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antropologia da nutrição

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Disciplina: História e antropologia da nutrição
Aula 1: Alimentação e cultura
História e Antropologia da Nutrição
Quando pensamos em História e Antropologia, pode ser difícil perceber a relação que as duas disciplinas têm com a Nutrição.
Em geral, as pessoas que escolhem seguir carreiras das áreas das Ciências da Saúde e Biológicas nem sempre esperam se deparar com disciplinas de Ciências Humanas em seu caminho.
Para começar, precisamos definir Antropologia. A definição mais simplificada para esse campo do saber seria dizer que:
Antropologia é a ciência que estuda o homem.
De acordo com sua etimologia (origem da palavra), derivada do grego, “Antropo” significa homem e “logia” (de logos), significa ciência. Entretanto, para dar a você uma multiplicidade de conceituações, vamos ver o que alguns autores do campo têm para nos dizer sobre isso.
Uma compreensão clara dos princípios de antropologia ilumina os processos sociais do nosso próprio tempo e podem mostrar-nos, se estivermos prontos para ouvir seus ensinamentos, o que fazer e o que evitar.
Nesse sentido, apesar de ser uma ciência antiga, a Antropologia tem muito a contribuir para a compreensão dos fenômenos políticos e socioeconômicos da atualidade, como defende a antropóloga Neusa Gusmão.
A antropologia, como ciência da modernidade, coloca seu aparato teórico construído no passado, com possibilidade de, no presente, explicar e compreender os intensos movimentos provocados pela globalização: de um lado, os processos homogeneizantes da ordem social mundial e, de outro, contrariando tal tendência, a reivindicação das singularidades, apontando para a constituição da humanidade como una e diversa.
Fonte: GUSMÃO, 2008, p.48.
Dessa forma, acreditamos que as ferramentas metodológicas da Antropologia podem servir à Nutrição para ampliar a compreensão de diferentes aspectos ligados à alimentação e à nutrição humana.
Exemplo
No momento da prescrição de uma reeducação alimentar, por exemplo, é fundamental levar em consideração os fatores socioculturais de cada paciente, como a formação familiar, religiosa, escolar, e as influências tecnológicas.
Um dos principais conceitos da Antropologia, que usaremos ao longo deste curso, é o conceito de cultura. Partindo de uma definição simples para a mais complexa, podemos dizer que cultura é tudo aquilo que o homem transforma.
A etimologia da palavra cultura vem do latim culturae que “significa ação de tratar, cultivar”. O que nos leva à relação direta entre cultura, cultivo e alimentação. Nesse sentido, antes mesmo do diálogo com conceitos antropológicos, a cultura já se comunica com a nutrição em sua dimensão mais simples, da cultura como cultivo.
Como a proposta de nossa disciplina é pensar no diálogo entre diferentes perspectivas científicas, podemos ampliar essa visão de cultura dialogando com teóricos da Antropologia para pensar a cultura como um conceito antropológico.
O antropólogo Clifford Geertz (1995) defende a cultura como uma teia de significados, tecida pelos homens, que orienta a existência humana. Para ele, compreender uma cultura é entender seu sistema de símbolos que se comunicam mutuamente entre cada indivíduo e suas coletividades.
Mas o que seriam esses símbolos?
Segundo Geertz, os símbolos são atos, objetos, acontecimentos, ou ainda, relações que representam significados específicos numa dada sociedade.
Para o antropólogo Roque Laraia, cultura é:
todo complexo que inclui conhecimentos, crenças, arte, moral, leis, costumes ou qualquer outra capacidade ou hábitos adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade.
Existem alguns mitos e fábulas que nos ajudam a entender esse conceito.
Você se lembra, por exemplo, da história do Tarzan?
Para quem não lembra ou não conhece, em resumo, a história de Tarzan fala sobre um bebê que foi criado por uma família de gorilas e, por isso, aprendeu a se comportar como um deles. No momento em que tem contato com seres humanos, novos signos culturais são ensinados ao Tarzan.
Há outras histórias parecidas, como Mogli, o menino lobo, ou mesmo o mito de fundação de Roma, que diz que os gêmeos Rômulo e Remo foram amamentados por uma loba. Essas histórias são ilustrações que nos ajudam a entender os processos de transmissão de uma cultura por meio da convivência e do aprendizado cotidiano nessa cultura.
Saiba mais
Além disso, esses signos mudam de uma cultura para outra, assim como mudam dentro de uma mesma cultura ao longo do tempo. A oferta de alimentos, as mudanças tecnológicas, o ritmo da vida: tudo isso influencia nas transformações de uma cultura. Nossa alimentação muda junto com isso porque ela também é fruto de nossa cultura. Se a gente pegar um ponto aparentemente banal, como a entrega de comida, por exemplo, a gente pode ir da marmita aos aplicativos de entrega.
A alimentação é um campo repleto de signos e significados, que mudam de uma cultura para outra. Isso inclui o que é comestível, como comer, quando comer, com quem comer.
Na cultura chinesa, por exemplo, é habitual comer cachorro, algo que na nossa cultura não é bem visto. Isso ocorre porque os valores simbólicos do cachorro são diferentes em cada uma das culturas. Para nós, ele está associado a um animal doméstico para o qual dispensamos afeto, diferente de como vemos uma galinha ou uma vaca. Já na cultura chinesa, o cachorro é visto numa perspectiva de animal comestível, tal qual o frango ou o porco.
Isso não faz com que a cultura chinesa seja melhor ou pior que a nossa. Conhecer esses signos nos possibilita entender a teia de significados de uma cultura, permitindo-nos respeitar as diferenças. Quando olhamos para uma cultura com estranhamento e julgamentos, temos uma atitude etnocêntrica. Pensar nessa ação nos leva a um outro conceito antropológico com o qual dialogaremos ao longo da disciplina: etnocentrismo1.
Mas não se aflija ou se culpe, pois todos nós já tivemos atitudes etnocêntricas pelo menos uma vez na vida. Para isso serve o conhecimento antropológico. A partir dessas aulas esperamos que você consiga reconhecer que, como um bom profissional da área de Nutrição, não devemos ter atitudes etnocêntricas no exercício da profissão.
Como um nutricionista poderia ser etnocêntrico?
De diferentes formas, pois, como qualquer outro profissional, não estamos livres disso.
01
Ao prescrever uma dieta “de gaveta”, isto é, sem considerar o histórico e particularidades socioculturais de um paciente;
02
Ao não levar em consideração limitações de hábitos e tabus religiosos de funcionários de uma empresa ao pensar o cardápio do serviço de alimentação coletiva;
03
Ao considerar menor, estranho, primitivo, qualquer hábito alimentar de outra cultura.
Mas como podemos escapar disso? O primeiro passo, como falei, é conhecer. O segundo é relativizar. Em oposição ao etnocentrismo, há um conceito chamado relativismo cultural. Mas o que é isso?
Quando vemos que as verdades da vida são menos uma questão de essência das coisas e mais uma questão de posição: estamos relativizando. Quando o significado de um ato é visto não na sua dimensão absoluta, mas no contexto em que acontece: estamos relativizando. Quando compreendemos o “outro” nos seus próprios valores e não nos nossos: estamos relativizando. Enfim, relativizar é ver as coisas do mundo como uma relação capaz de ter tido um nascimento, capaz de ter um fim ou uma transformação. Ver as coisas do mundo como a relação entre elas. Ver que a verdade está mais no olhar que naquilo que é olhado. Relativizar é não transformar a diferença em hierarquia, em superiores e inferiores ou em bem e mal, mas vê-la na sua dimensão de riqueza por ser diferença.
Fonte: Everaldo Rocha.
O Brasil é um país de dimensões continentais, formado por diferentes culturas, desde a tríade étnica indígenas, negros e brancos, até a diversidade de povos brancos europeus e asiáticos, que vieram para cá em diferentes momentos.
A geografia do país também tem relação direta com o que se come, quando se come e como se come. Podemos dizer que vivemos num país de grande diversidade cultural. Isso significadizer que não há uma cultura brasileira única, mas diferentes influências culturais que nos constituem como um povo diverso. Nesse sentido, não cabem aqui posições etnocêntricas, pois não há uma cultura superior à outra.
Contudo, existem muitos hábitos etnocêntricos que insistem em permanecer arraigados em nossa sociedade. Alguns são tão sutis que nem percebemos. Por exemplo, muitas comidas são vistas pelo senso comum como comidas de pobre ou comidas de rico, muitas vezes tem relação com as culturas que consomem cada uma dessas culturas. Essas classificações trazem em si traços de etnocentrismo.
Atenção
Para finalizar nossa primeira aula, é importante dizer que a disciplina está em consonância com os princípios do Novo Guia Alimentar para a População Brasileira.
O guia, atualizado em 2015, é um documento oficial com diretrizes e propostas de caminhos possíveis para alimentação saudável, segura e sustentável para a população brasileira. Ele foi construído com ajuda de profissionais e pesquisadores de diferentes áreas de conhecimento, incluindo nutricionistas, médicos, antropólogos, entre outros.
Assim, a inserção de disciplinas que trazem temáticas das ciências humanas na formação dos profissionais de Nutrição também está de acordo com as prerrogativas do guia.
Estudos populacionais em alimentação e nutrição são essenciais para determinar a relevância prática de conhecimentos obtidos por pesquisas experimentais e clínicas e, às vezes, para gerar hipóteses que serão investigadas por aqueles estudos. Além disso, combinados a estudos antropológicos, estudos populacionais provêm preciosas informações sobre padrões vigentes de alimentação, sua distribuição social e tendência de evolução. Essas informações são essenciais para assegurar que recomendações sobre alimentação sejam consistentes, apropriadas e factíveis, respeitando a identidade e a cultura alimentar da população.
