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sociologia da alimentação

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Sociologia da alimentação. In: CASCUDO, Luís da Câmara. História da Alimentação no Brasil. 1a ed. digital. São Paulo: Global, 2016. p. 339 a 402
No capítulo “Sociologia da alimentação” o autor fala sobre uma sociologia da alimentação que obrigatoriamente decorre como princípio lógico dos próprios fundamentos do fato social. E ressalta que nenhuma outra atividade será tão permanente na história humana. Qualquer concepção do conjunto social no plano econômico ou metafísico, tem a ver necessariamente com o desenvolvimento dos processos aquisitivos da alimentação, como caça, pesca, a técnica das armadilhas neolíticas, cercos, barragens, envenenamento, conservação e transporte de víveres, entre outros.. determinam os primeiros atos refletivos da inteligência humana. 
A arte pré-histórica pra ele é apenas um documentário de conquista alimentar, onde valem manobras para dominar a indispensável alimentação quando em estado natural. 
“Goethe fala que no princípio foi a ação”. 
Antes veio a fome, que vista como a ação é uma consequência e não a agente. “A ação é reflexo condicionável”. Pois se considera que depois da respiração, a primeira determinante vital é o alimento. Sobrevivência.
No decorrer do texto o autor fala sobre as diversas origens sociológicas que um preparo pode ter e ressalta que o “mata e come” foi o mais surpreendente ato revolucionário do plano alimentar; mas que ainda não se tornou universal, que as restrições alimentares continuam determinadas não só pela higiene nutricionista mas ainda como preceito religioso ou como costume de um povo.
O autor diz também que tem faltado à cozinha no passar do tempo o prestígio do conceito verbal.
“Cada período histórico possui realmente seu vocabulário que não é destinado unicamente à transmissão de imagens mentais mas constitui norma intransponível de conduta grupal”.
Os homens vivem por um ideal teoricamente ou uma convenção e pela sua expressão comunicante no vocabulário privativo e consagrado praticamente.
Diz que o conceito diferencial entre nossa sociedade e a sociedade dos outros decorre do complexo verbal orientador. Fala sobre as palavras, que elas governam, dividem, distinguem quando se estratificam em leis normativas, que são criadas pelo costume gerado pela palavra norteadora. No mesmo momento histórico do país, população, recursos econômicos não alterados, tudo se transforma quando o vocabulário governamental, a voz oficial emprega outra acepção funcional com as palavras comuns. Isso gera a primeira impressão de metamorfose. A língua não mudou mas as palavras ganharam outros valores psicológicos. Toda doutrina, revolucionária, artística, literária dispõe de um vocabulário.
“A ciência culinária é, entre todas, aquela que perdeu a mística verbal que a ambientava.” Com toda a dedicação em nomenclatura, os alemães esqueceram a cozinha, a culinária, dentro de um quadro onde valorizam os conceitos culturais, não ouve a invenção de uma consciência culinária. 
Possuímos uma conscientização sobre o estudo da fome, com larga bibliografia. 
A fome determina um complexo sociológico, político, econômico, artístico, literário, lírico.. sem modificação no “status” carencial que pertence aos problemas da nutrição, suficiente e racional. Um sistema de círculos amplia a projeção dessa “consciência” levando em consideração as necessidades imediatas e culturais do homem. 
Sendo assim a culinária vai de prestante a prestável, indispensada e ajustadora inicial da natureza à continuidade humana, e segue sendo uma ocupação fundamental mas confusa dentro do organismo social por ela mantido. 
Ele diz que crer que a fome mereceu dos estudiosos o sentido trágico de uma grande transformação de grandes proporções é essa imagem “aterrorizante” foi ganhando caminho no plano da profundidade emocional, da preocupação solidarista da presença obsidiante. A documentação clássica testifica que a culinária era um interesse legítimo como indagação, exposição clara. Não apenas dos que praticavam como profissão mas de quem tinha uma ótima percepção, uma percepção mais apurada e curiosos da antiguidade, pesquisando a geografia dos alimentos e o panorama das técnicas cozinheiras, não apenas ampliando o conhecimento de uma ciência agradável, que não se separa da vida humana, mas também abalizando a natural ligação entre a maneira de preparar o alimento e o nível da civilização ao seu redor.
