCO define ação como "o direito de pretender a intervenção do Estado e a prestação da atividade jurisdicional, para a confirmação ou realização coativa dos interesses (materiais ou processuais) protegidos em abstrato pelas normas de direito subjetivo". ZANZUCCHI defende a teoria abstrata da ação, segundo a qual, além de ser um direito autônomo frente ao direito material controvertido - conceitualmente -, independe a ação da própria existência de tal direito subjetivo. Ele assume perante o problema das condições da ação posição bem diferente da de CHIOVENDA. Seu entendimento é que as condições da ação, os pressupostos processuais e o mérito da causa são categorias distintas. As condições da ação são "os requisitos do poder de agir" diante do caso concreto, a fim de alcançar o provimento final a que tende a ação. d) Teoria eclética – a ação existe ainda que o exercente não seja titular do direito material que afirma existir, mas ele terá de cumprir as condições da ação para que haja o exame do mérito. O direito só existirá se o autor preencher essas condições. LIEBMAN lança bases para a teoria eclética da ação. Para o processualista, ação é direito de provocar o exercício da função jurisdicional, direito subjetivo que consiste no poder de criar situação a que o exercício desta função está condicionado. É dirigida contra o Estado, a fim de que esse dê provimento jurisdicional. Para isso, a ação depende de requisitos constitutivos (as condições da ação). "Só se estiverem presentes essas condições é que se pode considerar existente a ação, surgindo para o juiz a necessidade de julgar o pedido, para acolhê- lo ou rejeitá-lo". O direito de ação é um agir contra o Estado, em sua condição de titular do poder jurisdicional, i.e., direito de ação é direito à jurisdição. Não há ação sem jurisdição e vice-versa. Nisso concordam também os adeptos da teoria abstrata. Para ENRICO TULLIO LIEBMAN, só há jurisdição quando ultrapassada a fase de averiguação prévia. Se há alguma condição prévia não presente para que o juiz possa decidir sobre o mérito da causa, a decisão que encerra o processo não é verdadeiramente jurisdicional e não haverá exercício de ação. O direito de ação é direito a sentença de mérito favorável ou não ao autor, sendo necessário as condições da ação que se apresentam como pré-requisitos à apreciação do mérito da causa. Na terceira edição de seu manual, retirou a possibilidade jurídica do pedido dentre as condições da ação, subsumindo-a ao interesse de agir. Paradoxalmente, o legislador brasileiro passou a adotar, naquele momento, a primeira posição do professor italiano, pelo art. 267, VI, do CPC. Com LIEBMAN, deu-se sentido próprio à expressão carência da ação, fazendo surgir a teoria do trinômio: pressupostos processuais, condições da ação e mérito da causa. É a teoria mais aceita. FAZZALARI faz a revisão do conceito de ação tomando como critério a legitimação para agir, que não pode ser atribuída apenas ao autor, mas se estende a todos os sujeitos do processo, o que é perfeitamente lógico, pois sem a legitimação para agir não se poderia compreender o fundamento jurídico de seus atos (As condições da ação penal e o julgamento de mérito abusivo). A última corrente é majoritária e acolhida pelo Código de Processo Civil. Tem sido aprimorada por autores que sustentam, basicamente, que as condições da ação são requisitos para o legítimo exercício do direito que é assegurado na Constituição Federal. Por essa mais moderna concepção, a carência de ação está mais para um abuso do direito de ação do que para a inexistência desse mesmo direito. 1.2.2 Conceito no processo penal O direito de ação se caracteriza numa prerrogativa subjetiva e abstrata de invocar a tutela jurisdicional. Segundo a conclusão mais enxuta de HÉLIO TORNAGHI, na obra A relação processual penal, “a ação é o direito subjetivo público que tem qualquer pessoa de exigir do Estado a prestação jurisdicional” (Tornaghi, 1987). Nas diferentes palavras de vários mestres: Leonardo Ribas Tavares Aula 01 Direito Processual Penal p/ PC-PR (Delegado) - 2019.2 www.estrategiaconcursos.com.br 1451285 55314334925 - marcos santos 10 JOSÉ FREDERICO MARQUES: A ação penal é o direito de agir exercido perante os juízes e tribunais da justiça criminal. [...] O direito de agir, em seu aspecto geral, é o direito à jurisdição. [...] Se o Estado deve atribuir justiça e tem para isso o aparelhamento judiciário adequado, aqueles que necessitem da atividade jurisdicional, para a resolução de situações contenciosas, devem ter o direito de levar à apreciação dos tribunais suas causas e litígios (JOSÉ ALBERTO DOS REIS). [...] A ação penal é o direito de invocar-se o Poder Judiciário para aplicar o direito penal objetivo; e, como dela se serve o Estado para tornar efetivo o seu ministério penal, a ação é também um momento da persecução criminal [...]