Padrões tradicionais de alimentação, desenvolvidos e transmitidos ao longo de gerações, são fontes essenciais de conhecimentos para a formulação de recomendações que visam promover a alimentação adequada e saudável. Esses padrões resultam do acúmulo de conhecimentos sobre as variedades de plantas e de animais que mais bem se adaptaram às condições do clima e do solo, sobre as técnicas de produção que se mostraram mais produtivas e sustentáveis e sobre as combinações de alimentos e preparações culinárias que bem atendiam à saúde e ao paladar humanos. O processo de seleção subjacente ao período de desenvolvimento dos padrões tradicionais de alimentação constitui verdadeiro experimento natural e, nesta qualidade, deve ser considerado pelos guias alimentares.
Este guia baseia suas recomendações em conhecimentos gerados por estudos experimentais, clínicos, populacionais e antropológicos, bem como em conhecimentos implícitos na formação dos padrões tradicionais de alimentação.
Fonte: BRASIL, 2014, p. 20 e 21.
Iremos estudar mais sobre o guia nas aulas a seguir. Por enquanto, basta dizer que cabe aos nutricionistas encarar os alimentos de uma maneira ampla e diversa, rompendo as estruturas etnocêntricas, promovendo uma leitura relativista que considere sempre a diversidade cultural de nosso país.
Disciplina: História e antropologia da nutrição
Aula 2: Alimentação e cultura
Cultura alimentar
Na aula 1, tivemos o primeiro contato com conceitos fundamentais da Antropologia e pudemos compreender como essa ciência pode ser útil para o campo da alimentação e Nutrição.
Um dos conceitos chaves que trabalhamos foi o de cultura. Agora vamos mergulhar um pouco mais e entender a relação íntima entre cultura e alimentação a partir do conceito de cultura alimentar. *****Cultura alimentar  (Conjunto de práticas alimentares que inclui o que se como (insumos, ingredientes), como se prepara (culinária, técnicas de processamento), quando se come (número de refeições por dia, que compõem o hábito alimentar dessa cultura), com quem se come (restrições de casta, gênero, até mesmo o ato de comer sozinho).
Seguindo o mesmo padrão da aula passada, vamos apresentar o que alguns pensadores têm para nos dizer sobre esse conceito. Veja a definição de cultura alimentar feita por Carlos Rodrigues Brandão:
(...) um sistema simbólico, ou seja, um conjunto de mecanismos de controle, planos, receitas, regras e instruções que governam o comportamento humano quando o assunto é comer.
Também é importante destacar o seguinte a respeito dos símbolos e significados partilhados:
Esses símbolos e significados são partilhados entre os membros do sistema cultural, assumindo um caráter público e, portanto, não individual ou privado.
Veja outra definição interessante:
A identidade de um povo se dá, principalmente, por sua língua e por sua cultura alimentar. Um conjunto de práticas alimentares determinadas ao longo do tempo por uma sociedade passa a identificá-la e muitas vezes, quando enraíza, se torna patrimônio cultural. O ato da alimentação, mais do que biológico, envolve as formas e tecnologias de cultivo, manejo e a coleta do alimento, a escolha, seu armazenamento e formas de preparo e de apresentação, constituindo um processo social e cultural. (SONATI et al, 2009, p.137)
A cultura alimentar não é algo estático, nem acabado, mas um conjunto simbólico em constante transformação, seja pelas mudanças climáticas, tecnológicas, ou por meio dos contatos com outras culturas.
Fato é que diferentes fatores influenciam na constante reconstrução dos signos e significados de uma cultura alimentar. Para facilitar o entendimento geral, propomos uma análise a partir de três aspectos que trazem perspectivas diferentes sobre o alimento:
· Real
· Simbólico
· Imaginário
Aspecto real de um alimento
Refere-se ao alimento em si, in natura, ao alimento natural. Podemos dizer que é o aspecto mais próximo ao que chamamos de natureza. Falar de aspecto real de um alimento é entende-lo na sua dimensão biológica, seus componentes físico-químicos.
Se falamos de uma maçã, o aspecto real dela é a maçã em si, entendida a partir das características físico-químicas e sensoriais (cor, aroma, textura sabor) que a compõem.
Se quisermos estabelecer uma conexão entre a dimensão real do alimento e a Nutrição, podemos dizer que o valor real de um alimento é atribuído pelo nutricionista quando este se atém sobre os micros e macronutrientes de um alimento, suas contagens calóricas, proteicas e de vitaminas.
Atenção
É claro que a dimensão real de um alimento ou qualquer outra coisa é de suma importância, pois corresponde à constituição concreta de uma determinada coisa. Entretanto o que estamos propondo é o reconhecimento da existência de outras dimensões que agem com simultâneo impacto e importância sobre diferentes aspectos em nossa sociedade.
Além de sermos seres biológicos, também somos seres culturais. Se a gente pensar bem, biologicamente, o ser humano enquanto um ser onívoro, teoricamente, pode comer praticamente tudo o que há na natureza, desde que não o envenene. Contudo sabemos que, na prática, nem tudo o que é “biologicamente ingerível” é “culturalmente comestível” (Fischler, 2001).
Mas por que?
A Antropologia é ciência que se propõe a fazer uma conexão entre natureza e cultura.
A alimentação é o espaço por excelência de demonstração empírica disso. Nesse sentido, ao olhar para outros aspectos que incidem sobre a alimentação, podemos encontrar respostas para essa pergunta.
Aspecto simbólico de um alimento
Nem só da dimensão real se compõem um alimento. Existem diversos valores simbólicos que são culturalmente atribuídos a um alimento. Pegando ainda o exemplo da maçã, há um valor simbólico sobre ela, assim como sobre a maioria das frutas, que conversa muito com a área da Nutrição, o valor de um alimento saudável. Nesse sentido, dizer que um alimento é saudável é imprimir nele um valor simbólico.
Diversos valores simbólicos podem ser atribuídos sobre diferentes objetos em nossa vida. Um outro exemplo, ainda tomando a maçã como exemplo, podemos pensar que se essa maçã é vendida numa embalagem mais sofisticada,harmonicamente arrumada na prateleira ou se está disposta na gôndola de qualquer maneira, diferentes valores simbólicos vão incidir sobre ela, relacionados a um alimento de maior ou menor qualidade.
Atenção
O que queremos chamar a atenção é que, em qualquer sociedade, um alimento nunca é só um produto “biologicamente ingerível”, mas é também a soma dos valores simbólicos atribuídos a ele, que fazem com que ele se torne ou não culturalmente comestível, além de conferirem a esse alimento categorias diversas, que definem os valores desse alimento para cada grupo social.
Somos seres culturais e, como vimos na última aula, a cultura é uma teia de símbolos. Nesse sentido, como nos mostra Maria Eunice Maciel (2001):
A escolha do que será considerado “comida ” e do como, quando e por que comer tal alimento, é relacionada com o arbitrário cultural e com uma classificação estabelecida culturalmente. A cultura não apenas indica o que é e o que não é comida, estabelecendo prescrições (o que deve ser ingerido e quando) e proibições (fortes interdições como os tabus), como estabelece distinções entre o que é considerado “bom” e o que é considerado “ruim ”, “forte”, “fraco”, ying e yang, conforme classificações e hierarquias culturalmente definidas.
Ao longo de nossas próximas aulas, desdobraremos alguns desses aspectos simbólicos como as crenças, tabus, as restrições religiosas e os fatores que influenciam nossas escolhas alimentares. Por isso, é fundamental entender bem o que são esses aspectos simbólicos. Mas, além de todos os valores simbólicos que incidem sobre a alimentação, há ainda construções imaginárias que os grupos sociais e/ou indivíduos fazem a respeito de diferentes alimentos.
Aspectos imaginários de um alimento
Vimos que um alimento é, primeiramente, uma substância biologicamente ingerível, constituída por elementos físicos, químicos e compostos nutricionais, o que constitui seu aspecto real. Constatamos também que, além dessa dimensão real, há aspectos simbólicos que incidem sobre um alimento, conferindo a eles valores socioculturais que determinam se este alimento é culturalmente comestível, ou seja, qual sua relevância, qualidade e funções dentro de um grupo social.
Falaremos agora de uma outra dimensão atribuída aos alimentos, os aspectos imaginários. Os aspectos imaginários são construções inventadas e culturalmente validadas sobre um determinado objeto.
Esses constructos podem se referir a todo tipo de coisa. Lembra da maçã do exemplo anterior?
Pois bem, se essa maçã, caísse no chão, independentemente do nível de esterilização desse chão, é muito provável que você já não sentisse o mesmo desejo de comê-la. Isso porque temos em nossa sociedade construções sociais sobre higiene e pureza que se relacionam diretamente com as construções imaginárias que fazemos em determinadas situações.
O pesquisador Fishler nos mostra que:
o homem nutre-se também de imaginário e de significados, partilhando representações coletivas. Se é possível avaliar o valor nutritivo do alimento (um combustível a ser liberado como energia e sustentar o corpo) o ato alimentar implica também em um valor simbólico, o que complexifica a questão, pois requer um outro tipo de abordagem.
Essas construções não são estáticas, variam ao longo do tempo, de sociedade para sociedade e, muitas vezes, entre grupos sociais de uma mesma sociedade. Algumas delas têm comprovação científica, mas outras só transitam no campo da crença e tabu social.
Exemplo
Em uma palestra da pesquisadora Lívia Barbosa, ela deu um exemplo que cabe bem para facilitar o entendimento de como os aspectos imaginários agem sobre nossas construções de valores e práticas sociais diversas. Normalmente no Brasil, lavamos nossas roupas em grupos separados, roupas de cama, íntimas, roupas de bebê, roupas em geral, pano de chão, pano de prato.
