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TCC COMO TRATAR DEPENDÊNCIA QUÍMICA EM TCC 
 
 
Dependência química 
Ernani Luz júnior 
A terapia cognitivo-comportamental, da qual Aaron Beck é um dos pioneiros com seus 
trabalhos sobre depressão, teve seu uso rapidamente estendido para diversas outras 
patologias, entre elas a dependência química. Mas foi só a partir de 1993, com a publicação 
de Cognitive Therapy of Substance Abuse, por Beck e colaboradores, que a utilização da terapia 
cognitiva das dependências químicas se expandiu. 
 Marlatt e Gordon, com a publicação de Relapse Prevention em 1985, aportaram importante 
contribuição para a abordagem dos usuários de drogas, com os conceitos de lapso e 
de situação de risco e com as novas técnicas para prevenção de recaídas. Também Miller e 
Rollnick, em 1992, com a publicação de seu livro Motivational Interviewing: preparing people 
to change addictive behavior, examinando profundamente a ambivalência dos pacientes e 
suas dificuldades de fazer e de aceitar mudanças e desenvolvendo novas técnicas 
motivacionais, enriqueceram significativamente o arsenal terapêutico para o tratamento das 
dependências. 
 Com dependentes químicos, a TCC vem sendo aplicada como psicoterapia individual, 
psicoterapia de grupo, terapia familiar e, também, por ambientes cognitivamente orientados 
(unidades hospitalares, escolas terapêuticas, hospitais-dia, comunidades terapêuticas). 
 Sendo uma forma de tratamento complementar, pode e vem sendo utilizada em associação 
com outros métodos terapêuticos, tais como: a terapia dos doze passos, os grupos de auto-
ajuda, as terapias psicodinâmicas o tratlamento farmacológico das dependências químicas e o 
tratamento das co-morbidades psiquiátricas. 
 Este capítulo tratará o tema exclusivamente com base nos conceitos de Beck, embora a 
contribuição de Marlatt e de Miller esteja implícita em muitos momentos. Os conceitos de 
dependência química e adicção serão utilizados, aqui, como sinônimos, e a palavra fissura será 
usada para a tradução de craving (o apetite patológico por uma droga, com manifestações 
fisiológicas e psicológicas). 
Na continuação, o capítulo abordará: 
O modelo cognitivo da adicção a drogas e das recaídas. A formulação cognitiva. As 
intervenções voltadas para cada uma das sete fases do modelo cognitivo As técnicas cognitivas 
e comportarmentais utilizadas. Uma breve ilustração clínica. Alguns instrumentos 
padronizados em anexo. 
O MODELO COGNITIVO 
Em 1993, Beck apresenta seu modelo cognitivo do uso de substâncias, também denominado 
Modelo Cognitivo de Recaída (Figura 17.1) 
1 – Situação – ou situações – atuam como estímulos de alto risco. 
2. Estímulos (internos ou externos) ativam crenças centrais sobre o indivíduo, o mundo e o 
futuro e as crenças sobre o uso de drogas. 
3. As crenças ativadas, geralmente não-conscientes, levam ao surgimento de pensamentos 
automáticos. 
4. Os pensamentos automáticos desencadeiam o surgimento de sinais e sintomas fisiológicos 
interpretados ou reconhecidos como fissura (craving). 
5. Surgem crenças permissivas, facilitadoras. 
6. Regido pelo craving e autorizado pelas crenças facilitadoras, o indivíduo planeja e 
providencia o acesso à droga e inicia seu uso. 
7. O uso da substância desencadeia uma situação contraditória: desejo de continuar o uso por 
um lado, e sentimentos de culpa e fracasso, por outro (classicamente denominado efeito de 
violação da abstinência – EVA). 
8. O desconforto psicológico ativa mais crenças disfuncionais e o uso da droga tem 
continuidade. 
Este não é um modelo etiológico, pois não explica a origem e o desenvolvimento das 
dependências químicas, mas permite compreender o que contribui para a manutenção do uso 
de substâncias psicoativas e para a tendência a recaídas, assim como identificar e definir as 
áreas às quais dirigir as intervenções terapêuticas. 
MODELO COGNITIVO DO USO DE SUBSTÂNCIAS (Beck e al., 19933B) 
A FORMULAÇÃO COGNITIVA 
Para o efetivo tratamento de um caso, é necessária uma formulação cognitiva abrangente, isto 
é, a coleta, integração e síntese de dados sobre o paciente, que permita fazer hipóteses sobre 
a etiologia de suas crenças disfuncionais e de seus principais sintomas, bem como planejar o 
tratamento dessas crenças disfuncionais e sintomas do paciente. 
Os dados coletados incluem: identidade, informações relevantes de sua história pessoal, o 
problema atual, sua lista de problemas, seu diagnóstico psiquiátrico (utilizando C1D-10 ou 
DSM-IV), seu desenvolvimento e o “perfil cognitivo”. 
No início do atendimento é feita uma formulação cognitiva inicial, que permite as primeiras 
intervenções terapêuticas, mas essa formulação vai sendo corrigida e completada até o final 
do tratamento. 