. É o direito que tem o Estado-Administração, em face do Estado-juiz, ao julgamento sobre o mérito de uma pretensão punitiva regularmente deduzida na acusação (Marques, 1997). HÉLIO TONAGHI, afastando a ideia – calcada na linguagem imperativa dos artigos 24 e 42 do CPP – de que a ação penal seria um poder-dever, assevera: Mas cumpre não esquecer que o titular da ação pública é o Estado; o Ministério Público é apenas um órgão dele. O Estado tem, realmente, disponibilidade da ação. Isso fica manifesto ao considerar-se que ele pode (por seus órgãos competentes) conceder anistia e, desse modo, embora por via oblíqua, dispor do direito de ação. O dever de agir do Ministério Público existe perante o Estado, de que ele é órgão. Enquanto o Estado não dispuser de seu direito, é claro que o Ministério Público não tem como arrogar-se o poder de fazê-lo. Dizer que a ação pública não é um direito, apenas porque o Ministério Público dela não pode abrir mão, é o mesmo que afirmar: a propriedade privada, nos regimes capitalistas, não é um direito subjetivo porque dela não podem dispor os prepostos, gerentes, administradores ou empregados do proprietário. [...] mesmo no Direito italiano, o fato de o Ministério Público não poder motu proprio, arquivar o inquérito, não significa que o Estado não possa dispor da ação penal (quelá é sempre pública). O Estado, não o Ministério Público! O direito é daquele, não desse que é apenas seu órgão. Em outras palavras: o Estado abre mão de seu direito por via de um órgão e o exerce por meio de outro. Consequentemente, esse tem o dever de exercê-lo. Mas o fato de não lhe competir dispor do direito não significa que ele inexista, ou que não possa ser objeto de renúncia por via de outro órgão. [...] é insofismável que se trata de autêntico direito subjetivo. [...] No cível, como no crime, a ação é direito a uma decisão judicial (Tornaghi, 1977). MAGALHÃES NORONHA, referindo-se à ação penal: [...] é o direito do Estado-Administração de pedir ao Estado-Juiz a aplicação da lei. Como escreve CANUTO MENDES DE ALMEIDA: “O aparelho judiciário é, geralmente, inerte. Seu funcionamento depende de solicitação exterior; a jurisdição só se move mediante esse impulso. Essa solicitação ou impulso, que à lei incumbe determinar, é a ação: uma atividade de pessoas que querem ou que devem garantir pela coação do poder público a efetividade de um direito e que, nos termos legais, constitui condição do procedimento jurisdicional”. Conceituou-a JOÃO MENDES DE ALMEIDA JÚNIOR como “o direito de invocar a jurisdição do juiz; é um atributo do autor; é direito de requerer em juízo aquilo que é devido ao autor [...]”. Em síntese, a ação, de que se cogita, é o direito de invocar-se o Poder Judiciário para aplicação do direito objetivo (Noronha, 1995). GUILHERME DE SOUZA NUCCI: É o direito do Estado-acusação ou do ofendido de ingressar em juízo, solicitando a prestação jurisdicional, representada pela aplicação das normas de direito penal ao caso concreto. Por meio da ação, tendo em vista a existência de uma infração penal precedente, o Estado consegue realizar a sua pretensão de punir o infrator. Trata-se do “poder jurídico de promover a atuação jurisdicional a fim de que o julgador se pronuncie acerca da punibilidade dos fatos que o titular da demanda reputa constitutivos do delito”. Na ótica de ROGÉRIO LAURIA TUCCI, ação é a “atuação correspondente ao exercício de um direito abstrato (em linha de princípio, até porque, com ela, se concretiza), autônomo, público, genérico e subjetivo, qual seja o direito à jurisdição”. Como bem anota JOÃO MENDES DE ALMEIDA JÚNIOR, “a ação é sempre um movimento e todo o movimento parte de um princípio e tende a um fim. Não há movimento infinito”. Leonardo Ribas Tavares Aula 01 Direito Processual Penal p/ PC-PR (Delegado) - 2019.2 www.estrategiaconcursos.com.br 1451285 55314334925 - marcos santos 11 RENATO BRASILEIRO chama a atenção para a distinção entre o direito de ação com a ação, propriamente dita: “direito de ação é o direito de se exigir do Estado o exercício da jurisdição. Ação, todavia, é o ato jurídico, ou mesmo a iniciativa de se ir à justiça, em busca do direito, com efetiva prestação da tutela jurisdicional, funcionando como a forma de se provocar o Estado a prestar a tutela jurisdicional” (Lima, 2018). PAULO RANGEL recorre à etimologia para a conceituação: O vocábulo ação vem da expressão em latim actio, que significa agere, que, como nos informa ENRIQUE VÉSCOVI, “no direito primitivo o autor devia atuar, isto é, reproduzir mimicamente, perante o tribunal, o fato fundamental de sua reclamação” (Teoría general del proceso. 2. ed. Bogotá: Temis, 1999. p. 64; tradução nossa). Diante de todo o quadro acima exposto, podemos definir o direito de ação como sendo um direito subjetivo de se invocar do Estado a prestação jurisdicional, pois, havendo o Estado monopolizado a administração da Justiça, deve dar a cada um o que lhe é devido. [...] Na medida em que o Estado proibiu o fazer justiça pelas próprias mãos (cf. art. 345 do CP), assumindo, por inteiro, o monopólio da Justiça, mister se faz dar ao cidadão um instrumento para que ele possa reclamar o que é seu. Este é o direito de ação (Rangel, 2018). AURY LOPES JÚNIOR, assim define: Concebemos a “ação” como um poder político constitucional de acudir aos tribunais para formular a pretensão acusatória. É um direito (potestativo) constitucionalmente assegurado de invocar e postular a satisfação da pretensão acusatória. [...] a ação processual penal é um direito potestativo de acusar, público, autônomo e abstrato, mas conexo instrumentalmente ao caso penal (Júnior, 2018). PACELLI e FISCHER bem arrematam: Do ponto de vista processual, a ação é o ato de ir a juízo, submetendo ao Poder Judiciário uma dada pretensão, qualquer que seja ela. Uma vez que a tarefa de dizer o direito é atribuída aos órgãos do Estado, integrantes do Poder Judiciário, que, para isso, exercem a chamada função jurisdicional (de jurisdição), devem esses órgãos se manifestar sobre os pedidos a eles apresentados pelos jurisdicionados. E de tal dever resulta uma obrigação, qual seja a de prestar jurisdição, ou, da prestação jurisdicional. Note-se que a expressão “prestação” tem precisamente a finalidade de revelar uma obrigação, de tal maneira que, com ela, se consiga chegar sem maiores dificuldades à ideia de uma relação jurídica, na qual uma parte, o autor, pode exigir do Estado (Poder Judiciário) um pronunciamento sobre determinada questão. Nessa ordem de ideias, o autor exerceria um direito de ação em face do