Segundo ela, em outros lugares do mundo, é comum encontrar pessoas tirando toda sorte de coisas que foram lavadas ao mesmo tempo de uma máquina de lavar, nas lavanderias coletivas. Mas, para nós, pensar num pano de chão sendo lavado com um pano de prato, ou mesmo com uma blusa, não é uma ideia das melhores.
Se pensarmos pragmaticamente, talvez não haja, de fato, contaminação, mas nossa construção imaginária de pureza, limpeza, sujeira e contaminação nos leva a idealizar o que é limpo e o que é sujo.
Transpondo isso para o universo dos alimentos, podemos pensar na transformação da relação com os alimentos industrializados. No Brasil, durante muito tempo, os industrializados foram associados a alimentos mais saudáveis pelo seus baixos níveis de contaminação. No entanto, atualmente, são associados a produtos artificiais, por perderem a relação com o fazer manual da cozinha. Tudo isso são aspectos imaginários que incidem sobre os produtos.
Assim como os aspectos simbólicos, os aspectos imaginários também são mutáveis, intangíveis, mas, assim como os aspectos reais, configuram-se como elementos importantes para uma compreensão mais completa e complexa do alimento, da alimentação e das interações deles com a sociedade humana. Dessa forma, apresentamos a fala de Santos:
Desvendando mistérios, misturando o mundo virtual ao real, o imaginário sobre o comer vai se modificando e fortalecendo a visão científica do ato de se alimentar.
Fonte: SANTOS, 2008, p.37.
Diante disso, podemos dizer que existe uma diferença entre o que é alimento e o que é comid. Roberto Da Matta (1987, p.21-22). defende a ideia de que:
Alimento
Qualquer substância nutritiva que possa ser ingerida para manter a vida.
Comida
Respeito a tudo o que se come com prazer, de acordo com regras sociais.
Dessa forma, comida não é apenas uma substância alimentar, mas um modo, um estilo um jeito de se alimentar. Segundo Da Matta, o jeito de comer define não só aquilo que é ingerido, mas também aquele que o ingere. Entendemos, assim, que comida é algo dotado de cultura, relativo aos seres humanos.
Essa análise diferenciada do que é comida, confere particularidades aos seres humanos em relação aos outros animais. De acordo com a autora Catherine Perles (1979), cozinhar é um ato exclusivamente humano, próprio da nossa espécie. O ser humano é o único animal da natureza capaz de cozinhar e combinar nutrientes.
Além disso, comer não é um ato solitário, mas faz parte da origem da socialização humana. Também essa característica de socialização por meio da comida é uma particularidade humana que chamamos de comensalidade2.(**** Comensalidade  Prática de comer juntos, partilhando, (mesmo que desigualmente) a comida.).
Podemos definir a comensalidade como momento de partilhar sensações e reforçar a coesão dos grupos sociais aos quais fazemos parte, família, escola, religiosidade, amigos. A comensalidade é, portanto, uma experiência sensorial compartilhada, que pode ter vários significados, como pactos, fechamento de acordos e contratos, confraternização. Mas, de uma maneira geral, ela compõe um ritual coletivo.
Os sentidos utilizados na comensalidade geram experiências mnemônicas, que chamamos de memória afetiva3.(*** Registros sensoriais, afetivos que a comida e a comensalidade podem gerar nos indivíduos.) Comida é memória e afeto.
Exemplo
Um exemplo disso pode ser visto no filme Ratatouille. Em uma das cenas do filme, ao provar o prato do restaurante, o crítico de cozinha é transportado para sua infância.
Provavelmente você também já comeu algo que te transportou para outro lugar. Essas memórias gustativas também são construções simbólicas atribuídas à comida. E assim encerramos essa aula, com sabor de memória afetiva.
Bom apetite!
Disciplina: História e antropologia da nutrição
Aula 3: Mitos, tabus e crenças
Saber popular × saber cientifico
Quase todos nós já ouvimos alguma história, lenda urbana, sobre alimentos que são bons por um motivo ou fazem mal por outro. Isso acontece porque, paralelamente ao aos saberes considerados científicos, existem os saberes populares.
Mas qual a diferença entre eles?
Saberes populares são aqueles que nascem, se consolidam e se propagamem meio à população, não tendo nenhuma validade científica, método ou teoria comprovada.
Atenção
Ao contrário disso, um saber é considerado científico quando é formado a partir de uma teoria ou hipótese, validado por meio de métodos reconhecidos pelo campo científico, comprovado ou demonstrado empiricamente.
Durante muito tempo, acreditou-se que o saber científico era o único saber verdadeiro, bom e confiável, ao passo que os saberes populares eram vistos como errôneos, falsos e propensos a ineficácias ou problemas.
Há pessoas ainda hoje que defendem isso. Contudo, esse pensamento mais rígido sobre os saberes que circulam no mundo vem, cada vez mais, se flexibilizando. Segundo o pesquisador Simon Schwartzman uma das principais contribuições das Ciências Sociais para a construção moderna do conhecimento é o rompimento com a diferenciação rígida que sempre existiu entre o “conhecimento verdadeiro”, também chamado de científico, e o conhecimento popular, não científico.
Por muito tempo, o primeiro era visto como verdade e o segundo como algo errado, pouco confiável. Hoje já sabemos que nem o conhecimento científico é totalmente livre de erros e inverdades, nem o conhecimento popular está sempre totalmente errado. (Schwartzman, 1998, p. 1).
Claro que precisamos encontrar a justa medida dessa relação, uma vez que não podemos crer que os saberes científicos são fonte única e exclusiva de verdade, pois a força cotidiana de aplicação dos saberes populares é uma realidade em grande parte de nosso país. Tampouco podemos romantizar os saberes populares em detrimento dos saberes científicos, como se estes fossem a verdadeira e original fonte de verdade e solução dos problemas.
Dica
É fundamental encontrarmos um meio termo. Um exemplo dos perigos de não chegarmos a esse meio termo pode ser visto no retorno de doenças erradicadas no Brasil há alguns anos, graças às ações e campanhas de vacina do Ministério da saúde, por conta da disseminação de crenças e saberes populares que questionam os efeitos e validades da vacinação.
Diversos fatores atuam na propagação dessas crenças e mitos. Atualmente, a Internet tem sido um espaço que, ao mesmo tempo em que permite a democratização do acesso a informações de validade científica, mostra-se como um espaço de propagação massiva de notícias falsas, que alimentam essas crenças prejudiciais.
Entretanto, quando falamos que essas crenças são historicamente construídas, isso significa que existe uma relação histórico-cultural na formação e propagação das crenças.
Usando ainda a questão da vacinação como exemplo, em 1904, ocorreu, no Rio de Janeiro, a Revolta da Vacina, que entre outros motivos socioeconômicos, foi motivada pelo conflito entre o saber científico, que determinou a vacinação obrigatória contra febre amarela, a fim de combater a doença epidêmica no país, contra o saber popular, que disseminava a crença de que a vacina seria uma política do governo de extermínio aos pobres, ao inocular o vírus da doença no corpo das pessoas.
Mais do que olhar para crenças como ignorâncias, é preciso sensibilidade para compreender e lidar com elas, procurando minimizar os conflitos e atender às demandas e necessidades, em nosso caso, nutricionais e alimentares da população brasileira.
Senso comum e pensamento crítico
A Antropologia tem uma maneira de diferenciar a construção ideológica desses saberes chamando-os de senso comum e pensamento crítico.
Mas o que seria exatamente cada um deles?
De modo simplificado, podemos dizer que senso comum é o conjunto de saberes, crenças e verdades que nasce, se renova e se constitui como fonte de explicação para diversos fenômenos da sociedade, formado pela própria sociedade e para esta, sem validade científica. A pesquisadora Ediara Rios nos traz uma boa definição de senso comum.
(...) um conjunto de informatizações não sistematizadas que aprendemos por processos formais, informais e, às vezes inconscientes, e que inclui um conjunto de valorações. Essas informações são, no mais das vezes, fragmentárias e podem incluir fatos históricos verdadeiros, doutrinas religiosas, lendas ou partes delas, princípios ideológicos às vezes conflitantes, informações científicas popularizadas pelos meios de comunicação de massa, bem como a experiência pessoal acumulada. Quando emitimos opiniões, lançamos mão desse estoque de coisas da maneira que nos parece mais apropriada para justificar e tornar os argumentos aceitáveis.
Em oposição ao senso comum, a Antropologia chama de pensamento crítico aquilo que seria a reflexão crítica sobre o senso comum. Ao invés de utilizar argumentos prontos, advindo desses saberes do senso comum, há questionamento, reflexão, e pesquisas para obter respostas científicas para os problemas cotidianos.
Como dizia o filósofo Decartes, “Penso, logo existo”. Todavia, o objetivo dessa disciplina não é defender saberes populares, valorizar o senso comum, denegrir o pensamento científico, nada disso. Procuramos iluminar esses diferentes conceitos para ampliar seu conhecimento e perspectiva sobre a sociedade. Essa é uma das funções do diálogo entre as Ciências Sociais e Biológicas.
Atenção
O importante mesmo é que o saber científico, esse que você adquire ao cursar Nutrição em uma faculdade, deve ser traduzido de forma clara à sociedade. Esse é ponto fundamental, como defende Rios.
O saber científico deve-se fazer entendido pelo saber popular. A ciência adota uma taxinomia muitas vezes impronunciável pelo senso comum, tornando complicada a compreensão desse tipo de linguagem pelos leigos e, em consequência, dificultando a comunicação entre os dois saberes. É ideal que se busquem estratégias de forma a viabilizar a comunicação entre profissionais da saúde e as comunidades envolvidas nas ações de saúde. Cremos que a criação de metáforas simplifique os termos existentes ou traduza-os, quando necessário, para a linguagem nativa, a fim de que a comunidade trabalhada seja beneficiada com o avanço científico e com os conhecimentos relacionados à saúde.
Fonte: RIOS, 2007, p.502.