E assim esses interessados pela culinária foram examinando cardápios, salientando obras-primas locais, viajavam, trocavam correspondências informadoras sobre as comidas, escreveram tratados, deixaram volumosos estudos, tinham notícias alimentares, receituários das comidas mais famosas do seu tempo.
Tiveram marcos, como a gula se tornar pecado capital com a Igreja Católica e com isso Jejuns, abstinências, evitação dos prazeres da mesa passarem a ser recomendações constantes.
Na Idade Média viveram devoradores insaciáveis, vorazes de todo sustento. E vem o Renascimento que é uma revolução culinária pelas especiarias, frutas, modos de condimentar carnes e peixes. Navegação. Imprensa. Viagens.
Os livros não reaparecem e a bibliografia vai perdendo altura e vai ficando no nível dos fornos. As receitas multiplicam-se, vindas do Oriente, do fundo das cidades, esquecidas pelo homem ocidental.
No século xv os banquetes mantinham, há mais de quatrocentos anos, as linhas gerais da atualidade. Fixa o ambiente ainda feudal, com duques e soberanos reinando, independentes e brigões, no território que seria a França unificada, com suas festas, jantares, torneios característicos e regionais. Sem maiores exigências gastronômicas e comer era alegrar-se, criando o impulso lúdico. 
E por aí foram acontecendo os marcos na história da alimentação.. até os dias de hoje..
Enfim o autor diz que uma pesquisa sobre a história da alimentação deve ter origem na base da informação doméstica e da investigação rural e nos núcleos urbanos de mediana importância dêmica. Ele diz: “Restaurantes, hotéis, cantinas, casas de pasto, oferecem pratos do dia, comidas tradicionais de seus países originários (ou de determinadas regiões) com maior ou menor propriedade, mas a deformação participa em percentagem sensível.” 
Por exemplo ele diz que numa cidade grande as especialidades nacionais são menos apresentadas que a verificação dos cardápios familiares indicará a persistência ou a lenta transformação das ementas. Nas grandes cidades a influência “internacional” é natural nos menus hoteleiros. E que o que é feito em série, em volume, para atender aos fregueses, nunca poderá guardar a legitimidade da elaboração caseira.
Ele diz: “Comida para muitos precisa de fome, isto é, o melhor molho provocador.” 
Ressaltando que comer na casa de amigos, dará melhor roteiro em prol do comum, da normalidade alimentar, do todo dia nutricional. E que cada classe social, possuindo sua comida habitual, apresenta essas continuidades já fixadas pela preferência do grupo familiar. Que nos restaurantes escolhemos por gosto ou curiosidade e que em casa a gente se serve do habitual. Pra ele “Esse habitual é o ponteiro indicador e não a rosa-dos-ventos das cantinas de fama gastronômica, hotel famoso, restaurante prestigiado.” E sugere a pesquisa urbana o montante de consumo dos víveres, contando em toneladas por dia, desnorteando a modesta previsão dele. Uma visita aos mercados públicos será outra revelação para os elementos favoritos da comida habitual coletiva. Mas não podemos precisar as maneiras do emprego culinário. 
“O restaurante, como um vidro de mixed-pickles, guarda a legitimidade da unidade na confusão do conjunto. E o conduto ácido empresta à diversidade dos componentes a monotonia do mesmo sabor, como, no restaurante, a igualdade sápida dos condimentos idênticos.
Depois de alguns meses de jantar nos restaurantes de Paris, uma refeição familiar na banlieue parisience documentará a distância entre os dois cardápios. O primeiro é cosa mobil per natura. O segundo, dificilmente variável, nos limites do consuetudinário.
E foramesses, em maioria decisiva, de seus fundamentos dentro da história ou sociologia da alimentação.

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