Estado, que, por sua vez, seria devedor de uma prestação jurisdicional. Por seu turno, o réu de uma ação se encontraria em uma posição de submissão (à ação), no sentido de que não lhe seria cabível recusar a ação contra si proposta. Nesse aspecto, se, em relação ao Estado (Poder Judiciário), o autor da ação exerce direito, exigindo-lhe a obrigação da jurisdição devida, já em relação ao réu, a natureza dessa ação assemelha-se mais a um verdadeiro exercício de poder, ao qual este (réu) se acha submetido, já que não se lhe faculta a opção de ser ou não acionado. No fim das contas, no que se refere ao exame da questão sob a perspectiva da chamada Teoria Geral do Processo, adequada ao processo civil mas não ao processo penal (exceção feita à ação penal privada), aquele que se julga em condições de exigir de outra pessoa um comportamento, uma omissão, ou ainda uma prestação de outra natureza, tem o direito de provocar a atuação do Poder Judiciário – direito de ação – que, por seu turno, deve necessariamente se manifestar sobre a pretensão deduzida, ainda que seja para repeli-la integralmente. Sob essa perspectiva, a ação é um direito subjetivo público, exercido contra o Estado, abstrato, porque independe da procedência ou não da pretensão. Esta é a concepção acolhida pela grande maioria da doutrina nacional (Pacelli, et al., 2018). Podemos encontrar a base normativa para o direito de ação na Constituição Federal, art. 5º: XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito; direito ação jurisdição Leonardo Ribas Tavares Aula 01 Direito Processual Penal p/ PC-PR (Delegado) - 2019.2 www.estrategiaconcursos.com.br 1451285 55314334925 - marcos santos 12 Compreenda-se, por essa norma, que todos nós temos o direito, quando nos sentirmos lesados e usurpados em nossas prerrogativas e garantias, de levarmos ao Poder Judiciário essas questões para ‘apreciação’ (não necessariamente, portanto, ‘procedência’). Nenhuma lei pode excluir esse nosso direito – princípio da inafastabilidade da jurisdição ou cláusula de acesso à justiça. 1.3 NATUREZA JURÍDICA DAS NORMAS SOBRE AÇÃO PENAL Além dessa previsão constitucional, nossos códigos também têm disposições que disciplinam a ação penal. O Código Penal faz isso nos artigos 100 a 106, ao passo que o Código de Processo Penal regulamenta o instituto nos artigos 24 a 62. Interessante notar, portanto, que a ação está prevista em ambos os Códigos, o que pode traduzir a seguinte dúvida: estamos diante de um instituto jurídico de direito processual (adjetivo) ou material (substantivo)? A dúvida é relevante, com respostas que geram consequências na interpretaçãodas normas (como sabemos). Na visão de FREDERICO MARQUES, a ação penal é “um instituto de processo, e não de direito material. [...] se insere no processo e está subordinada à mesma regulamentação normativa que disciplina atos processuais, isto é, ao direito processual. O titular da ação tem por isso mesmo, um direito subjetivo de caráter processual” (Marques, 1997). No mesmo sentido caminha PAULO RANGEL: Não temos dúvida em afirmar que a norma que trata e regula o direito de ação é norma puramente processual. O direito é previsto em norma material (cf. art. 5º, XXXV, da Constituição Federal), porém a disciplina e a regulamentação deste direito encontram-se no direito processual. Hodiernamente, a autonomia do direito processual é plenamente reconhecida, pois foi o tempo em que o direito processual era um complemento do direito material. O fato de a ação estar prevista tanto no CP como no CPP (cf. arts. 100 do CP e 24 do CPP) não pode levar o intérprete a pensar em uma natureza mista. Não. Pois, na medida em que demonstramos a autonomia e a abstração do direito de agir, inclusive que este direito preexiste à prática do delito, claro nos parece que a natureza da norma é, exclusivamente, processual. Aliás, já se disse, alhures, que o caráter processual da norma “se infere não da sua localização – que constitui um dado de identificação importante, mas, certamente, não vinculante –, e, sim, do objeto, do seu conteúdo, da sua finalidade” (cf. TOURINHO FILHO. Processo penal. 18. ed. v. I, p. 299). A identificação dessa natureza não é mero deleite doutrinário, pois, à medida que tratarmos da representação na ação penal pública condicionada, teremos que enfrentar a retroatividade ou não do art. 88 da Lei no 9.099/1995 [...]. Portanto, o “processo é uma garantia outorgada pela Constituição da República à efetivação do direito (subjetivo material e público) à jurisdição, ou seja, à tutela jurisdicional do Estado” que somente pode ser exercida através da ação, que, por sua vez, independe da existência do direito material violado ou ameaçado de violação. Neste caso, sua natureza processual é patente (TUCCI, Rogério Lauria. Teoria do direito processual penal: jurisdição, ação e processo penal – estudo sistemático. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 202). MAGALHÃES NORONHA diz que “a ação, como direito, encontra sua sede própria no Código Penal; o de Processo regula o exercício desse direito. Essa razão por que ambos os estatutos se ocupam da ação”. TORNAGHI assim explica: No que respeita à colocação das normas sobre ação penal, as legislações se dividem em dois grupos: - o primeiro segue o modelo francês que trata do assunto exclusivamente na lei de processo: a princípio no Code d’Instruction Criminelle, de 1808, e, atualmente, no Code de Procédure Pénale, de 1957; - o segundo afasta- se desse modelo e contém regras sobre a ação penal na lei substantiva e na processual. É o seguido no Leonardo Ribas Tavares Aula 01 Direito Processual Penal p/ PC-PR (Delegado) - 2019.2 www.estrategiaconcursos.com.br 1451285 55314334925 - marcos santos 13 Brasil