Judith Beck lista as sete questões que essa formulação deve procurar responder: 
Qual é o diagnóstico do paciente? Quais são seus problemas atuais, como esses problemas se 
desenvolveram e como são mantidos? Que pensamentos e crenças disfuncionais estão 
associados aos problemas? Quais reações (emocionais, fisiológicas e comportamentais) estão 
associadas ao seu pensamento? Que aprendizagens e experiências antigas (e talvez 
predisposições genéticas) contribuem hoje para seus problemas? Quais são suas crenças 
subjacentes (incluindo atitudes, expectativas e regras) e pensamentos? Como ele enfrentou 
suas crenças disfuncionais? Que mecanismos cognitivos, afetivos e comportamentais, positivos 
e negativos, ele desenvolveu para enfrentar suas crenças disfuncionais? Como ele via (e vê) a si 
mesmo, os outros, seu mundo pessoal, seu futuro? Que estressores contribuíram para seus 
problemas psicológicos ou interferiram em sua habilidade para resolver esses problemas? 
AS INTERVENÇÕES 
Em grupo ou isoladamente, a recaída será sempre um processo solitário de repetidas tomadas 
de decisão. O que a TCC procura é, modificando as situações e a interpretação do indivíduo de 
situações e estímulos, ou atenuando suas crenças disfuncionais mais importantes sobre o uso 
de drogas, treinar o paciente a desafiar seus pensamentos automáticos, a elaborar 
pensamentos e crenças alternativas no manejo de suas fissuras e no desafio das crenças 
permissivas a que mais frequentemente costuma recorrer, para habilitá-lo a desenvolver um 
estilo de vida sem drogas e a tomar, repetidamente, decisões que modifiquem o funcio-
namento do processo adictivo. 
Uma forma didática de apresentarmos a TCC do dependente químico é, considerando as sete 
fases do modelo cognitivo, examinar as intervenções voltadas para cada uma delas. 
Fase 1 – Os estímulos de alto risco 
Estímulos externos e internos podem ativar crenças disfuncionais sobre o uso de drogas. 
Pessoas, lugares e objetos relacionados com o uso da droga funcionam como estímulos 
externos. Por exemplo: ex-companheiros de uso, fornecedores, locais onde usava, objetos que 
utilizava para se drogar, objetos semelhantes à droga (pós, líquidos, cigarros), comerciais de 
rádio e TV, músicas que descrevem ou exaltam o uso de drogas, filmes que mostram rituais de 
drogas, etc. 
Como estímulos internos podem funcionar: as lembranças e os estados psicológicos de 
desconforto (depressão, ansiedade, irritacão, frustração) ou de bem-estar (euforia, 
experiências sexuais, experiências místicas) que tenham sido alterados ou produzidos pelo uso 
de drogas e que estimulem crenças antecipatórias ou crenças de alívio. 
Esses estímulos internos e externos que podem ativar o processo de recaída são também 
chamados de situações de alto risco. A identificação das situações de risco que sejam 
relevantes para determinado paciente, é sem dúvida, indispensável no processo de sua 
TCC. Tal identificação pode ser feita pelo trabalho clínico: estudo detalhado de recaídas 
anteriors, dos momentos em que apresentou fissura nas fases de abstinência, estudo de seu 
dia-a-dia. Outro recurso para essa identificação é o uso de inventários e questionários. 
Técnicasde dramatização também são utilizadas nesta fase. 
Fase 2 – As crenças ativadas sobre o uso de drogas 
As crenças que facilitam o uso de drogas são as chamadas crenças adictivas e são descritas em 
três categorias: 
Crenças antecipatórias: expectativa de que o uso da droga produzirá recompensa, gratificação 
ou prazer. 
Crenças de alívio: expectativa de que o uso da droga aliviará ou afastará algum desconforto ou 
sofrimento. 
Crenças permissivas ou facilitadoras: consideram o uso da droga aceitável, apesar das 
consequências. 
Beck preconiza que as crenças adictivas giram em torno da busca de prazer, da solução de 
problemas e do alívio do desconforto e variam de pessoa para pessoa e com o tipo de droga 
preferida. Entre as crenças adictivas, cita: 
• a droga é necessária para manter o equilíbrio psicológico ou emocional; 
• a droga melhorará o funcionamento social e intelectual; 
• a droga trará prazer e excitação; 
• a droga fornecerá força e poder; 
• a droga terá efeito calmante; 
• a droga trará alívio para a monotonia, ansiedade, tensão e depressão; 
• sem o uso da droga, o craving – fissura – continuará, indefinidamente e cada vez mais forte. 
Em oposição às crenças adictivas, os pacientes apresentam crenças de controle, aquelas que 
diminuem a possibilidade do uso e abuso de substâncias 
Os dependentes lidam com situações mistas, ou seja, convivem com a coexistência de crenças 
adictivas e crenças de controle. 
Cabe à TCC modificar e atenuar as crenças adictivas, fortalecendo as crenças de controle do 
paciente e auxiliando-o a desenvolver novas. Para tanto, é importante a identificação das 
crenças adictivas mais influentes no comportamento de cada paciente. Essa identificação pode 
ser feita pelo contato clínico com o paciente durante as sessões e também por inventários. 
Desses inventários, destacam- se o inventário de crenças sobre o uso substâncias e o 
Inventário de crenças sobre fissuras, ambos desenvolvidos por Fred Wright (em anexo). 
Identificadas as crenças adictivas mais relevantes no comportamento do paciente, o campo 
dos esforços terapêuticos está balizado. No entanto as crenças adictivas – desenvolvidas e 
superapreendidas ao longo do tempo – foram reforçadas por inúmeras experiências de uso da 
droga. Além disso, todos os frustrados esforçosi anteriores de abandonar o uso da droga 
reforçaram as crenças adictivas e desenvolvera a crença de que é inútil tentar contolar a 
adicção. Modificar crenças adictivas, portanto, é tarefa bastante difícil, porque elas são 
profundas e extremamente resistentes à mudança. 