Já sabemos que mitos1, crenças2 e tabus são socialmente construídos e compõem os saberes populares do senso comum.
Mas qual é a diferença entre eles?
Começando pelos mitos, que é uma palavra que apesar de estar na moda, remonta a sociedade antigas.
Mito era como os pesquisadores definiam as construções narrativas criadas pelas sociedades da Antiguidade Histórica, algumas dessas sociedades, como os gregos, romanos e egípcios, tiveram uma quantidade tão grande de mitos reunidos, que historiadores chamam esses conjuntos de mitos de mitologia.
Praticamente todas as sociedades possuem mitos para explicação das coisas. Esses mitos são também uma forma de explicar fenômenos do presente a partir de narrativas de tempos primordiais, como nos mostra Marcelo da Cruz.
Os mitos são definidos como uma explicação dos fatos atuais através de acontecimentos primordiais, que se encontram sempre presentes, sendo que, pelo rito, se faz a ligação do atual ao primordial. Deste modo, os mitos, ao se referirem aos acontecimentos primordiais, estão nos trazendo uma explicação do atual, pois esses acontecimentos ocorreram em determinados espaços e tempos sagrados. Essa referência a um contexto transcendente valida o espaço e o tempo profanos, dando sentido à cotidianidade.
****** Mas qual é a diferença entre eles? Nesse sentido, os mitos em relação à alimentação remontam a hábitos longínquos, impregnados de construções afetivas e simbólicas, podendo ser hábitos que trazem benefícios à saúde ou que não fazem muito sentido do ponto de vista científico. Isso porque o sentido do mito tem um valor simbólico (vimos isso na aula anterior). Um exemplo disso, pensando no âmbito da alimentação, é a relação de alguns alimentos como comida dos deuses, como uvas, azeite, mel, ou mesmo a sacralização do pão e do vinho para algumas religiões. Tudo isso faz parte de construções simbólicas.****
Além dos mitos, existem também as crenças. Um bom exemplo disso é a crença de que leite com manga faz mal ou que canjica ecerveja preta são alimentos que aumentam o volume de produção de leite em gestantes e lactantes. Essas crenças fazem parte de saberes populares e devem ser tratadas pelo nutricionista com cuidado e sensibilidade para que seja possível oferecer à população o esclarecimento necessário em relação a estas, sem, contudo, cometer atitudes etnocêntricas.***********Por último, tabus alimentares são restrições e proibições alimentares que dialogam com diferentes saberes de uma determinada sociedade. Geralmente, eles estão associados a alguma dimensão sagrada, um conjunto dogmático religioso ou mítico. Esses complexos de saberes e crenças ditam o que não faz bem, para quem e porque, configurando-se que, assim, um alimento que se torna um tabu para esse indivíduo.Esse tabu pode ter relação com os seguintes aspectos:
Ciclos da natureza humana, como a menstruação feminina, a puberdade masculina, a gravidez etc;
Fenômenos da natureza, em dias de chuva forte ou sol intenso;
Períodos do ano, dias específicos, como, por exemplo, não comer carne na semana Santa para católicos, ou não consumir produtos que levem dendê em sua preparação para alguns adeptos de religiões de matrizes africanas, ou não comer carne bovina para os indianos hinduístas.
A pesquisadora Monique Augras trata no livro O que é tabu sobre a origem dessa palavra, que, segundo ela, deriva de tapu, palavra utilizada pelo navegante inglês James Cook (1728-1779) no registro de sua última viagem à Oceania, na qual pesquisou os nativos das Ilhas de Tonga.
Os nativos da ilha usavam a palavra tapu para designar aquilo que era, ao mesmo tempo, proibido e sagrado. Eles usavam a palavra tanto para apontar o que era sagrado ou proibido, mas também para os mecanismos estruturados para lidar com essas coisas. (AUGRAS, 1989, P.13-14)
Fato é que esses tabus possuem sentido simbólico para algumas sociedades e para determinados grupos sociais. Nesse sentido, não podemos julgar ou olhar para esses tabus de forma desconectada em relação ao contexto que os significa.
Atenção
É importante entender os signos que dão o sentido simbólico aos tabus alimentares pois muitas vezes dão corpo à dieta alimentar de restrições alimentares de algumas pessoas. Entretanto falaremos mais profundamente sobre tabus alimentares em nossa quinta aula, quando falaremos sobre alimentação e religiosidade.
Guia alimentar para a população brasileira
Se ainda estiver difícil materializar a aplicação prática desses conhecimentos na dimensão da Nutrição, apresento agora uma ferramenta cientificamente validada e eficaz no auxílio a promoção de hábitos alimentares saudáveis e sensíveis à pluralidade de saberes da construção cultural brasileira.
Este instrumento é o Guia Alimentar para a população brasileira. Um dos primeiros pontos que devemos enaltecer no guia é sua abordagem multidisciplinar, como destacam as nutricionistas Elisabetta Recine e Ana Beatriz Vasconcellos, pois a própria ideia do que seria promover uma alimentação saudável é pensada a partir de um diálogo da interação entre biológico e sociocultural.
Além disso, a redação do Guia se apresenta como um instrumento multifocal voltado para famílias, profissionais de saúde, gestores e formuladores de políticas públicas, como também para o setor produtivo de alimentos, expondo as responsabilidades de cada um desses atores sociais, bem como caminhos possíveis de atuação destes no sentido da promoção de uma alimentação saudável. (RECINE, 2011, p.75)
A partir dessa prerrogativa multidisciplinar, o guia traça caminhos de orientação para uma alimentação saudável, com o diálogo entre os aspectos biológico e sociocultural, respeitando as características regionais dos hábitos alimentares brasileiros. De acordo com o próprio Guia:
(...) alimentos específicos, preparações culinárias, resultam da combinação e preparo desses alimentos e modos de comer particulares constituem parte importante da cultura de uma sociedade e, como tal, estão fortemente relacionados com a identidade e o sentimento de pertencimento social das pessoas, com a sensação de autonomia, com o prazer propiciado pela alimentação e, consequentemente, com o seu estado de bem-estar.
Por olhar de forma abrangente a alimentação e sua relação com a saúde e o bem-estar, as recomendações deste guia levam em conta nutrientes, alimentos, combinações de alimentos, preparações culinárias e as dimensões culturais e sociais das práticas alimentares.
Para finalizar esta aula, depois de todas as explanações apresentadas, acreditamos que esse material possa ser um ponto de partida para a reflexão crítica de valores que todos nós trazemos do senso comum, para que a Nutrição e você, como futuro profissional desse campo, possa, cada vez mais, assumir um olhar amplo e de diálogo multidisciplinar em relação à alimentação humana.
	Disciplina: História e antropologia da nutrição
Aula 4: Sistemas alimentares
Sistemas alimentares, modelos alimentares e hábitos alimentares
Por mais que se pareçam e sejam usados como sinônimos, para as Ciências Sociais, há diferenças conceituais quando usamos sistemas alimentares, modelos alimentares e hábitos alimentares. Todos eles se referem à alimentação, mas, nesta aula, vamos entender do que se trata cada um desses conceitos, onde aplicamos e as especificidades de cada um deles.
Uma forma muito boa de diferenciar conceitos é pensar no significado de cada palavra que o constitui, vamos facilitar sua pesquisa e reunir aqui alguns deles, para orientar seu entendimento e diferenciação destes conceitos.
Sistema alimentar
Segundo o dicionário Priberam de Língua Portuguesa, sistema significa, dentre outras coisas, um conjunto de meios e processos empregados para alcançar determinado fim. Se, como nos mostrou o dicionário, um sistema é um conjunto de coisas, já podemos entender que não se trata de uma coisa só, mas de uma reunião de coisas que formam um todo.
Quando falamos de sistemas alimentares, podemos dizer que são um conjunto de elementos que entendem a alimentação como uma cadeia conectada desde o setor produtivo, terra e indústria, até o descarte daquilo que consumimos.
Segundo o artigo das nutricionistas Silvana P. de Oliveira e Annie Thébaud-Mony, sistemas alimentares podem ser entendidos:
Pela adoção de uma abordagem sistêmica, que facilita o entendimento da conexão entre os diferentes atores sociais e instituições ligados à alimentação. Assim, para entender a alimentação, seria preciso observar os problemas estruturais de cada sistema econômico, as relações sociais e as políticas de alimentação e nutrição adotadas em cada lugar para perceber como eles influenciam direta e indiretamente a alimentação
Fonte: OLIVEIRA, 1997, p. 203.
O esquema abaixo ilustra esse conceito:
Paramos por aqui em relação a esse conceito, porque vamos retoma-lo e desenvolvê-lo na nossa aula sobre Globalização e alimentação contemporânea, mas é importante que você entenda o conceito e não confunda com os demais que trabalharemos nesta aula.
Modelo alimentar
Agora, vamos pesquisar a palavra modelo. Segundo o dicionário Priberam, modelo pode significar:
“[..] Molde, exemplar. Que serve de referência ou de exemplo [...]”.
Neste sentido, entendemos por modelo alimentar os exemplos, moldes e referências de alimentação existentes em suas diferentes dimensões, biológicas, culturais e simbólicas.
Exemplo
O vegetarianismo é um modelo alimentar, porque configura-se como um exemplo, um modo, um tipo específico de alimentação, com suas características e regras do que comer.
Modelos alimentares tem relação com escolha, mas também com a oferta de alimentos disponíveis. O mais importante é a gente entender que nem tudo é só biologia, nem só dimensão social.
Como nos mostra Poulain:
As relações entre o biológico e o social não se reduzem a uma simples justaposição que permite designar, para um lado ou outro de um limite preciso, o território do primeiro ou do segundo. Elas são marcadas por uma série de interações.
Fonte: POULAIN, 2003, p.253.