e entendo que o mais correto; - ação é um direito objetivo como outro qualquer. Da mesma forma que o Código Civil disciplina o nascimento, as transformações e a extinção dos direitos civis (p. ex., propriedade, crédito, direitos sobre coisas alheias etc.), assim também cabe ao Código Penal regular o aparecimento, as vicissitudes e a morte do direito de ação. É matéria de Direito substantivo a titularidade do direito, sua constituição, seu perecimento; - ao contrário dos demais direitos, entretanto, o de ação somente pode ser exercido em juízo, no processo. Consequentemente são de Direito Processual as normas sobre o exercício do direito de ação; - observe-se que os códigos civis contêm sempre inúmeros preceitos sobre o direito de ação, exatamente aqueles que respeitam à titularidade, à constituição, às transformações e à perda do direito subjetivo de ação (Tornaghi, 1977). BRASILEIRO defende a natureza mista: “não obstante sua previsão no CPP, como a ação penal tem estreita relação com o direito de punir do Estado, não deixa de ter também caráter penal”. Referido autor ainda exemplifica algumas consequências concretas da distinção, que merecem transcrição: A constatação de sua natureza mista tem extrema importância quando nos deparamos com as recentes leis que introduziram modificações quanto às espécies de ação penal. Basta ver, nessa linha, o exemplo da Lei nº 12.015/09, que transformou os crimes sexuais, pelo menos em regra, em crimes de ação penal pública condicionada à representação (CP, art. 225, caput). Fosse o direito de ação considerado de natureza estritamente processual, aplicar-se-ia o art. 2º do CPP, com a regra do princípio da aplicação imediata. Porém, a partir do momento em que se constatam os reflexos que o exercício do direito de ação produz em relação ao ius puniendi, não se pode deixar de aplicar a regra da irretroatividade da lei mais gravosa, ou da retroatividade da lei mais benéfica. Exemplificando, se determinado crime era de ação penal pública incondicionada e passa a ser de ação penal de iniciativa privada, forçoso é concluir que se trata de lex mitior. Afinal, a partir do momento em que determinado crime passa a ser de ação penal de iniciativa privada, maior será a possibilidade de incidência de causas extintivas da punibilidade, como a decadência, a renúncia, o perdão e a perempção. Por outro lado, se determinado delito era de ação penal de iniciativa privada e uma lei nova o transforma em crime de ação penal pública condicionada à representação – veja-se o exemplo da Lei nº 12.033/09, que alterou a natureza da ação penal do crime de injúria racial, antes de ação penal de iniciativa privada, hoje de ação penal pública condicionada à representação – cuida-se de evidente novatio legis in pejus, não podendo retroagir. De fato, a partir do momento em que o crime passa a ser de ação penal pública condicionada à representação, não serão mais cabíveis a renúncia, o perdão e a perempção como causas extintivas da punibilidade, subsistindo apenas a possibilidade de decadência do direito de representação. Evidente, portanto, tratar-se de lei nova prejudicial ao acusado, logo, irretroativa (Lima, 2018). 1.4 CARACTERÍSTICAS DO DIREITO DE AÇÃO PENAL A doutrina costuma trazer algumas características da ação penal ou do direito de ação. Embora procuremos separar uma coisa de outra (ação e direito de ação), elas estão muito relacionadas. Vejamos: a) Direito público: a atividade que se invoca com o seu exercício é pública (jurisdição); mais que isso, o seu titular é o Estado e “mesmo nas hipóteses em que o Estado transfere ao ofendido a possibilidade de ingressar em juízo (v.g. em regra, nos crimes contra a honra), tal ação continua sendo um direito público, razão pela qual se utilizada expressão ação penal de iniciativa privada – vide exemplo do art. 100, §§ 2º e 3º, do Código Penal” (Lima, 2018). Lembremos, ainda, que é um “direito de agir exercido perante juízes e tribunais da justiça criminal” (Marques, 1997), de maneira que, por todos ângulos que analisemos o instituto, sua natureza pública é evidente. AÇÃO mista processualmaterial Leonardo Ribas Tavares Aula 01 Direito Processual Penal p/ PC-PR (Delegado) - 2019.2 www.estrategiaconcursos.com.br 1451285 55314334925 - marcos santos 14 b) Direito subjetivo: “o titular do direito de ação penal pode exigir do Estado-Juiz a prestação jurisdicional, relacionada a um caso concreto” (Lima, 2018). “A ação é, pois, um direito subjetivo (posto que inerente a cada indivíduo)” (Pacelli, et al., 2018). c) Direito autônomo e abstrato: “não se confunde com o direito material que se pretende tutelar” (Lima, 2018). Direito material é uma coisa e direito de ação é outra! Façamos uma indagação para retratar mais concretamente a diferença: ação penal e pretensão punitiva/direitode punir (jus puniendi) são a mesma coisa? NÃO; “a ação penal não surge do crime e basta a suspeita de ter sido praticada uma infração para que ela tenha cabimento. O que nasce do crime é a pretensão punitiva” (Tornaghi, 1977). Do crime não nasce a ação penal. Esta, “como um dos momentos da persecução ao crime, precede ao delito, é a este anterior. O que decorre do crime é a pretensão punitiva. O direito de agir para pôr em movimento os órgãos de jurisdição penal, o Ministério Público o possui em abstrato, pela só razão de não ser auto- executável o direito de punir” (Marques, 1997). Enquanto no processo civil, a pretensão, traduzida no desejo de subordinação de um interesse alheio ao próprio, diz respeito, em regra, a questões econômicas, patrimoniais, ou, de todo modo, que permitam a individualização do interesse do autor (mesmo nas ações civis coletivas e/ou difusas o interesse pode ser individualizado), no