Para modificar as crenças adictivas é necessário: 
identificar crenças adictivas e avaliar sua real importância na vida do paciente; familiarizar o 
paciente com o modelo cognitivo de recaída; examinar e testar as crenças adictivas; 
desenvolver crenças de controle; 5. testar e praticar crenças de controle. 
Fase 3 – Os pensamentos automáticos (PA) 
A interpretação de uma situação (mais que a situação em si) influencia a resposta do indivíduo. 
Essa interpretação é muitas vezes expressa por um pensamento automático. 
Os pensamentos automáticos são pensamentos, idéias ou imagens que coexistem com o fluxo 
mais manifesto do pensamento; são pouco conscientes, não são questionados, parecem surgir 
automaticamente e geralmente são tomados como verdadeiros. Costumam preceder e 
determinar alterações importantes no humor, no comportamento e no estado psi-cofisiológico 
do indivíduo. 
O treinamento do paciente em identificar seus pensamentos automáticos – testando sua 
realidade e utilidade – é uma das ferramentas mais utilizadas na TCC. A investigação dos 
pensamentos automáticos pela técnica da seta descendente é o caminho mais usado para a 
identificação das crenças centrais. Evidentemente, no tratamento da dependência química, o 
foco são os pensamentos automáticos (idéias, pensamentos, imagens) que precedem o 
surgimento da vontade de usar drogas e da fissura. Freqüentemente esses pensamentos são 
muito simples e repetitivos. 
Na TCC dos dependentes químicos, os pacientes necessitam se tornar experts em monitorar 
esses pensamentos. Devem, imediatamente após o surgimento da fissura, iniciar a 
investigação, procurando identificar o(s) pensamento(s) automático(s), desafiá-lo(s), examinar 
sua validade e utilidade e trabalhar em 
sua modificação, reconhecendo os efeitos desses PA em suas sensações físicas e na vontade de 
usar a droga. 
 Para facilitar essa tarefa, o paciente em tratamento, seja em consultório ou em regime de 
internação, deve ser treinado a fazer um registro do pensamento disfuncional – RPD -e de suas 
fissuras. 
 Nesta fase, as técnicas mais utilizadas são: l) identificação, avaliação e questionamento de 
PA; 
 2) RPD; 
 e 3) seta descendente. 
Fase 4 – A fissura (craving) 
O desejo muito intenso de utilizar a droga e as sensações fisiológicas concomitantes 
constituem o conjunto que os pacientes costumam identificar como “fissura”, e que torna tão 
difícil evitar o uso da droga. É importante que o paciente aprenda como lidar com suas 
fissuras, sendo essa uma das metas mais importantes no tratamento da dependência química. 
Geralmente o paciente ignora fatos e mantém uma série de crenças disfuncionais a respeito da 
fissura. 
A TCC no manejo da fissura volta-se para: 
aumentar o conhecimento do paciente sobre fissuras; identificar e corrigir crenças 
disfuncionais sobre fissuras; identificar e reforçar as técnicas que o paciente utiliza 
espontaneamente e com êxito para o manejo das fissuras; treinar o paciente em técnicas 
cognitivas e comportamentais para o enfrentamento das fissuras. 
 A fissura pode ser provocada, inadvertidamente, mesmo por atividade que tenha objetivo 
terapêutico. O simples relato de fatos relacionados com o uso da substância pode “fissurar” o 
paciente ou outro componente de um grupo, por exemplo. Mas também é possível provocar a 
fissura intencionalmente, para treinar atividades de tratamento. Assim, é importante que no 
programa de tratamento as últimas atividades do dia ou da sessão não sejam potencialmente 
acionadoras de fissura, mas sim atividades de relaxamento ou técnicas de distração. 
 É fundamental que o paciente seja esclarecido sobre a fissura: quando e por que ocorre, 
quanto tempo dura, quais são seus sintomas, seus desencadeantes, os tipos, etc. A 
identificação das crenças disfuncionais sobre fissura, relevantes para o paciente, pode ser feita 
no trabalho clínico e também por meio de inventários. Fred Wright, já citado anteriormente, 
elaborou um inventário para esse objetivo (em anexo). 
 O trabalho com as crenças identificadas requer os mesmos passos citados na Fase 2: 
identificar as crenças disfuncionais sobre fissura e avaliar sua importância para o paciente; 
familiarizar o paciente com o modelo cognitivo; examinar e testar a crença disfuncional, sua 
veracidade, sua utilidade, as evidências pró e contra; desenvolver crenças alternativas – 
de controle; testar e praticar as crenças de controle desenvolvidas. 
 Para o enfrentamento das fissuras concomitante ao trabalho voltado para as crenças 
disfuncionais, o paciente tem que ser treinado em diversas técnicas cognitivas e 
comportamentais. Partindo de manejos que o dependente já utilizava – com algum êxito -, as 
diversas técnicas podem ser apreendidas (por meio de dramatizações), cabendo ao paciente 
eleger duas ou três que pareçam mais úteis para sí, treinando-as e reforçando-as. As técnicas 
mais utilizadas são: distração, cartões de enfrentamento, assertividade, técnicas de 
visualização, refocalização, relaxamento e dramatização (descritas mais adiante). 
Fase 5 – As crenças permissivas ativadas 
Os pacientes, quando não estão experimentando a fissura, geralmente são capazesde 
reconhecer as consequências prejudiciais do uso da droga e a necessidade de evitá-la. Com a 
intensificação do craving, são ativadas crenças de que não há razões fortes o suficiente para 
não usar ou de que há razões que justificam o uso, apesar das consequências: são as crenças 
permissivas. 