Os modelos aqui apresentados são as estruturas básicas. Destes,ao longo do tempo, surgiram diversas variações, dietas que se relacionam com estes modelos. Para complementar, trazemos ainda a definição de Garcia, que diz que modelos alimentares são características alimentares e nutricionais de uma população, que englobam particularidades de sua estrutura culinária, que nos possibilita identificar tais características como parte de um povo ou nação. (GARCIA, 2001, p. 28)
Existem diversos modelos alimentares. Selecionamos alguns para facilitar seu entendimento e vamos falar deles a partir de uma perspectiva histórica porque nossos modelos alimentares foram se modificando ao longo do tempo.
Assim, podemos entender como modelos alimentares antigos são reeditados na contemporaneidade. Se pensarmos nos homens da pré-história, antes do homem se estabelecer no solo, a copa das árvores era o lugar seguro. Era dela também que os indivíduos retiravam seus alimentos.
Por isso, podemos dizer que, nesse período, predomina o modelo alimentar o frugivorismo entre os humanos.
Esse modelo consiste numa alimentação baseada em frutas.
Aliado ao frugivorismo, existe um outro que perdurou, ao menos, até a descoberta do fogo, o crudivorismo, que consiste em uma alimentação baseada em alimentos crus. Ambos modelos alimentares, apesar da relação histórica tão longínqua, ainda são praticados nos dias de hoje, como nos mostra Elaine de Azevedo:
A dieta crua vem ganhando adeptos, baseando-se na argumentação de que os ancestrais humanos não ingeriam alimentos cozidos. Seus adeptos comem apenas vegetais não cozidos, evitam carne de qualquer espécie, alimentos processados e refinados, laticínios, grãos de cereais, sal e açúcar. Já os adeptos do frugivorismo, ingerem somente frutas.
Fonte: DE AZEVEDO, 2018, p. 307.
É claro que modelos alimentares são exemplos e costumam ser modificados e adaptados de acordo com diferentes contextos, objetivos e finalidades. Por exemplo, do crudivorismo surgiu uma dieta chamada raw food.
A tradução literal de raw food, seria “comida crua” e existem diversas variações de movimentos que variam seus hábitos alimentares a partir dessa ideia de crudivorismo, como o chamado “alimentação viva”. O importante é entender a ideia geral, que visa uma alimentação pautada no consumo de alimentos de origem vegetal, in natura, ou minimamente processados, em seu estado natural, aceitando, no máximo, “cozimento” até 42ºC, o que, segundo adeptos da corrente, equivaleria a um cozimento natural via calor das mãos ou calor do sol.
Algumas correntes defendem que a constituição biológica é um fator determinante dos modelos alimentares nos animais. Nesse sentido, aspectos como a existência de garras e presas seria uma característica dos animais carnívoros. A ausência dessas características determinaria as espécies herbívoras, ao passo que a coexistência de elementos de ambos, onívoros.
Os seres humanos, no entanto, por serem animais de estrutura pensante complexa que, por meio do desenvolvimento da técnica, adaptam-se a diferentes realidades, necessitam de uma dimensão mais complexa do que somente a dimensão explicativa biológica. Por isso, dissemos que os modelos alimentares são mais que compreensão biológica de tipos alimentares, uma vez que levam em consideração fatores socioculturais.
Os seres humanos são seres onívoros. Não importa o quanto você goste e consuma carne, certamente sua dieta é baseada em outros grupos alimentares.
Podemos dizer que não fazemos parte do modelo alimentar do carnivorismo, uma vez que este se refere ao consumo exclusivo de carne, proteína animal, no geral, de exclusividade dos animais carnívoros.
Contudo, alguns indivíduos optam por excluir a carne de sua alimentação. Assim, além do frugivorismo e do crudivorismo, existem alguns outros modelos alimentares que restringem a proteína animal.
Selecionamos três principais:
· Cerealismo
· Vegetarianismo
· Veganismo
Cerealismo
Cerealismo corresponde à alimentação baseada no consumo de cereais. Os cereais foram muito importantes para a formação da maioria dos grandes impérios da Antiguidade. Em todos os continentes, conseguimos destacar cereais que foram a base da alimentação das antigas sociedades e são comuns até os dias atuais.
Exemplo
São exemplos o trigo na Europa, o trigo sarraceno para as comunidades do Oriente Médio, o sorgo na África, o arroz no Sudeste Asiático, o milho nas Américas.
Com o estabelecimento das grandes civilizações e o crescimento populacional vertiginoso, a proteína animal foi se tornando um alimento muito valioso. Por isso, a população pobre tinha como base da alimentação os cereais.
Nos anos 60, esse tipo de alimentação ganhou força no Brasil, principalmente a partir da dieta macrobiótica1. Confira o que a pesquisadora Elaine de Azevedo diz a respeito da macrobiótica.
Segundo Varatojo (2004), a macrobiótica não é exclusivamente uma dieta, mas um sistema dietético terapêutico e filosófico que tem como objetivo último ajudar o ser humano a desenvolver o seu potencial, seguindo as leis da natureza de um ponto de vista biológico (pela alimentação), ecológico (por escolhas diárias que contribuem para a melhoria da qualidade de vida ambiental), social e espiritual (por tratar os outros com amor e compaixão e assumir sua responsabilidade como um pequeno elo numa vasta cadeia de seres e fenômenos)
Fonte: DE AZEVEDO, 2018, p. 329.
Essa relação entre alimentação e espiritualidade pode ser apontada como variações características de modelos alimentares. Desta forma, não é exclusividade do cerealismo. Veremos mais sobre a relação entre religiosidade e alimentação na aula seguinte.
Vegetarianismo
Modelo alimentar que vem se tornando cada vez mais famoso no mundo todo, incluindo no Brasil. Modinhas à parte, uma alimentação baseada num modelo vegetariano tem por base uma dieta focada nos vegetais e cereais, não permitindo alimentos de origem animal, com restrição ao consumo de proteína animal.
Saiba mais
A partir desse modelo diversas variações vem surgindo. A maioria delas varia no grau de restrição aplicado, indo do restritivo total à restrição específica à carne. O ovolactovegetariano, por exemplo, permite a ingestão de ovos e de leite, mesmo sendo alimentos de origem animal. O mel, que também é um alimento de origem animal, gera algumas controvérsias. Para o senso comum, qualquer dieta de restrições de carne é vista como vegetariana, mas existem diferentes níveis de restrição.
Há aqueles que de fato restringe todos os alimentos de origem animal, os veganos, mas há também pessoas que mantêm hábitos alimentares majoritariamente sem produtos de origem animal, mas abrem exceção para peixes e frutos do mar, são os chamados piscicovegetarianos.
De uma forma geral, no dia a dia, a maioria dos adeptos de restrição de carne se intitulam vegetarianos. Entretanto, vale um destaque especial para os vegetarianos totais, os chamados veganos.
Isso porque, além do nível de restrição mais intensa, há também correntes do veganismo, que assim como a macrobiótica, pensam a alimentação não só como uma dieta, mas como um sistema de vida que dialoga com questões filosóficas, prezando pela alimentação orgânica, com o cuidado com a natureza e com o próximo, preservação de saberes do campo.
No geral, essa corrente pensa a alimentação como um sistema alimentar, aquele mesmo que vimos no começo da aula, entendendo que, mais que filiação a um modelo alimentar, precisamos conceber a alimentação como um sistema integrado do qual fazemos parte como consumidores, mas também como atores pensantes. Por isso, somos responsáveis por aquilo que consumimos.
Atenção
É importante salientar que os modelos alimentares apresentados aqui foram expostos na sua dimensão social, entendendo que eles são construções históricas e culturais. Por isso, não cabe aqui analisar as dimensões, benefícios e malefícios nutricionais de nenhum deles. Mas não ignoramos a existência e importância disso, contudo, provavelmente, isso você verá em uma outra disciplina. Cabe à nossa disciplina trazer a dimensão sociocultural destes modelos.
Em nossaúltima visita ao dicionário, fomos pesquisar a palavra hábito e encontramos, entre as definições disponíveis, uma que melhor nos atendeu:
Prática frequente = costume, uso.
Partiremos daí para apresentar o conceito de hábitos alimentares, como o conjunto de práticas alimentares frequentes de uma cultura alimentar específica (lembrando que falamos sobre cultura alimentar na primeira e na segunda aula). O antropólogo Poulain nos traz a seguinte definição para hábitos alimentares.
(...) conjunto de rituais que rodeiam o ato alimentar no seu sentido estrito. A definição de uma refeição, sua organização estrutural, a forma da jornada alimentar (número de refeições, formas, horários, contextos sociais), as modalidades de consumo (comer com garfo e faca, com a mão, com o pão), a localização das refeições, as regras de localização dos comensais e outros aspectos variam de uma cultura à outra e no interior de uma mesma cultura, de acordo com os grupos sociais.
Fonte: POULAIN, 2003, p. 253.
Percebemos que os hábitos alimentares dizem respeito a um espaço menor ao se olhar para uma cultura alimentar, que pode dialogar com grupos sociais específicos, como famílias, alimentação escolar, religiosidade.
Atenção
O conceito de hábito alimentar é o termo pelo qual a antropologia da alimentação se refere à maioria dos seus objetos de estudo. A relação de diferentes hábitos alimentares com nossa sociedade é o que veremos em grande parte de nossas aulas. Como esses hábitos se constituíram numa dimensão histórica, mas também sociocultural, são diversos fatores que influenciam nas escolhas que fazemos para compor nossos hábitos alimentares. Enfim, esse é mais um dos instrumentos conceituais básicos que usaremos ao longo das aulas.