processo penal a pretensão, do ponto de vista processual, isto é, da solução judicial requerida, é punitiva (Pacelli, et al., 2018). BRASILEIRO destaca que “no processo penal costuma-se trabalhar com o que se convenciona chamar de pretensão punitiva, que significa a pretensão de imposição da sanção penal ao autor do fato tido por delituoso. Pretensão, por sua vez, deve ser compreendida como a exigência de subordinação do interesse alheio ao próprio”. PACELLI e FISCHER têm uma visão diferenciada sobre o ‘direito’ de punir, encarando- o, em verdade, como um poder-dever: Jus puniendi? Vistas assim as coisas, não há como acolher secular doutrina no sentido da existência de um jus puniendi, ou, no vernáculo, de um direito de punir. Ora, todo Estado politicamente organizado reivindica a si o exercício de uma soberania legiferante, no sentido de reservar-se competência e poderes para a regulamentação da vida social e coletiva. Dentro dessa competência é que se encontraria também a competência legislativa penal, de alta complexidade, porquanto submetida a princípios constitucionais específicos (vedação de excesso, como proibição da insignificância ou da bagatela; legalidade, e, em consequência, anterioridade da lei penal, legalidade estrita, não só como exigência de lei para a incriminação, mas de lei com descrição taxativa da matéria proibida etc.). Então, o que se pode afirmar é a existência de um poder de incriminação ou de criminalização de condutas, desde que destinada à proteção contra graves violações aos direitos fundamentais (tutela da vida, da integridade física e psíquica, das liberdades pessoais – sexual, de locomoção, de religião, de opinião, da fé pública, da Administração Pública, do Erário etc.). Trata-se de poder, consectário da manifestação da soberania estatal em relação à ordem jurídica interna. No plano da ação penal, portanto, o seu exercício implica atuação por dever de aplicação da lei penal e não por direito de punição (Pacelli, et al., 2018). De qualquer modo, não há se confundir o direito de ação com o direito material. Do crime nasce a pretensão punitiva estatal (direito material), mas não o direito de ação (direito processual), que preexiste à prática da infração penal, aliás, como demonstra o direito constitucional (art. 5º, XXXV, CF). É justamente a pretensão (tender à atuação de um direito) de punir do Estado que fará movimentar a ação penal (Nucci, 2018). Como diz AURY LOPES JÚNIOR, “a ação é um direito dos que têm razão e também dos que não a têm. Haverá ação ainda que, ao final, o réu seja absolvido” (Júnior, 2018). Leonardo Ribas Tavares Aula 01 Direito Processual Penal p/ PC-PR (Delegado) - 2019.2 www.estrategiaconcursos.com.br 1451285 55314334925 - marcos santos 15 JOSÉ FREDERICO MARQUES, didaticamente, assim consolida: Não se confunde assim, a ação penal com o direito punitivo material do Estado, da mesma forma que se apresentam distintos os direitos subjetivos privados e a ação civil. Depois que a doutrina da ação, em consequência de laboriosas e fecundas especulações técnico-jurídicas, separou o direito de agir do direito subjetivo material, aceito ficou que o jus actionis é autônomo e independente. Quem propõe em juízo uma causa, onde é pleiteado o pagamento de uma dívida, está exercendo o direito de ação; mas, se julgado improcedente o pedido, por inexistir o crédito reclamado, houve o exercício do jus actionis, apesar de declarado inexistente o direito subjetivo material consubstanciado no crédito litigioso. É o que também acontece no processo penal, porque mesmo que proposta a ação penal, pode a sentença declarar que não houve crime; e então, apesar de faltar o jus puniendi, nem por isso deixou de existir a ação penal, que foi plenamente exercida. Infere-se dessas considerações que a ação, antes de mais nada, é um direito abstrato que investe seu titular da faculdade de invocar o poder público, por meio de seus órgãos judiciários, para aplicar a norma legal objetiva e solucionar um litígio de interesses em conflito. Este é o primeiro aspecto do direito de ação, e que, como diz LIEBMAN, se projeta em cheio no campo do Direito Constitucional, como um dos direitos fundamentais do indivíduo. JELLINEK, por isso, conceituava a ação como um direito subjetivo público, emanado do status civitatis, exercido contra o Estado para exigir deste uma prestação jurisdicional. O conceito de ação como direito abstrato de agir, depois de ter ganho os domínios do processo civil, é também hoje o entendimento vitorioso no processo penal, abraçando-o, dentre outros, os nomes insignes de ERNEST V. BELLING, F. GRISPIGNI, G. LEONE e ALCALÁ-ZAMORA (Marques, 1997). Mais que pertinente, novamente, a lição de TORNAGHI, inclusive com gráfico de sua autoria: Conclusão. Do ligeiro escorço apresentado, vê-se logo que a ação está longe de ser mero aspecto do direito ou mesmo outro direito decorrente da lesão do primeiro. Os exemplos da ação declaratória e da ação em que o autor sucumbe por improcedência do pedido estão a mostrar que pode haver ação sem que haja qualquer direito ferido ou ignorado. Em outras palavras: evidenciam a autonomia do direito de ação, sua existência independente, per se. E, por outro lado, a evolução sofrida pelo conceito, mercê da organização judiciária do Estado, demonstra que a ação é movida pelo autor contra o Estado, que ela é o direito subjetivo público de exigir do Estado que faça justiça, e, pois, não é relação entre autor e réu (a antiga ação direta), mas, exclusivamente, relação entre autor e Estado. [...] Ao contrário, sendo o direito de ação pertinente ao particular, sendo direito pré-processual, existe pelo simples fato de o Estado proibir a justiça privada e de se impor o dever de justiça pública. Neste sentido é que se deve realmente entender o caráter abstrato do direito de ação [...]