 Pelo estudo das fissuras e das recaídas vivenciadas pelo paciente e por meio de 
dramatizações, pode-se auxiliá-lo a identificar os pensamentos automáticos e as crenças 
permissivas a que mais freqüentemente recorre. Ele necessita ser treinado a monitorar o 
surgimento de suas crenças permissivas, questionando-as, testando-as e modificando-as. As 
dramatizações em ambiente protegido, sem acesso a drogas são indicadas para esse trabalho. 
 O trabalho cognitivo a ser feito com as crenças permissivas segue os mesmos passos citados 
nas crenças adictivas e nas crenças sobre fissura. Além disso, convém lembrar que as crenças 
de controle desenvolvidas podem utilizadas como conteúdo de cartões de enfrentamento. 
 
Fase 6 – O plano de ação e a implementação 
Esta fase inclui o planejamento e a execução de passos e providências necessários para o uso 
da substância: como conseguir dinheiro, como adquirir a droga, como ultrapassar os 
obstáculos, etc. 
O estudo de fissuras e de recaídas prévias e a utilização de dramatizações permitem identificar 
– com o paciente – quais os caminhos, quais as características, quais os passos que costuma 
percorrer nesta fase. Isso pode facilitar o reagendamento das atividades do paciente e a 
reorganização de seu estilo de vida, afastando elementos e tornando menos provável a 
recaída. 
Planos de ação alternativos podem e devem ser elaborados e testados. Assim, para preparar o 
paciente para enfrentar esta fase, ele deve ser treinado em: 
– identificar os planos de ação e os métodos padronizados que utiliza em suas recaídas; 
– elaborar planos de ação e comportamentos alternativos; 
– afastar fatores que facilitem a recaída. 
Fase 7 – O uso continuado 
O reinicio do uso da substância, além de reativar os mecanismos bioquímicos da dependência 
(mais ou menos intensos de acordo com a droga envolvida, as características do paciente e a 
severidade e fase de sua adicção), costuma desencadear sentimentos importantes de culpa, 
fracasso, auto-recriminação. Nesta fase, reativam-se inúmeras crenças adictivas (Fase 2) que 
levam ao surgimento de pensamentos automáticos (Fase 3) e à perpetuação do processo de 
adicção. 
 Na continuação do uso, menor vai ficando a possibilidade de o paciente deter o processo, 
mais fortalecidas vão se tornando as crenças adictivas e mais débeis as crenças de controle. 
Muitas vezes o tratamento do dependente químico tem início nesta fase. Além disso, a recaída 
é intercorrência frequente no curso do tratamento. Portanto, é útil – e fundamental – não 
encarar o uso da substância como um fenômeno sem meios-termos. 
 O reinicio do uso da droga pode e deve ser encarado como um “lapso”, um “escorregão”, 
momento no qual alguma coisa ainda pode ser feita para impedir o desenvolvimento completo 
da recaída. Mesmo o uso dependente pode ser encarado como um processo no qual o uso da 
dose seguinte, ou o uso do dia seguinte, é visto como a tomada de uma nova decisão, que 
pode ser abordada cognitivamente. 
 Nesta fase é importante avaliar a motivação do paciente. Para isso, além da avaliação clínica, 
existem questionários específicos. Um dos mais utilizados é o URICA (University of Rhode 
Island Change Assesment), que avalia a motivação do paciente, classificando-o de acordo com 
os “estágios de motivação para a mudança” estabelecidos por Prochaska e Di Clemente. Essa 
classificação localiza o paciente como predominantemente em pré-contemplação (nem pensa 
em interromper o uso, fazer qualquer mudança), em contemplação (está ambivalente, pensa 
em modificar seu hábito mas também em conservá-lo), em determinação (está decidido a 
modificar seus hábitos), em preparação (elabora estratégias de mudança), em ação (está 
engajado em ações específicas para chegar a uma mudança), em manutenção (está engajado 
em manter a modificação conseguida) ou em recaída (retorno ao uso dependente da droga) 
(Figura 17.2). 
 Visando a preparar o paciente para enfrentar esta fase, pode-se utilizar dramatizações (de 
lapsos, recaídas, situações passadas) com os pacientes que estejam em abstinência. Com os 
que estão em fase de uso continuado da droga, para reforçar sua motivação, utiliza-se a 
análise de vantagens e desvantagens (do uso e da abstinência) e o exame da congruência ante 
os objetivos a longo prazo e o uso da droga. 
ESQUEMA DOS ESTÁGIOS MOTIVACIONAIS 
AS TÉCNICAS UTILIZADAS 
As técnicas mais usadas na TCC do dependente químico, embora sejam de uso comum nas 
terapias cognitivas em geral, serão sucintamente descritas a seguir: 
Identificação de pensamentos automáticos (PA) Avaliação e questionamento de PA Registro 
diário de pensamentos automáticos disfuncionais (RPD) Identificação de crenças Avaliação e 
modificação de crenças Seta descendente Solução de problemas Exame das vantagens e 
desvantagens Distração 
Agendamento e monitorização Exposição gradual e dificuldade crescente Experimentos 
comportamentais Cartões de enfrentamento Relaxamento Exercício físico Dramatização 
Treinamento de assertividade 
Identificação de pensamentos automáticos (PA) 
Logo após uma importante modificação de humor ou o surgimento de forte vontade de usar a 
droga, o terapeuta, ou o próprio paciente, deve investigar: o que você estava pensando 
naquele momento, naquela situação? Que pensamento você acha que lhe passou pela cabeça? 