Disciplina: História e antropologia da nutrição
Aula 5: Hábitos alimentares e religiosidade
Religião
A alimentação também tem sua dimensão sagrada. Os sentidos desse sagrado se apresentam de forma distinta em diferentes manifestações religiosas. Você pode estar se perguntando sobre a utilidade de saber isso. A resposta para essa pergunta é simples, conhecer mais sobre diferentes contextos socioculturais amplia o escopo teórico do nutricionista, tornando-o mais preparado para lidar com as diversidades culturais que a alimentação tem.
Nesta aula, vamos falar um pouco sobre peculiaridades e tabus alimentares de diferentes religiões. O objetivo dessa aula, além de ampliar seus conhecimentos, é mostrar que alguns dos hábitos alimentares da sociedade brasileira são frutos de influências religiosas e, muitas vezes, estão tão naturalizados que esquecemos a dimensão religiosa que os constituiu.
Segundo dados do IBGE, o Brasil ainda é um país de maioria católica, como nos mostra o gráfico a seguir.
Com o gráfico, podemos entender que o catolicismo é a religião majoritária desde os tempos coloniais. Quando pensamos na relação disso com a alimentação, significa dizer que muito da nossa alimentação recebeu influência de práticas alimentares e tabus desta religião. Mas não só desta, pois o Brasil é um país de dimensões continentais, que, ao longo da história, recebeu populações em diáspora, migrações voluntárias e incursões de populações de diferentes culturas.
Falaremos mais sobre a relação entre a alimentação e a formação histórica e étnico cultural do Brasil em outra aula, pois, nesta aula, nossa proposta é focar na relação entre alimentação e religiosidade.
Para isso, apresentaremos, nas linhas a seguir, algumas características alimentares e tabus de algumas das principais religiões do mundo, que têm alguma ligação peculiar com a alimentação: catolicismo, judaísmo, islamismo, candomblé de matriz iorubá e hinduísmo.
Catolicismo
Dentre as religiões que apresentaremos nas linhas a seguir, podemos dizer que o Catolicismo é uma das que menos apresenta restrições e tabus alimentares. Contudo, por ser a religião de maior expressão no Brasil, fomos culturalmente educados sob bases católicas, que influenciaram muitas das nossas práticas alimentares.
Muitas das nossas preparações populares que levam milho como ingrediente remontam aos festejos católicos, às quermesses, festejos que aconteciam na igreja ou praças públicas próximas às igrejas católicas.
Algumas dessas festas nascem com o objetivo de cooptar os festejos populares por conta da colheita do milho para dentro do espaço da igreja, homenageando santos católicos. Com isso, as festas e as preparações de milho ganharam força, caíram no gosto popular e estão aí até hoje.
Em relação às restrições e tabus alimentares, podemos dizer que um dos únicos que tem relação com o período é a quaresma1. As restrições nesse período variam de acordo com a devoção e o envolvimento de cada fiel, podendo ir de jejuns a restrições de um gênero específico de alimento.
Certamente, a mais famosa delas é a restrição da ingestão de carne na Sexta-feira Santa, que é a sexta-feira anterior ao domingo de Páscoa. Até mesmo essa restrição pode variar.
Em alguns lugares não se come carne de nenhum tipo. Em outros, a restrição recai somente sobre a carne vermelha. Ainda há aqueles que liberam apenas o peixe.
Atenção
Fato é que essa liturgia há muito se configura um hábito alimentar em muitos lugares do Brasil. É possível que você já tenha ouvido em algum momento que Sexta-feira Santa é dia de comer peixe. Mas o que talvez você não saiba é que essa relação entre carne vermelha como algo ruim, impuro, e peixe como algo bom e santificado vem de muito longe.
Quando a igreja católica começou a se expandir com mais força pela Europa, após a queda do Império Romano, os chamados reinos bárbaros dominavam boa parte da Europa. Os hábitos alimentares desses povos, principalmente da realeza, tinham como centro a carne de caça, uma vez que caçar era um hábito antigo para grande parte dessas populações.
Esses povos não eram católicos, mas, aos poucos se converteram por diversos motivos, que não fazem parte do conteúdo dessa disciplina. A Igreja Católica, a fim de firmar seus hábitos alimentares, como o consumo de frutas, cereais e peixe, passa a apontar a carne vermelha como um alimento pesado, impuro, ligado à alimentação de pessoas pagãs, isto é, que não foram convertidas ao catolicismo. Em contrapartida, o peixe, que, de acordo com a Bíblia, foi multiplicado por Jesus, passa a se tornar um alimento sagrado, associado à própria figura de Jesus.
Ainda sobre o contato com esses reinos, assim como os católicos impuseram hábitos alimentares aos chamados bárbaros, estes também imprimiram hábitos alimentares às práticas católicas. Alguns autores apontam que a prática da ceia em mesas grandes, com aves fartas no centro, remonta às mesas dos jantares reais destes reinos. Algo que foi se sofisticando ao longo do tempo, passando pelos grandes banquetes das realezas europeias, mas que permanece presente até hoje no hábito católico da ceia de Natal e na variante norte-americana do jantar de Ação de Graças.
A ideia de comunhão em torno de uma mesa de comida e a reconstrução renascentista da passagem da Santa Ceia dialogam muito com essa prática de comensalidade de alguns “reinos bárbaros” europeus.
Judaísmo
A relação entre a religião judaica e a alimentação é algo forte, que remonta às tradições religiosas judaicas. As regras de alimentação judaica encontram-se compiladas em escrituras sagradas, que constituem uma cozinha em sua dimensão de saberes e práticas mantidos até hoje. Essa cozinha recebe o nome de kasher ou kosher. Segundo a nutricionista Mariana Wainer:
Uma das particularidades do povo judeu é o cumprimento das leis dietéticas judaicas, ou Kashrut, as quais transformam o hábito alimentar em uma expressão de suas tradições, prática religiosa e transmissão de um legado de mais de cinco mil anos de história (TOPEL, 2003; MORASHÁ, 2016). Os princípios destas regras são encontrados em dois livros da Torá (livro sagrado do judaísmo), Levítico e Deuteronômio. Ao longo de gerações estas leis foram repassadas oralmente (Torá Sheb'al Pê) até que foram escritas em outras fontes judaicas como a Mishná e Talmud(código de leis judaicas escritas). A palavra kasher, na língua hebraica, significa apta, adequada. A Kashrut expressa quais alimentos são aptos para consumo por um judeu (KLBD, 2017b), tendo objetivo de garantir a saúde física e espiritual do indivíduo.
Fonte: DE AZEVEDO, 2018, p. 329.
Atenção
É importante salientar que, assim como no caso da religião católica, o grau de comprometimento com as restrições e tabus alimentares varia de acordo com a relação dos indivíduos com a religiosidade. O interessante em relação à religião judaica é que a lista de tabus é tão grande que o próprio nome da cozinha remete à ideia de “aquilo que está apto” para ser comido.
Não conseguiríamos listar todas as restrições, mas há algumas especificidades interessantes e úteis para ampliar seu conhecimento sobre o assunto. Listamos abaixo alguns deles:
· Carne e leite não devem ser misturados ou ingeridos juntos;
· Só é kasher a carne de aves domesticadas, como o peru, ganso e frango;
· Todo o sangue do animal deve ser drenado antes de ser consumido;
· Carne de porco, moluscos e frutos do mar não podem ser consumidos;
· Só podem ser consumidos peixes com escamas e barbatanas;
· Produtos à base de uva só devem ser consumidos se forem produzidos por um judeu;
· A ingestão de insetos e vermes é proibida;
· Frutas, legumes e vegetais devem ser muito bem examinados e lavados antes do consumo, para evitar a ingestão de insetos ou parasitas, que são considerados proibidos para a lei judaica
Esses são alguns dos pontos descritos na Talmud2.( Livro sagrado para a religião judaica, uma espécie de grande código de conduta, que, dentre outras coisas, traz também aspectos sobre a conduta alimentar.) Uma coisa interessante de se ressaltar em relação à cozinha kasher, que dialoga com outras disciplinas do curso de Nutrição, é que a pureza de um alimento está muito associada às ideias de limpeza, higiene e cuidado com a produção alimentar, tanto em relação à criação agrícola e pecuária, assim como o abate, até a preparação em si.
Essa cozinha prima por um cuidado, que é algo que dialoga muito com a formação dos nutricionistas atualmente. Há pesquisas recentes que colocam essa cozinha como uma das primeiras ideias e experiências de produção orgânica de alimentos
Islamismo
Assim como ocorre com o judaísmo, o islamismo também possui um sistema organizado de condutas, restrições e tabus alimentares, que estão registrados no livro sagrado dos muçulmanos, o Alcorão.
A religião islâmica também possui uma cozinha própria, a cozinha halal, que considera os saberes e restrições relacionados às práticas alimentares da religião.
Assim como ocorre com as outras religiões que já citamos, o nível de envolvimento e filiação com as restrições e tabus alimentares varia de acordo com o comprometimento de cada indivíduo, mas os muçulmanos são um pouco mais ortodoxos e rígidos que as religiões anteriores, especialmente em relação a alguns pontos, como as restrições à carne de porco e à bebida alcoólica.
Segundo a pesquisadora Eliane de Azevedo:
A influência da religião também se expressa em proibições (haram), como a não ingestão de sangue, de animais encontrados mortos, pássaros com garras, animais sem orelhas (sapos, cobras), carnívoros com presas, além do uso de álcool e drogas. O nome de Alá [Deus para os muçulmanos] deve ser pronunciado quando os animais são carneados [abatidos].
O uso de especiarias também é uma marca dessa cozinha, não só pelo sabor, mas também pelas propriedades medicinais das mesmas.
As carnes devem ser abatidas de acordo com os preceitos do Alcorão, seguindo um ritual específico para o momento do abate.
Carnes abatidas segundo este ritual recebem um selo halal e podem ser comercializadas.
Saiba mais
Segundo a Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), o Brasil é o maior exportador de carne halal do mundo. Todo produto da terra, desde que não tenha produtos contaminantes e siga as regras acima, é considerado halal.