. De tudo quanto foi dito se infere: a ação é o direito subjetivo público que tem qualquer pessoa de exigir do Estado a prestação jurisdicional. Essa definição convém a todos os tipos de ação. No arcabouço da relação processual, a ação ocupa somente um dos lados: aquele que liga autor e Estado (juiz), por um direito do primeiro e um dever do segundo. Paralelo a esse direito, mas em sentido oposto, figura o poder jurisdicional do Estado, a que o autor está sujeito (status subiectionis). Mas a relação é angular. O outro lado do ângulo é também formado por dois vetores paralelos e em sentido oposto: o direito de defesa do réu e o poder jurisdicional do Estado sobre ele. d) Direito instrumental: na medida em que a ação serve de meio para se alcançar uma finalidade – a aplicação do direto material ao caso concreto (jurisdição). Leonardo Ribas Tavares Aula 01 Direito Processual Penal p/ PC-PR (Delegado) - 2019.2 www.estrategiaconcursos.com.br 1451285 55314334925 - marcos santos 16 A ação, disse-o LIEBMAN, é um direito ao meio, e não um direito ao fim. Se a ação penal fosse um direito concreto à condenação, não haveria o jus actionis,se absolvido o réu [...]. A ação penal é o instrumento de aplicação do direito penal objetivo, no tocante a uma situação concreta consubstanciada na pretensão punitiva. A ação penal não é consequência dessa pretensão, e sim o instrumento ou meio para que os órgãos jurisdicionais profiram uma decisão sobre a acusação formulada em juízo (Marques, 1997). e) Direito conexo: no sentido de estar relacionado a uma pretensão de direito material. No campo da Justiça criminal, esse nexo se estabelece entra a ação penal e a pretensão punitiva, sem embargo de não depender o direito de agir do direito de punir. [...] é “um direito subjetivo instrumentalmente conexo a uma situação concreta”. O direito de agir está coordenado a uma pretensão punitiva, que, em juízo, é deduzida por meio da acusação, a qual se torna, assim, o objeto da ação penal (Marques, 1997). BRASILEIRO fala em direito determinado e direito específico em relação a essa última característica2. Aliás, referido autor, com propriedade, destaca que a concepção clássica de CARNELUTTI quanto à lide (conflito de interesses qualificado por uma pretensão resistida) deve ser evitada no processo penal. Em primeiro lugar, porque não haveria um conflito de interesses, já que o interesse na preservação da liberdade individual também é um interesse público, uma vez que interessa ao Estado, na mesma medida, a condenação do culpado e a tutela da liberdade do inocente. No processo penal, o Estado pretende apenas a correta aplicação da lei penal. Ademais, mesmo que o imputado esteja de acordo com a imposição da pena, com o que não haveria qualquer resistência de sua parte ao pedido condenatório, ainda assim a defesa técnica será indispensável no processo penal, valendo lembrar ser inviável a aplicação de pena sem a existência de processo em que sejam assegurados o contraditório e a ampla defesa (nulla poena sine judicio) (Lima, 2018). Doutrina Complementar GUSTAVO BADARÓ (Processo penal, 3ª ed., São Paulo – RT, 2017): O direito de ação previsto na Constituição (art. 5.º, XXXV) não assegura apenas o mero direito de ingresso em juízo. Na verdade, assegura o direito à efetiva e adequada tutela jurisdicional. O direito de ação não corresponde somente ao ato inicial de demandar (ingresso em juízo), compreendendo também o exercício de direitos, poderes e faculdades ao longo de todo o desenvolvimento do processo (direito de ação analítico), para se obter um provimento de mérito (direito de ação liebmaniano), conferindo uma adequada tutela jurisdicional (direito à tutela jurisdicional). As teorias sobre o direito de ação podem ser agrupadas em três grandes classes: as teorias imanentistas do direito de ação, as teorias (autonomistas) concretas do direito de ação e as teorias (também autonomistas) abstratas do direito de ação, com destaque, nestas, para a teoria de LIEBMAN. Para as teorias imanentistas, não há autonomia do direito de ação em relação ao direito subjetivo material reclamado em juízo. [...] A principal crítica a tais teorias é que os processos com sentenças de improcedência (o autor não tem o direito alegado) seriam processos sem ação! Também na tutela meramente declaratória negativa, em que o autor pede que seja declarada a inexistência de uma relação jurídica (por exemplo, declarar a nulidade de um contrato), a procedência significa a inexistência do direito material, o que significaria que no caso também não havia o direito de ação. [...] Para 2 Talvez não sejam as melhores definições para as características. Para não haver confusão, melhor a didática de JOSÉ FREDERICO MARQUES. d ir e it o d e a çã o público subjetivo autônomo e abstrato instrumental conexo Leonardo Ribas Tavares Aula 01 Direito Processual Penal p/ PC-PR (Delegado) - 2019.2 www.estrategiaconcursos.com.br 1451285 55314334925 - marcos santos 17 as teorias autonomistas, o direito de ação (processual) não se confunde com o direito subjetivo (material) debatido no processo. Todavia, trata-se de teorias concretas do direito de ação, dado que este somente existe se, no caso posto em julgamento concretamente também existir o direito material. [...] O máximo grau de separação entre o direito de ação (processual) e o direito material é atingido pelas teorias abstratas do direito de ação. O direito de ação não se confunde com direito subjetivo (material) debatido no processo. A ação é um direito abstrato, posto que existe abstração feita da própria existência do direito material