 Outras perguntas podem auxiliar a i certificação do pensamento automático: 
O que você acha que estava pensando naquela situação? Que pensamento lhe passou pela 
cabeça? Poderia estar pensando…….. ? Ou………… ? O que essa situação significou para você? 
Será que você pensou………… ? (O terapeuta propõe um pensamento neutro ou oposto ao 
esperado.) 
Avaliação e questionamento de PA 
Após a identificação de um ou mais pensamentos automáticos, o terapeuta vai auxiliar o 
paciente a avaliar sua veracidade, utilidade e consequências. Usa, para isso, o método do 
questionamento socrático, guiando o paciente para chegar às suas próprias conclusões, mas 
também treinando-o para realizar esse exercício sózinho. 
 O paciente deve avaliar, de O a 10, o quanto acredita em seu pensamento – e depois 
questioná-lo 
 As perguntas básicas do questionamento socrático são: 
Quais as evidências reais a favor deste pensamento? Quais as evidências reais contra este 
pensamento? Poderia haver outra explicação? Outra hipótese? Se o PA for verdadeiro, o que 
de pior poderia acontecer? Você conseguiria superar isto? O que de melhor poderia 
acontecer? Qual o resultado mais provável? O que você deveria fazer a esse respeito? Qual a 
consequência de você acreditar neste pensamento? O que poderia fazer para modificar este 
pensamento? O que você diria para um amigo ou parente que estivesse nessa situação? 
É óbvio que nem sempre todas as perguntas serão formuladas e, muitas vezes, terão que ser 
adaptadas. Após o questionamento e ser reavaliado o quanto o paciente ainda acredita no PA. 
Registro Diário de Pensamentos Disfuncionais (RPD) 
Treinar o paciente e solicitar que ele registre seus pensamentos disfuncionais, no final do dia, 
de preferência, ainda na vigência do desconforto psicológico, é técnica muito utilizada na TCC. 
No tratamento dos dependentes químicos, o mesmo é feito em relação às fissuras. Os usuários 
tendem a seguir usando drogas em função de seus pensamentos automáticos e crenças 
disfuncionais e das emoções negativas resultantes. O preenchimento do RPD ainda durante a 
fissura ocupa um tempo no qual pode ocorrer a diminuição da mesma. Além disso, o exame da 
adequação e da veracidade dos PA pode levar à redução da intensidade da fissura. 
 O preenchimentodo RPD como tarefa de casa, no intervalo das sessões, oportuniza ao 
paciente seguir identificando, avaliando e questionando seus pensamentos automáticos. E 
permite ao terapeuta ter uma ideia do que realmente ocorre com seu paciente entre as 
sessões. 
Identificação de crenças 
As crenças sobre drogas, sobre fissuras e as crenças intermediárias e centrais do paciente 
podem ser identificadas pelo uso das mesmas técnicas: 
observando quando um pensamento automático expressa uma crença; usando a técnica da 
seta descendente a partir de um PA; examinando diversos PA e encontrando uma temática 
comum; pinçando uma suposição do paciente e explorando-a; aplicando inventários de 
crenças sobre uso de drogas e sobre fissuras. 
Avaliação e modificação de crenças 
A avaliação e a modificação de crenças é uma atividade central na terapia cognitiva em geral. 
Na TCC dos dependentes químicos, isso se repete. 
 Crenças centrais e crenças intermediárias identificadas, muitas vezes relacionadas com a co-
morbidade apresentada pelo paciente (frequentemente transtorno depressivo, transtorno de 
ansiedade e da personalidade), precisam ser modificadas, para que seja obtida melhora mais 
duradoura. 
 As crenças adictivas identificadas, sejam antecipatórias, de alívio ou permissivas, devem ser 
modificadas, e crenças de controle devem ser reforçadas, elaboradas e testadas. Para isso, 
podem ser usados: 
o questionamento socrático (técnica 2); o exame das vantagens e desvantagens de acreditar 
na crença (técnica 8); o experimento comportamental (técnica 12); a dramatização (técnica 
16). 
Seta descendente 
É uma técnica usada, com frequência, para atingirmos uma crença a partir da identificação de 
um PA. Parte-se do PA questionando: se isto é verdadeiro, significa o quê? E se isto é 
verdadeiro, significa o quê? de maneira repetitiva, até que muitas vezes chega-se a uma crença 
central. Exemplo: 
Pensamento automático: “Não dá para ir a uma festa e não beber”. 
Se isto é verdade, significa o quê?: “Que eu não consigo me divertir se não beber”. 
E não se divertir na festa, significa o quê?: “Não vou poder falar com ninguém, dançar”. 
E se for assim, significa o quê?: “Que eu sou uma porcaria, não sou de nada”. 
Ser uma porcaria, não ser de nada, significa o quê?: “Que eu sou um incapaz, um fracasso” – a 
crença central subjacente. 
Solução de problemas 
É técnica básica na TCC e pode ser treinada e utilizada desde o início da terapia. Ela visa a 
auxiliar o paciente a: 
identificar e delimitar o problema; pensar nas diversas soluções possíveis (tempestade de 
idéias); examinar os prós e os contras para cada solução pensada; escolher a melhor solução 
disponível; colocá-la em prática; avaliar a efetividade e a adequação da solução escolhida. 