Candomblé de matriz Iorubá
O candomblé é uma religião brasileira de matrizes africanas. Sua prática começa no Brasil por meio da ressignificação de diferentes cultos da ancestralidade dos africanos escravizados no Brasil.
Embora seja uma religião praticada desde o final do século XIX, que dialoga muito com a formação étnico cultural do país, as práticas de matrizes africanas também são historicamente perseguidas e vistas com olhares preconceituosos.
Comentário
Grande parte dessa visão etnocêntrica e preconceituosa ocorre por conta do racismo estrutural do país, mas também por desconhecimento dos próprios brasileiros sobre essas práticas religiosas.
O candomblé de base iorubá, fundamentado na mitologia dos povos de matriz cultural iorubá, tem um diálogo fortíssimo com a alimentação.
E, assim como algumas das religiões que vimos anteriormente, também possui um complexo culinário chamado cozinha de santo ou culinária de terreiro.
Saiba mais
O princípio básico dessa cozinha gira na ideia de que os alimentos possuem uma energia vital, chamada de axé, e a alimentação seria um dos principais canais de equilíbrio energético dos indivíduos, visando sempre a harmonia com sua comunidade e com o mundo.
O tabu religioso, que também é uma marca dessa cozinha, recebe o nome de quizila, variando de acordo com os preceitos e orientações ritualísticas para cada indivíduo. Os tabus são mais individualizados, mas há rituais gerais em relação à comida.
A prática de comensalidade, ou seja, o ato de comer junto, também é uma marca da cozinha de santo. Mesmo aqueles que estão em reclusão religiosa costumam comer acompanhados de algum outro companheiro de religião, os chamados filhos de santo.
Um dos pontos mais controversos quando se pensa em candomblé é a questão do sacrifício animal. Apesar do desconhecimento e das informações falsas sobre o assunto, é importante salientar que a cozinha de santo tem regras rígidas sobre o abate animal:
· Deve ser feito por uma pessoa especializada (geralmente filhos de santo de Ogum, que é o orixá que segundo a mitologia estão ligado ao ferro);
· O animal precisa estar sadio, não pode ficar estressado, e deve ser abatido de maneira a não gerar nenhum tipo de sofrimento;
· O sangue do animal é retirado.
Ao contrário das religiões judaica e muçulmana, que têm regras semelhantes para o abate animal, no candomblé de matriz iorubá, o sangue não é visto como algo impuro, mas como uma das principais fontes de energia vital, sendo designado para os rituais como um dos elementos de maior importância destes.
O respeito à natureza é um dos princípios básicos das religiões de matrizes africanas, o que passa pelo respeito no processo de abate animal, mas também a outros elementos da natureza. A ideia de utilização integral dos alimentos está presente desde as bases da religiosidade, tanto os animais abatidos quantos os insumos para as demais preparações na cozinha de santo, no geral, são integralmente utilizados.
Há muitas especificidades sobre essa cozinha, que não caberiam no espaço de uma aula. Apesar das tradições étnicas negras comporem a base da culinária de nosso país, a cozinha de santo do candomblé ainda é pouco estudada pelo campo da Nutrição. Acreditamos ser fundamental a exposição de alguns aspectos básicos sobre ela para desmistificar conceitos errôneos, bem como para ampliar o escopo de conhecimento e pluralidade da formação dos nutricionistas brasileiros.
Hinduísmo
O hinduísmo é uma das religiões mais praticadas na Índia, de tradição milenar, mas com adeptos em todo o mundo. Assim como as demais religiões que estudamos, também possui uma relação íntima com a alimentação e tem suas restrições e tabus alimentares. Apesar da intensa valorização dos vegetais, não é uma cozinha exclusivamente vegetariana, e, tal qual a cozinha halal, as especiarias também são uma marca registrada, tanto sabor e conservação, quanto pela sua funcionalidade orgânica.
Um dos principais tabus alimentares do hinduísmo é a proibição do consumo de carne bovina porque a vaca é animal sagrado para os hindus.
A comida tem umaimportância tão grande em relação à saúde dos indivíduos que a comida é vista também como remédio, fonte de prevenção de diversos males.
A partir da religião hindu surgiu a medicina ayurvédica, com uma alimentação toda própria que leva em questão a função orgânica dos alimentos, sendo uns mais ou menos indicado de acordo com a constituição física da pessoa, sempre no intuito de alcançar um equilíbrio físico e mental.
Esse pode ser considerado como um dos pilares do hinduísmo.
Assim como mostramos em relação ao candomblé, para os hindus, a comida também tem uma dimensão de vitalidade energética que permite um equilíbrio harmônico do indivíduo com o mundo.
Os sabores também são percebidos como um elemento importante, de acordo com Elaine de Azevedo, eles consideram a existência de cinco sabores distintos:
· Ácido
· Doce
· Amargo
· Salgado
· Adstringente
Cada um deles tem uma característica específica capaz de estimular sensações e sentidos. Por isso, são indicados ou refutados a cada indivíduo de acordo com as características de temperamento, tendências e constituição física que orientam os doshas de cada um.
Sincretismo
Além de todos os elementos apresentados anteriormente, quando pensamos a relação entre alimentação e religiosidade no Brasil, um outro elemento está sempre presente: sincretismo3. O Brasil, por ser um país de grande diversidade cultural, é um espaço sincrético por excelência.
Como exemplo de manifestações religiosas sincréticas relacionadas à alimentação podemos citar as celebrações em torno dos santos Cosme e Damião, que, principalmente no Rio e na Bahia, têm grande expressão popular.
No Rio de Janeiro, a tradição é a distribuição de saquinhos de doces às crianças. Na Bahia, a tradição é o oferecimento de um prato típico dos orixás Ibeji, o caruru. Mas, em ambos os casos, há uma mistura de valores e tradições católicas e de matrizes africanas.
Outros dois exemplos poderiam ser as feijoadas oferecidas a santos católicos, como São Jorge, que geralmente são preparadas nas datas próximas à celebração católica do santo, mas que também dialoga com o orixá Ogum nas religiões de matriz africana.
A ceia de Natal católica, com uma ave no centro, vem de uma apropriação da igreja católica primitiva dos hábitos dos “povos bárbaros”, que foram se cristianizando e, com o passar do tempo, se universalizando.
Muitas são as religiosidades que mantêm regras e restrições alimentares. Tentamos apresentar algumas delas para ampliar o conhecimento sobre elas para evitarmos abordagens etnocêntricas em relação a quaisquer tabus alimentares.
Disciplina: História e antropologia da nutrição
Aula 6: Escolhas alimentares
Liberdade alimentar
Como vimos em nossa aula sobre modelos alimentares, os seres humanos são animais onívoros. Ainda que algumas pessoas optem por seguir modelos alimentares restritivos, biologicamente, temos a capacidade de comer quase todo tipo de alimento.
Essa aparente liberdade alimentar nos dá a sensação de que somos totalmente livres para escolher o que comemos.
Mas será que não existem fatores que condicionam nossas escolhas e que, muitas vezes, estão tão naturalizados culturalmente que não nos damos conta dessa influência?
Respondendo ao questionamento proposto acima, podemos afirmar que diversos fatores influenciam nossas escolhas alimentares. Por mais isentas que nossas escolhas alimentares possam parecer, elas não são. Nesse sentido, apresentamos, nas próximas linhas, alguns dos fatores que podem influenciar essas escolhas.
Fatores culturais
Família, religiosidade, tradições étnico-culturais e regionalidades.
Fatores político-econômicos
Legislação e políticas alimentares do Estado, renda e oferta local de alimentos.
Fatores tecnológicos
Via redes sociais, grande mídia, tecnologia no campo e a própria indústria de alimentos.
Fatores de escolaridade
Formação dos indivíduos incidem nas suas escolhas alimentares.
O sociólogo Michel Poulain chama essa sensação de liberdade de escolha de “dilema do onívoro”.
O ato alimentar, segundo Poulain, se desenrola de acordo com regras impostas pela sociedade, influenciando a escolha alimentar. Essas regras são representadas pelas maneiras no preparo dos alimentos, pela montagem dos pratos e pelos rituais das refeições (como, por exemplo, os modos e as posições das pessoas à mesa, a divisão da comida entre os indivíduos, os horários estipulados, entre outros), contribuindo para que o homem se identifique com o alimento, também por sua representação simbólica. (POULAIN, 2009, p. 64)
Sendo assim, o fato de termos uma alimentação mais adaptável que a maioria dos animais, nos dá a sensação de que podemos escolher o que comer indefinidamente. No entanto, nossas escolhas sofrem diversas influências desde os primeiros momentos de nossa vida, pois, mesmo antes de podermos escolher o que comer, já existem regras e códigos socioculturais que definem nossa alimentação.
Saiba mais
A amamentação, que talvez seja a primeira fonte de alimento dos humanos, não é uma unanimidade na maioria das culturas. Durante alguns anos, o hábito de amamentar foi culturalmente condenado e, por conta disso, houve a introdução de novas práticas, como mamadeiras, seguida de novos alimentos, como o leite de vaca.
Nossa medicina ocidental considera o leite materno como o alimento mais importante, fundamentalmente na primeira infância. No Brasil, o Ministério da Saúde faz intensas campanhas sobre a importância do aleitamento exclusivo, no mínimo, durante os seis primeiros meses. Mesmo assim, estudos nos mostram que existem hábitos de introduzir diferentes alimentos, como leites, suplementos farináceos, água, sucos, chás e outras coisas para as crianças.
Esses hábitos variam de localidade para localidade, de família para família, mas todos podem ser entendidos como fatores culturais, que agem sobre nossas escolhas alimentares.