debatido. Desenvolvidas na Alemanha por DEGENKOLB e na Hungria por PLÓSZ, as teorias abstratas defendem que o direito de ação independe da efetiva existência do direito material invocado. Há direito de ação mesmo que o processo tenha terminado com uma sentença de improcedência (contrária ao direito do autor), ou com uma sentença injusta (concede direito a quem realmente não o tem), ou, ainda, com uma sentença que não julgue o mérito (sentença terminativa). Outra característica de tais teorias é que o direito de ação é movido contra o Estado, pois ele tem o poder-dever de exercer a jurisdição. [...] A teoria de LIEBMAN não deixa de ser uma teoria abstrata do direito de ação, posto que há o direito de ação, mesmo quando o provimento jurisdicional não é favorável ao autor. O direito de ação não é o direito a uma sentença favorável, mas o direito ao julgamento do mérito. Para LIEBMAN, o direito de ação é um direito público subjetivo, instrumentalmente conexo a uma pretensão material. O direito de ação é o direito a uma sentença de mérito, favorável ou desfavorável ao autor. A “conexão com a pretensão material” é representada pelas condições da ação: possibilidade jurídica do pedido, legitimidade de partes e interesse de agir. O direito de ação é abstrato, mas se liga ao direito material. Os críticos da teoria de Liebman afirmam que ela não deixa de ser uma teoria concreta do direito de ação, na medida em que a existência da ação depende de que haja as condições da ação, e, portanto, elementos do direito material debatido. Com isso, estaria sujeita a todas as críticas anteriormente formuladas. Todavia, as críticas não se sustentam. A teoria de LIEBMAN não deixa de ser uma teoria abstrata da ação, posto que a existência do direito de ação independe da existência do direito material debatido em juízo. No caso de uma sentença de mérito de improcedência, terá existido o direito de ação, embora não haja o direito material. Tal postura é incompatível com as teorias concretas, não permitindo a inclusão da teoria liebmaniana entre as concretistas. Por outro lado, a principal vantagem de tal teoria foi ter buscado um ponto de equilíbrio entre as teorias concretas e abstratas da ação: o direito de ação não é só o direito de ingresso em juízo, mas também não é um direito que existe somente no caso de uma sentença de procedência. O direito de ação está presente em qualquer sentença de mérito, favorável ou desfavorável”. WARLEY BELO (As Condições da Ação Penal e o Julgamento de Mérito Abusivo, artigo: www.editoramagister.com/doutrina): “Ação é o bater à porta do Poder Judiciário. É o direito de invocar, de pedir a tutela jurisdicional. O Estado chamou para si a tarefa de administrar a Justiça através do Poder Judiciário ficando impossibilitados, os particulares, de auto-executarem seus direitos, salvo os casos em que a lei permita a autodefesa. Dessa forma, da violação da norma penal nasce a pretensão punitiva do Estado (ius puniendi), que se opõe à pretensão de liberdade (ius libertatis) do possível infrator. A pretensão punitiva, por sua vez, só pode ser atendida mediante a sentença judicial, que só é alcançável validamente por intermédio do processo (nulla poena sine judicio). O processo é sempre indispensável; é dogma do Estado Democrático de Direito. E o direito de pedir o provimento jurisdicional é a própria ação. O Estado, portanto, por intermédio do órgão do MP ou de particular (ação penal condenatória de iniciativaprivada), exerce a ação a fim de ativar a jurisdição penal. Dessa forma, a ação provoca a jurisdição que se exercita por meio do processo, importante alicerce do Estado Democrático de Direito. [...] Ação vem de actio, do verbo latino agere, significando, processualmente, ação judicial. Na linguagem forense, empregou-se agere, no sentido de pleitear. É, pois, o direito de provocar o Poder Judiciário a uma decisão sobre relação de direito. Diz-se da ação penal quando visa a aplicação da lei penal, assim entendida em sua inteireza de imposição de pena ao delinquente, prova do delito, acusação do autor de infração penal, busca pela verdade do fato considerado delituoso. Ação é faculdade ou dever (no caso das ações penais públicas) e meio próprio que tem toda pessoa capaz, com interesse e legitimidade de exercitar em juízo um direito subjetivo de que é titular. É meio legal de reivindicar ou defender em juízo um direito subjetivo pretendido, ameaçado ou violado ou simples interesse. É o direito de invocar o Poder Judiciário. Diz- se que ela é pública, mesmo a ação penal condenatória de iniciativa privada, pois o que se faz valer é o direito de punir do Estado (ius puniendi) e não o direito de ação (ius accusationis). Caracteriza-se por ser indivisível, pois abrange todos os que participaram do delito, e indisponível, visto que o órgão do MP não pode desistir da ação iniciada e as partes não podem transacionar sobre o objeto do processo ou fixar e delimitar o objeto de acordo com seus interesses pessoais, como ocorre no processo civil. A ação é dirigida apenas contra o Estado (tanto na esfera civil como na penal), embora, uma vez apreciada pelo juiz, vá ter efeitos na esfera jurídica de outra pessoa: o réu ou o executado. Nega-se, portanto, que ela seja exercida contra o adversário isoladamente, contra esse e o Leonardo Ribas Tavares Aula 01 Direito Processual Penal p/ PC-PR (Delegado) - 2019.2 www.estrategiaconcursos.com.br 1451285 55314334925 - marcos santos 18 Estado ao mesmo tempo, ou contra a pessoa física do juiz. Modernamente, há uma tendência a considerar como ação penal uma série de pedidos feitos em juízo penal e que não têm caráter condenatório, como a prisão preventiva, a homologação de sentença estrangeira, a fiança, o