Exame das vantagens e desvantagens 
É uma técnica utilizada para auxiliar os pacientes na tomada de decisões. O paciente é 
estimulado a escrever as vantagens e desvantagens de determinada decisão ou 
comportamento e examiná-las e, então, tomar sua decisão. Pode ser utilizada, também, na 
análise sobre a conveniência de manter determinada crença ou de aceitar uma crença nova. 
 Na TCC das dependências químicas, ela pode ser usada para examinar as vantagens e 
desvantagens do uso da droga e da abstinência na motivação do paciente, no trabalho de 
modificação das crenças adictivas e na elaboração de novas crenças de controle. 
 Os usuários de drogas, tipicamente, mantêm crenças que minimizam as desvantagens do uso 
e maximizam suas vantagens. Os pacientes são orientados a preencher uma matriz, com 
quatro áreas, nas quais listarão as vantagens de usar, as desvantagens do uso, as vantagens e 
as desvantagens da abstinência (em anexo). 
Distração 
Esta é uma técnica importante no manejo da ansiedade e da fissura. Nestas condições, ansiosa 
e fissurada, a pessoa tende a concentrar sua atenção nas várias sensações corporais e nos 
pensamentos automáticos concomitantes. 
A “distração” consiste no esforço para mudar o foco da atenção do mundo interno para o 
ambiente externo. 
Como exemplos de distração: 
retirar-se do ambiente, se nele está presente o desencadeante da ansiedade e da fissura; 
descrever detalhes do meio ambiente (carros, cores, contagens de objetos); envolver-se em 
diálogo sobre outro tema com pessoa disponível (amigo, familiar, consultor, terapeuta); 
envolver-se em atividade prática, como tarefa doméstica, arrumação de arquivo, organização 
de livros, banho; lembrar e executar poema, oração ou música de seu agrado, silenciosamente 
ou em bom som; envolver-se em atividade lúdica e que requeira atenção: jogos de carta, 
videogames, palavras cruzadas, quebra-cabeças, jogos de computador. 
 Agendamento e monitorização 
É um método simples e direto. O paciente, concordando em utilizá-lo, recebe uma grade com 
os sete dias da semana, divididos em intervalos de meia ou uma hora, para registrar – 
monitorar – as atividades realizadas, o grau de satisfação e de competência percebidos em 
cada atividade e o estado de humor. Esta técnica visa a: 
tornar claro o dia-a-dia do paciente, suas atividades reais durante a semana e como elas 
relacionam com suas fissuras e com seu uso de drogas; Programar atividades futuras – 
agendamento partindo do registro das atividades semanais (monitoração) e planejando 
atividades que o afastem do uso de drogas; Acompanhar o cumprimento das atividades 
agendadas. 
Com a interrupção do uso de drogas, pode-se sobrar muito tempo livre na vida do paciente, e 
é possível que sua rede social esteja composta exclusivamente por usuários. Esta 
monitoração servirá como uma linha basal, inicial, para introduzir ou resgatar atividades 
prazerosas ou gratificantes, assim como planejar, progressivamente, atividades relacionadas 
com drogas, o que levará o paciente, a médio prazo, a criar uma nova rede social e a organizar 
um novo estilo de vida. 
Este é um método simples, mas pode ser de difícil implementação, pois exige uma série de 
habilidades que o paciente talvez nunca tenha desenvolvido. Éprevisível o surgimento de 
resistências, sabotagens, evitação passiva, além de sentimentos de desesperança, baixa auto-
estima, frustração. Cada obstáculo, e os PA com ele relacionados, devem ser abordados à 
medida que novos passos forem programados. 
Exposição gradual e dificuldade crescente 
A busca da vida em abstinência obriga o paciente a algumas tarefas sentidas como 
muito grandes, muito difíceis e, por isso, desanimadoras. Esta técnica consiste em auxiliar o 
paciente a dividir esta (grande) tarefa em diversas etapas e acompanhá-lo no planejamento e 
na execução de cada passo. 
 Exemplo: Paciente cocainômano, cujos amigos atuais todos usam a mesma droga, pode 
decidir (e ser apoiado a) realizar uma tarefa simples, como ir ao cinema com um vizinho ou 
colega de serviço que não use droga. Após o cumprimento da tarefa, examinado seu sucesso 
(ou não) e os PA relacionados com sua execução, é decidida a nova tarefa, de maior 
dificuldade e exposição. 
Experimentos comportamentais 
São usados para testar tanto a validade de pensamentos e crenças sobre o uso de drogas como 
as crenças centrais do paciente. Este escolhe o pensamento ou a crença que quer testar (por 
sua importância), planeja seu experimento cuidadosamente e o implementa. Posteriormente, 
examina seus resultados e a possibilidade de modificar sua crença. 
 Exemplo: Um paciente pode ter a crença de que jamais conseguirá se divertir em uma festa 
sem álcool e cocaína. Programa cuidadosamente sua ida a uma festa de não-usuários de 
cocaína, planeja abster-se de álcool na festa e, posteriormente, avalia os resultados. 
 Um outro paciente pode ter a crença de que perderia todos os seus amigos se parasse de 
usar maconha. Poderia planejar uma reunião com seus amigos para lhes comunicar que parou 
de usar a droga e convidá-los a continuarem companheiros em atividadessem drogas. Após 
algum tempo, seriam examinados os resultados. Quanto aos amigos que perdesse, ele seria 
estimulado a examinar o significado dessas amizades pré-abstinência. Os amigos que 
conservasse estariam corrigindo sua crença de que perderia todos os amigos se não usasse 
maconha. 