De uma maneira geral, podemos definir como fatores culturais todos os aspectos culturais que influenciam as escolhas alimentares dos indivíduos numa sociedade. Isso varia desde uma escala macro, se pensarmos na formação étnico-cultural dessa sociedade.
O que é culturalmente dito como comestível varia de acordo com os códigos de cada cultura e, mesmo dentro de uma cultura, podem haver mudanças de acordo com locais geográficos específicos. Chamamos isso de regionalidade.
Quando pensamos no Brasil, por exemplo, um país com uma grande diversidade cultural, mas também com uma grande biodiversidade ecológica, o que se come no Norte não é o mesmo que se come no Sul porque a regionalidade é um fator cultural que incide sobre os hábitos alimentares de cada região e, por sua vez, influenciam em nossas escolhas.
Exemplo
A “polêmica do coentro” é um bom exemplo da regionalidade. O coentro é um tempero muito utilizado nas regiões Norte e Nordeste do Brasil, mas menos utilizado no eixo Centro-Sul. Seu sabor e cheiro acentuado causam amor e ódio entre brasileiros, mas, de acordo com algumas pesquisas, a aceitação ou repulsa à erva pode ser entendida a partir de fatores culturais regionais.
A pesquisadora Joana A. Pellerano desenvolveu uma pesquisa sobre identidade e consumo alimentar com pessoas de outros estados que mudaram sua vida para São Paulo. Em um artigo publicado a partir dessa pesquisa, ela traz o exemplo do coentro e do açaí, como alimentos de controvérsia e identidade regional como podemos ver nesse depoimento de um dos entrevistados do artigo.
Acho que a coisa mais diferente [em São Paulo] é que odeiam coentro, né? É impressionante. Quer fazer sucesso no Face[book], é só falar bem de coentro. Na mesma hora vem todo mundo reclamar, dizer que coentro é nojento. É o post mais comentado.
O povo parece que fica ofendido porque alguém gosta de coentro. Eu que tinha que me ofender porque tão falando mal de uma coisa que eu gosto muito, né? É tipo se tivesse xingando a minha mãe [risos]. (PELLERANO, 2017, p.107)
Mas há também pesquisas que indicam influências de aspectos biológicos na repulsa ao coentro, como indica Helena Santos.
O coentro é composto poraldeído, presente também na canela, na baunilha e nas amêndoas amargas. É uma substância orgânica muito utilizada em artigos de cosmética, daí que o cérebro o agrupe na mesma prateleira do sabão. É através desse reconhecimento de cheiro que o cérebro identifica o que deve ou não comer. Esse processo é a razão da repulsa, que chega a parecer irracional. Essa comparação com o sabão é mais comum na Europa e nas populações judias e afro-americanas.
Além da das tradições étnico-culturais e da regionalidade, há fatores culturais que influenciam nossas escolhas alimentares numa escala menor de alcance, como a família e a religiosidade. Sobre a religiosidade já falamos na última aula, mas sobre a família, podemos dizer que ela influencia nossa alimentação de diferentes formas ao longo da vida.
Comentário
A família, geralmente, é o primeiro lugar de introdução alimentar das crianças. A forma como isso é feito e os tipos de alimentos ofertados na primeira infância são elementos de influência de nossas escolhas desde os primeiros momentos que ganhamos mais autonomia de escolha. Por exemplo, a nutricionista Gabriela Capim comanda um programa no canal GNT sobre a dificuldade de alimentação de algumas crianças e, na maioria dos casos, a escolha das crianças está diretamente relacionada às escolhas dos familiares.
Fatores político-econômicos
Dando prosseguimento ao estudo dos fatores que influenciam nossas escolhas alimentares, passamos aos fatores político-econômicos. O primeiro deles vem da administração política, das políticas alimentares que cada Estado implementa.
No Brasil, as políticas alimentares raramente seguem uma linearidade, o que significa que, infelizmente, a cada novo governo assumido, as orientações político-ideológicas de alimentação e nutrição mudam.
A legislação é outro fator que influencia nossas escolhas, pois elas se relacionam diretamente com a oferta de alimentos, distribuição, rotulação, propaganda. No Brasil, a indústria de alimentos tem uma liberdade legislativa maior do que em muitos países ocidentais, mas existem agências reguladoras e conselhos que procuram fiscalizar propagandas, rotulagens e, até mesmo, a produção de alimentos em nosso país, como é o caso da Agência Nacional de Vigilância Sanitária e do Conselho Nacional de Autorregulação Publicitária.
Também podemos apontar o cenário econômico do país, a renda familiar de cada pessoa e a oferta de distribuição de alimento de cada região como fatores político-econômicos. Nem todos os produtos estão disponíveis em todos os lugares. Nos grandes centros econômicos do país, a oferta é muito maior do que nas áreas mais periféricas.
Por outro lado, por termos uma distribuição logística de abastecimento predominantemente rodoviária alguns itens de hortifrutigranjeiro podem ser mais frescos no interior que nos grandes centros. O valor desses produtos também sofre alterações de acordo com a localidade, também influenciados por essa distribuição.
Exemplo
A greve dos caminhoneiros de 2018 é um bom exemplo para entendermos como fatores político-econômicos incidem sobre nossas escolhas. Uma das maiores crises de distribuição da história do país provocou impactos diretos na oferta de alimentos em diversas regiões do país.
Renda familiar
A renda familiar também influencia diretamente. Ainda somos um país que sofre com a fome. Nesse sentido, nem todas as escolhas alimentares menos saudáveis estão diretamente ligadas à opção pessoal, mas também à renda familiar e à distribuição local de gêneros alimentícios.
Escolaridade
A escolaridade, assim como o grau de instrução, a área de formação e o tempo disponível e dedicado para a alimentação também são fatores que influenciam nas escolhas alimentares. Diversas pesquisas apontam a relação entre o grau de instrução e os hábitos alimentares. Uma das fontes mais completas de dados sobre isso é a Pesquisa de Orçamento Familiar, do IBGE. Com ela, é possível saber mais sobre os hábitos de consumo dos brasileiros, inclusive de acordo com a escolaridade.
Quanto mais adquirimos conhecimento sobre a alimentação, maior nossa autonomia em relação às escolhas alimentares que fazemos. Isso se aplica às áreas de formação também.
A Nutrição, por exemplo, é a principal área de estudo e pesquisa em alimentação, nesse sentido, além de ser especialista na área, cabe ao nutricionista a responsabilidade de multiplicar o conhecimento, promovendo a educação alimentar e nutricional.
Comentário
Nossas vidas estão cada vez mais corridas. Infelizmente, o tempo dedicado à alimentação tem sido cada vez mais reduzido. O Guia Alimentar para a População Brasileira traz um tópico voltado para isso, defendendo a necessidade de organizarmos nossa vida a fim de acomodar um tempo a ser dedicado para a alimentação. Tanto no sentido de escolha, compra, higienização e preparação dos alimentos, quando para o comer juntos, e com calma.
Fator tecnológico
Pode influenciar por meio das mídias nas redes sociais e pela grande mídia. Talvez esse fator seja um dos grandes desafios atuais no exercício da educação alimentar e nutricional para os nutricionistas, pois a internet virou um dos grandes canais de propagação e busca de informações e a alimentação é um dos itens de busca mais procurados.
Desde receitas mágicas, dietas mirabolantes até perfis em redes sociais, como o Instagram, a Internet se transformou em um espaço de propagação de hábitos alimentares. O problema é que grande parte dessas informações nem sempre são de fontes confiáveis, ou seja, de recomendações certificadas por profissionais, não apenas da área da saúde, mas nutricionistas, de fato. Com isso, muitas informações errôneas e até mesmo prejudiciais à saúde acabam ganhando força e sendo disseminadas pelas redes.
No Brasil, a legislação garante que a prescrição de dietas alimentares seja de exclusividade dos profissionais da Nutrição, regulamentados por meio do Conselho Nacional de Nutrição e os respectivos Conselhos Regionais. Contudo, as informações das redes vêm ganhando cada vez mais força. Esse mesmo conselho regulamenta e orienta a ética da prática profissional dos nutricionistas também em relação às mídias sociais, cabendo denúncia e sanções às práticas antiéticas. A discussão sobre como lidar com o crescimento das redes ainda está no começo, mas é preciso encontrar um meio termo ético para lidarmos com as tecnologias, uma vez que elas cada vez mais influenciam as escolhas alimentares em nossa sociedade.
Em relação às grandes mídias, como emissoras de televisão aberta e fechada, jornais e revistas, há muita informação circulando e muitas delas ainda exercem influência em nossas escolhas alimentares. Seja o benefício deste ou daquele alimento, recomendações de marcas, receitas e suplementos, de uma forma geral, as mídias sempre foram consideradas por boa parte do senso comum como uma fonte segura de informação. Um bom exemplo disso é a popularização de alimentos como chia, linhaça, os novos hábitos de restrição de glúten e lactose, mesmo por quem não tem alergias e intolerâncias.
Mas, assim como no caso das redes sociais, não podemos olhar para a grande mídia como vilã, espaços de competição em relação ao trabalho do Nutricionista. É preciso criticidade ao lidar com as informações, mas também diplomacia para perceber os melhores caminhos de fazer das mídias mais aliados que inimigos.
Ainda em relação aos fatores tecnológicos, temos, por fim, as transformações que a tecnologia vem exercendo no agronegócio e na indústria alimentícia. Em relação ao campo, desde a Revolução Verde, na década de 70, o campo vem se mecanizando. É claro que isso tem fatores positivos, como o aumento significativo no volume de alimentos produzidos, mas também tem, como fator negativo, o aumento da contaminação por agrotóxicos, bem como a transformação das relações de trabalho no campo.
Há também a preocupação com a introdução dos alimentos transgênicos1, que ainda não possuímos clareza plena sobre seus efeitos a longo prazo para a saúde humana. Mas, em relação às nossas escolhas alimentares, podemos

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