habeas corpus, a revisão criminal etc. Por isso, utilizamos sempre a expressão ação penal condenatória, porque existem ações penais não condenatórias”. PAULO RANGEL (Direito processual penal, 26ª ed., São Paulo: Atlas, 2018): “Acerca da teoria que logrou êxito em conceber a natureza jurídica do direito de ação penal, expõe o autor: “Por último, foram Degenkolb e Plòsz que identificaram a verdadeira natureza da ação como a de um direito abstrato, ou seja, um direito que serve de instrumento para se exigir do Estado a prestação jurisdicional, independentemente da existência ou não do direito material que irá se discutir em juízo. A ação é um direito autônomo. Não está ligado a outro, não decorre de outro e pode conceber-se como abstração de qualquer outro. Para eles, a ação é a razão de ser do processo, pouco importando que o autor tenha ou não tenha razão. Assim, à luz da teoria abstrata, o direito de ação pertence mesmo àqueles que não possuem o direito material que irá se discutir em juízo. Pois o réu pode obter a improcedência do pedido, mas não pode impedir o ingresso em juízo do autor. O direito de ação existe por si só”. Sobre o conceito desse direito, sustenta: “(...) podemos definir o direito de ação como sendo um direito subjetivo de se invocar do Estado a prestação jurisdicional, pois, havendo o Estado monopolizado a administração da Justiça, deve dar a cada um o que lhe é devido”. EDILSON MOUGENOT BONFIM (Curso de processo penal, 7ª ed., São Paulo: Saraiva, 2012): “Assim, aquele que promover a acusação, para obter guarida à sua pretensão punitiva, será obrigado a provocar a manifestação do órgão encarregado do exercício da jurisdição (em regra, o Poder Judiciário). Dessa forma, o direito de ação constitui o direito (ou poder) que tem o acusador de, dirigindo um pedido ao Poder Judiciário, provocar sua manifestação sobre esse pedido”. NESTOR TÁVORA (Curso de direito processual penal, 11ª ed., Salvador: JusPodivm, 2016), acerca do conceito e natureza do direito de ação, sintetiza a discussão doutrinária a esse respeito: “A doutrina diverge ao conceituar o direito de ação: “São, basicamente, duas as correntes: 1) a primeira entende, como nós, que a ação é direito público subjetivo, conexo a uma pretensão. A ação penal é direito que tem natureza jurídica híbrida, mista ou eclética, ou seja, é de natureza preponderantemente processual, mas tem também, natureza de direito material, haja vista que o não exercício da ação, notadamente aquelas de iniciativa privada ou mesmo de ação penal pública condicionada à representação, tem repercussão na esfera punitiva do estado. Em outras palavras, a inatividade do particular para deflagrar a persecução penal no prazo legal é prevista em lei como causa extintiva da punibilidade. De outro lado, as alterações legislativas que repercutem na iniciativa da ação penal pública nem sempre são aplicadas nos termos do art. 2º, do CPP, que preconiza o princípio do tempus regit actum (que determina que a lei processual penal tem aplicabilidade imediata para incidir sobre os fatos vindouros). Em alguns casos, visualizando-se possibilidade de tratamento mais gravoso para o imputado (acusado ou indiciado), deve ser invocado o princípio da irretroatividade da lex gravior ou irretroatividade em prejuízo do réu. A título de exemplo, temos as modificações introduzidas pela Lei nº 12.015/2009, no capítulo do Código Penal que trata dos delitos contra a dignidade sexual. No caso, as hipóteses de ação penal privada exclusiva foram alteradas para, em regra, crimes de ação penal pública condicionada à representação. Como a primeira espécie de ação penal (privada) enseja maiores chances ao acusado de ser beneficiado com causas extintivas de punibilidade (especialmente, perempção por abandono da causa), devemos concluir que a nova lei só se aplica aos fatos cometidos em período compreendido pela sua vigência, mesmo no ponto referente à iniciativa da ação penal (instituto processual e material). 2) a segunda posição sustenta que ação não é direito. O Direito subjetivo existente é o direito à tutela jurisdicional ou mesmo o direito de petição. A ação processual seria simplesmente conduta ou o agir em juízo, coisa diversa de direito. A ação seria então a expressão dinâmica de um direito subjetivo público que lhe prece e no qual se lastreia. [...] A ação teria, sob essa perspectiva, natureza só processual”. FERNANDO CAPEZ (Curso de processo penal, 24ª ed., São Paulo: Saraiva, 2018): “É o direito de pedir ao Estado-Juiz a aplicação do direito penal objetivo a um caso concreto. É também o direito público subjetivo do Estado- Administração, único titular do poder-dever de punir, de pleitear ao Estado-Juiz a aplicação do direito penal objetivo, com a consequente satisfação da pretensão punitiva”. PAULO RANGEL (Direito processual penal, 26ª ed., São Paulo: Atlas, 2018): “A ação é, pois, um direito subjetivo (posto que inerente a cada indivíduo), autônomo (pois não se confunde com o direito subjetivo material, que irá se deduzir em juízo), abstrato (pois independe de o autor ter ou não razão ao final do processo), instrumental Leonardo Ribas Tavares Aula 01 Direito Processual Penal p/ PC-PR (Delegado) - 2019.2 www.estrategiaconcursos.com.br 1451285 55314334925 - marcos santos 19 (serve de meio para se alcançar um fim que é o acertamento do caso penal, através do processo) e público (porque se dirige contra o Estado e em face do réu)”. NESTOR TÁVORA (Curso de direito processual penal, 11ª ed., Salvador: JusPodivm, 2016): “As características atinentes ao direito de ação levam ao reconhecimento de que este é: a) autônomo: não se confunde com o direito material.
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