Cartões de enfrentamento 
São cartões com lembretes que o paciente pode carregar consigo ou afixar em locais 
frequentemente visíveis (espelho do banheiro, porta da geladeira, agenda, painel do carro). 
Os lembretes podem ser elaborados na sessão ou pelo paciente, como tarefa de casa. 
Normalmente constituem: 
respostas funcionais a pensamentos automáticos disfuncionais ou a crenças sobre drogas 
(crenças de controle); estratégias de enfrentamento da fissura; pensamentos ou crenças que 
fortaleçam a motivação. 
 Os cartões de enfrentamento são instrumentos importantes no enfrentamento das fissuras. 
Relaxamento 
Nos usuários de drogas, com frequência, a ansiedade é um sintoma importante. Alcoolistas e 
tabagistas muitas vezes relacionam o uso de drogas com sua necessidade de relaxar. Como 
sintoma de abstinência e na fissura de diversas substâncias, a ansiedade se destaca. Por isso, 
as técnicas de relaxamento, provendo aos pacientes instrumentos de redução da ansiedade, 
são úteis no tratamento das dependências. 
 As principais técnicas de relaxamento são de dois tipos: exercícios respiratórios e 
relaxamento muscular progressivo. Ambas são técnicas nas quais há redução importante da 
ansiedade, sendo, portanto, úteis nas dependências e no manejo da fissura. O relaxamento, 
durante a fissura, além de reduzir a ansiedade, fornece ao paciente um intervalo de tempo 
durante o qual a intensidade da fissura pode diminuir. Além disso, o relaxamento pode 
permitir ao paciente a elaboração e confirmação de crenças de que ele está no controle e de 
que é capaz de lidar com sua fissura. 
Exercício físico 
Geralmente os usuários de drogas estão afastados da prática de esportes e de atividades 
físicas sadias. A introdução de exercícios físicos no tratamento desses pacientes é importante 
por três aspectos: 
• a prática de exercícios físicos é um importante passo no desenvolvimento de um estilo de 
vida sem drogas; 
• é instrumento importante no manejo de emoções negativas como ansiedade, 
insegurança e irritabilidade; 
• contribui na formação de uma nova a imagem, mais sadia, confirmando crenças mais 
positivas do paciente a respeito de si mesmo. 
Dramatização 
A dramatização (roleplay, encenação) é um recurso que pode ser utilizado nas intervenções de 
tratamento das sete fases do modelo adictivo, porque se presta aos mais diversos propósitos: 
obter um PA, provocar reações emocionais, provocar fissura e treinar o seu manejo, 
questionar PA, avaliar crenças, modificá-las e testar novas crenças, treinar habilidades, etc. 
 O paciente deve ser estimulado e treinado a utilizar a dramatização, e isso é muito facilitado 
pela participação ativa do terapeuta na sessão, assumindo o papel dos “outros” (patrão, 
cônjuge, amigo, etc.), bem como o do próprio paciente, quando cabe a este trocar de papel. As 
técnicas de dramatização podem, com mais facilidade, ser utilizadas em tratamentos em 
grupo. 
Treinamento de assertividade 
Espera-se que o indivíduo seja capaz de expressar e defender com clareza e firmeza suas 
decisões. A fim de capacitá-lo para isso, utilizam-se diversas técnicas: dramatização, solução de 
problemas, exposição gradual, experimentos comportamentais. 
 A assertividade deve ser dirigida não apenas à capacidade do paciente de “dizer não” ás 
drogas, mas também às diversas da sua vida – familiar, afetiva, profissional – nas quais o 
paciente necessita fazer reajustes que, em conjunto, vão configurar uma modificação no seu 
estilo de vida. 
BREVE ILUSTRAÇÃO CLINICA 
A seguir são apresentados dados da história de uma paciente e fragmentos da intervenção 
utilizada em sua TCC. Outros dados, psiquiátricos, de diagnóstico e psicofarmacológicos, não 
serão considerados. 
Identidade 
Laura, 24 anos, estudante de Direito, casada. 
Dados relevantes da história pessoal 
Filha de casal de origem alemã, nascida e criada em uma cidade de forte influência germânica 
localizada próxima da capital. Dos 2 anos em diante tomava a “espuma” da cerveja do avô 
paterno, o que era incentivado e saudado por todos os familiares. 
O pai, Lauro, industrial bem-sucedido, bebedor diário, queria um filho homem para cuidar dos 
negócios, o que só ocorreu com o nascimento do segundo filho, Júnior, quatro anos depois. A 
mãe, Célia, dona de casa, ex-rainha das piscinas, muito submissa ao marido, envolve-se em 
reuniões semanais para jogar cartas, jogar bolão e beber com suas amigas. Os pais mantêm um 
bom relacionamento conjugal – apesar do uso constante de álcool por parte dele – e as 
famílias de origem são muito agregadas e unidas. 
Apesar da dedicação e dos ótimos resultados obtidos por Laura na escola e nos esportes, os 
pais sempre valorizaram sua “beleza” e a “inteligência e os dotes atléticos” do irmão. 
A família paterna reúne-se mensalmente, na cidade de origem, para festejar, com muita 
bebida. 
A família materna, na capital, faz almoções dominicais regulares na casa da avó, com grande 
ingestão de cerveja e “brincadeiras” sobre bebida e embriagues. 
Durante o curso de Direito, já pertencendo e liderando um grupo de jovens que bebia e não 
usava outras drogas, Laura começou a faltar às aulas e a perder cadeiras. 
Conheceu Pedro, seis anos mais velho, professor de educação física, que não fuma, não bebe e 
nem usa outras drogas. Inicialmente, consegue esconder dele seu uso de álcool. Porque vão 
morar juntos – e depois casam -, passa a prometer a Pedro que vai beber menos (ou que vai 
parar). Não conseguindo cumprir suas promessas, aceita procurar tratamento. 
 As crenças de Laura 
No atendimento dessa paciente – em tratamento há três meses -, pela investigação com 
técnicas de dramatização e seta descendente, bem como com o preenchimento de 
inventários, ressaltam-se até agora: 
Crenças centrais: Eu sou inferior. Eu sou incapaz. Crenças sobre o álcool: A vida sem álcool 
ficaria chata. 
É a melhor maneira de eu conseguir bom entrosamento social e relaxamento. É impossível 
divertir-se sem álcool. É o melhor remédio para a minha ansiedade e timidez. 
• Crenças intermediárias: Para ser amada preciso dar o máximo de mim e não contrariar as 
pessoas. 
Exemplo de intervenção com a técnica da seta descendente 
Pensamento automático de Laura: sem bebidas não me divirto. 
T: “Se isto é verdade, significa o quê?” 
L: “Que vou ficar na festa quieta, calada, sem aproveitar.” 
T: “Se isto é verdade, significa o quê?” 
L “Que eu sou sem graça, sou apagada. Se não bebo não agrado, não descontraio.” 
T: “E se isto é verdade, quer dizer o quê?” 
L: “Ah, que eu sou um fracasso, que eu sou menos que os outros, que eu sou inferior.” (A 
crença central.) 
 Exemplo de questionamento socrático 
Pensamento automático de Laura: não adianta estudar, eu não aprendo nada. 
 T: “Quanto você acredita neste pensamento?” 
L: “80%.” 
T: “Quais evidências apoiam esta idéia?” 
L: “As minhas notas dos últimos meses.” 
Registro de pensamentos e de fissuras 
SITUAÇÃO 
PENSAMENTOS 
REAÇÃO 
RESPOSTA RACIONAL 
1.Há duas semanas sem 
 beber. Saí com as colegas, 
 no fim da tarde, e vai 
 para o bar 
 Vou ficar pouco tempo. Elas estão 
 se divertindo e eu me sinto por fora. 
 Não falo nada, se não beber. 
 Vou tomar só um chope 
Fissura – 70% 
 Não adianta, eu não tenho 
 freios, não sei parar. 
 Saí do bar antes das colegas 
2. Estudando à tarde,. 
 Em sua casa, sozinha, 
 Para prova difícil 
 Não adianta estudar, não vou passar 
 Não vou aprender nada 
 Eu não sei nada 
 Podia beber uma cerveja. Pedro 
 nem iria saber 
Depressão – 
 50% 
Fissura – 60% 
Parou de estudar e fez um RPD 
Tomou banhoenquanto aguardava Pedro 
3.Recebe convite para 
 a festa anual da 
 academia de Pedro 
 Melhor nem ir. 
 Sem bebida nem me divirto 
Tristeza – 50% 
Ansiedade – 
 60% 
 Seta descendente na sessão 
 T: “Que outras evidências apoiam esta idéia?” 
 L: “É isto mesmo, as minhas notas horríveis nos últimos meses.” 
 T: “Que evidências você vê que contrariam este pensamento (de que não adianta estudar, 
que você não aprende nada)?” 
 L: “Eu ter entrado, passado bem, no vestibular da Federal. Eu ter passado em todos os 
semestres, até agora, sem reprovações.” 
 T: “Há alguma outra explicação possível para as suas notas horríveis dos últimos meses?” 
 L: “Eu andei faltando a muitas aulas. Andei bebendo mais, estudando menos, sempre 
pensando em festa.” 
 T: “Isto sendo verdade, que mesmo estudando você não vai aprender nada, o que de pior 
pode acontecer?” 
 L: “Eu ir muito mal na prova, ser reprovada, perder a cadeira.” 
T: “Poderia suportar isto?” 
L: “Ah, ia ser horrível, mas eu suportaria.” 
 L: “Ah, eu ter sorte e ir muito bem na prova, tirar um ‘notão’.” 
 T: “Qual o resultado mais provável, nesta situação?” 
 L: “Pensando bem, acho mais provável eu sair ‘mais ou menos’, mas sendo aprovada. Não 
estou bebendo, posso estudar.” 
T: “O que você deveria fazer nesta situação?” 
 L: “Continuar o que estou fazendo. Não beber nesta semana, estudar.” 
 T: “E sobre este pensamento ‘não adianta estudar, eu não aprendo nada’. Quais as 
conseqüências dele na sua vida?” 
 L: “Eu não acredito em mim. Fico com vontade de desistir, de voltar logo a beber.” 
 T: “E se conseguisse alterar este pensamento?” 
 L: “Seria bom, eu sofreria menos, ia me sentir mais segura.” 
 T: “E depois deste debate, o que está pensando desta situação, como alteraria o 
pensamento?” 
 L: “Acho que eu posso pensar que as notas dos últimos meses mostram que eu não estudei, e 
não que não adianta estuda. Estudando mais talvez possa recuperar a nota.”” 
 T: “Laura, agora, após este debate quanto você acredita no pensamento” 
L: “Acho que 40%.” 
 
Comentários sobre o material clínico apresentado 
Os dados apresentados, embora ainda não configurem uma formulação cognitiva completa, 
permitem fazer hipóteses para compreender a origem das crenças disfuncionais de Laura, 
excessivamente positivas a respeito do álcool e negativas a respeito de sua própria pessoa.

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